Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Getty Images
Pelos próximos dois anos, a grande imprensa irá martelar que
Moro-Huck e Doria-Mandetta são as únicas opções para unir o Brasil. Não chega a
ser um estelionato novo.
UM NOVO EMBUSTE ELEITORAL está sendo armado no
Brasil. Luciano Huck e Sergio Moro estão articulando uma chapa para concorrer à
presidência em 2022. A ideia é formar uma candidatura que seja
anti-bolsonarista e anti-petista para vendê-la como uma opção moderada de
centro. Moro citou também Mandetta e Doria como nomes de centro que poderiam
integrar a frente.
Direitistas se vendendo como centristas não chega a ser um
estelionato eleitoral novo, pelo contrário. Até a chegada do bolsonarismo, a
direita tinha vergonha de se assumir. Direitistas eram liderados pelo PSDB, um
partido de origem centro-esquerdista que migrou para a centro-direita, mas
nunca se assumiu como tal. Essa vergonha era algo natural depois que a direita
ficou marcada pelos anos de ditadura militar. Bolsonaro, que era voz única na
defesa do regime militar, ajudou a resgatar o orgulho direitista. Mas, após a
tragédia implantada pelo bolsonarismo no Planalto, parece que a vergonha começa
a voltar – para alguns.
A grande imprensa brasileira ajudou a forjar o engodo, comprando exatamente o que Moro disse na ocasião. Noticiou o nascimento de uma terceira via moderada, como se dois dissidentes do bolsonarismo, que até ontem surfavam a onda do radicalismo, pudessem liderar um projeto moderado de centro. Criou-se, assim, um consenso no noticiário de que eles são o que realmente dizem que são. É o jornalismo declaratório e acrítico, que se limita a reproduzir as falas de políticos, mesmo as mais absurdas.
Algumas manchetes mentirosas passaram a circular na praça: “Moro, Huck e o caminho do centro contra Bolsonaro e o PT em
2022” ou “Moro Huck, Doria Mandetta: centro se articula para 22″,
entre outras tantas.
Fabio Zanini, da Folha de São Paulo, escreveu que Huck e Moro são “dois dos principais
nomes do centro no espectro ideológico na política”. O que são essas frases
senão a mais pura e cristalina definição de fake news? Como é que ex-apoiadores
do bolsonarismo podem ser considerados de centro? Moro, Huck, Doria e Mandetta
romperam com o bolsonarismo não por questões ideológicas, mas por conflitos de
interesses. Entre um professor progressista e um apologista da tortura e da
ditadura militar, todos eles, sem exceção, optaram pelo apologista da tortura e
da ditadura militar. De repente, toda essa gente virou moderada de centro? Uma
ova.
Mas como é possível enganar a população assim de maneira tão
descarada? Bom, os jornais gastaram muita tinta nos últimos anos pintando Lula
e Bolsonaro como dois radicais, como dois lados de uma mesma moeda. Choveram editoriais equiparando os dois nesses termos. O
ex-presidente é notoriamente um homem de centro-esquerda, que liderou por oito
anos um governo de coalizão que abrigava até mesmo partidos de direita.
Portanto, pintá-lo como o equivalente de Bolsonaro dentro do espectro de
esquerda é uma mentira grosseira. Diante desse cenário forjado, artificialmente
polarizado por dois extremistas que já estiveram no poder, fica mais fácil
vender a ideia de que a única saída é pelo centro. Ainda mais quando esse
centro é representado por um apresentador da Globo e um ex-juiz que é o herói
da imprensa lavajatista.
Rodrigo Maia, um homem de direita, corrigiu o
noticiário ao colocar Sergio Moro no seu devido lugar: a extrema
direita. Não há debate possível em torno disso. São muitos os fatos que colocam
Moro nesse espaço do espectro político. Enquanto juiz, Moro “sempre violou o
sistema o sistema acusatório”, como admitiu uma procuradora lavajatista no escurinho do
Telegram. Depois de ajudar a implodir a classe política — principalmente o PT —
e pavimentar o caminho de Bolsonaro à presidência, ganhou um ministério.
Enquanto ministro, lutou para que policiais tivessem carta branca para matar,
atuou como advogado da família Bolsonaro como no episódio do Vivendas da Barra
e ficou calado todas as vezes em que seu chefe fez ameaças golpistas.
A única participação de Moro na política partidária foi
integrando um dos principais ministérios de um governo de extrema direita. O
tal centrismo de Moro fica ainda mais ridículo quando ele sugere que general
Hamilton Mourão, outro defensor da ditadura militar e do torturador Ustra, é
também um homem de centro apto a fazer parte da sua
articulação.
Sergio Moro não abandonou o bolsonarismo por divergências
ideológicas. Não rompeu porque suas ideias centristas colidiram com o
radicalismo. Ele pulou fora porque Bolsonaro interveio no seu trabalho, que até
então era elogiadíssimo pelos extremistas de direita. Não há nenhuma razão
objetiva que justifique enquadrá-lo no centro a não ser os desejos da ala
lavajatista da grande imprensa, que ainda é hegemônica. É uma bizarrice
conceitual que lembra a pecha de “comunista” que Moro ganhou das redes
bolsonaristas após sua saída do governo. É a ciência política aplicada no modo
freestyle.
- Esse é o golpe que vão tentar nos aplicar em 2022: vender lobo extremista em pele de cordeiro centrista.
Doria e Mandetta até pouco tempo atrás apoiavam o
bolsonarismo. São homens de direita que toparam o radicalismo de Bolsonaro sem
nenhum problema. São direitistas que estão mais próximos da extrema-direita do
que do centro. E Luciano Huck? Bom, a sua trajetória não deixa dúvidas de que é
um homem de direita (escrevi a respeito no ano passado). O seu voto em Bolsonaro
deixou claro que ele é capaz de apoiar a extrema direita para evitar alguém de
centro-esquerda.
A ideia de que Huck poderia ser presidente nasceu na cabeça de Paulo Guedes, o economista que
colaborou com o regime sanguinário de Pinochet e que foi — e ainda é — o
fiador da extrema direita no Brasil. O apresentador da Globo foi cabo eleitoral
do seu amigo Aécio Neves e já exaltou o Bope nas redes sociais. É um histórico
incompatível com a aura de centrista moderado que ganhou da grande imprensa.
Apesar de algumas pinceladas progressistas em questões
envolvendo o meio ambiente, por exemplo, Huck também está mais próximo da
extrema direita do que do centro. A Folha de S. Paulo tem dado enorme
contribuição para a consolidação dessa imagem de centrista moderado, já que
frequentemente oferece espaço para que este condenado por crime
ambiental possa escrever em defesa do….meio ambiente.
O fato é que o centro na política brasileira é uma ficção.
Ele é a direita que se pretende moderada, mas que topa apoiar um candidato
fascistoide se o seu adversário for um homem com perfil moderado de
centro-esquerda. A grande imprensa está tratando esse oportunismo como uma
alternativa para o país que chegará em 2022 arrasado pelo bolsonarismo. Durante
as últimas eleições, a Folha emitiu um comunicado interno exigindo que seus
jornalistas não classificassem Bolsonaro como alguém de extrema direita. Isso
significa que a direção do jornal não quis contar a verdade para o eleitor.
Tudo indica que esse ilusionismo continuará com a fabricação dessa chapa
centrista e moderada formada por legítimos direitistas que suportaram um
projeto neofascista.
As chances dessa terceira via fake não vingar são grandes.
As pretensões dos envolvidos são grandes demais. Moro, Huck ou Doria aceitariam
ser o vice dessa chapa? Difícil, mas a tática direitista de se camuflar de
centro deverá ser aplicada, mesmo que com outros personagens.
Esse é o golpe que vão tentar nos aplicar em 2022: vender
lobo extremista em pele de cordeiro centrista.