Não era para combater a corrupção, mas foi criada pelos EUA
para acabar com Lula e o PT, desindustrializar o Brasil e aprofundar a ditadura
imperialista sobre o País
Sergio Moro / Deltan Dallagnol
Há pouco mais de uma década, em 17 de março de 2014, era
deflagrada a Operação Lava Jato, um conjunto de investigações realizadas pela
Polícia Federal brasileira, em conjunto com o Ministério Público, o Poder
Judiciário e, conforme eventualmente seria revelado, com o Departamento de
Justiça dos Estados Unidos e o FBI (Federal Bureau of Investigation).
Deu-se o nome de “Lava-Jato”, pois na primeira fase da
operação foi realizada a investigação de um posto de combustíveis, local
suspeito de ser utilizado para movimentar valores de origem ilícita, ou seja,
“lavar dinheiro”, na linguagem coloquial.
Oficialmente, a operação visava a desbaratar supostos
esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Petrobrás,
especialmente, o que envolveria políticos de dentro e fora do governo, assim
como empresários.
Durante toda a sua duração, a Lava Jato foi propagandeada
por todos os órgãos da imprensa burguesa brasileira, principalmente jornais
como OGlobo, OEstado de S. Paulo, Folha
de S.Paulo, e emissoras como a Rede Globo, a Record, a Bandeirantes e o
SBT, todos órgãos venais, a serviço dos Estados Unidos, como sendo uma operação
voltada para acabar com a corrupção dos políticos brasileiros.
Na realidade, a Lava Jato não era para acabar com a
corrupção, mas foi uma operação arquitetada e coordenada pelos Estados Unidos
para aprofundar a desindustrialização do Brasil, prejudicar a situação
econômica do País, e viabilizar o golpe de 2016, contra Dilma Rousseff.
Desejavam, igualmente, acabar de vez com o Partido dos Trabalhadores e o
presidente Lula, respectivamente o partido e líder político mais populares do
Brasil. Sendo ambos representantes do nacionalismo burguês de um país atrasado,
tendo como força política amplas massas da classe operária brasileira, a destruição
do PT e de Lula era um dos objetivos dos Estados Unidos para intensificar a
dominação imperialista sobre o país.
Durante seu curso, que foi até 1º de fevereiro de 2021, a
operação contou com mais de 80 fases operacionais. À frente da maioria delas esteve
Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que será eternamente
lembrado por suas arbitrariedades durante a Lava Jato, e por ter sido um agente
do imperialismo para destruir o Brasil. A operação também contou com figuras
execráveis como Deltan Dallagnol, (ex-procurador federal que considera os
americanos melhores que os brasileiros) e Rodrigo Janot (ex-procurador-geral da
República).
Ao longo de 7 anos, mais de cem pessoas foram condenadas.
Inúmeras delas cumpriram pena de prisão em regime fechado, inclusive antes
mesmo da condenação. Sobre isto, o encarceramento antes da condenação era um
método frequentemente utilizado pelos procuradores e juízes da Lava Jato para
forçar que os investigados confessassem crimes que não haviam cometido, ou para
fazer delação premiada, mentindo sobre as pessoas que a Lava Jato queria
condenar. E o principal alvo de Sergio Moro, Dallagnol e demais juízes e
procuradores era Lula.
Assim, Lula e muitas das pessoas que foram condenadas na
Lava Jato, o foram sem provas, apenas com base em delação premiada, isto em
declarações obtidas sob coação, sob tortura. Muitos dos delatores eram
ameaçados de verem seus familiares perseguidos pela Lava Jato, além das ameaças
de condenação.
No que diz respeito às empresas estatais nacionais alvos da
Lava Jato, para além da Petrobras, foram alvos do imperialismo também a BR
Distribuidora, a Transpetro e a Eletronuclear. Sobre essa última, vale lembrar
seu presidente à época, Othon Luiz Pinheiro da Silva, engenheiro mecânico e
nuclear, vice-almirante do Corpo de Engenheiros e Técnicos Navais da Marinha do
Brasil. Ele é uma das pessoas que liderava o desenvolvimento do Programa
Nuclear Brasileiro.
Quanto às empresas privadas, várias empreiteiras foram alvos
da Lava Jato, a mando do imperialismo, principalmente em razão da expansão de
suas atividades para outros países oprimidos, tais como os do continente
africano e sul-americano. Dentre elas foram perseguidas a Odebrecht, a OAS, a
Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez e outras.
O balanço da operação para a economia brasileira? A redução
de 4,44 milhões de empregos apenas entre os anos de 2014 e 2017, com as
empreiteiras perdendo 85% de suas receitas.
A destruição dessa quantidade de empregos representou uma
queda de R$85,5 bilhões na massa salarial, o que, por sua vez, teve como
consequência a redução de R$20,3 bilhões em contribuições sobre a folha.
Ademais, houve perda de R$142 bilhões nos setores da
construção civil, indústria naval, engenharia pesada e indústria metalmecânica.
Com isto, o Produto Interno Bruto no período caiu em 3,6%.
Assim, apesar de ter ficado claro desde o início que a Lava
Jato era uma operação arquitetada pelo imperialismo, em especial os Estados
Unidos, o tempo tratou de tornar esse fato incontestável.
E apesar de terem tentado destruir o Partido dos
Trabalhadores e acabar politicamente com Lula, a Lava Jato falhou nesse
aspecto. Contudo, é algo que continua na ordem do dia. Afinal, o presidente e
seu partido são representantes do nacionalismo burguês, e estando o
imperialismo cada vez mais fraco, a tendência é que ele tente criar novas
operações golpistas da aumentar seu domínio sobre o Brasil e impedir o
desenvolvimento nacional.
Dez anos de uma operação criada pelos EUA para destruir o Brasil
Há pouco mais de uma década, em 17 de março de 2014, era deflagrada a Operação Lava Jato, um conjunto de investigações realizadas pela Polícia Federal brasileira, em conjunto com o Ministério Público, o Poder… pic.twitter.com/C9Dc89nBI3
— DCO - Diário Causa Operária (@DiarioDCO) March 20, 2024
PROCURADOR DOS EUA CONFESSA PARTICIPAÇÃO NA LAVA JATO;
ASSISTA!
Esse é Kenneth Blanco, um procurador norte-americano, em uma
conferência em Nova York, em 2017. Aqui ele explica a "teoria da
conspiração" da colaboração entre Lava Jato e o Departamento de Justiça
dos EUA. Um "relacionamento íntimo", que desprezava
"procedimentos formais".
A colaboração secreta e ilegal entre o Departamento de
Justiça dos EUA e os procuradores de Curitiba gerou críticas, evidenciando uma
possível interferência estrangeira nas investigações da operação Lava Jato.
Revelações de conversas vazadas do Ministério Público
Federal no Paraná, que já são conhecidas pelo público, apontam para uma
subordinação a interesses estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos. Dez
anos depois, a Sputnik Brasil conversa com especialistas que
dão visões acerca dos impactos e interesses por trás do envolvimento dos EUA na
operação que sacudiu a Justiça, a política, a economia e a sociedade do Brasil.
Lier Pires Ferreira, pesquisador do Laboratório de Estudos
Políticos de Defesa e Segurança Pública (Lepdesp), da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), e do Núcleo de Estudos dos Países BRICS (NuBRICS), da
Universidade Federal Fluminense (UFF), trouxe à tona questões controversas
sobre a cooperação entre autoridades americanas e brasileiras durante a
operação Lava Jato.
"Conversas vazadas do Ministério Público Federal no
Paraná revelam que um dos aspectos mais controvertidos da Lava Jato foi sua
subordinação a interesses estrangeiros, em particular dos Estados Unidos. Há
que se lembrar que, anos antes, no governo [do presidente americano Barack]
Obama, a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras haviam
sido alvos de espionagem ilegal dos americanos",
relembra o especialista.
As discussões se concentram em como essa influência
impactou não apenas as dinâmicas políticas e legais internas no Brasil, mas
também a economia nacional.
A Petrobras, principal alvo da Lava Jato, aceitou pagar uma
multa significativa, parte da qual seria destinada a um fundo de combate à
corrupção. No entanto, a tentativa dos procuradores de Curitiba de gerir esse
fundo foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ação teve
consequências devastadoras para grandes empresas brasileiras, como Petrobras,
Odebrecht e JBS, resultando na perda de valor patrimonial e de
fatias de mercado e desemprego em massa.
Arquitetura jurídica montada pelos EUA
À Sputnik Brasil, Fábio de Sá e Silva, autor de
estudos sobre a Lava Jato, pesquisador e doutor em direito, política e
sociedade da Universidade Northeastern (EUA), e professor associado de estudos
internacionais e professor Wick Cary de estudos brasileiros na Universidade de
Oklahoma (EUA), relembra que muitas das opiniões e inferências acerca
da influência dos EUA na operação foram tratadas como teoria da conspiração,
mas que houve de fato uma ingerência por parte do governo norte-americano.
"O que é um fato — e muito bem
documentado — é que os EUA construíram toda uma arquitetura
jurídica de combate à corrupção no mundo alinhada com os interesses nacionais,
e a Lava Jato se deu um pouco a partir dessa arquitetura. […] De certa forma,
os americanos fazem o que é bom para eles. O que me interessa questionar é por
que os brasileiros — procuradores, juízes, veículos de
imprensa — fizeram o que fizeram na Lava Jato, cujas
consequências para a economia, o direito, a política e o próprio combate à
corrupção no país são terríveis", indaga Silva.
Questionado sobre o interesse dos EUA na operação, Lier
Pires destaca que, para além de intenções jurídicas e políticas, era um
interesse de impacto que ajudava financeiramente o governo norte-americano.
"O interesse dos EUA direcionava-se prioritariamente à
Petrobras, cujos desvios de conduta impactavam investidores norte-americanos,
já que as ações da petrolífera brasileira eram negociadas em bolsas americanas.
Não por outro motivo, em 2018 a Petrobras aceitou pagar uma multa superior a
US$ 800 milhões [aproximadamente R$ 4 bilhões de reais]. Como se sabe, cerca
de 80% desse dinheiro retornaria ao Brasil. Os procuradores de Curitiba
pleiteavam a gestão dessa verba, que seria destinada a um fundo de combate à
corrupção. Quase tiveram êxito. Todavia a manobra foi abortada pelo
STF", comenta Ferreira à Sputnik Brasil.
O especialista destaca ainda que a interferência dos EUA na
Lava Jato revela a importância de Washington na política brasileira. Além
disso, ressalta a falta de visão estratégica das autoridades judiciais
brasileiras, criticando a abordagem que prejudicou empresas em vez de
focar mais as pessoas físicas envolvidas.
"O fato que me parece mais relevante é que a influência
dos EUA na Lava Jato revela primeiramente a importância de Washington na vida
política brasileira, como já denunciava estridentemente o ex-governador Leonel
Brizola. […] Ela traz à tona a total falta de visão estratégica das
autoridades judiciais brasileiras, míopes em aspectos básicos do geodireito e
do constitucionalismo estratégico. […] O fato é que as punições devem pesar
mais sobre as pessoas físicas do que sobre as empresas", avalia.
Para Rafael Ioris, professor de história moderna da América
Latina na Universidade de Denver (EUA), existia uma combinação
realizada entre os agentes brasileiros e norte-americanos. Segundo ele,
"ninguém é inocente".
"Os atores do governo dos Estados Unidos, especialmente
o Departamento de Justiça, tinham uma narrativa e perspectiva de que a
corrupção era um grande problema na América Latina e já haviam criado treinamentos,
cartilha de como combater a corrupção na América Latina. […] Havia um interesse
[dos EUA] na operação. […] Ninguém é inocente. Um começou a ajudar o
outro [Brasil e EUA]", crava.
A queda de uma farsa
Rafael Ioris continua destacando que embora a grande mídia
norte-americana legitimasse o que a mídia brasileira veiculava, com o tempo
essa narrativa começou a ser descontruída. Afinal, as coberturas tanto
brasileira quanto norte-americana tinham o objetivo de disseminar que a
corrupção era o problema principal da América Latina.
"Aos poucos, especialmente depois da eleição do [Jair]
Bolsonaro, muita gente começou a perceber que havia uma conexão entre o
discurso antiestablishment, antipolítica que resultou na eleição de Bolsonaro
[…]. Houve uma certa preocupação com o resultado […] e houve uma
percepção de que precisávamos [o Brasil] investigar mais um pouco [a Lava
Jato]. […] foi um processo com grandes danos para a economia brasileira",
arremata.
A 'corrupção sistêmica' e o interesse por trás
À Sputnik Brasil, Larissa Liz Odreski Ramina,
professora de direito internacional público da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e coordenadora de iniciação científica da Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação da mesma instituição, ressalta que houve uma sistematização do
que consideraram, à época, corrupção sistêmica, fazendo uso seletivo.
"Utiliza-se desse discurso da corrupção sistêmica de
forma seletiva para atacar apenas governos, forças políticas e líderes do
chamado progressismo latino-americano. Ou seja, aqueles que se opõem aos
ajustes neoliberais ditados pelo Fundo Monetário Internacional. […] A guerra jurídica foi
utilizada contra todos os modelos alternativos às políticas neoliberais, e essa
narrativa da corrupção sistêmica teve o efeito de considerar a corrupção como
um crime transnacional, […] da mesma forma que o tráfico de drogas e o
terrorismo internacional são considerados — em uma perspectiva militar — como
ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos", evidencia.
Para o pesquisador Lier Pires Ferreira, há aspectos legais
na cooperação judiciária entre EUA e Brasil que não podem ser ignorados.
"Algo diverso ocorre nas ações interventivas, ainda que
não tenham caráter direto, isto é, político ou militar. Essas ações são ao
mesmo tempo ilegais e ilegítimas, pois ferem a soberania nacional. A submissão
brasileira aos interesses norte-americanos no contexto da Lava Jato não apenas
apequenou o Brasil, mas feriu sua soberania e imagem perante o conjunto das
nações. Além disso, como já dito, teve um imenso custo econômico, muito
superior aos recursos financeiros que conseguiu repatriar. A Lava Jato é um
exemplo de que um país soberano jamais deve prostrar-se aos interesses
estrangeiros, ainda que travestidos de nobres ideais", reforça Pires.
O professor Fábio de Sá pontua que essas tais formas
importadas pela Lava Jato sequer são dominantes no direito americano.
"Por exemplo, [o então juiz Sergio] Moro condenou Lula
utilizando decisões de tribunais federais americanos que diziam que não é
preciso ato de ofício para configurar corrupção. Mas essa não é a 'lei da
terra' nos EUA; a Suprema Corte decidiu, em 2016, que para se punir alguém por
corrupção é preciso identificar com clareza um ato de ofício correspondente
[…]. Então o que vejo em tudo isso é um apelo aos EUA que serve para legitimar
abusos, o recurso aos EUA como fonte de legitimação simbólica — o que
funciona bem em um país com elites e imprensa que padecem do complexo de
vira-latas", afirma o professor.
O drama do presidente mais popular do país com a perda do neto. Preso sem provas, ele é escoltado por policiais armados. No que deveria ser o uniforme, um dos policiais ostenta distintivo com a inscrição “Miami Police - Swat”.#ForçaLula#LulaLivrepic.twitter.com/H5jyNu3uOD
A Pública levantou os 16 casos de
absolvições em segunda instância da Lava Jato e acompanhou o impacto da
condenação na vida de três desses réus
Executivo da OAS não conseguiu mais
emprego e não recebeu direitos trabalhistas Dentista aposentada foi usada como
“laranja” pela filha doleira Gerente de posto passou por duas
condenações
“A única coisa que ouvi foi o
cachorro latindo, mas de um jeito diferente. Abri a varanda e vi que ele estava
assustado. Quando eu saí do quarto, ouvi a campainha da cozinha, da porta da sala
e pessoas forçando a maçaneta. Num primeiro momento, achei que fosse assalto,
porque faziam muita força. Fui até a porta e perguntei que estava acontecendo,
e uma voz respondeu: ‘Aqui é a Polícia Federal [PF], abra imediatamente’.
Estava de cueca [era 6h30 da manhã], é constrangedor. Fui me vestir e fizeram
uma busca e apreensão na minha casa, levaram computador, celular, pastas, tudo
que tinha da OAS. Minha esposa estava grávida de cinco meses. Reviraram tudo e
pediram para que eu os acompanhasse”, relembra hoje Fernando Augusto Stremel
Andrade, ex-gerente de gasoduto da OAS.
Acusado de envolvimento no esquema
de corrupção da empresa, como o então presidente da empreiteira Léo Pinheiro e
os diretores Agenor Franklin Medeiros e Matheus Coutinho, o ex-gerente foi
conduzido coercitivamente para a PF na sétima fase da Operação Lava Jato,
denominada Juízo Final, no dia 14 de novembro de 2014. Foi liberado em seguida,
mas em 5 de agosto de 2015 condenado a quatro anos de prisão em regime aberto
por lavagem de dinheiro.
“O [Sergio] Moro achou que eu, com
a função que tinha, deveria saber o que estava acontecendo. A noção para quem
está de fora pode ser essa, mas não é isso que ocorre na obra”, afirma sobre a
condenação. Absolvido em segunda instância por falta de provas em 27 de
novembro de 2016, ele não conseguiu mais se recolocar no mercado de trabalho.
“Estou marcado pela Lava Jato. A maioria das empresas tem o setor compliance.
Não passa, cara, mesmo com a minha absolvição por 3 a 0. Fui condenado, acusado
de corrupção, e as pessoas questionam. Não tem o que fazer”, lamenta.
Stremel Andrade foi um dos 15 réus
condenados pelo ex-juiz Sergio Moro absolvidos pelo Tribunal Regional da 4ª
Região (TRF4), em Porto Alegre (RS), segundo dados obtidos com exclusividade
pela Agência Pública. Como ele, muitos tiveram suas vidas impactadas por
sentenças proferidas na 13ª Vara Federal, de Curitiba, mesmo depois de terem
sido anuladas em segunda instância pelos desembargadores João Pedro Gebran
Neto, Carlos Eduardo Thompson Flores e Leandro Paulsen.
Foi assim com Maria Dirce Penasso,
cirurgiã dentista aposentada, à época com 66 anos, residente em Vinhedo,
interior de São Paulo. A pacata vida da senhora foi revirada do avesso ao ter
seu nome atrelado à Lava Jato, no dia 17 de março de 2014, na primeira fase da
operação, quando sua casa foi alvo de busca e apreensão. Acusada de lavagem de
dinheiro e evasão de divisas, Maria Dirce foi condenada por Moro a dois anos,
um mês e dez dias de prisão (depois comutada para prestação de serviço à
comunidade). O motivo: sua filha, a doleira Nelma Kodama, abriu uma conta em
seu nome em Hong Kong, que teria sido usada para movimentar dinheiro de
corrupção. Maria Dirce, que sempre alegou desconhecimento das transações de
Nelma, foi absolvida pelo TRF4 em dezembro de 2015, pouco mais de um ano depois
da condenação. Além da decepção com a filha, sobraram sequelas da operação,
segundo o seu advogado, Eduardo Pugliesi Lima. “Ela tinha uma conta no mesmo
banco há 30, 40 anos. Quando foi acusada, começaram a dificultar tudo, para
fazer qualquer tipo de movimentação. Já tinha mais de 70 anos, não precisava
passar por isso”, conta Pugliesi Lima.
Saga mais complexa é a do gerente
do Posto da Torre, André Catão de Miranda, preso no dia 17 de março de 2014, na
primeira fase da Lava Jato. Foi essa prisão que inaugurou e batizou a operação
– em referência ao lava-jato do posto. Catão foi preso temporariamente como
suspeito de integrar uma organização criminosa liderada por seu patrão, o
doleiro Carlos Habib Chater. Há 11 anos ele era gerente financeiro do posto e
movimentava as contas de Chater, o que lhe valeu uma condenação por lavagem de
dinheiro da qual foi absolvido pelo TRF4 em setembro de 2015. No ano passado, o
administrador foi novamente condenado por Moro – dessa vez por supostamente
pertencer a uma organização criminosa – em um dos últimos atos do juiz na 13ª
vara antes de assumir o Ministério da Justiça do governo de Jair Bolsonaro. Ele
aguarda o recurso ser julgado no TRF4.
Dados inéditos obtidos pela
Agência Pública revelam que 15 réus condenados pelo ex-juiz Sergio Moro foram
absolvidos pelo TRF4
Abandonado pela OAS
Engenheiro formado pela PUC do
Paraná em 1985, com pós-graduação em engenharia de dutos desde 2007, o
ex-gerente de gasoduto da OAS tem currículo de executivo de primeira linha.
Antes de trabalhar na OAS, foi funcionário na Petrobras, onde permaneceu entre
1998 e 2007, com a responsabilidade de avaliar a viabilidade técnica e
econômica de empreendimentos da empresa no setor de gasoduto. Foi a Petrobras
que o indicou para trabalhar na OAS, na construção de um gasoduto no Amazonas,
o Urucu-Coari-Manaus, inaugurado em novembro de 2009 e recentemente vendido
junto com 90% da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG) para um grupo
empresarial que reúne a francesa Engie e o fundo canadense Caisse de Dépôt et
Placement du Québec (CDPQ), por US$ 8,6 bilhões (cerca de R$ 33 bilhões), em
abril do ano passado.
Em 2010, Stremel Andrade foi
deslocado para Alagoas, dessa vez para trabalhar na concepção do gasoduto Pilar-Ipojuca.
Um ano depois, assinou um contrato representando a OAS com a empreiteira
Rigidez, pertencente a Alberto Youssef, no valor de R$ 1,8 milhão. Os problemas
começaram aí.
“Não vou dizer que fui obrigado,
mas a OAS me orientou a assinar o contrato para uma divisão de dividendos e
participações. É uma divisão interna dos lucros de uma obra, mas eu não
imaginava que isso ia para um agente público ou para a Petrobras. Eu era um
funcionário operacional”, justifica Stremel Andrade. “Você pode me perguntar:
‘Pô, o Léo Pinheiro, Agenor, não participava de reunião com você?’. Sim, todo
mês a gente se reunia, mas nós falávamos do avanço físico de obra, de
rentabilidade”, afirma Fernando, que nem sonhava em ver sua casa invadida pela
PF como aconteceu em novembro de 2014.
Ele lembra que foi conduzido
coercitivamente para prestar depoimento na PF em uma sexta-feira e, na segunda,
já estava de volta ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), para
onde havia sido deslocado pela OAS em 2013. Ali supervisionava a construção da
adutora que vai levar o lixo químico tratado de uma das refinarias da Petrobras
até Maricá para ser despejado 3 km adiante no mar. “Minha equipe veio conversar
comigo para saber o que havia acontecido. Ninguém esperava essa situação.
Trabalhei normal, administrando esse problema e a continuidade da obra. Até a
sentença, que foi em meados de 2015, era um sufoco, porque ia para Curitiba,
tinha audiência de acusação, defesa”, relembra.
Questionado sobre por que preferiu
ficar em silêncio no depoimento a Sergio Moro, o ex-executivo da OAS afirma que
“essa era uma estratégia da empresa”. “Antigamente, se condenado na segunda
instância, você não ia preso. O acordo era não falar absolutamente nada, porque
eu poderia ser condenado em segunda instância e, até chegar no STJ, ia demorar
mais 10, 15 anos, todo mundo já ia ter mais de 70 anos. Isso mudou a partir do
momento que a segunda instância começou a prender.”
Entre setembro de 2015 e abril de
2016, Stremel Andrade permaneceu afastado, sem exercer nenhuma função na OAS,
ainda que recebendo salário. Quando retornou ao cotidiano da empresa, ele
relata que permaneceu marginalizado. “Eu não tinha nem mesa para trabalhar”,
conta. O executivo não era mais convocado para reuniões e tampouco sabia de
detalhes operacionais da companhia.
Meses depois, em novembro de 2016,
foi absolvido por unanimidade pelos três desembargadores do TRF4. Nenhum dos
delatores da OAS havia citado seu nome ao falar sobre as irregularidades
encontradas pela força-tarefa. “Foi um alívio e achei que tudo ia voltar a ser
como era antes, mas isso não aconteceu”, lembra o engenheiro, que continuou a
se sentir escanteado no trabalho.
Em março de 2018, foi demitido “de
maneira fria e calculista” pela OAS sem receber FGTS, férias proporcionais nem
rescisão trabalhista, o que teria acontecido também com outros funcionários da
construtora. Segundo ele, a cúpula da empresa “ficou chateada” com o depoimento
de um dos delatores da empresa, o ex-diretor financeiro Mateus Coutinho de Sá
Oliveira, dizendo que a empresa havia prometido indenizar os diretores queconcordassem em fazer a delação premiada. “Os acionistas se sentiram traídos.
Desde 2018 ninguém recebe mais nada”, diz.
Stremel Andrade diz que pediu uma
compensação para se “reerguer”, movendo uma ação trabalhista contra a OAS no
valor de R$ 4,4 milhões. São 50 salários por danos morais, R$ 385 mil por 138
dias de férias não gozadas e mais R$ 600 mil pela rescisão do contrato de
trabalho – o que ainda não recebeu. Sem emprego, ele ainda sente o peso da
condenação. “Não é mais a mesma coisa. Irmãos e os parentes mais próximos, tudo
bem. Mas o restante da família tem um outro conceito de mim.”
Stremel Andrade ainda é réu em
processo por improbidade administrativa em ação protocolada pela
Advocacia-Geral da União (AGU), por mau uso do dinheiro público. “Como fui
absolvido na ação do MPF, espero que isso conte nessa outra acusação. É uma
agonia sem fim.”
A Pública entrou em contato com a
OAS, que, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que “sobre os temas
rescisórios, a empresa acredita que encaminhará soluções definitivas nas
próximas semanas”. Sobre o depoimento de Sá Oliveira, mencionado por Stremel
Andrade, disse que “jamais efetuou qualquer tipo de pagamento aos ex-executivos
e afirma categoricamente que nunca celebrou tal acordo mencionado”. O advogado
Pedro Ivo Gricoli Iokoi, responsável pela defesa de Sá Oliveira, também não
quis conceder entrevista à Pública, afirmando que “Mateus é colaborador e
possui cláusula de confidencialidade no acordo”.
O Posto da Torre, propriedade do
empresário Carlos Habib Chater, deu origem e nome à Operação Lava Jato
De Vinhedo a Hong Kong
O relógio marcava 0h37 do dia 26
de novembro 2012 quando o visor do celular da doleira Nelma Kodama brilhou. Era
uma ligação vinda de uma operadora do HSBC, na China.
– “Oi, aqui é a Carol, de Hong
Kong DC”.
– “Sim, pode falar, aqui é Maria
Dirce Penasso.”
– “Nós temos algumas perguntas
para você, posso enviar um email para você dar uma olhada?”
– “Sobre qual das 961? Qual
pagamento ?”
– “São perguntas sobre algumas
informações que precisamos, posso lhe enviar um email”
– “Ok, vamos fazer assim, porque
aqui eu estou em outro país e agora é meia noite, ok? Todos os escritórios
estão fechados, pode me fazer um favor, me envie um email, ok? E amanhã eu vejo
o email e você me liga amanhã à noite, pode ser assim? Você entende? Porque
está tudo fechado agora”.
O diálogo, em inglês, foi
traduzido pela PF dois anos depois, ao investigar Maria Dirce Penasso, mãe da
doleira, que era real interlocutora da conversa. “A Maria Dirce não fazia ideia
dessas movimentações, era tudo em inglês. Ela, com a idade que tinha, sem saber
falar outra língua, mal sabendo mexer nas funções básicas de um computador,
jamais conseguiria movimentar o dinheiro de uma conta bancária em Hong Kong”,
contou à Pública o advogado da dentista aposentada, Eduardo Pugliesi Lima.
O uso de seu nome pela filha em
contas que movimentariam dinheiro da corrupção resultou em uma acusação do
Ministério Público Federal (MPF) por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A
mesma denúncia que foi feita contra a filha doleira e seu motorista particular,
Cleverson Coelho de Oliveira, entre outros. Segundo o MPF, Maria Dirce teria
consentido em ceder seu nome para abertura de uma conta em Hong Kong, na China,
intitulada “Il Solo Tuo Limited”, e outra conta da “NGs Prosper Participações
Ltda.”, uma empresa de fachada responsável pela administração de 60
apartamentos no hotel Go Inn, no Jaguaré, zona oeste da capital paulista. As
duas contam serviriam para ocultar o dinheiro do esquema entre empreiteiras e a
Petrobras.
No dia 22 de outubro de 2014,
Maria Dirce Penasso foi condenada a dois anos, um mês e dez dias de prisão,
tendo a pena sido transferida para prestação de serviço à comunidade. Além
disso, Sergio Moro bloqueou os quase R$ 11 mil que estavam em sua conta quando
ela teve a casa alvo de busca e apreensão. Na mesma sentença, sua filha, Nelma
Kodama, foi condenada a 18 anos de prisão por Sergio Moro por lavagem de
dinheiro, evasão de divisas, corrupção ativa e por supostamente liderar uma
organização criminosa. Considerada a primeira delatora da Lava Jato, Nelma teve
sua pena reduzida para 15 anos em 2015. Em junho do ano seguinte ela passou ao
regime semiaberto, com a utilização da tornozeleira eletrônica. Em agosto de
2019, foi autorizada a retirar o aparelho ao ser beneficiada pelo indulto
natalino editado por Michel Temer em 2017, que prevê o cumprimento de um quinto
da pena para não reincidentes. Como Nelma já havia cumprido mais de três anos,
a benesse foi concedida.
Nelma era ligada ao doleiro
Alberto Youssef, um dos nomes mais conhecidos de toda a operação e um dos
primeiros a aderir à delação premiada – ele foi condenado a mais de cem anos de
prisão, em 12 processos, mas ficou apenas três no regime fechado. Além da
relação profissional, os dois mantinham um vínculo sentimental. Por esse
motivo, de acordo com o advogado de Maria Dirce, a mãe de Nelma conhecia
Youssef, que frequentava sua casa. “Ela não sabia dessas transações que eles
faziam. A Nelma visitava ela, mas a Dirce nunca ficou perguntando. A filha já
era adulta, né? A mãe não ficava questionando sobre os afazeres dela”, diz o
advogado.
Em dezembro de 2015, Maria Dirce
foi absolvida pelo TRF4 de todas as acusações que constavam no processo em que
havia sido condenada por Moro. “Quando chega em um tribunal, com outros três
desembargadores, tudo muda, porque eles podem colocar outra visão. A Maria
Dirce provou, através do imposto de renda, que tudo que ela tem foi conquistado
pelos anos de trabalho como celetista. Não houve elevação da renda ou do
patrimônio nos últimos anos”, conta Pugliesi Lima.
Maria Dirce não quis conversar com
a Pública “para não reviver uma história que prefere esquecer”, de acordo com o
advogado.
Nelma Kodama utilizou o nome da
mãe como “laranja” para a abertura de conta em offshore
Duas condenações, uma absolvição
Também o ex-gerente administrativo
André Catão de Miranda diz ter sido pego de surpresa por acusações que
desconhecia. Ele e outras pessoas ligadas ao Posto da Torre foram presos em
março de 2014 em decorrência do mesmo processo que condenou o dono do posto, o
doleiro Carlos Habib Chater, apontado como líder e executor de crimes
financeiros. Por realizar operações de câmbio e pagamentos a mando do patrão,
consideradas irregulares pelo MPF, ele foi detido em Brasília e transferido
para a Casa de Custódia de São José dos Pinhais, no Paraná, onde ficou preso
provisoriamente por sete meses.
“Foi um tremendo desrespeito. Os
dias passavam e ele lá dentro da prisão”, critica o advogado Marcelo de Moura,
defensor de Miranda. “Ele era um funcionário subalterno, que recebia ordens e,
se eventualmente algum ato ilícito foi praticado, aconteceu com o total
desconhecimento [dele]. Ele cuidava da parte financeira, mas exclusivamente da
atividade-fim, que era venda de combustível”, afirma Moura.
Para o MPF, no entanto, o gerente
do posto de gasolina era responsável por fazer pagamentos em uma extensa rede
de lavagem de dinheiro, que envolvia, além de seu patrão, os doleiros Alberto
Youssef, Raul Henrique Srour e Nelma Kodama e um suposto traficante de drogas,
René Luiz Pereira. Duas ações penais foram movidas contra o gerente, uma delas
por tráfico de drogas. Nesse caso, segundo o MPF, Chater teria utilizado, com a
cumplicidade de seu gerente, a estrutura do Posto da Torre para lavar US$ 124
mil provenientes da venda de cocaína na Europa.
Nos depoimentos que prestou na 13ª
Vara de Curitiba, Miranda disse ter feito os pagamentos por determinação do
patrão. Mas, em outubro de 2014, Sergio Moro o condenou a quatro anos de
reclusão em regime semiaberto. Menos de um ano depois da condenação, em
setembro de 2015, o TRF4 absolveu André e manteve as punições de René Luiz
Pereira (14 anos de prisão) e Carlos Habib Chater (cinco anos). Os
desembargadores Leandro Paulsen e Victor Luís dos Santos Laus apresentaram voto
favorável à absolvição, enquanto o relator João Pedro Gebran Neto votou pela
manutenção da condenação em primeira instância.
Segundo Paulsen, “André era um
empregado de Habib, não havendo nenhum elemento que aponte qualquer
enriquecimento”, disse. “O Ministério Público Federal não trouxe elementos
(quebra de sigilo financeiro, fiscal, prova testemunhal ou documental)
demonstrando que o réu (André) auferia recursos derivados de atividade ilícita.
Também parece contrariar a lógica afirmar que Miranda coordenava todo o núcleo
de operações financeiras ilícitas de Carlos Habib sem a obtenção de qualquer
contrapartida específica para tanto”, afirmou o desembargador.
Apesar de absolvido, a condenação
mudou a vida de Miranda para sempre, de acordo com o seu advogado: “O reparo
nunca é suficiente para voltar ao ponto anterior de uma pessoa que não tinha
envolvimento nenhum com atividade criminosa e é surpreendida com uma prisão,
que acaba por perdurar durante sete meses. Essas máculas não podem ser
reparadas, tanto do ponto de vista financeiro quanto emocional”.
Além disso, em outubro de 2018,
Sergio Moro, voltou a condená-lo, dessa vez a dois anos e seis meses em regime
aberto pelo crime de pertencimento a organização criminosa. De acordo com o
ex-juiz, Miranda “fazia pagamentos, recebimentos e lançamentos no Sismoney, ou
seja, na contabilidade informal. Não era meramente um gerente financeiro
regular do Posto, mas pessoa de confiança de Carlos Habib Chater. Não se pode
afirmar que não tinha conhecimento da utilização da estrutura do Posto da Torre
para a prática dos crimes financeiros e dos quais aliás participava”.
A pena foi revertida para serviços
comunitários, mas Miranda “ficou revoltado”, diz o seu advogado. “Ele já tem as
marcas de uma prisão ilegal. Após a absolvição, ele estava reestruturando a
vida aos poucos. Uma notícia pesada como essa gera a sensação de que uma nova
injustiça precisa ser combatida.”
Após a primeira condenação,
Miranda morou em Uberlândia e atualmente trabalha em uma empresa da família, em
Brasília. A nova condenação, diz o advogado, significa uma pá de cal nos planos
do ex-gerente. “O André é o tipo de cidadão que poderia atravessar a vida
inteira sem entrar em uma delegacia, muito menos ser preso. As investigações
mostraram que ele não tinha aparelho de comunicação restrita, possuía um
apartamento adquirido com recurso próprio, utilizando fundo de garantia, e não
tinha automóvel. Ele entrou no bolo de uma investigação precipitada, que
geraram prisões e condenações injustas”, critica.
O recurso no TRF4 já foi
protocolado e a defesa espera o julgamento, que ainda não tem data marcada. Na
avaliação de Moura, a Lava Jato extrapolou limites jurídicos. “Acho que se
elegeu a corrupção, que é um mal a ser combatido, como um tema que extrapola a
legalidade. É como se as armas utilizadas contra a corrupção pudessem ser
ilegais.”
Com ele concorda Maria Carolina
Amorim, coordenadora do escritório do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCRIM) em Pernambuco. “Antes de se ver condenado, o réu é exposto
pela imprensa de forma irreparável, em razão da permissividade que o Judiciário
tem tido com os seus funcionários que vazam informações. Em caso de condenação,
tal dano é ainda maior, motivo pelo qual deve-se exigir mais responsabilidade
do julgador”, diz Maria Carolina.
Outros casos
Além dos já citados Fernando
Stremel, Maria Dirce e André Catão de Miranda, há outras 12 pessoas – entre
elas o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que teve duas condenações
anuladas pelo TRF4. A primeira, de setembro de 2015, em que foi condenado a 15
anos e quatro meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, foi revogada
em 2017. Em outra ação penal, envolvendo a empresa Engevix, a condenação a nove
anos de prisão foi anulada por insuficiência de provas. Em contato com a
Pública, o advogado Luiz Flávio D’Urso afirmou que Vaccari “se vê injustiçado,
pois somente fez o que lhe competia como tesoureiro do partido: pedia doações
legais para o PT, sempre por depósito bancário e com recibo, jamais recebeu
recursos em espécie. Ele foi um símbolo, um troféu”, afirmou o advogado.
Veja os outros casos em que as
sentenças de Moro foram revistas pelo TRF4:
Mateus Coutinho de Sá Oliveira:
condenado a 11 anos de prisão em agosto de 2015, aderiu à delação premiada e
foi absolvido um ano depois. Ele era diretor financeiro da OAS e foi apontado
pelo MPF como um dos responsáveis pelo departamento de propinas da empreiteira.
André Luiz Vargas Ilário:
ex-deputado federal (PT) foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão em
regime fechado por lavagem de dinheiro e absolvido no ano passado pelo TRF4.
Foi condenado em outras duas ações da Lava Jato: seis anos em um esquema de
lavagem de dinheiro envolvendo uma empresa fornecedora de softwares, e 14 anos
e quatro meses de prisão, em 2015, também por lavagem de dinheiro. As
condenações foram mantidas em segunda instância, mas, como ele já havia
cumprido parte da pena quando foi preso preventivamente, está em liberdade
condicional e com algumas restrições.
Leon Vargas Ilário: foi absolvido
junto com irmão, André Vargas, no mesmo processo por lavagem de dinheiro. Em
outubro do ano passado, na ação penal envolvendo o esquema de softwares, que
também afetou o ex-deputado André Vargas, Leon teve a pena reduzida pelo TRF4
de cinco anos, para quatro anos, nove meses e 18 dias em regime semiaberto
Fernando Schahin: executivo do
Grupo Schahin, recebeu condenação, em setembro de 2016, de cinco anos e quatro
meses de prisão, por corrupção ativa, envolvendo benefícios em uma licitação da
Petrobras para operação do navio-sonda Vitória 10.000 e empréstimos concedidos
ao pecuarista José Carlos Bumlai. Foi absolvido em maio de 2018. Em outro
processo, que também aponta irregularidades na construção e operação dos
navios-sonda Petrobras 10.000 e Vitória 10.000, Fernando teve a pena reduzida
para pouco mais de cinco anos.
Agosthilde Mônaco: assessor do
ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, foi absolvido da
condenação de 2017 pelo crime de lavagem de dinheiro proveniente de contratos
dos navios-sonda Petrobras 10.000 e Vitória 10.000. Foi, no entanto, denunciado
outra vez pelo MPF, dessa vez por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, na
negociação da compra da Refinaria de Pasadena pela Petrobras. O processo se
encontra na fase de oitiva de testemunhas.
José Carlos Costa Marques Bumlai:
pecuarista e empresário apontado pelo MPF como responsável pela realização de
reformas no sítio de Atibaia. Foi condenado a uma pena de três anos e nove
meses de reclusão na primeira instância, mas absolvido pela Oitava Turma por
ausência de provas em novembro do ano passado. Ele foi condenado também, dessa
vez a nove anos e dez meses de prisão, por gestão fraudulenta de instituição
financeira e corrupção, no mesmo caso que envolve o Banco Schahin e
navios-sonda da Petrobras. Cumprindo prisão domiciliar, foi beneficiado com a
retirada da tornozeleira eletrônica após novo entendimento do Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre prisão em segunda instância, em novembro do ano passado.
Emyr Diniz Costa Júnior: diretor
de contratos da construtora Norberto Odebrecht. Supervisionou a obra de reforma
do sítio de Atibaia, que tem como principal alvo o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Emyr foi condenado a três anos de reclusão por Sergio Moro, mas foi
absolvido pelo TRF4, no dia 27 de novembro de 2019, por ausência de provas.
Roberto Teixeira: advogado e amigo
do ex-presidente Lula, também foi acusado de envolvimento no processo do sítio
de Atibaia. Ele teria ocultado documentos que demonstrariam a ligação da OAS
com a reforma, além de orientar engenheiros da empreiteira a celebrar contratos
fraudulentos com Fernando Bittar, um dos proprietários do sítio. Teixeira foi
condenado a dois anos de reclusão na primeira instância, mas foi absolvido por
ausência de provas.
Paulo Roberto Valente Gordilho:
diretor técnico da OAS, era o encarregado da reforma do sitio de Atibaia. Foi
condenado a um ano de reclusão por Sergio Moro, mas foi absolvido pelo TRF4 por
ausência de provas.
Isabel Izquierdo Mendiburo Degenring
Botelho: agente do banco Société Générale no Brasil, foi acusada de auxiliar a
abertura de contas em offshores pelo mundo de ex-diretores da Petrobras,
caracterizando crime de lavagem de dinheiro. Foi condenada a três anos e oito
meses de prisão em novembro de 2018, mas foi absolvida na segunda instância um
ano depois.
Álvaro José Galliez Novis: doleiro
condenado a quatro anos e sete meses por lavagem de dinheiro em março de 2018,
na mesma ação penal que envolveu o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir
Bendine. Em agosto do ano passado, foi beneficiado pelo habeas corpus deferido
pela Segunda Turma do STF, em agosto do ano passado, que anulou a sentença
confirmada pelo TRF4 em maio de 2019.
Alteração às 20h33 21.01.2020 –
Aldemir Bendine foi presidente do Banco do Brasil e não do Banco Central como
constava anteriormente
O jornalista, em entrevista à TV 247, expôs a cooperação
entre a força-tarefa da Lava Jato e as autoridades americanas. Ambas estavam
empenhadas em dar um “golpe” no Brasil, denunciou. Assista
“Eu sabia desde o início, lembrando daquela caça às bruxas
do mensalão. Estou no Brasil desde 1991, menos de 1995 a 2000. Eu lembrei do
mensalão, porque eu nunca confiei na Lava Jato. Também identifiquei que um
golpe estava em andamento desde 2013. Vimos como o New York Times estava
mudando a narrativa para enquadrar o Brasil como um ‘país de perdedores’, quase
um Estado falido, com a pior corrupção de todos os tempos. Nesse momento eu
começo a rebater. Um golpe estava chegando, tinha algo errado com a Lava Jato,
que estava trabalhando com o Departamento de Justiça, e isso nunca pode ser bom
para um país. Desde 2015 ou 2016 eu publiquei mais de 60 matérias sobre a Lava
Jato em inglês, e, principalmente, desde o início mencionando o envolvimento do
governo dos Estados Unidos”, contou.
Brian Mier denunciou os acordos de leniência com autoridades
estrangeiras. Desde os pagamentos, a mídia estrangeira não cobre mais a Lava
Jato. “Houve um blecaute na mídia anglo em 2016, quando a Corte do Distrito Sul
de Nova York multou em 3,5 bilhões de dólares a Petrobras e a Braskem. Isso
entrou na mídia, no New York Times, Washington Post e Guardian, como a maior
multa já cobrada pelo Departamento de Justiça sobre uma empresa estrangeira,
através de uma lei chamada Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior. Depois
daquele momento, sumiu qualquer menção aos Estados Unidos na Lava Jato. Quando
eu escrevi que existia uma parceria com o Departamento de Justiça falavam,
‘você é um teorista da conspiração’. Como? Você pode abrir no site do
Departamento de Justiça e ler que ele está falando sobre a parceria com a Lava
Jato. É um absurdo”, completou.
🇺🇸🏃🏻♂️"Sergio Moro sugeriu ao procurador que trocasse ordem de fases, cobrou agilidade, antecipou decisão, criticou e sugeriu recursos ao MP, deu broncas em 🗣️ Deltan Dallagnol como se fosse superior hierárquico dos procuradores e da Policia Federal" https://t.co/Vw9Vpy2325
— Zel Florizel🇧🇷🇵🇸🕵️Sigam a @AuditoriaCidada (@ZellFlorizel) September 15, 2021
Segundo o advogado Cristiano Zanin, a defesa entrou com pedido após o TJSP reconhecer a existência do crédito em favor do espólio de Dona Marisa até o momento a empreiteira não ter devolvido o dinheiro
(Foto: Reuters | Reprodução)
247 - A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, que cuida do espólio da ex-primeira-dama Marisa Letícia, ingressou
com ação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) contra a empreiteira OAS
para que ela restitua R$ 662,4 mil referente a cotas da compra do apartamento
no edifício Solaris, no Guarujá.
A Lava Jato acusou falsamente Lula de ter recebido um
triplex no Guarujá como suposta retribuição por contratos assinados entre o
Grupo OAS e o governo federal, mas os advogados do petista provaram que ele
nunca recebeu nem foi dono do imóvel, que pertencia à OAS e foi inclusive dado
em garantia de um empréstimo feito à Caixa Econômica Federal.
Os advogados ainda demonstraram que dona Marisa Letícia
pagou, em prestações à cooperativa Bancoop, parte de uma cota que lhe daria
direito a um apartamento no local, mas desistiu do negócio quando o
empreendimento foi transferido à OAS. Ainda viva, a ex-esposa de Lula requereu
a devolução dos valores pagos ao banco, que deverá ser feita diante de
determinação do TJSP.
“Requer-se seja dado início à execução provisória da
sentença, com a intimação da ré OAS, na pessoa de seus advogados constituídos,
para que pague o valor atualizado da condenação, que em setembro de 2021 é de
R$ 662.473.32 (seiscentos e sessenta e dois mil, quatrocentos e setenta e três
reais e trinta e dois centavos), conforme cálculo descritivos anexos, sob pena
da aplicação de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de
dez por cento”, diz a defesa no pedido.
Tribunal de Justiça de São Paulo divulgou nesta
quarta-feira, 26 de maio, acórdão sobre a decisão que determinou à OAS devolver ao
espólio de Marisa Letícia Lula da Silva os valores que ela pagou pela cota de
um apartamento simples no empreendimento, que nunca foi entregue a ela nem à
família do ex-presidente Lula.
Nome do ex-juiz é um dos assuntos mais comentados nas redes
após o empreiteiro Léo Pinheiro escrever uma carta desmentindo sua própria
delação com acusações contra o ex-presidente Lula
(Foto: Reprodução/Twitter)
247 - O nome ex-juiz Sérgio Moro é um dos
assuntos mais comentados nas redes após o empreiteiro Léo Pinheiro escrever uma
carta desmentindo sua própria delação com acusações contra o ex-presidente
Lula.
Internautas apontam que Moro foi o principal personagem que,
em nome da força-tarefa, quebrou a economia do Brasil e promoveu um
achincalhamento contra o petista.
Saiba mais
Na carta escrita em maio e anexada ao processo em
junho, Pinheiro disse que nunca autorizou ou teve conhecimento de pagamentos de
propina às autoridades citadas no caso. Também disse que não houve menção sobre
vantagens indevidas durante o encontro ocorrido na Costa Rica. Esse documento
foi uma das bases da defesa de Lula, liderada pelo advogado Cristiano Zanin,
para solicitar à Justiça de São Paulo o arquivamento da investigação.
Na carta escrita de próprio punho, Pinheiro afirmou também
que não sabe informar “se houve intercessão do Ex. Presidente Lula junto à
Presidente (ex) Dilma e/ou Ex. Ministro Paulo Bernardo”. “A empresa OAS não
obteve nenhuma vantagem, pois inclusive não foi beneficiada por empréstimos do
BCIE – Banco Centro Americano de Integração Econômica. Não sabendo informar se
houve efetividade da solicitação do Presidente do BCIE, senhor Nick Rischbieth
Alöe junto ao senhor Ex. Presidente Lula e demais autoridades citadas”,
concluiu Pinheiro.
Veja a repercussão:
Tão grave quanto Bolsonaro seguir na presidência é Sergio Moro e Deltan Dallagnol continuarem sem qualquer punição pelos crimes que cometeram.
Leo Pinheiro mentiu para a Justiça. Chantageado por Moro, implicou Lula, que ficou mais de ano preso. Um crime desses deveria ser inafiançável, principalmente por ser Moro juiz do caso àquela altura. Terá que pagar, e breve
O ex-presidente da OAS Léo Pinheiro escreveu uma carta de próprio punho na qual voltou atrás em acusações feitas contra Lula na sua delação sobre tráfico de influência. Veja o documento. https://t.co/YFPnuqSNQKpic.twitter.com/XoUNvKqe7z
Afinal, quem é Sérgio Moro? Teria ele motivações para
agir com justiça diante de políticos? Como ele consegue manter a serenidade
diante dos ataques sofridos? Ele pensou em desistir? Como será o Brasil depois
de sua atuação? Será que ele pretende limpar toda a corrupção do Brasil?
Sérgio Moro – A história do homem por trás da operação
que mudou o Brasil é um mergulho no caso conhecido como o maior escândalo de
corrupção do país.
Aqui, a autora imerge no passado e na trajetória do juiz
de primeira instância que atuou contra famosos casos de corrupção até liderar a
investigação da Operação Lava Jato com o Ministério Público e a Polícia
Federal.
O leitor conhecerá também o caso do Banestado, remetente
ao final da era Fernando Henrique Cardoso, e do Mensalão, duas investigações de
grande importância que contaram com o trabalho de Moro.
A ideia deste livro é entender o “fenômeno Moro” e, por
meio de conexões, será possível conhecer a carreira do magistrado que está
mudando o país. Para além do espírito verde-e-amarelo dos protestos,
mostraremos quem é o homem por trás do mito.
Percorra essas páginas e compreenda a grande
personalidade na busca pela verdade sobre a Operação Lava Jato. Descubra o que a
República do Paraná fez pelo restante do país. E viva o combate à corrupção!
Conversas gravadas pelo advogado Nythalmar Dias Ferreira
Filho mostra o juiz Bretas combinando penas
Marcelo Bretas - Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Segundo o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, Bretas
está longe de ser um juiz imparcial e “se comporta como policial, promotor e
juiz ao mesmo tempo: negocia penas, orienta advogados, investiga, combina
estratégias com o Ministério Público, direciona acordos, pressiona
investigados, manobra processos e já tentou até influenciar eleições, mas
claro, tudo à margem da lei”.
O advogado Nythalmar afirma que tem provas e que vai
apresentar todas elas e, a principal delas, é a gravação de uma conversa entre
ele, o juiz e um procurador da República encarregado da Lava Jato.
Segundo informações da revista Veja, em 2017 os três
discutiam uma estratégia para convencer o empresário Fernando Cavendish a
confessar seus crimes mediante o oferecimento de algumas vantagens jurídicas.
O juiz diz a Nythalmar, representante de Cavendish, que havia sondado o Ministério Público sobre um acordo e, caso tudo saísse como combinado, poderia “aliviar” a pena do empresário. “Você pode falar que conversar com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar”, diz Bretas ao advogado.
Léo é o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, então
coordenador da Lava Jato do Rio de Janeiro.
“E aí deixa comigo também que eu vu aliviar. Não vou botar
43 anos no cara. O cara tá assustado com os 43 anos”, afirmou o juiz.
Posteriormente à conversa obtida por Veja, de fato Cavendish começou a
confessar os seus crimes e mais tarde assinou um acordo de delação premiada com
o Ministério Público. À época, o empresário revelou que gastou milhões em
propinas para políticos. Com isso, ganhou o direito de responder ao processo em
liberdade.
O advogado afirma que, a partir dos áudios apresentados que
o juiz Marcelo Brettas “demonstra de forma inequívoca que o juiz responsável,
juntamente com os membros da força-tarefa, montou um esquema paraestatal,
ilegal de investigação, acusação e condenação
No anexo II do acordo de colaboração, Nythalmar afirma que,
por volta de maio de 2018k, a pedido do filho de Cabral, procurou Bretas com a
proposta de livrar Adriana. O juiz concordou, ajustou os detalhes com o
procurador Eduardo El Hage, então chefe da Laja Jato no estado, e deu
orientações para que Cabral e a ex-primeira-dama redigissem uma carta de
próprio punho “abrindo mão de todo o patrimônio”.
Preso em Bangu 8, Sérgio Cabral passou a confessar seus
crimes a Bretas em junho de 2018. Em agosto do mesmo ano, o magistrado revogou
a prisão domiciliar de Adriana Ancelmo e autorizou que ela respondesse às
acusações em liberdade.
Por fim, o delator informou que tem guardada uma gravação
que “demonstra a participação, ciência e aquiescência de acordo similar” ao do
ex-governador.
The last remaining Lava Jato investigation, in Rio de Janeiro, is also falling into disgrace as Judge Marcelo Bretas (shown here eating popcorn with disgraced Lava Jato Curitiba judge Sergio Moro) is accused of negotiating sentences and illegal collusion with prosecutors. pic.twitter.com/cLxwGUvB3W
A mesma PF que se calou quando Bolsonaro disse que “ia
fuzilar a petralhada” agora abre inquéritos contra todos os críticos do
presidente.
Foto: Evaristo Sá/AFP via Getty Images
EM MARÇO DE 2016, no auge das investigações da
Lava Jato envolvendo os governos petistas, o procurador lavajatista Carlos
Fernando Lima afirmou durante uma palestra que os governos
investigados do PT permitiram o fortalecimento da Polícia Federal e do
Ministério Público. Segundo ele, os governos petistas, diferentemente dos
anteriores, garantiram a autonomia das instituições de investigação e
possibilitaram que muita gente ligada ao partido do governo fosse investigada e
até presa. “Nós esperamos que isso [a falta de autonomia dessas instituições]
esteja superado”, sonhou o procurador.
O resto da história você já conhece: a Lava Jato ajudou a
arrancar Dilma do poder e a eleger Bolsonaro na eleição seguinte. Isso ficou
ainda mais evidente depois que Sérgio Moro quebrou o sigilo da delação de Palocci às vésperas do
primeiro turno, jogando lenha na fogueira do antipetismo. A divulgação das
acusações do ex-petista — infundadas como a própria Lava Jato atestaria mais tarde — ajudou a garantir a eleição de
Bolsonaro e acabaria por tornar o juiz lavajatista um dos principais ministros
do governo. Mais tarde, depois de prestar serviços pouco republicanos a Bolsonaro e sua família,
Sergio Moro pediu demissão após o presidente tentar interferir na escolha dos
nomes para comandar a Polícia Federal. Esse foi o caminho percorrido para que
chegássemos aqui hoje, assistindo à PF sendo gravemente aparelhada e
atuando como uma guarda particular de Bolsonaro, sua família e seus aliados.
Nesta semana, Guilherme Boulos foi intimado a comparecer na
PF para prestar depoimentos por causa deste tweet, considerado ameaçador à vida
do presidente da República:
Um lembrete para Bolsonaro: a dinastia de Luís XIV terminou na guilhotina...
Em um país em que não existe guilhotina nem pena de morte, é
constrangedoramente óbvio ter que dizer que não há nenhuma ameaça física ao
presidente nem nada próximo disso. A guilhotina simboliza o fim de uma dinastia
monárquica, e o tweet foi escrito com o intuito de fazer um alerta ao
presidente de que o seu governo também pode ser interrompido.
Quando Bolsonaro prometeu durante as eleições “fuzilar a petralhada”, a PF não se moveu. O mesmo
aconteceu quando o MBL e o Vem pra Rua, em praça pública, atearam fogo em bonecos dos ministros do STF pendurados
pelo pescoço. Como esquecer também de quando manifestantes antipetistas promoveram o enforcamento simbólico dos bonecos de
Lula e da então presidenta Dilma? Nenhum desses eventos foi encarado pelos
órgãos de investigação com a mesma literalidade conferida ao tweet de Boulos.
A investigação contra o psolista tem como base a Lei de
Segurança Nacional, uma excrescência da ditadura militar, criada justamente
para intimidar os adversários políticos do regime. O inquérito contra Boulos se
baseia no artigo 26 da lei, que considera crime “caluniar ou difamar o
Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do
Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato
ofensivo à reputação”. São crimes que já estão no Código Penal, mas o
governo Bolsonaro tem recorrido à LSN, que tem uma pena mais dura.
O inquérito contra Boulos foi aberto no final do ano passado por ordem do então
ministro da Justiça e atual advogado-geral da União, André Mendonça,
empenhadíssimo em agradar Bolsonaro para abocanhar uma nomeação ao STF. Quem
disputa a vaga com ele é o procurador-geral da República, Augusto Aras. Aras já disse que não investigará Bolsonaro por usar a Lei de
Segurança Nacional para perseguir seus adversários políticos por não haver
nenhum indício disso. Está tudo dominado pelos agentes do bolsonarismo.
Boulos não é o primeiro nem o segundo opositor do presidente
a ser vítima dessa interpretação livre da LSN. Já se tornou uma farra. O
pedetista Ciro Gomes virou alvo da PF com base nessa lei por
tê-lo chamado de “ladrão” e citado as “rachadinhas” da sua família. O pedido de
abertura de inquérito foi assinado pelo próprio Bolsonaro através da
Secretaria-Geral da Presidência. O youtuber Felipe Neto também foi enquadrado
pela lei por considerar o presidente um “genocida”. O advogado Marcelo Feller
também virou alvo de investigação da PF por críticas feitas à
atuação de Bolsonaro no combate à pandemia em um debate na CNN. Algumas
verdades incômodas foram ditas pelo advogado, que chamou o presidente de
“genocida, politicamente falando”, “criminoso” e “omisso”. Em março deste
ano, cinco ativistas foram presos com base na LSN depois de
estenderem uma faixa com as palavras “Bolsonaro Genocida”. Em Tocantins, duas
pessoas foram investigadas com base na LSN por espalhar
em outdoors a mensagem de que Bolsonaro “não vale um pequi roído”.
Durante o governo Bolsonaro, o número de inquéritos abertos
pela PF com base na LSN saltou 285% em relação à gestão Dilma/Temer. Entre
2015 e 2016 foram abertos 20 inquéritos, enquanto entre 2019 e 2020 foram
abertos 77. A grande novidade trazida pelo bolsonarismo é a aplicação da lei
principalmente contra quem emite opinião negativa sobre o presidente.
Segundo dados da PF, o número de inquéritos abertos por supostas
ameaças à segurança nacional aumentou mais do que as investigações contra
lavagem de dinheiro e organizações criminosas. É assim que tem atuado a PF sob
intervenção de Bolsonaro: priorizando a intimidação dos críticos do presidente.
O abuso da utilização da LSN pelos bolsonaristas fez nascer
um movimento pela revogação da lei. A Câmara dos Deputados aprovou na última
terça-feira a urgência do projeto de mudança, que inclui, no Código Penal,
crimes contra o estado. Deputados bolsonaristas, capitaneados por Roberto
Jefferson, têm se mobilizado para tentar impedir a inclusão de um
artigo que prevê cinco anos de cadeia para quem disseminar fake news por meio
de disparos em massa durante as eleições. O desejo pela atualização da lei é
bom, mas a pressa dos deputados é ruim, pois se trata de um assunto que requer
um debate maior com a sociedade civil. Corre-se o risco de se mudar para deixar
tudo como está.
Bolsonaro rompeu com o lavajatismo quando Sergio Moro se
posicionou contra o aparelhamento da PF. Ele foi necessário para garantir a
ascensão da extrema direita ao poder, mas se tornou descartável depois que se
tornou um empecilho para o governo. Hoje, a PF e a PGR usam e abusam de uma
lei, criada durante a ditadura militar unicamente para proteger o regime, para
blindar o presidente e perseguir seus opositores. Essa é a democracia
brasileira sob a gestão Bolsonaro.