Apesar dos esforços de alguns, ainda vivemos em uma democracia. E nossa Constituição garante a liberdade de imprensa e protege o sigilo de fonte.
A POLÍCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO é a que
mais mata no Brasil e uma das mais letais do mundo. Nos últimos anos, a
brutalidade aumentou de modo aterrorizante, seguindo os pesados ventos da
extrema direita no país. Esse é o fato público a ser investigado. É preciso
parar a máquina da morte que a Coalizão Negra por Direitos acertadamente
classifica como genocídio negro.
A Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, no entanto,
acredita que o problema se resolve de outra maneira: investigando os
jornalistas que denunciam a matança.
João Pedro Mattos tinha 14 anos quando foi assassinado,
em maio do ano passado, durante uma operação da Coordenadoria de Recursos
Especiais, a Core. Policiais atiraram em uma área residencial de dentro de um
helicóptero, ação extrema e ineficaz, que já havia sido proibida, em 2018, pela Secretaria de Segurança.
Quando pousaram a aeronave, os policiais crivaram de tiros
uma casa. O imóvel estava cheio de crianças, que brincavam – os policiais mentiram sobre os disparos em um primeiro depoimento,
negando a autoria. As crianças gritaram de terror. Baleado, João Pedro foi
carregado nos braços por outro adolescente e levado até o helicóptero da
polícia, onde embarcou. O menino, negro, sumiu.
A família rodou todos os hospitais da região atrás do filho,
descobrindo somente no dia seguinte que peritos do IML os aguardavam para o
reconhecimento de corpo. João Pedro estava morto. Denise Roz, tia, disse: “Meu
sobrinho era um menino negro. Não é porque é negro que ele é bandido. Meu
sobrinho não vai passar por bandido pra ninguém, pra corrigir erro de policial
nenhum.” O inquérito que realmente importa, aquele que deveria revelar os
assassinos, segue sem conclusão.
Não é o único caso de morticínio em favelas envolvendo a
Core. Como Demori escreveu no artigo, apurado com fontes e que incomodou a
Delegacia de Repressão de Crimes de Informática, que o investiga por calúnia
contra a Core, “a história cresce quando juntamos outros fatos [para além
da chacina do Jacarezinho, com 18 mortos]: a “facção”
[da Core] está envolvida no caso João Pedro (menino de 14 anos, morto durante
uma operação), na chacina do Salgueiro (oito mortos) e no caso
do helicóptero da Maré (oito mortos). São 41
homicídios somente nesses casos. Quantos mais?”
E cobra providências, papel vital do jornalismo em todo o
mundo: “É preciso que se investiguem as circunstâncias e os responsáveis dessas
operações assassinas.”
O estado policial que vem erodindo a democracia no Brasil
não parece interessado em investigar policiais. Em vez disso, prefere perseguir
jornalistas. Ameaças como essa não nos intimidam. Apesar dos esforços de
alguns, ainda vivemos em uma democracia. E nossa Constituição garante a
liberdade de imprensa e protege o sigilo de fonte. Continuaremos a fazer nosso
jornalismo independente e corajoso, sempre buscando revelar o que aqueles que
detêm o poder preferem esconder. Há quem não goste.
Cenrecomo
JN, Globo, 08/06/2021. A Polícia Civil do Rio de Janeiro
abriu um inquérito para investigar um jornalista do site Intercept Brasil,
autor de reportagem sobre a atuação de policiais na operação na favela do
Jacarezinho.
No Twitter
Manifesto contra intimação de jornalista Leandro Demori @demori pela polícia do Rio já tem mais de 100 assinaturas.https://t.co/pWOXRGVAIU
— Mônica Bergamo (@monicabergamo) June 10, 2021
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