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quinta-feira, 14 de março de 2024

Lava Jato e a cooperação controversa com os EUA: o que há por trás do interesse norte-americano


A colaboração secreta e ilegal entre o Departamento de Justiça dos EUA e os procuradores de Curitiba gerou críticas, evidenciando uma possível interferência estrangeira nas investigações da operação Lava Jato.


© Folhapress / Jorge Araúj

Revelações de conversas vazadas do Ministério Público Federal no Paraná, que já são conhecidas pelo público, apontam para uma subordinação a interesses estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos. Dez anos depois, a Sputnik Brasil conversa com especialistas que dão visões acerca dos impactos e interesses por trás do envolvimento dos EUA na operação que sacudiu a Justiça, a política, a economia e a sociedade do Brasil.

Lier Pires Ferreira, pesquisador do Laboratório de Estudos Políticos de Defesa e Segurança Pública (Lepdesp), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e do Núcleo de Estudos dos Países BRICS (NuBRICS), da Universidade Federal Fluminense (UFF), trouxe à tona questões controversas sobre a cooperação entre autoridades americanas e brasileiras durante a operação Lava Jato.


"Conversas vazadas do Ministério Público Federal no Paraná revelam que um dos aspectos mais controvertidos da Lava Jato foi sua subordinação a interesses estrangeiros, em particular dos Estados Unidos. Há que se lembrar que, anos antes, no governo [do presidente americano Barack] Obama, a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras haviam sido alvos de espionagem ilegal dos americanos", relembra o especialista.

 

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As discussões se concentram em como essa influência impactou não apenas as dinâmicas políticas e legais internas no Brasil, mas também a economia nacional.

Petrobras, principal alvo da Lava Jato, aceitou pagar uma multa significativa, parte da qual seria destinada a um fundo de combate à corrupção. No entanto, a tentativa dos procuradores de Curitiba de gerir esse fundo foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ação teve consequências devastadoras para grandes empresas brasileiras, como Petrobras, Odebrecht e JBS, resultando na perda de valor patrimonial e de fatias de mercado e desemprego em massa.


Arquitetura jurídica montada pelos EUA


À Sputnik Brasil, Fábio de Sá e Silva, autor de estudos sobre a Lava Jato, pesquisador e doutor em direito, política e sociedade da Universidade Northeastern (EUA), e professor associado de estudos internacionais e professor Wick Cary de estudos brasileiros na Universidade de Oklahoma (EUA), relembra que muitas das opiniões e inferências acerca da influência dos EUA na operação foram tratadas como teoria da conspiração, mas que houve de fato uma ingerência por parte do governo norte-americano.


"O que é um fato  e muito bem documentado  é que os EUA construíram toda uma arquitetura jurídica de combate à corrupção no mundo alinhada com os interesses nacionais, e a Lava Jato se deu um pouco a partir dessa arquitetura. […] De certa forma, os americanos fazem o que é bom para eles. O que me interessa questionar é por que os brasileiros — procuradores, juízes, veículos de imprensa  fizeram o que fizeram na Lava Jato, cujas consequências para a economia, o direito, a política e o próprio combate à corrupção no país são terríveis", indaga Silva.

 

Questionado sobre o interesse dos EUA na operação, Lier Pires destaca que, para além de intenções jurídicas e políticas, era um interesse de impacto que ajudava financeiramente o governo norte-americano.


"O interesse dos EUA direcionava-se prioritariamente à Petrobras, cujos desvios de conduta impactavam investidores norte-americanos, já que as ações da petrolífera brasileira eram negociadas em bolsas americanas. Não por outro motivo, em 2018 a Petrobras aceitou pagar uma multa superior a US$ 800 milhões [aproximadamente R$ 4 bilhões de reais]. Como se sabe, cerca de 80% desse dinheiro retornaria ao Brasil. Os procuradores de Curitiba pleiteavam a gestão dessa verba, que seria destinada a um fundo de combate à corrupção. Quase tiveram êxito. Todavia a manobra foi abortada pelo STF", comenta Ferreira à Sputnik Brasil.

 

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'Ninguém é inocente'


O especialista destaca ainda que a interferência dos EUA na Lava Jato revela a importância de Washington na política brasileira. Além disso, ressalta a falta de visão estratégica das autoridades judiciais brasileiras, criticando a abordagem que prejudicou empresas em vez de focar mais as pessoas físicas envolvidas.


"O fato que me parece mais relevante é que a influência dos EUA na Lava Jato revela primeiramente a importância de Washington na vida política brasileira, como já denunciava estridentemente o ex-governador Leonel Brizola. […] Ela traz à tona a total falta de visão estratégica das autoridades judiciais brasileiras, míopes em aspectos básicos do geodireito e do constitucionalismo estratégico. […] O fato é que as punições devem pesar mais sobre as pessoas físicas do que sobre as empresas", avalia.

 

Para Rafael Ioris, professor de história moderna da América Latina na Universidade de Denver (EUA), existia uma combinação realizada entre os agentes brasileiros e norte-americanos. Segundo ele, "ninguém é inocente".


"Os atores do governo dos Estados Unidos, especialmente o Departamento de Justiça, tinham uma narrativa e perspectiva de que a corrupção era um grande problema na América Latina e já haviam criado treinamentos, cartilha de como combater a corrupção na América Latina. […] Havia um interesse [dos EUA] na operação. […] Ninguém é inocente. Um começou a ajudar o outro [Brasil e EUA]", crava.


A queda de uma farsa


Rafael Ioris continua destacando que embora a grande mídia norte-americana legitimasse o que a mídia brasileira veiculava, com o tempo essa narrativa começou a ser descontruída. Afinal, as coberturas tanto brasileira quanto norte-americana tinham o objetivo de disseminar que a corrupção era o problema principal da América Latina.


"Aos poucos, especialmente depois da eleição do [Jair] Bolsonaro, muita gente começou a perceber que havia uma conexão entre o discurso antiestablishment, antipolítica que resultou na eleição de Bolsonaro […]. Houve uma certa preocupação com o resultado […] e houve uma percepção de que precisávamos [o Brasil] investigar mais um pouco [a Lava Jato]. […] foi um processo com grandes danos para a economia brasileira", arremata.


A 'corrupção sistêmica' e o interesse por trás


À Sputnik Brasil, Larissa Liz Odreski Ramina, professora de direito internacional público da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora de iniciação científica da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da mesma instituição, ressalta que houve uma sistematização do que consideraram, à época, corrupção sistêmica, fazendo uso seletivo.


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"Utiliza-se desse discurso da corrupção sistêmica de forma seletiva para atacar apenas governos, forças políticas e líderes do chamado progressismo latino-americano. Ou seja, aqueles que se opõem aos ajustes neoliberais ditados pelo Fundo Monetário Internacional. […] A guerra jurídica foi utilizada contra todos os modelos alternativos às políticas neoliberais, e essa narrativa da corrupção sistêmica teve o efeito de considerar a corrupção como um crime transnacional, […] da mesma forma que o tráfico de drogas e o terrorismo internacional são considerados — em uma perspectiva militar — como ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos", evidencia.

 

Para o pesquisador Lier Pires Ferreira, há aspectos legais na cooperação judiciária entre EUA e Brasil que não podem ser ignorados.


"Algo diverso ocorre nas ações interventivas, ainda que não tenham caráter direto, isto é, político ou militar. Essas ações são ao mesmo tempo ilegais e ilegítimas, pois ferem a soberania nacional. A submissão brasileira aos interesses norte-americanos no contexto da Lava Jato não apenas apequenou o Brasil, mas feriu sua soberania e imagem perante o conjunto das nações. Além disso, como já dito, teve um imenso custo econômico, muito superior aos recursos financeiros que conseguiu repatriar. A Lava Jato é um exemplo de que um país soberano jamais deve prostrar-se aos interesses estrangeiros, ainda que travestidos de nobres ideais", reforça Pires.

 

O professor Fábio de Sá pontua que essas tais formas importadas pela Lava Jato sequer são dominantes no direito americano.


"Por exemplo, [o então juiz Sergio] Moro condenou Lula utilizando decisões de tribunais federais americanos que diziam que não é preciso ato de ofício para configurar corrupção. Mas essa não é a 'lei da terra' nos EUA; a Suprema Corte decidiu, em 2016, que para se punir alguém por corrupção é preciso identificar com clareza um ato de ofício correspondente […]. Então o que vejo em tudo isso é um apelo aos EUA que serve para legitimar abusos, o recurso aos EUA como fonte de legitimação simbólica — o que funciona bem em um país com elites e imprensa que padecem do complexo de vira-latas", afirma o professor.

 

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Fonte: Sputnik Brasil


 

 

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Bretas é acusado de montar um esquema paraestatal e ilegal de investigação, acusação e condenação


Conversas gravadas pelo advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho mostra o juiz Bretas combinando penas


Marcelo Bretas - Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Segundo o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, Bretas está longe de ser um juiz imparcial e “se comporta como policial, promotor e juiz ao mesmo tempo: negocia penas, orienta advogados, investiga, combina estratégias com o Ministério Público, direciona acordos, pressiona investigados, manobra processos e já tentou até influenciar eleições, mas claro, tudo à margem da lei”.

O advogado Nythalmar afirma que tem provas e que vai apresentar todas elas e, a principal delas, é a gravação de uma conversa entre ele, o juiz e um procurador da República encarregado da Lava Jato.

Segundo informações da revista Veja, em 2017 os três discutiam uma estratégia para convencer o empresário Fernando Cavendish a confessar seus crimes mediante o oferecimento de algumas vantagens jurídicas.

O juiz diz a Nythalmar, representante de Cavendish, que havia sondado o Ministério Público sobre um acordo e, caso tudo saísse como combinado, poderia “aliviar” a pena do empresário. “Você pode falar que conversar com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar”, diz Bretas ao advogado.

Léo é o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, então coordenador da Lava Jato do Rio de Janeiro.

“E aí deixa comigo também que eu vu aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. O cara tá assustado com os 43 anos”, afirmou o juiz. Posteriormente à conversa obtida por Veja, de fato Cavendish começou a confessar os seus crimes e mais tarde assinou um acordo de delação premiada com o Ministério Público. À época, o empresário revelou que gastou milhões em propinas para políticos. Com isso, ganhou o direito de responder ao processo em liberdade.

O advogado afirma que, a partir dos áudios apresentados que o juiz Marcelo Brettas “demonstra de forma inequívoca que o juiz responsável, juntamente com os membros da força-tarefa, montou um esquema paraestatal, ilegal de investigação, acusação e condenação

No anexo II do acordo de colaboração, Nythalmar afirma que, por volta de maio de 2018k, a pedido do filho de Cabral, procurou Bretas com a proposta de livrar Adriana. O juiz concordou, ajustou os detalhes com o procurador Eduardo El Hage, então chefe da Laja Jato no estado, e deu orientações para que Cabral e a ex-primeira-dama redigissem uma carta de próprio punho “abrindo mão de todo o patrimônio”.

Preso em Bangu 8, Sérgio Cabral passou a confessar seus crimes a Bretas em junho de 2018. Em agosto do mesmo ano, o magistrado revogou a prisão domiciliar de Adriana Ancelmo e autorizou que ela respondesse às acusações em liberdade.

Por fim, o delator informou que tem guardada uma gravação que “demonstra a participação, ciência e aquiescência de acordo similar” ao do ex-governador.

Com informações da revista Veja


Fonte: Revista Fórum


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quinta-feira, 22 de abril de 2021

“Havia interesse dos EUA em me condenar”, denuncia Lula em entrevista à TV argentina


Em entrevista à TV argentina C5N, o ex-presidente afirmou que pretende se inspirar na vitória eleitoral de Alberto Fernández e Cristina Kirchner para a conformação de uma chapa em 2022



 

Em entrevista concedida no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba na análise das denúncias contra ele e anular todas as condenações, o ex-presidente Lula denunciou o interesse dos Estados Unidos em sua condenação, promovida pelo ex-juiz Sergio Moro. Essa tese ganhou força nas últimas semanas após Le Monde denunciar a proximidade do ex-magistrado com o Departamento de Justiça dos EUA.

“O lawfare é o uso do poder Judiciário para processos políticos. Isso aconteceu com Cristina [Kirchner] na Argentina, com [Rafael] Correa no Equador, com [Evo] Morales na Bolívia… No caso do Brasil, o mais grave é que havia interesses do departamento de Justiça dos Estados Unidos, das petroleiras americanas, das empreiteiras americanas… Queriam destruir a indústria de petróleo e gás”, disse o ex-presidente em entrevista ao jornalista Gustavo Sylvestre na TV argentina C5N.

“Esse processo foi uma mentira enorme, desde 2016 meus advogados mostram que foi uma farsa. Na realidade, a razão do meu processo foi um PowerPoint que meus acusadores usaram. Eu fui condenado por fatos indeterminados. Fizeram isso para me tirar das eleições de 2018”, completou.

O ex-presidente, que está elegível, comentou sobre as perspectivas para 2022 e revelou que se inspira no exemplo da coligação argentina Frente de Todos, quando a ex-presidenta Cristina Kirchner compôs chapa com o atual presidente, Alberto Fernández, em uma coalizão que mobilizou setores mais amplos do peronismo.

“Necessariamente não precisa ser Lula, pode ser outro companheiro. Mas se for necessário para ganhar de um fascista, eu posso ser candidato, mas precisamos dialogar com as outras forças de esquerda e de centro para fazer o mesmo que vocês fizeram na Argentina”, afirmou.

“Bolsonaro só pensa nos milicianos”, disparou.

Notícias relacionadas


Fonte : Revista Fórum


C5N

LULA DA SILVA: "Si es necesario y tengo que ser candidato en 2022, lo seré"

Assista ao VÍDEO


No Twitter


 

sábado, 10 de abril de 2021

Jornal francês mostra como os EUA usaram a "lava jato" para seus próprios fins


O que começou como a "maior operação contra a corrupção do mundo" e degenerou no "maior escândalo judicial do planeta" na verdade não passou de uma estratégia bem-sucedida dos Estados Unidos para minar a autonomia geopolítica brasileira e acabar com a ameaça representada pelo crescimento de empresas que colocariam em risco seus próprios interesses.



 

A história foi resgatada em uma reportagem do jornal francês Le Monde Diplomatique deste sábado (10/4), assinada por Nicolas Bourcier e Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (Opalc) da universidade Sciences Po de Paris.

Tudo começou em 2007, durante o governo de George W. Bush. As autoridades norte-americanas estavam incomodadas pela falta de cooperação dos diplomatas brasileiros com seu programa de combate ao terrorismo. O Itamaraty, na época, não estava disposto a embarcar na histeria dos EUA com o assunto.

Para contornar o desinteresse oficial, a embaixada dos EUA no Brasil passou a investir na tentativa de criar um grupo de experts locais, simpáticos aos seus interesses e dispostos a aprender seus métodos, "sem parecer peões" num jogo, segundo constava em um telegrama do embaixador Clifford Sobel a que o Le Monde teve acesso.

Sergio Moro aprendeu os métodos 
norte-americanos de defender 
os interesses norte-americanos
 fora dos EUA

Assim, naquele ano, Sergio Moro foi convidado a participar de um encontro, financiado pelo departamento de estado dos EUA, seu órgão de relações exteriores. O convite foi aceito. Na ocasião, fez contato com diversos representantes do FBI, do Departament of Justice (DOJ) e do próprio Departamento de Estado dos EUA (equivalente ao Itamaraty).

Para aproveitar a dianteira obtida, os EUA foram além e criaram um posto de "conselheiro jurídico" na embaixada brasileira, que ficou a cargo de Karine Moreno-Taxman, especialista em combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.

Por meio do "projeto Pontes", os EUA garantiram a disseminação de seus métodos, que consistem na criação de grupos de trabalho anticorrupção, aplicação de sua doutrina jurídica (principalmente o sistema de recompensa para as delações), e o compartilhamento "informal" de informações sobre os processos, ou seja, fora dos canais oficiais. Qualquer semelhança com a "lava jato" não é mera coincidência.

Em 2009, dois anos depois, Moreno-Taxman foi convidada a falar na conferência anual dos agentes da Polícia Federal brasileira, em Fortaleza. Diante de mais de 500 profissionais, a norte-americana ensinou os brasileiros a fazer o que os EUA queriam: "Em casos de corrupção, é preciso ir atrás do 'rei' de maneira sistemática e constante, para derrubá-lo."

"Para que o Judiciário possa condenar alguém por corrupção, é preciso que o povo odeie essa pessoa", afirmou depois, sendo mais explícita. "A sociedade deve sentir que ele realmente abusou de seu cargo e exigir sua condenação", completou, para não deixar dúvidas.

O nome do então presidente Lula não foi citado nenhuma vez, mas, segundo os autores da reportagem, estava na cabeça de todos os presentes: na época, o escândalo do "Mensalão" ocupava os noticiários do país.


Semente plantada 


O PT não viu o monstro que estava sendo criado, prosseguem os autores. As autoridades estrangeiras, com destaque para um grupo anticorrupção da OCDE, amplamente influenciado pelos EUA, começaram a pressionar o país por leis mais duras de combate à corrupção.

Nesse contexto, Moro foi nomeado, em 2012, para integrar o gabinete de Rosa Weber, recém indicada para o Supremo Tribunal Federal. Oriunda da Justiça do Trabalho, a ministra precisava de auxiliares com expertise criminal para auxiliá-la no julgamento. Moro, então, foi um dos responsáveis pelo polêmico voto defendendo "flexibilizar" a necessidade de provas em casos de corrupção.

"Nos delitos de poder, quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito. Esquemas velados, distribuição de documentos, aliciamento de testemunhas. Disso decorre a maior elasticidade na admissão da prova de acusação", afirmou a ministra em seu voto.

O precedente foi levado ao pé da letra pelo juiz e pelos procuradores da "lava jato" anos depois, para acusar e condenar o ex-presidente Lula no caso do tríplex.

Em 2013, a pressão internacional fez efeito, e o Congresso brasileiro começou a votar a lei anticorrupção. Para não fazer feio diante da comunidade internacional, os parlamentares acabaram incorporando mecanismos previstos no Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), uma lei que permite que os EUA investiguem e punam fatos ocorridos em outros países. Para especialistas, ela é instrumento de exercício de poder econômico e político dos norte-americanos no mundo.

Em novembro daquele mesmo ano, o procurador geral adjunto do DOJ norte-americano, James Cole, anunciou que o chefe da unidade do FCPA viria imediatamente para o Brasil, com o intuito de "instruir procuradores brasileiros" sobre as aplicações do FCPA.

Sem apoio parlamentar e castigada 
pela opinião pública, Dilma Rousseff deu
 aval a medidas que acabariam 
com os planos do PT

A nova norma preocupou juristas já na época. O Le Monde cita uma nota de Jones Day prevendo que a lei anticorrupção traria efeitos deletérios para a Justiça brasileira. Ele destacou o caráter "imprevisível e contraditório" da lei e a ausência de procedimentos de controle. Segundo o documento, "qualquer membro do Ministério Público pode abrir uma investigação em função de suas próprias convicções, com reduzidas possibilidades de ser impedido por uma autoridade superior".

Dilma Rousseff, já presidente à época, preferiu não dar razões para mais críticas ao seu governo, que só aumentavam, e sancionou a lei, apesar dos alertas. 

Em 29 de janeiro de 2014, a lei entrou em vigor. Em 17 de março, o procurador-geral da República da época, Rodrigo Janot, chancelou a criação da "força-tarefa" da "lava jato". Desde seu surgimento, o grupo atraiu a atenção da imprensa, narra o jornal. "A orquestração das prisões e o ritmo da atuação do Ministério Público e de Moro transformaram a operação em uma verdadeira novela político-judicial sem precedentes", afirmam Bourcier e Estrada.


Lição aprendida


No mesmo momento, a administração de Barack Obama nos EUA dava mostras de seu trabalho para ampliar a aplicação do FCPA e aumentar a jurisdição dos EUA no mundo. Leslie Caldwell, procuradora-adjunta do DOJ, afirmou em uma palestra em novembro de 2014: "A luta contra a corrupção estrangeira não é um serviço que nós prestamos à comunidade internacional, mas sim uma medida de fiscalização necessária para proteger nossos próprios interesses em questões de segurança nacional e o das nossas empresas, para que sejam competitivas globalmente."

O que mais preocupava os EUA era a autonomia da política externa brasileira e a ascensão do país como uma potência econômica e geopolítica regional na América do Sul e na África, para onde as empreiteiras brasileiras Odebrecht, Camargo Corrêa e OAS começavam a expandir seus negócios (impulsionadas pelo plano de criação dos "campeões nacionais" patrocinado pelo BNDES, banco estatal de fomento empresarial).

"Se acrescentarmos a isso as relações entre Obama e Lula, que se deterioravam, e um aparelho do PT que desconfiava do vizinho norte-americano, podemos dizer que tivemos muito trabalho para endireitar os rumos", afirmou ao Le Monde um ex-membro do DOJ encarregado da relação com os latino-americanos.

A tarefa ficou ainda mais difícil depois que Edward Snowden mostrou que a NSA (agência de segurança dos EUA) espionava a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras, o que esfriou ainda mais a relação entre Brasília e Washington.

Vários dispositivos de influência foram então ativados. Em 2015, os procuradores brasileiros, para dar mostras de boa vontade para com os norte-americanos, organizaram uma reunião secreta para colocá-los a par das investigações da "lava jato" no país. 

Eles entregaram tudo o que os americanos precisavam para detonar os planos de autonomia geopolítica brasileiros, cobrando um preço vergonhoso: que parte do dinheiro recuperado pela aplicação do FCPA voltasse para o Brasil, especificamente para um fundo gerido pela própria "lava jato". Os americanos, obviamente, aceitaram a proposta.

Dilma empossa Lula como ministro da 
Casa Civil, antes da divulgação ilegal 
de grampo ilegal de 
telefonema entre os dois

 A crise perfeita

Vendo seu apoio parlamentar derreter, em 2015 Dilma decidiu chamar Lula para compor seu governo, uma manobra derradeira para tentar salvar sua coalizão de governo, conforme classificou o jornal. Foi quando o escândalo explodiu: Moro autorizou a divulgação ilegal da interceptação ilegal de um telefonema entre Lula e Dilma, informando a Globo, no que veio a cimentar o clima político para a posterior deposição da presidente em um processo de impeachment. Moro, depois, pediu escusas pela série de ilegalidades, e o caso ficou por isso mesmo.

Os EUA estavam de olho nas turbulências. Leslie Backshies, chefe da unidade internacional do FBI e encarregada, a partir de 2014, de ajudar a "lava jato" no país, afirmou que "os agentes devem estar cientes de todas as ramificações políticas potenciais desses casos, de como casos de corrupção internacional podem ter efeitos importantes e influenciar as eleições e cenário econômico". "Além de conversas regulares de negócios, os supervisores do FBI se reúnem trimestralmente com os advogados do DoJ para revisar possíveis processos judiciais e
as possíveis consequências."

Assim, foi com conhecimento de causa que as autoridades norte-americanas celebraram acordo de "colaboração" com a Odebrecht, em 2016. O documento previa o reconhecimento de atos de corrupção não apenas no Brasil, mas em outros países nos quais a empresa tivesse negócios. Caso recusasse, a Odebrecht teria suas contas sequestradas, situação que excluiria o conglomerado do sistema financeiro internacional e poderia levar à falência. A Odebrecht aceitou a "colaboração".

A "lava jato" estava confiante de sua vantagem, apesar de ter ascendido sem a menor consideração pelas normas do Direito. "Quando Lula foi condenado por 'corrupção passiva e lavagem de dinheiro', em 12 de julho de 2017, poucos relatos jornalísticos explicaram que a condeação teve base em 'fatos indeterminados'", destacou o jornal.

Depois de condenar Lula e tirá-lo de jogo nas eleições de 2018, Sergio Moro colheu os louros de seu trabalho ao aceitar ser ministro da Justiça do novo presidente Jair Bolsonaro. Enquanto isso, os norte-americanos puderam se gabar de pôr fim aos esquemas de corrupção da Petrobras e da Odebrecht, junto com a capacidade de influência e projeção político-econômica brasileiras na América Latina e na África. Os procuradores da "lava jato" ficaram com o prêmio de administrar parte da multa imposta pelos EUA à Petrobras e à Odebrecht, na forma de fundações de Direito privado dirigida por eles próprios em parceria com a Transparência Internacional.

Conversão lucrativa
A recompensa que Sergio Moro escolheu para si também foi o início do fim de seu processo de canonização. Depois da eleição de Bolsonaro, veio à tona o escândalo da criação do fundo da Petrobras. O ministro Alexandre de Moraes frustrou os planos dos procuradores ao determinar a dissolução do fundo e direcionar o dinheiro para outras finalidades.

Em maio de 2019, o The Intercept Brasil começou a divulgar conversas de Telegram entre procuradores e Moro, hackeadas por Walter Delgatti e apreendidas pela Polícia Federal sob o comando do próprio Moro, enquanto ministro da Justiça. Elas mostram, entre outros escândalos, como Moro orientou os procuradores, e como estes últimos informaram os EUA e a Suíça sobre as investigações e combinaram a divisão do dinheiro.

Depois de pedir demissão do Ministério, Moro seguiu o mesmo caminho lucrativo de outros ex-agentes do DOJ e passou a trabalhar para o setor privado, valendo-se de seu conhecimento privilegiado sobre o sistema judiciário brasileiro em casos célebres para emitir consultorias, um posto normalmente bastante lucrativo. A Alvarez e Marsal, que o contratou, é administradora da recuperação judicial da Odebrecht.

Fonte: Conjur


Neste documentário financiado pela comunidade da TV 247, o repórter Joaquim de Carvalho e o cinegrafista Thiago Monteiro revelam como o hacker Walter Delgatti Neto interceptou mensagens dos procuradores da Lava Jato e obteve mensagens que comprovam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alvo de perseguição judicial, num processo internacional de lawfare. Joaquim de Carvalho deixa um questionamento para os que zelam pelo estado de direito: os crimes da Lava Jato ficarão impunes?


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domingo, 14 de março de 2021

‘PQP. MATÉRIAS FURADAS NA INTERNET." Como a Lava Jato caiu numa mentira de internet e esperava prender em flagrante o ex-presidente Lula por roubar um objeto que era dele mesmo


Parte 32
Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo.



Esta reportagem foi originalmente publicada no livro “Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil”. Compre aqui.

O procurador da República Deltan Dallagnol estava esfuziante naquele fim de tarde de quarta-feira. Havia alguns dias que ele só pensava em uma figura de um Cristo agonizante. Era 9 de março de 2016 e, poucos dias antes, a operação Lava Jato — que ele comandava no Ministério Público Federal do Paraná — jogara seu lance mais ousado até então: a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Evangélicos como o procurador não costumam ter apreço por imagens e figuras de santos ou profetas. Mas aquele Cristo era diferente: com 1,5 metro de altura, ganhara fama por aparecer pendurado na parede do gabinete presidencial em dezenas de fotos tiradas durante a administração de Lula. Além disso, o procurador acreditava que a peça em madeira de tília havia sido esculpida por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

Com a saída do político da Presidência, o crucifixo também deixou Brasília. Para Dallagnol, seus colegas procuradores e vários delegados da Polícia Federal, a conclusão era óbvia: Lula havia roubado o objeto. Aquela seria a melhor chance de prender o ex-presidente em flagrante. O impacto na imprensa, os procuradores já comentavam, seria explosivo.

Apesar de não ser o objeto inicial dos pedidos de busca e apreensão contra Lula, a caça ao crucifixo mobilizou procuradores, policiais federais e o então juiz Sergio Moro durante a 24ª fase da Lava Jato. Pomposamente batizada de Aletheia, uma expressão grega para a “verdade”, a ação mobilizou 200 policiais federais e 30 auditores da Receita Federal para o cumprimento de 33 mandados de busca e apreensão e 11 de condução coercitiva. Um show feito para a televisão: desde muito cedo que equipes andavam de um lado para o outro enquanto helicópteros sobrevoavam os endereços do político em São Paulo. Policiais e procuradores vasculharam o apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo, a sede do Instituto Lula, na capital paulista, e o sítio que ele usava em Atibaia. Casas e empresas de familiares do petista também foram alvo.

Na operação, em 4 de março, documentos e recibos que serviriam para acusar e condenar Lula haviam sido encontrados. Um deles fazia referência a um cofre em uma agência do Banco do Brasil no Centro de São Paulo. Além da então mulher do ex-presidente, Marisa Letícia, o cofre também estaria em nome de Fábio Luis, o Lulinha, seu filho mais velho. Policiais federais foram à agência naquele dia 9 e se depararam com 132 itens acondicionados em 23 caixas lacradas. Os bens eram desejados pela Lava Jato havia muito tempo, e a caça ao tesouro terminou quando os policiais federais confirmaram: o cofre guardava o crucifixo.

A Vaza Jato, investigação jornalística sem precedentes na história do Brasil, agora virou livro. Dividido em duas partes, a primeiraconta com uma extensa reportagem da jornalista Letícia Duarte – que não integraa equipe do Intercept Brasil – sobre os bastidores do trabalho realizado pelo TIB durante a Vaza Jato


Foi essa a notícia que fez Dallagnol exultar junto aos colegas no Telegram. Para ele, a conclusão era óbvia: ao meter as mãos no crucifixo que seria patrimônio da União, Lula havia cometido crime de peculato (roubo de patrimônio público cometido por servidor público) e ocultação de bens. Por isso, seria preso em flagrante. Frisson em Curitiba.

“Orlando, parece que acharam o Cristo do alejadinho no cofre do BB… se for isso, será nosso primeiro respiro”, escreveu Dallagnol pelo aplicativo de mensagens ao colega Orlando Martello. Eram 16h56.

Martello respondeu vinte minutos depois, com uma pergunta:



A prisão de Lula em flagrante por roubo de um simbólico Jesus Cristo crucificado seria uma das cenas mais fortes da história da Lava Jato. Era tudo o que os procuradores precisavam para destruir o ex-presidente.


Igor Romario de Paula, delegado da Polícia Federal. Foto: Paulo Lisboa/Folhapress

‘Nosssa. Se achar isso’

Durante a operação nos imóveis de Lula, os procuradores salivavam com os relatos dos policiais enviados pelo celular. O que mais chamava a atenção dos investigadores, inclusive pelo tamanho, eram as caixas com o acervo de objetos que Lula trouxera de sua estada no Palácio do Planalto. Ao ver as caixas, os agentes ficaram ainda mais convictos de que o ex-presidente surrupiara o patrimônio público e que a OAS bancava a estada dos bens num depósito usando dinheiro desviado da Petrobras.

Responsável por buscar Lula em casa para levá-lo ao aeroporto de Congonhas, o delegado Luciano Flores (depois promovido quando Sergio Moro se tornou ministro da Justiça da extrema direita) mandava mensagens de áudio contando como Lula o recebera e orientava os colegas sobre as buscas que viriam a seguir.

Clique no play para ouvir os áudios:



Os agentes de campo já estavam familiarizados com o desejo dos procuradores pelo Cristo. A primeira menção ao objeto havia aparecido em uma conversa no Telegram um mês antes da abertura do cofre custodiado no Banco do Brasil. Em fevereiro de 2016, uma foto foi compartilhada pelo procurador Januário Paludo, um dos veteranos da Lava Jato. Pela reação do delegado Márcio Anselmo — um sujeito que serviu de inspiração a um dos personagens centrais do filme Polícia Federal — A lei é para todos —, a notícia de que Lula havia roubado a obra já corria solta entre os investigadores.



Em outro grupo, no dia seguinte, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima também estava interessado na história do crucifixo. Ele pedia a colegas e policiais que iriam conduzir Lula coercitivamente e realizar buscas para que ficassem de olho na peça.



No dia da operação, já em São Bernardo do Campo, o delegado Igor Romário de Paula mandava fotos do resultado da busca enquanto seu colega Márcio Anselmo pedia prisão em flagrante com base em fotos de caixas de papelão.



Empolgados, os agentes se depararam com um problema: não havia mandado judicial para recolher aquilo tudo. Seguiu-se, então, um debate sobre o que fazer. Aqui aparecem novos personagens, entre eles o delegado Maurício Moscardi, que um ano depois iria comandar uma outra operação famosa que se revelou um fiasco: a Carne Fraca. Nela, Moscardi diria a jornalistas que frigoríficos misturavam carne estragada com produtos químicos para mascarar o aspecto do produto e vendê-lo normalmente, o que não foi comprovado.



Mas Moro negou a apreensão dos bens — o ex-juiz alegou que seria desproporcional apreender todo o acervo e que, se os investigadores tivessem suspeitas específicas, fizessem pedidos específicos para cada caixa. No dia seguinte, a solução viria pelas mãos do procurador Januário Paludo, amigo pessoal de Sergio Moro e muito respeitado pelos jovens da Lava Jato — é a ele que os vários grupos intitulados Filhos do Januario fazem referência.



O museu a que Paludo se refere é uma ala do Museu Oscar Niemeyer, mais conhecido como Museu do Olho, em Curitiba, cedida à Lava Jato para exibição de obras de arte usadas para lavar dinheiro apreendidas pela operação. À época, o Paraná era governado por Beto Richa, do PSDB. Anos depois, Richa seria ele mesmo alvo da operação e acabaria preso.

A conversa terminou assim:



A solução veio na forma de uma nova ordem de busca e apreensão, dessa vez no Banco do Brasil, cumprida quatro dias depois.


O procurador Deltan Dallagnol, que fazia a ponte da força-tarefa da Lava Jato com o então juiz Sergio Moro. Foto: Rodolfo Buhrer/La Imagem/Fotoarena/Folhapress


‘Seria top… duas repercussões’

As centenas de caixas de papelão encontradas no sindicato guardavam, como a força-tarefa viria a descobrir, muitos documentos e fotos, além de objetos como obras de arte, maquetes, um gongo e até duas esculturas de urso polar do Canadá. Mas foi só no dia 9 de março, do meio para o fim da tarde, que a Lava Jato finalmente recebeu a notícia que esperava, pelo teclado do celular do delegado Igor Romário de Paula. Às 16h34, ele disparou uma mensagem: “Jesus Cristo encontrado no BB em São Paulo”.

A mensagem causou um pico de ansiedade nos grupos da Lava Jato. A sonhada prisão em flagrante de Lula, afinal, parecia à vista.



Enquanto o papo corria no grupo, Dallagnol, ansioso, comunicava Sergio Moro a respeito da descoberta.



De pronto, o procurador-chefe da Lava Jato também acionou diretamente o delegado Romário de Paula atrás da confirmação. Preocupado em convencer a população de que a Lava Jato fazia avanços, ele queria planejar a repercussão midiática da impressionante descoberta sobre o crime do “9” :



A alegria do procurador não durou uma hora.



A Lava Jato, que havia focado todas as atenções no Cristo depois de receber uma fotomontagem que sugeria que a obra de arte estaria no Palácio do Planalto desde os tempos do ex-presidente Itamar Franco, não tinha se dado ao trabalho de procurar a história no Google. Cinco anos antes, a revista Época já desmentira a história do roubo.

Claudio Soares, diretor da documentação histórica da Presidência, reafirmou que o crucifixo “foi presente pessoal de um amigo ao Presidente Lula” e disse que a imagem de Itamar que circula na internet “trata-se de edição grosseira”, publicou a revista ainda em 2011. A própria reportagem aponta que a foto é real, porém foi feita em outro contexto: durante uma visita de Itamar ao Planalto em 2006. O Cristo também não havia sido esculpido por Aleijadinho. A autointitulada maior operação anticorrupção de todos os tempos estava perseguindo uma fake news.

Frustrado, Dallagnol lamentou em uma conversa privada com o procurador Orlando Martello. Ele chegou a proferir um raro palavrão:



Dallagnol também foi se explicar a Moro, que lhe deu um pito.



A inacreditável e grotesca comédia de erros da força-tarefa teria, ainda, mais um capítulo. Foi só na noite daquela quarta-feira, cinco dias após ter pedido a apreensão de bens levados de Brasília por Lula e julgar que havia encontrado ali o motivo para uma prisão em flagrante, que a Lava Jato resolveu espiar o que diz a legislação a respeito de bens de ex-presidentes da República:



Enquanto o procurador Galvão fazia observações tardias sobre o que diz a lei a respeito de presentes a ex-presidentes, a revista Época já exibia em seu site uma reportagem sobre os bens apreendidos do ex-presidente. Santos Lima se penitenciou com Deltan — e acusou a Polícia Federal pela divulgação com tom de vazamento. “Já está na época. Foi a PF. Ilusão ficar cheio de dedos. Poderíamos ter capitalizado melhor”, escreveu Santos Lima.

A estratégia funcionou. Mesmo sendo legais, os presentes de Lula foram vistos pela população como uma espécie de benefício imoral do ex-presidente. Dias depois, um grampo ilegal de uma conversa entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff — sugerindo a ideia de ambos de que Lula poderia assumir um ministério e, assim, garantir foro especial — seria divulgado pela GloboNews depois do levantamento de sigilo feito por Sergio Moro.

O caldo acabou impedindo Lula de assumir o Ministério da Casa Civil por uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Em 2019, uma reportagem da Vaza Jato em parceria com a Folha de S.Paulo revelou que, além de dar publicidade apenas ao grampo ilegal, Moro ainda escondera da população outros 21 áudios. As conversas gravadas pela Polícia Federal em 2016 enfraquecem a tese usada por Moro para justificar a decisão de publicar o áudio.


Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo.


Os diálogos, que incluem conversas de Lula com outros atores políticos, entre eles o então vice-presidente Michel Temer, revelam que o ex-presidente relutou em aceitar o convite para ser ministro e só o aceitou após sofrer pressões de aliados. Lula, nos áudios que até hoje não vieram a público, só menciona as investigações em curso uma vez.

Sergio Moro absolveria Lula e Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, da acusação feita pela Lava Jato de que a guarda dos bens presidenciais se tratou de “contraprestação” de contratos da empreiteira com a Petrobras.

Já o acervo no Banco do Brasil, aquele que a Lava Jato acreditou ser a chave para prender Lula em flagrante e proceder uma via sacra de humilhações ao petista, nunca foi usado para embasar denúncias à justiça.


Outro lado

Lava Jato


É importante registrar que o Intercept, distante das melhores práticas de jornalismo, não encaminhou as supostas mensagens em que se baseia a reportagem, o que prejudica a compreensão das questões enviadas, o direito de resposta e a qualidade das informações a que o leitor tem acesso.

Registra-se ainda que tais mensagens, obtidas de forma criminosa, foram descontextualizadas ou alteradas ao longo dos últimos meses para produzir falsas acusações, que não correspondem à realidade, no contexto de um jornalismo de militância ou de teses que busca atacar a operação e seus integrantes.

De todo modo, em relação aos questionamentos apresentados, cumpre informar que o ex-presidente Lula está sendo investigado pelos crimes de peculato e lavagem de ativos, em razão da apropriação e ocultação de diversos bens públicos da Presidência da República que foram encontrados em cofre particular em banco, mantido em nome de Fabio Luis Lula da Silva e Marisa Letícia Lula da Silva, dentre os quais se encontravam, por exemplo, coroa, espadas e esculturas.

Em consequência da busca e apreensão e subsequente ação da Justiça e órgãos oficiais, 21 itens mantidos no cofre foram incorporados ao Patrimônio da Presidência da República.

A apuração é objeto dos autos 1.25.000.000119/2017-12 (convertido em procedimento eletrônico sob o nº: 1.25.000.001206/2020-84), que se encontram sob responsabilidade da Procuradoria da República em São Paulo, à qual devem ser direcionados os questionamentos.



No Twitter

 

quinta-feira, 11 de março de 2021

Lavajatistas criaram grupo para articular medidas contra Gilmar Mendes


Os procuradores das forças-tarefa da autodenominada "operação lava jato" criaram um grupo de mensagens no Telegram para articular medidas contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Isso porque o magistrado vinha tomando medidas que contrariavam os interesses da operação, como a revogação de prisões preventivas. O resultado dos esforços foi um artigo criticando liminares do magistrado.


Procuradores se frustravam com Gilmar por decisões contrárias aos interesses deles

 As mensagens constam de petição apresentada pela defesa do petista, nesta segunda-feira (8/3), ao Supremo Tribunal Federal. O diálogo faz parte do material apreendido pela Polícia Federal no curso de investigação contra hackers responsáveis por invadir celulares de autoridades.

"Prezados, criei este grupo para adotarmos medidas contra o Gilmar Mendes", disse o procurador Diogo Castor de Mattos em 30 de outubro de 2018. "Tô dentro!!! faço o que for preciso", respondeu Thaméa Danelon, procuradora do Ministério Público Federal em São Paulo.

Em seguida, Castor perguntou quantos investigados pela franquia paulista haviam sido soltos. Ele explicou que era preciso saber o número dos libertados em todos estados em que a "lava jato" atuava e apontou que, no Paraná, 26 acusados tinham tido a sua prisão revogada em duas semanas.

"De cabeça", Thámea informou que Laurence Casagrande, Pedro da Silva e Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, tinham sido soltos — este por duas vezes. Com as informações, Castor informou que iria "escrever um artigo forte". Em seguida, enviou minuta do texto ao grupo.

José Augusto Vagos, da força-tarefa da "lava jato" no Rio de Janeiro, gostou do artigo. "Muito bom, Diogo, a semelhança com a Itália é impressionante... certamente o GM [Gilmar Mendes] vai espumar..." Mas ele ressaltou que, diferentemente do que apontou Castor, algumas das liminares em Habeas Corpus concedidas por Gilmar foram submetidas — e confirmadas — pela 2ª Turma do STF.

Em 5 de novembro, Diogo Castor perguntou: "Alguém conseguiu os numeros e nomes de presos soltos por gilmar em SP e RJ e quais desses casos houve julgamento do agravo?" Thámea respondeu que conseguiu e iria pedir para um assessor lhe enviar os dados de São Paulo. Quanto aos do Rio, a procuradora Mônica Campos de Ré enviou levantamento do site Jota que informou que Gilmar Mendes já havia libertado 37 investigados da "lava jato" no estado.

Castor então disse que iria mandar publicar o artigo no jornal O Globo e afirmou que "seria legal que colegas do RJ e SP tb assinassem". "Quem se voluntaria?", questionou. Thámea Danelon e José Augusto Vagos se prontificaram.

O artigo acabou sendo publicado em 14 de dezembro de 2018 no jornal O Estado de S. Paulo. No texto, Castor, Thámea e Vagos retomaram a comparação entre o cenário de corrupção da Itália nos anos 1980 e 1990 e o do Brasil atual. Os procuradores citaram que, em 1991, um juiz da Suprema Corte italiana, Corrado Carnevale, que era conhecido por "anular processos contra mafiosos por vícios formais", começou a libertar diversos chefes de máfias que estavam presos preventivamente, sob a alegação de demora no julgamento de recursos. Posteriormente, foi revelado que o magistrado tinha ligações com mafiosos.

Conforme os integrantes do MPF, até novembro de 2018, a "lava jato" no Paraná havia gerado 226 condenações por corrupção e lavagem de dinheiro, "levando à prisão altas autoridades da República, incluindo um ex-presidente [Lula] que somente foi detido após um difícil julgamento na Suprema Corte brasileira". "Parecia uma grande vitória, mas foi o início de mais uma guerra contra o sistema de compadrio que se instalou no país", ressalvaram, passando a atacar Gilmar Mendes.

"Nos meses seguintes à prisão de Lula, o ministro Gilmar Mendes do STF começou a soltar quase todos os presos provisórios da operação 'lava jato' do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Curitiba. Em casos de São Paulo e Curitiba os pleitos de liberdade foram endereçados diretamente ao magistrado, sem sorteio, com as defesas alegando esdrúxulas prevenções com outros casos totalmente diferentes. Desta forma, em pouco tempo e com decisões genéricas foram soltos pelo menos 60 presos por corrupção e lavagem de dinheiro nesses Estados."

Os procuradores concluíram o texto destacando que Gilmar deveria levar a julgamento os recursos de suas decisões de soltura, "que claramente violam regras básicas de distribuição de processos e afrontam princípios do devido processo legal como do juiz natural". "Como diria Luther King, 'o que nos preocupa não é o grito dos maus e sim o silêncio dos bons'", encerraram Castor, Thámea e Vagos.


Inimigo da "lava jato"


As mensagens de Telegram mostram, em diversos momentos, o descontentamento dos procuradores da "lava jato" com Gilmar e as tentativas deles de investigar o ministro e até pedir o impeachment dele.

Procuradores do MPF no Paraná buscaram atacar os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, e enfraquecer Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, para retirá-lo da relatoria da "lava jato". "Toffoli e Gilmar todo mundo quer pegar. Mas é difícil fazer algo", afirmou Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa da "lava jato" no Paraná, em 13 de julho de 2016. O ministro Alexandre de Moraes também era alvo do MPF. 

"Acho que podemos alimentar os movimentos para direcionarem atenção para Alexandre de Moraes. Se pegar sem a nossa cara, melhor, pq fico penando [pensando] em possível efeito contrário em nós querermos colcoar [colocar] o STF contra a parede. Até postei hj sobre o Alexandre de Moraes, e se quiser postar o que quiser manda ver, mas acho que a estratégia de usarmos os movimentos será melhor, se funcionar", prossegue o procurador.

Em maio de 2017, Deltan afirmou que cogitou pedir o impeachment de Gilmar caso a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal soltasse o ex-ministro Antonio Palocci. Porém, ele desistiu da ideia após saber que o advogado Modesto Carvalhosa iria pedir a destituição do magistrado. Thaméa Danelon colaborou com o advogado na redação do pedido de impeachment de Gilmar Mendes.

Um ano depois, Dallagnol, irritado por causa de um Habeas Corpus concedido por Gilmar Mendes a Paulo Preto, passou a arquitetar uma investida contra o ministro. "Precisamos reagir ao GM [Gilmar Mendes]. Vou articular com SP e RJ algo. Caros precisamos fazer algo em relação a GM", disse Dallagnol, se referindo às ramificações da "lava jato" no Rio de Janeiro e em São Paulo. 

O chefe da força-tarefa da "lava jato" no Paraná, Deltan Dallagnol, articulou em 2018 um manifesto pela suspeição do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, nos casos envolvendo a "lava jato". Eduardo El Hage, líder da operação no Rio, também participou da conversa. 

"Caros precisamos fazer algo em relação a GM [Gilmar Mendes]. Acho que um bom começo seria alguém fazer um estudo das decisões deles que mantiveram prisões antes da Lava Jato e DIRANTE [durante] a LJ em outros casos e mostramos INCOERÊNCIA. Assinamos todos os procuradores da LJ [...] Das três FTS [forças-tarefa]", disse Dallagnol, em referências às franquias de Curitiba, Rio e SP. 

"Alguém depois joga online, uma entidade, e faz abaixo assinado pela suspeição dele noss casos da LJ", prossegue o chefe da "lava jato" em Curitiba. 

El Hage responde: "Eu acho ótimo! Já tinha pensado nisso também. O problema é a falta de tempo para a pesquisa. Estamos mega atolados aqui no Rio". 


Investigação contra Gilmar


Em agosto de 2019, o El País, em parceria com o The Intercept Brasil, revelou outro episódio envolvendo investidas contra Gilmar. A reportagem divulgou conversas em que os integrantes do MPF no Paraná planejaram usar a investigação contra Paulo Preto para tentar emparedar o ministro do Supremo. 

Dallagnol sugeriu pedir que autoridades da Suíça procurassem menções específicas ao nome do ministro para saber se havia relação entre ele e Paulo Preto. 

As conversas também revelam que a "lava jato" em Curitiba cogitou pedir o impeachment de Gilmar ao Senado. Desistiram quando a procuradora Laura Tessler disse ter ficado sabendo que o advogado Modesto Carvalhosa protocolaria uma solicitação dessa natureza.

"Nós não podemos dar a entender que investigamos GM. Caso se confirme essa unha e carne, será um escândalo", disse Dallagnol ao grupo. Logo em seguida, ele sugeriu que fossem apuradas ligações de Paulo Preto para telefones do Supremo. "Mas não é novidade que Gilmar veio do psdb e de dentro do governo fhc!!! Cuidado com isso", acrescentou o procurador Paulo Galvão. 

Procuradores da República que oficiam em primeiro grau não podem investigar ministros do Supremo. Roberson Pozzobon tentou ser a voz da razão, mas também sugeriu ignorar a competência do MPF. "Acho que temos que confirmar minimamente isso antes de passar pra alguém investigar mais a fundo, Delta".


Articulação com partido


Outra reportagem, dessa vez publicada pelo UOL, também em parceria com o Intercept, revelou que Dallagnol articulou com o partido Rede Sustentabilidade para que uma ação fosse ajuizada contra Gilmar. 

De acordo com as conversas, a "lava jato" queria manter o ministro do STF longe de julgamentos envolvendo a "operação". A iniciativa começou depois que Gilmar determinou a soltura de Beto Richa (PSDB), ex-governador do Paraná. 

"Resumo reunião de hoje: Gilmar provavelmente vai expandir decisões da Integração pra Piloto. Melhor solução alcançada: ADPF da Rede para preservar juiz natural", disse Dallagnol em grupo de procuradores no Telegram no dia 9 de outubro de 2018.

Duas horas depois, ele voltou para contar que o senador Randolfe Rodrigues (Rede) "super topou" propor uma arguição de descumprimento de preceito fundamental. No dia seguinte, 10 de outubro, o procurador Diogo Castor falou que enviou uma sugestão de ADPF para assessor de Randolfe.

Já no dia 11, a Rede protocolou a ADPF que pedia que Gilmar Mendes fosse impedido de "liberar indiscriminadamente" presos na operação. No pedido, os advogados afirmaram que o ministro concedeu "extravagantes liminares" e Habeas Corpus de ofício a pelo menos 26 investigados em crimes de corrupção.

Fonte: Consultor Jurídico


UOL

Gilmar Mendes vota no STF pela suspeição de Sergio Moro - 9 de mar. de 2021

Julgamento da suspeição de Moro: o ministro Gilmar Mendes, da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (9) a favor da suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro na condução dos processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato. "Não podemos aceitar que o combate à corrupção se dê sem limites", disse ele, que ainda defendeu que Moro "seja condenado ao pagamento das custas processuais da ação penal"

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