A colaboração secreta e ilegal entre o Departamento de Justiça dos EUA e os procuradores de Curitiba gerou críticas, evidenciando uma possível interferência estrangeira nas investigações da operação Lava Jato.
Revelações de conversas vazadas do Ministério Público
Federal no Paraná, que já são conhecidas pelo público, apontam para uma
subordinação a interesses estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos. Dez
anos depois, a Sputnik Brasil conversa com especialistas que
dão visões acerca dos impactos e interesses por trás do envolvimento dos EUA na
operação que sacudiu a Justiça, a política, a economia e a sociedade do Brasil.
Lier Pires Ferreira, pesquisador do Laboratório de Estudos
Políticos de Defesa e Segurança Pública (Lepdesp), da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), e do Núcleo de Estudos dos Países BRICS (NuBRICS), da
Universidade Federal Fluminense (UFF), trouxe à tona questões controversas
sobre a cooperação entre autoridades americanas e brasileiras durante a
operação Lava Jato.
"Conversas vazadas do Ministério Público Federal no Paraná revelam que um dos aspectos mais controvertidos da Lava Jato foi sua subordinação a interesses estrangeiros, em particular dos Estados Unidos. Há que se lembrar que, anos antes, no governo [do presidente americano Barack] Obama, a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras haviam sido alvos de espionagem ilegal dos americanos", relembra o especialista.
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As discussões se concentram em como essa influência
impactou não apenas as dinâmicas políticas e legais internas no Brasil, mas
também a economia nacional.
A Petrobras, principal alvo da Lava Jato, aceitou pagar uma
multa significativa, parte da qual seria destinada a um fundo de combate à
corrupção. No entanto, a tentativa dos procuradores de Curitiba de gerir esse
fundo foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ação teve
consequências devastadoras para grandes empresas brasileiras, como Petrobras,
Odebrecht e JBS, resultando na perda de valor patrimonial e de
fatias de mercado e desemprego em massa.
Arquitetura jurídica montada pelos EUA
À Sputnik Brasil, Fábio de Sá e Silva, autor de
estudos sobre a Lava Jato, pesquisador e doutor em direito, política e
sociedade da Universidade Northeastern (EUA), e professor associado de estudos
internacionais e professor Wick Cary de estudos brasileiros na Universidade de
Oklahoma (EUA), relembra que muitas das opiniões e inferências acerca
da influência dos EUA na operação foram tratadas como teoria da conspiração,
mas que houve de fato uma ingerência por parte do governo norte-americano.
"O que é um fato — e muito bem documentado — é que os EUA construíram toda uma arquitetura jurídica de combate à corrupção no mundo alinhada com os interesses nacionais, e a Lava Jato se deu um pouco a partir dessa arquitetura. […] De certa forma, os americanos fazem o que é bom para eles. O que me interessa questionar é por que os brasileiros — procuradores, juízes, veículos de imprensa — fizeram o que fizeram na Lava Jato, cujas consequências para a economia, o direito, a política e o próprio combate à corrupção no país são terríveis", indaga Silva.
Questionado sobre o interesse dos EUA na operação, Lier
Pires destaca que, para além de intenções jurídicas e políticas, era um
interesse de impacto que ajudava financeiramente o governo norte-americano.
"O interesse dos EUA direcionava-se prioritariamente à Petrobras, cujos desvios de conduta impactavam investidores norte-americanos, já que as ações da petrolífera brasileira eram negociadas em bolsas americanas. Não por outro motivo, em 2018 a Petrobras aceitou pagar uma multa superior a US$ 800 milhões [aproximadamente R$ 4 bilhões de reais]. Como se sabe, cerca de 80% desse dinheiro retornaria ao Brasil. Os procuradores de Curitiba pleiteavam a gestão dessa verba, que seria destinada a um fundo de combate à corrupção. Quase tiveram êxito. Todavia a manobra foi abortada pelo STF", comenta Ferreira à Sputnik Brasil.
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'Ninguém é inocente'
O especialista destaca ainda que a interferência dos EUA na
Lava Jato revela a importância de Washington na política brasileira. Além
disso, ressalta a falta de visão estratégica das autoridades judiciais
brasileiras, criticando a abordagem que prejudicou empresas em vez de
focar mais as pessoas físicas envolvidas.
"O fato que me parece mais relevante é que a influência dos EUA na Lava Jato revela primeiramente a importância de Washington na vida política brasileira, como já denunciava estridentemente o ex-governador Leonel Brizola. […] Ela traz à tona a total falta de visão estratégica das autoridades judiciais brasileiras, míopes em aspectos básicos do geodireito e do constitucionalismo estratégico. […] O fato é que as punições devem pesar mais sobre as pessoas físicas do que sobre as empresas", avalia.
Para Rafael Ioris, professor de história moderna da América
Latina na Universidade de Denver (EUA), existia uma combinação
realizada entre os agentes brasileiros e norte-americanos. Segundo ele,
"ninguém é inocente".
"Os atores do governo dos Estados Unidos, especialmente o Departamento de Justiça, tinham uma narrativa e perspectiva de que a corrupção era um grande problema na América Latina e já haviam criado treinamentos, cartilha de como combater a corrupção na América Latina. […] Havia um interesse [dos EUA] na operação. […] Ninguém é inocente. Um começou a ajudar o outro [Brasil e EUA]", crava.
A queda de uma farsa
Rafael Ioris continua destacando que embora a grande mídia
norte-americana legitimasse o que a mídia brasileira veiculava, com o tempo
essa narrativa começou a ser descontruída. Afinal, as coberturas tanto
brasileira quanto norte-americana tinham o objetivo de disseminar que a
corrupção era o problema principal da América Latina.
"Aos poucos, especialmente depois da eleição do [Jair] Bolsonaro, muita gente começou a perceber que havia uma conexão entre o discurso antiestablishment, antipolítica que resultou na eleição de Bolsonaro […]. Houve uma certa preocupação com o resultado […] e houve uma percepção de que precisávamos [o Brasil] investigar mais um pouco [a Lava Jato]. […] foi um processo com grandes danos para a economia brasileira", arremata.
A 'corrupção sistêmica' e o interesse por trás
À Sputnik Brasil, Larissa Liz Odreski Ramina,
professora de direito internacional público da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e coordenadora de iniciação científica da Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação da mesma instituição, ressalta que houve uma sistematização do
que consideraram, à época, corrupção sistêmica, fazendo uso seletivo.
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"Utiliza-se desse discurso da corrupção sistêmica de forma seletiva para atacar apenas governos, forças políticas e líderes do chamado progressismo latino-americano. Ou seja, aqueles que se opõem aos ajustes neoliberais ditados pelo Fundo Monetário Internacional. […] A guerra jurídica foi utilizada contra todos os modelos alternativos às políticas neoliberais, e essa narrativa da corrupção sistêmica teve o efeito de considerar a corrupção como um crime transnacional, […] da mesma forma que o tráfico de drogas e o terrorismo internacional são considerados — em uma perspectiva militar — como ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos", evidencia.
Para o pesquisador Lier Pires Ferreira, há aspectos legais
na cooperação judiciária entre EUA e Brasil que não podem ser ignorados.
"Algo diverso ocorre nas ações interventivas, ainda que não tenham caráter direto, isto é, político ou militar. Essas ações são ao mesmo tempo ilegais e ilegítimas, pois ferem a soberania nacional. A submissão brasileira aos interesses norte-americanos no contexto da Lava Jato não apenas apequenou o Brasil, mas feriu sua soberania e imagem perante o conjunto das nações. Além disso, como já dito, teve um imenso custo econômico, muito superior aos recursos financeiros que conseguiu repatriar. A Lava Jato é um exemplo de que um país soberano jamais deve prostrar-se aos interesses estrangeiros, ainda que travestidos de nobres ideais", reforça Pires.
O professor Fábio de Sá pontua que essas tais formas
importadas pela Lava Jato sequer são dominantes no direito americano.
"Por exemplo, [o então juiz Sergio] Moro condenou Lula utilizando decisões de tribunais federais americanos que diziam que não é preciso ato de ofício para configurar corrupção. Mas essa não é a 'lei da terra' nos EUA; a Suprema Corte decidiu, em 2016, que para se punir alguém por corrupção é preciso identificar com clareza um ato de ofício correspondente […]. Então o que vejo em tudo isso é um apelo aos EUA que serve para legitimar abusos, o recurso aos EUA como fonte de legitimação simbólica — o que funciona bem em um país com elites e imprensa que padecem do complexo de vira-latas", afirma o professor.
Lava Jato, 10 anos: da midiatização aos interesses próprios, analista avalia impactos da operação |
Fonte: Sputnik Brasil
Um dos objetivos da máfia da #LavaJato era ganhar dinheiro, muito dinheiro.
— Dep. Alencar Santana (@AlencarBraga13) February 24, 2021
E Deltan Dallagnol também se revelou um hipócrita que usa a religião para esconder os seus pecados venais. pic.twitter.com/Dra9TVLAN4
O drama do presidente mais popular do país com a perda do neto. Preso sem provas, ele é escoltado por policiais armados. No que deveria ser o uniforme, um dos policiais ostenta distintivo com a inscrição “Miami Police - Swat”.#ForçaLula #LulaLivre pic.twitter.com/H5jyNu3uOD
— Rogério Correia (@RogerioCorreia_) March 2, 2019