Não era para combater a corrupção, mas foi criada pelos EUA
para acabar com Lula e o PT, desindustrializar o Brasil e aprofundar a ditadura
imperialista sobre o País
Sergio Moro / Deltan Dallagnol
Há pouco mais de uma década, em 17 de março de 2014, era
deflagrada a Operação Lava Jato, um conjunto de investigações realizadas pela
Polícia Federal brasileira, em conjunto com o Ministério Público, o Poder
Judiciário e, conforme eventualmente seria revelado, com o Departamento de
Justiça dos Estados Unidos e o FBI (Federal Bureau of Investigation).
Deu-se o nome de “Lava-Jato”, pois na primeira fase da
operação foi realizada a investigação de um posto de combustíveis, local
suspeito de ser utilizado para movimentar valores de origem ilícita, ou seja,
“lavar dinheiro”, na linguagem coloquial.
Oficialmente, a operação visava a desbaratar supostos
esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Petrobrás,
especialmente, o que envolveria políticos de dentro e fora do governo, assim
como empresários.
Durante toda a sua duração, a Lava Jato foi propagandeada
por todos os órgãos da imprensa burguesa brasileira, principalmente jornais
como OGlobo, OEstado de S. Paulo, Folha
de S.Paulo, e emissoras como a Rede Globo, a Record, a Bandeirantes e o
SBT, todos órgãos venais, a serviço dos Estados Unidos, como sendo uma operação
voltada para acabar com a corrupção dos políticos brasileiros.
Na realidade, a Lava Jato não era para acabar com a
corrupção, mas foi uma operação arquitetada e coordenada pelos Estados Unidos
para aprofundar a desindustrialização do Brasil, prejudicar a situação
econômica do País, e viabilizar o golpe de 2016, contra Dilma Rousseff.
Desejavam, igualmente, acabar de vez com o Partido dos Trabalhadores e o
presidente Lula, respectivamente o partido e líder político mais populares do
Brasil. Sendo ambos representantes do nacionalismo burguês de um país atrasado,
tendo como força política amplas massas da classe operária brasileira, a destruição
do PT e de Lula era um dos objetivos dos Estados Unidos para intensificar a
dominação imperialista sobre o país.
Durante seu curso, que foi até 1º de fevereiro de 2021, a
operação contou com mais de 80 fases operacionais. À frente da maioria delas esteve
Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que será eternamente
lembrado por suas arbitrariedades durante a Lava Jato, e por ter sido um agente
do imperialismo para destruir o Brasil. A operação também contou com figuras
execráveis como Deltan Dallagnol, (ex-procurador federal que considera os
americanos melhores que os brasileiros) e Rodrigo Janot (ex-procurador-geral da
República).
Ao longo de 7 anos, mais de cem pessoas foram condenadas.
Inúmeras delas cumpriram pena de prisão em regime fechado, inclusive antes
mesmo da condenação. Sobre isto, o encarceramento antes da condenação era um
método frequentemente utilizado pelos procuradores e juízes da Lava Jato para
forçar que os investigados confessassem crimes que não haviam cometido, ou para
fazer delação premiada, mentindo sobre as pessoas que a Lava Jato queria
condenar. E o principal alvo de Sergio Moro, Dallagnol e demais juízes e
procuradores era Lula.
Assim, Lula e muitas das pessoas que foram condenadas na
Lava Jato, o foram sem provas, apenas com base em delação premiada, isto em
declarações obtidas sob coação, sob tortura. Muitos dos delatores eram
ameaçados de verem seus familiares perseguidos pela Lava Jato, além das ameaças
de condenação.
No que diz respeito às empresas estatais nacionais alvos da
Lava Jato, para além da Petrobras, foram alvos do imperialismo também a BR
Distribuidora, a Transpetro e a Eletronuclear. Sobre essa última, vale lembrar
seu presidente à época, Othon Luiz Pinheiro da Silva, engenheiro mecânico e
nuclear, vice-almirante do Corpo de Engenheiros e Técnicos Navais da Marinha do
Brasil. Ele é uma das pessoas que liderava o desenvolvimento do Programa
Nuclear Brasileiro.
Quanto às empresas privadas, várias empreiteiras foram alvos
da Lava Jato, a mando do imperialismo, principalmente em razão da expansão de
suas atividades para outros países oprimidos, tais como os do continente
africano e sul-americano. Dentre elas foram perseguidas a Odebrecht, a OAS, a
Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez e outras.
O balanço da operação para a economia brasileira? A redução
de 4,44 milhões de empregos apenas entre os anos de 2014 e 2017, com as
empreiteiras perdendo 85% de suas receitas.
A destruição dessa quantidade de empregos representou uma
queda de R$85,5 bilhões na massa salarial, o que, por sua vez, teve como
consequência a redução de R$20,3 bilhões em contribuições sobre a folha.
Ademais, houve perda de R$142 bilhões nos setores da
construção civil, indústria naval, engenharia pesada e indústria metalmecânica.
Com isto, o Produto Interno Bruto no período caiu em 3,6%.
Assim, apesar de ter ficado claro desde o início que a Lava
Jato era uma operação arquitetada pelo imperialismo, em especial os Estados
Unidos, o tempo tratou de tornar esse fato incontestável.
E apesar de terem tentado destruir o Partido dos
Trabalhadores e acabar politicamente com Lula, a Lava Jato falhou nesse
aspecto. Contudo, é algo que continua na ordem do dia. Afinal, o presidente e
seu partido são representantes do nacionalismo burguês, e estando o
imperialismo cada vez mais fraco, a tendência é que ele tente criar novas
operações golpistas da aumentar seu domínio sobre o Brasil e impedir o
desenvolvimento nacional.
Dez anos de uma operação criada pelos EUA para destruir o Brasil
Há pouco mais de uma década, em 17 de março de 2014, era deflagrada a Operação Lava Jato, um conjunto de investigações realizadas pela Polícia Federal brasileira, em conjunto com o Ministério Público, o Poder… pic.twitter.com/C9Dc89nBI3
— DCO - Diário Causa Operária (@DiarioDCO) March 20, 2024
PROCURADOR DOS EUA CONFESSA PARTICIPAÇÃO NA LAVA JATO;
ASSISTA!
Esse é Kenneth Blanco, um procurador norte-americano, em uma
conferência em Nova York, em 2017. Aqui ele explica a "teoria da
conspiração" da colaboração entre Lava Jato e o Departamento de Justiça
dos EUA. Um "relacionamento íntimo", que desprezava
"procedimentos formais".
A Pública levantou os 16 casos de
absolvições em segunda instância da Lava Jato e acompanhou o impacto da
condenação na vida de três desses réus
Executivo da OAS não conseguiu mais
emprego e não recebeu direitos trabalhistas Dentista aposentada foi usada como
“laranja” pela filha doleira Gerente de posto passou por duas
condenações
“A única coisa que ouvi foi o
cachorro latindo, mas de um jeito diferente. Abri a varanda e vi que ele estava
assustado. Quando eu saí do quarto, ouvi a campainha da cozinha, da porta da sala
e pessoas forçando a maçaneta. Num primeiro momento, achei que fosse assalto,
porque faziam muita força. Fui até a porta e perguntei que estava acontecendo,
e uma voz respondeu: ‘Aqui é a Polícia Federal [PF], abra imediatamente’.
Estava de cueca [era 6h30 da manhã], é constrangedor. Fui me vestir e fizeram
uma busca e apreensão na minha casa, levaram computador, celular, pastas, tudo
que tinha da OAS. Minha esposa estava grávida de cinco meses. Reviraram tudo e
pediram para que eu os acompanhasse”, relembra hoje Fernando Augusto Stremel
Andrade, ex-gerente de gasoduto da OAS.
Acusado de envolvimento no esquema
de corrupção da empresa, como o então presidente da empreiteira Léo Pinheiro e
os diretores Agenor Franklin Medeiros e Matheus Coutinho, o ex-gerente foi
conduzido coercitivamente para a PF na sétima fase da Operação Lava Jato,
denominada Juízo Final, no dia 14 de novembro de 2014. Foi liberado em seguida,
mas em 5 de agosto de 2015 condenado a quatro anos de prisão em regime aberto
por lavagem de dinheiro.
“O [Sergio] Moro achou que eu, com
a função que tinha, deveria saber o que estava acontecendo. A noção para quem
está de fora pode ser essa, mas não é isso que ocorre na obra”, afirma sobre a
condenação. Absolvido em segunda instância por falta de provas em 27 de
novembro de 2016, ele não conseguiu mais se recolocar no mercado de trabalho.
“Estou marcado pela Lava Jato. A maioria das empresas tem o setor compliance.
Não passa, cara, mesmo com a minha absolvição por 3 a 0. Fui condenado, acusado
de corrupção, e as pessoas questionam. Não tem o que fazer”, lamenta.
Stremel Andrade foi um dos 15 réus
condenados pelo ex-juiz Sergio Moro absolvidos pelo Tribunal Regional da 4ª
Região (TRF4), em Porto Alegre (RS), segundo dados obtidos com exclusividade
pela Agência Pública. Como ele, muitos tiveram suas vidas impactadas por
sentenças proferidas na 13ª Vara Federal, de Curitiba, mesmo depois de terem
sido anuladas em segunda instância pelos desembargadores João Pedro Gebran
Neto, Carlos Eduardo Thompson Flores e Leandro Paulsen.
Foi assim com Maria Dirce Penasso,
cirurgiã dentista aposentada, à época com 66 anos, residente em Vinhedo,
interior de São Paulo. A pacata vida da senhora foi revirada do avesso ao ter
seu nome atrelado à Lava Jato, no dia 17 de março de 2014, na primeira fase da
operação, quando sua casa foi alvo de busca e apreensão. Acusada de lavagem de
dinheiro e evasão de divisas, Maria Dirce foi condenada por Moro a dois anos,
um mês e dez dias de prisão (depois comutada para prestação de serviço à
comunidade). O motivo: sua filha, a doleira Nelma Kodama, abriu uma conta em
seu nome em Hong Kong, que teria sido usada para movimentar dinheiro de
corrupção. Maria Dirce, que sempre alegou desconhecimento das transações de
Nelma, foi absolvida pelo TRF4 em dezembro de 2015, pouco mais de um ano depois
da condenação. Além da decepção com a filha, sobraram sequelas da operação,
segundo o seu advogado, Eduardo Pugliesi Lima. “Ela tinha uma conta no mesmo
banco há 30, 40 anos. Quando foi acusada, começaram a dificultar tudo, para
fazer qualquer tipo de movimentação. Já tinha mais de 70 anos, não precisava
passar por isso”, conta Pugliesi Lima.
Saga mais complexa é a do gerente
do Posto da Torre, André Catão de Miranda, preso no dia 17 de março de 2014, na
primeira fase da Lava Jato. Foi essa prisão que inaugurou e batizou a operação
– em referência ao lava-jato do posto. Catão foi preso temporariamente como
suspeito de integrar uma organização criminosa liderada por seu patrão, o
doleiro Carlos Habib Chater. Há 11 anos ele era gerente financeiro do posto e
movimentava as contas de Chater, o que lhe valeu uma condenação por lavagem de
dinheiro da qual foi absolvido pelo TRF4 em setembro de 2015. No ano passado, o
administrador foi novamente condenado por Moro – dessa vez por supostamente
pertencer a uma organização criminosa – em um dos últimos atos do juiz na 13ª
vara antes de assumir o Ministério da Justiça do governo de Jair Bolsonaro. Ele
aguarda o recurso ser julgado no TRF4.
Dados inéditos obtidos pela
Agência Pública revelam que 15 réus condenados pelo ex-juiz Sergio Moro foram
absolvidos pelo TRF4
Abandonado pela OAS
Engenheiro formado pela PUC do
Paraná em 1985, com pós-graduação em engenharia de dutos desde 2007, o
ex-gerente de gasoduto da OAS tem currículo de executivo de primeira linha.
Antes de trabalhar na OAS, foi funcionário na Petrobras, onde permaneceu entre
1998 e 2007, com a responsabilidade de avaliar a viabilidade técnica e
econômica de empreendimentos da empresa no setor de gasoduto. Foi a Petrobras
que o indicou para trabalhar na OAS, na construção de um gasoduto no Amazonas,
o Urucu-Coari-Manaus, inaugurado em novembro de 2009 e recentemente vendido
junto com 90% da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG) para um grupo
empresarial que reúne a francesa Engie e o fundo canadense Caisse de Dépôt et
Placement du Québec (CDPQ), por US$ 8,6 bilhões (cerca de R$ 33 bilhões), em
abril do ano passado.
Em 2010, Stremel Andrade foi
deslocado para Alagoas, dessa vez para trabalhar na concepção do gasoduto Pilar-Ipojuca.
Um ano depois, assinou um contrato representando a OAS com a empreiteira
Rigidez, pertencente a Alberto Youssef, no valor de R$ 1,8 milhão. Os problemas
começaram aí.
“Não vou dizer que fui obrigado,
mas a OAS me orientou a assinar o contrato para uma divisão de dividendos e
participações. É uma divisão interna dos lucros de uma obra, mas eu não
imaginava que isso ia para um agente público ou para a Petrobras. Eu era um
funcionário operacional”, justifica Stremel Andrade. “Você pode me perguntar:
‘Pô, o Léo Pinheiro, Agenor, não participava de reunião com você?’. Sim, todo
mês a gente se reunia, mas nós falávamos do avanço físico de obra, de
rentabilidade”, afirma Fernando, que nem sonhava em ver sua casa invadida pela
PF como aconteceu em novembro de 2014.
Ele lembra que foi conduzido
coercitivamente para prestar depoimento na PF em uma sexta-feira e, na segunda,
já estava de volta ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), para
onde havia sido deslocado pela OAS em 2013. Ali supervisionava a construção da
adutora que vai levar o lixo químico tratado de uma das refinarias da Petrobras
até Maricá para ser despejado 3 km adiante no mar. “Minha equipe veio conversar
comigo para saber o que havia acontecido. Ninguém esperava essa situação.
Trabalhei normal, administrando esse problema e a continuidade da obra. Até a
sentença, que foi em meados de 2015, era um sufoco, porque ia para Curitiba,
tinha audiência de acusação, defesa”, relembra.
Questionado sobre por que preferiu
ficar em silêncio no depoimento a Sergio Moro, o ex-executivo da OAS afirma que
“essa era uma estratégia da empresa”. “Antigamente, se condenado na segunda
instância, você não ia preso. O acordo era não falar absolutamente nada, porque
eu poderia ser condenado em segunda instância e, até chegar no STJ, ia demorar
mais 10, 15 anos, todo mundo já ia ter mais de 70 anos. Isso mudou a partir do
momento que a segunda instância começou a prender.”
Entre setembro de 2015 e abril de
2016, Stremel Andrade permaneceu afastado, sem exercer nenhuma função na OAS,
ainda que recebendo salário. Quando retornou ao cotidiano da empresa, ele
relata que permaneceu marginalizado. “Eu não tinha nem mesa para trabalhar”,
conta. O executivo não era mais convocado para reuniões e tampouco sabia de
detalhes operacionais da companhia.
Meses depois, em novembro de 2016,
foi absolvido por unanimidade pelos três desembargadores do TRF4. Nenhum dos
delatores da OAS havia citado seu nome ao falar sobre as irregularidades
encontradas pela força-tarefa. “Foi um alívio e achei que tudo ia voltar a ser
como era antes, mas isso não aconteceu”, lembra o engenheiro, que continuou a
se sentir escanteado no trabalho.
Em março de 2018, foi demitido “de
maneira fria e calculista” pela OAS sem receber FGTS, férias proporcionais nem
rescisão trabalhista, o que teria acontecido também com outros funcionários da
construtora. Segundo ele, a cúpula da empresa “ficou chateada” com o depoimento
de um dos delatores da empresa, o ex-diretor financeiro Mateus Coutinho de Sá
Oliveira, dizendo que a empresa havia prometido indenizar os diretores queconcordassem em fazer a delação premiada. “Os acionistas se sentiram traídos.
Desde 2018 ninguém recebe mais nada”, diz.
Stremel Andrade diz que pediu uma
compensação para se “reerguer”, movendo uma ação trabalhista contra a OAS no
valor de R$ 4,4 milhões. São 50 salários por danos morais, R$ 385 mil por 138
dias de férias não gozadas e mais R$ 600 mil pela rescisão do contrato de
trabalho – o que ainda não recebeu. Sem emprego, ele ainda sente o peso da
condenação. “Não é mais a mesma coisa. Irmãos e os parentes mais próximos, tudo
bem. Mas o restante da família tem um outro conceito de mim.”
Stremel Andrade ainda é réu em
processo por improbidade administrativa em ação protocolada pela
Advocacia-Geral da União (AGU), por mau uso do dinheiro público. “Como fui
absolvido na ação do MPF, espero que isso conte nessa outra acusação. É uma
agonia sem fim.”
A Pública entrou em contato com a
OAS, que, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que “sobre os temas
rescisórios, a empresa acredita que encaminhará soluções definitivas nas
próximas semanas”. Sobre o depoimento de Sá Oliveira, mencionado por Stremel
Andrade, disse que “jamais efetuou qualquer tipo de pagamento aos ex-executivos
e afirma categoricamente que nunca celebrou tal acordo mencionado”. O advogado
Pedro Ivo Gricoli Iokoi, responsável pela defesa de Sá Oliveira, também não
quis conceder entrevista à Pública, afirmando que “Mateus é colaborador e
possui cláusula de confidencialidade no acordo”.
O Posto da Torre, propriedade do
empresário Carlos Habib Chater, deu origem e nome à Operação Lava Jato
De Vinhedo a Hong Kong
O relógio marcava 0h37 do dia 26
de novembro 2012 quando o visor do celular da doleira Nelma Kodama brilhou. Era
uma ligação vinda de uma operadora do HSBC, na China.
– “Oi, aqui é a Carol, de Hong
Kong DC”.
– “Sim, pode falar, aqui é Maria
Dirce Penasso.”
– “Nós temos algumas perguntas
para você, posso enviar um email para você dar uma olhada?”
– “Sobre qual das 961? Qual
pagamento ?”
– “São perguntas sobre algumas
informações que precisamos, posso lhe enviar um email”
– “Ok, vamos fazer assim, porque
aqui eu estou em outro país e agora é meia noite, ok? Todos os escritórios
estão fechados, pode me fazer um favor, me envie um email, ok? E amanhã eu vejo
o email e você me liga amanhã à noite, pode ser assim? Você entende? Porque
está tudo fechado agora”.
O diálogo, em inglês, foi
traduzido pela PF dois anos depois, ao investigar Maria Dirce Penasso, mãe da
doleira, que era real interlocutora da conversa. “A Maria Dirce não fazia ideia
dessas movimentações, era tudo em inglês. Ela, com a idade que tinha, sem saber
falar outra língua, mal sabendo mexer nas funções básicas de um computador,
jamais conseguiria movimentar o dinheiro de uma conta bancária em Hong Kong”,
contou à Pública o advogado da dentista aposentada, Eduardo Pugliesi Lima.
O uso de seu nome pela filha em
contas que movimentariam dinheiro da corrupção resultou em uma acusação do
Ministério Público Federal (MPF) por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A
mesma denúncia que foi feita contra a filha doleira e seu motorista particular,
Cleverson Coelho de Oliveira, entre outros. Segundo o MPF, Maria Dirce teria
consentido em ceder seu nome para abertura de uma conta em Hong Kong, na China,
intitulada “Il Solo Tuo Limited”, e outra conta da “NGs Prosper Participações
Ltda.”, uma empresa de fachada responsável pela administração de 60
apartamentos no hotel Go Inn, no Jaguaré, zona oeste da capital paulista. As
duas contam serviriam para ocultar o dinheiro do esquema entre empreiteiras e a
Petrobras.
No dia 22 de outubro de 2014,
Maria Dirce Penasso foi condenada a dois anos, um mês e dez dias de prisão,
tendo a pena sido transferida para prestação de serviço à comunidade. Além
disso, Sergio Moro bloqueou os quase R$ 11 mil que estavam em sua conta quando
ela teve a casa alvo de busca e apreensão. Na mesma sentença, sua filha, Nelma
Kodama, foi condenada a 18 anos de prisão por Sergio Moro por lavagem de
dinheiro, evasão de divisas, corrupção ativa e por supostamente liderar uma
organização criminosa. Considerada a primeira delatora da Lava Jato, Nelma teve
sua pena reduzida para 15 anos em 2015. Em junho do ano seguinte ela passou ao
regime semiaberto, com a utilização da tornozeleira eletrônica. Em agosto de
2019, foi autorizada a retirar o aparelho ao ser beneficiada pelo indulto
natalino editado por Michel Temer em 2017, que prevê o cumprimento de um quinto
da pena para não reincidentes. Como Nelma já havia cumprido mais de três anos,
a benesse foi concedida.
Nelma era ligada ao doleiro
Alberto Youssef, um dos nomes mais conhecidos de toda a operação e um dos
primeiros a aderir à delação premiada – ele foi condenado a mais de cem anos de
prisão, em 12 processos, mas ficou apenas três no regime fechado. Além da
relação profissional, os dois mantinham um vínculo sentimental. Por esse
motivo, de acordo com o advogado de Maria Dirce, a mãe de Nelma conhecia
Youssef, que frequentava sua casa. “Ela não sabia dessas transações que eles
faziam. A Nelma visitava ela, mas a Dirce nunca ficou perguntando. A filha já
era adulta, né? A mãe não ficava questionando sobre os afazeres dela”, diz o
advogado.
Em dezembro de 2015, Maria Dirce
foi absolvida pelo TRF4 de todas as acusações que constavam no processo em que
havia sido condenada por Moro. “Quando chega em um tribunal, com outros três
desembargadores, tudo muda, porque eles podem colocar outra visão. A Maria
Dirce provou, através do imposto de renda, que tudo que ela tem foi conquistado
pelos anos de trabalho como celetista. Não houve elevação da renda ou do
patrimônio nos últimos anos”, conta Pugliesi Lima.
Maria Dirce não quis conversar com
a Pública “para não reviver uma história que prefere esquecer”, de acordo com o
advogado.
Nelma Kodama utilizou o nome da
mãe como “laranja” para a abertura de conta em offshore
Duas condenações, uma absolvição
Também o ex-gerente administrativo
André Catão de Miranda diz ter sido pego de surpresa por acusações que
desconhecia. Ele e outras pessoas ligadas ao Posto da Torre foram presos em
março de 2014 em decorrência do mesmo processo que condenou o dono do posto, o
doleiro Carlos Habib Chater, apontado como líder e executor de crimes
financeiros. Por realizar operações de câmbio e pagamentos a mando do patrão,
consideradas irregulares pelo MPF, ele foi detido em Brasília e transferido
para a Casa de Custódia de São José dos Pinhais, no Paraná, onde ficou preso
provisoriamente por sete meses.
“Foi um tremendo desrespeito. Os
dias passavam e ele lá dentro da prisão”, critica o advogado Marcelo de Moura,
defensor de Miranda. “Ele era um funcionário subalterno, que recebia ordens e,
se eventualmente algum ato ilícito foi praticado, aconteceu com o total
desconhecimento [dele]. Ele cuidava da parte financeira, mas exclusivamente da
atividade-fim, que era venda de combustível”, afirma Moura.
Para o MPF, no entanto, o gerente
do posto de gasolina era responsável por fazer pagamentos em uma extensa rede
de lavagem de dinheiro, que envolvia, além de seu patrão, os doleiros Alberto
Youssef, Raul Henrique Srour e Nelma Kodama e um suposto traficante de drogas,
René Luiz Pereira. Duas ações penais foram movidas contra o gerente, uma delas
por tráfico de drogas. Nesse caso, segundo o MPF, Chater teria utilizado, com a
cumplicidade de seu gerente, a estrutura do Posto da Torre para lavar US$ 124
mil provenientes da venda de cocaína na Europa.
Nos depoimentos que prestou na 13ª
Vara de Curitiba, Miranda disse ter feito os pagamentos por determinação do
patrão. Mas, em outubro de 2014, Sergio Moro o condenou a quatro anos de
reclusão em regime semiaberto. Menos de um ano depois da condenação, em
setembro de 2015, o TRF4 absolveu André e manteve as punições de René Luiz
Pereira (14 anos de prisão) e Carlos Habib Chater (cinco anos). Os
desembargadores Leandro Paulsen e Victor Luís dos Santos Laus apresentaram voto
favorável à absolvição, enquanto o relator João Pedro Gebran Neto votou pela
manutenção da condenação em primeira instância.
Segundo Paulsen, “André era um
empregado de Habib, não havendo nenhum elemento que aponte qualquer
enriquecimento”, disse. “O Ministério Público Federal não trouxe elementos
(quebra de sigilo financeiro, fiscal, prova testemunhal ou documental)
demonstrando que o réu (André) auferia recursos derivados de atividade ilícita.
Também parece contrariar a lógica afirmar que Miranda coordenava todo o núcleo
de operações financeiras ilícitas de Carlos Habib sem a obtenção de qualquer
contrapartida específica para tanto”, afirmou o desembargador.
Apesar de absolvido, a condenação
mudou a vida de Miranda para sempre, de acordo com o seu advogado: “O reparo
nunca é suficiente para voltar ao ponto anterior de uma pessoa que não tinha
envolvimento nenhum com atividade criminosa e é surpreendida com uma prisão,
que acaba por perdurar durante sete meses. Essas máculas não podem ser
reparadas, tanto do ponto de vista financeiro quanto emocional”.
Além disso, em outubro de 2018,
Sergio Moro, voltou a condená-lo, dessa vez a dois anos e seis meses em regime
aberto pelo crime de pertencimento a organização criminosa. De acordo com o
ex-juiz, Miranda “fazia pagamentos, recebimentos e lançamentos no Sismoney, ou
seja, na contabilidade informal. Não era meramente um gerente financeiro
regular do Posto, mas pessoa de confiança de Carlos Habib Chater. Não se pode
afirmar que não tinha conhecimento da utilização da estrutura do Posto da Torre
para a prática dos crimes financeiros e dos quais aliás participava”.
A pena foi revertida para serviços
comunitários, mas Miranda “ficou revoltado”, diz o seu advogado. “Ele já tem as
marcas de uma prisão ilegal. Após a absolvição, ele estava reestruturando a
vida aos poucos. Uma notícia pesada como essa gera a sensação de que uma nova
injustiça precisa ser combatida.”
Após a primeira condenação,
Miranda morou em Uberlândia e atualmente trabalha em uma empresa da família, em
Brasília. A nova condenação, diz o advogado, significa uma pá de cal nos planos
do ex-gerente. “O André é o tipo de cidadão que poderia atravessar a vida
inteira sem entrar em uma delegacia, muito menos ser preso. As investigações
mostraram que ele não tinha aparelho de comunicação restrita, possuía um
apartamento adquirido com recurso próprio, utilizando fundo de garantia, e não
tinha automóvel. Ele entrou no bolo de uma investigação precipitada, que
geraram prisões e condenações injustas”, critica.
O recurso no TRF4 já foi
protocolado e a defesa espera o julgamento, que ainda não tem data marcada. Na
avaliação de Moura, a Lava Jato extrapolou limites jurídicos. “Acho que se
elegeu a corrupção, que é um mal a ser combatido, como um tema que extrapola a
legalidade. É como se as armas utilizadas contra a corrupção pudessem ser
ilegais.”
Com ele concorda Maria Carolina
Amorim, coordenadora do escritório do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCRIM) em Pernambuco. “Antes de se ver condenado, o réu é exposto
pela imprensa de forma irreparável, em razão da permissividade que o Judiciário
tem tido com os seus funcionários que vazam informações. Em caso de condenação,
tal dano é ainda maior, motivo pelo qual deve-se exigir mais responsabilidade
do julgador”, diz Maria Carolina.
Outros casos
Além dos já citados Fernando
Stremel, Maria Dirce e André Catão de Miranda, há outras 12 pessoas – entre
elas o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que teve duas condenações
anuladas pelo TRF4. A primeira, de setembro de 2015, em que foi condenado a 15
anos e quatro meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, foi revogada
em 2017. Em outra ação penal, envolvendo a empresa Engevix, a condenação a nove
anos de prisão foi anulada por insuficiência de provas. Em contato com a
Pública, o advogado Luiz Flávio D’Urso afirmou que Vaccari “se vê injustiçado,
pois somente fez o que lhe competia como tesoureiro do partido: pedia doações
legais para o PT, sempre por depósito bancário e com recibo, jamais recebeu
recursos em espécie. Ele foi um símbolo, um troféu”, afirmou o advogado.
Veja os outros casos em que as
sentenças de Moro foram revistas pelo TRF4:
Mateus Coutinho de Sá Oliveira:
condenado a 11 anos de prisão em agosto de 2015, aderiu à delação premiada e
foi absolvido um ano depois. Ele era diretor financeiro da OAS e foi apontado
pelo MPF como um dos responsáveis pelo departamento de propinas da empreiteira.
André Luiz Vargas Ilário:
ex-deputado federal (PT) foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão em
regime fechado por lavagem de dinheiro e absolvido no ano passado pelo TRF4.
Foi condenado em outras duas ações da Lava Jato: seis anos em um esquema de
lavagem de dinheiro envolvendo uma empresa fornecedora de softwares, e 14 anos
e quatro meses de prisão, em 2015, também por lavagem de dinheiro. As
condenações foram mantidas em segunda instância, mas, como ele já havia
cumprido parte da pena quando foi preso preventivamente, está em liberdade
condicional e com algumas restrições.
Leon Vargas Ilário: foi absolvido
junto com irmão, André Vargas, no mesmo processo por lavagem de dinheiro. Em
outubro do ano passado, na ação penal envolvendo o esquema de softwares, que
também afetou o ex-deputado André Vargas, Leon teve a pena reduzida pelo TRF4
de cinco anos, para quatro anos, nove meses e 18 dias em regime semiaberto
Fernando Schahin: executivo do
Grupo Schahin, recebeu condenação, em setembro de 2016, de cinco anos e quatro
meses de prisão, por corrupção ativa, envolvendo benefícios em uma licitação da
Petrobras para operação do navio-sonda Vitória 10.000 e empréstimos concedidos
ao pecuarista José Carlos Bumlai. Foi absolvido em maio de 2018. Em outro
processo, que também aponta irregularidades na construção e operação dos
navios-sonda Petrobras 10.000 e Vitória 10.000, Fernando teve a pena reduzida
para pouco mais de cinco anos.
Agosthilde Mônaco: assessor do
ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, foi absolvido da
condenação de 2017 pelo crime de lavagem de dinheiro proveniente de contratos
dos navios-sonda Petrobras 10.000 e Vitória 10.000. Foi, no entanto, denunciado
outra vez pelo MPF, dessa vez por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, na
negociação da compra da Refinaria de Pasadena pela Petrobras. O processo se
encontra na fase de oitiva de testemunhas.
José Carlos Costa Marques Bumlai:
pecuarista e empresário apontado pelo MPF como responsável pela realização de
reformas no sítio de Atibaia. Foi condenado a uma pena de três anos e nove
meses de reclusão na primeira instância, mas absolvido pela Oitava Turma por
ausência de provas em novembro do ano passado. Ele foi condenado também, dessa
vez a nove anos e dez meses de prisão, por gestão fraudulenta de instituição
financeira e corrupção, no mesmo caso que envolve o Banco Schahin e
navios-sonda da Petrobras. Cumprindo prisão domiciliar, foi beneficiado com a
retirada da tornozeleira eletrônica após novo entendimento do Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre prisão em segunda instância, em novembro do ano passado.
Emyr Diniz Costa Júnior: diretor
de contratos da construtora Norberto Odebrecht. Supervisionou a obra de reforma
do sítio de Atibaia, que tem como principal alvo o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Emyr foi condenado a três anos de reclusão por Sergio Moro, mas foi
absolvido pelo TRF4, no dia 27 de novembro de 2019, por ausência de provas.
Roberto Teixeira: advogado e amigo
do ex-presidente Lula, também foi acusado de envolvimento no processo do sítio
de Atibaia. Ele teria ocultado documentos que demonstrariam a ligação da OAS
com a reforma, além de orientar engenheiros da empreiteira a celebrar contratos
fraudulentos com Fernando Bittar, um dos proprietários do sítio. Teixeira foi
condenado a dois anos de reclusão na primeira instância, mas foi absolvido por
ausência de provas.
Paulo Roberto Valente Gordilho:
diretor técnico da OAS, era o encarregado da reforma do sitio de Atibaia. Foi
condenado a um ano de reclusão por Sergio Moro, mas foi absolvido pelo TRF4 por
ausência de provas.
Isabel Izquierdo Mendiburo Degenring
Botelho: agente do banco Société Générale no Brasil, foi acusada de auxiliar a
abertura de contas em offshores pelo mundo de ex-diretores da Petrobras,
caracterizando crime de lavagem de dinheiro. Foi condenada a três anos e oito
meses de prisão em novembro de 2018, mas foi absolvida na segunda instância um
ano depois.
Álvaro José Galliez Novis: doleiro
condenado a quatro anos e sete meses por lavagem de dinheiro em março de 2018,
na mesma ação penal que envolveu o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir
Bendine. Em agosto do ano passado, foi beneficiado pelo habeas corpus deferido
pela Segunda Turma do STF, em agosto do ano passado, que anulou a sentença
confirmada pelo TRF4 em maio de 2019.
Alteração às 20h33 21.01.2020 –
Aldemir Bendine foi presidente do Banco do Brasil e não do Banco Central como
constava anteriormente
Segundo o advogado Cristiano Zanin, a defesa entrou com pedido após o TJSP reconhecer a existência do crédito em favor do espólio de Dona Marisa até o momento a empreiteira não ter devolvido o dinheiro
(Foto: Reuters | Reprodução)
247 - A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, que cuida do espólio da ex-primeira-dama Marisa Letícia, ingressou
com ação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) contra a empreiteira OAS
para que ela restitua R$ 662,4 mil referente a cotas da compra do apartamento
no edifício Solaris, no Guarujá.
A Lava Jato acusou falsamente Lula de ter recebido um
triplex no Guarujá como suposta retribuição por contratos assinados entre o
Grupo OAS e o governo federal, mas os advogados do petista provaram que ele
nunca recebeu nem foi dono do imóvel, que pertencia à OAS e foi inclusive dado
em garantia de um empréstimo feito à Caixa Econômica Federal.
Os advogados ainda demonstraram que dona Marisa Letícia
pagou, em prestações à cooperativa Bancoop, parte de uma cota que lhe daria
direito a um apartamento no local, mas desistiu do negócio quando o
empreendimento foi transferido à OAS. Ainda viva, a ex-esposa de Lula requereu
a devolução dos valores pagos ao banco, que deverá ser feita diante de
determinação do TJSP.
“Requer-se seja dado início à execução provisória da
sentença, com a intimação da ré OAS, na pessoa de seus advogados constituídos,
para que pague o valor atualizado da condenação, que em setembro de 2021 é de
R$ 662.473.32 (seiscentos e sessenta e dois mil, quatrocentos e setenta e três
reais e trinta e dois centavos), conforme cálculo descritivos anexos, sob pena
da aplicação de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de
dez por cento”, diz a defesa no pedido.
Tribunal de Justiça de São Paulo divulgou nesta
quarta-feira, 26 de maio, acórdão sobre a decisão que determinou à OAS devolver ao
espólio de Marisa Letícia Lula da Silva os valores que ela pagou pela cota de
um apartamento simples no empreendimento, que nunca foi entregue a ela nem à
família do ex-presidente Lula.
Nome do ex-juiz é um dos assuntos mais comentados nas redes
após o empreiteiro Léo Pinheiro escrever uma carta desmentindo sua própria
delação com acusações contra o ex-presidente Lula
(Foto: Reprodução/Twitter)
247 - O nome ex-juiz Sérgio Moro é um dos
assuntos mais comentados nas redes após o empreiteiro Léo Pinheiro escrever uma
carta desmentindo sua própria delação com acusações contra o ex-presidente
Lula.
Internautas apontam que Moro foi o principal personagem que,
em nome da força-tarefa, quebrou a economia do Brasil e promoveu um
achincalhamento contra o petista.
Saiba mais
Na carta escrita em maio e anexada ao processo em
junho, Pinheiro disse que nunca autorizou ou teve conhecimento de pagamentos de
propina às autoridades citadas no caso. Também disse que não houve menção sobre
vantagens indevidas durante o encontro ocorrido na Costa Rica. Esse documento
foi uma das bases da defesa de Lula, liderada pelo advogado Cristiano Zanin,
para solicitar à Justiça de São Paulo o arquivamento da investigação.
Na carta escrita de próprio punho, Pinheiro afirmou também
que não sabe informar “se houve intercessão do Ex. Presidente Lula junto à
Presidente (ex) Dilma e/ou Ex. Ministro Paulo Bernardo”. “A empresa OAS não
obteve nenhuma vantagem, pois inclusive não foi beneficiada por empréstimos do
BCIE – Banco Centro Americano de Integração Econômica. Não sabendo informar se
houve efetividade da solicitação do Presidente do BCIE, senhor Nick Rischbieth
Alöe junto ao senhor Ex. Presidente Lula e demais autoridades citadas”,
concluiu Pinheiro.
Veja a repercussão:
Tão grave quanto Bolsonaro seguir na presidência é Sergio Moro e Deltan Dallagnol continuarem sem qualquer punição pelos crimes que cometeram.
Leo Pinheiro mentiu para a Justiça. Chantageado por Moro, implicou Lula, que ficou mais de ano preso. Um crime desses deveria ser inafiançável, principalmente por ser Moro juiz do caso àquela altura. Terá que pagar, e breve
O ex-presidente da OAS Léo Pinheiro escreveu uma carta de próprio punho na qual voltou atrás em acusações feitas contra Lula na sua delação sobre tráfico de influência. Veja o documento. https://t.co/YFPnuqSNQKpic.twitter.com/XoUNvKqe7z
Parte 32 Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um
olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que
transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo.
Esta reportagem foi originalmente publicada no livro
“Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil”. Compre aqui.
O procurador da República Deltan Dallagnol estava esfuziante
naquele fim de tarde de quarta-feira. Havia alguns dias que ele só pensava em
uma figura de um Cristo agonizante. Era 9 de março de 2016 e, poucos dias
antes, a operação Lava Jato — que ele comandava no Ministério Público Federal
do Paraná — jogara seu lance mais ousado até então: a condução coercitiva do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Evangélicos como o procurador não costumam ter apreço por imagens e figuras de santos ou profetas.
Mas aquele Cristo era diferente: com 1,5 metro de altura, ganhara fama por
aparecer pendurado na parede do gabinete presidencial em
dezenas de fotos tiradas durante a administração de Lula. Além disso, o
procurador acreditava que a peça em madeira de tília havia sido esculpida por
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
Com a saída do político da Presidência, o crucifixo também
deixou Brasília. Para Dallagnol, seus colegas procuradores e vários delegados
da Polícia Federal, a conclusão era óbvia: Lula havia roubado o objeto. Aquela
seria a melhor chance de prender o ex-presidente em flagrante. O impacto na
imprensa, os procuradores já comentavam, seria explosivo.
Apesar de não ser o objeto inicial dos pedidos de busca e
apreensão contra Lula, a caça ao crucifixo mobilizou procuradores, policiais
federais e o então juiz Sergio Moro durante a 24ª fase da Lava Jato.
Pomposamente batizada de Aletheia, uma expressão grega para a “verdade”, a ação mobilizou 200 policiais federais e 30 auditores
da Receita Federal para o cumprimento de 33 mandados de busca e apreensão e 11
de condução coercitiva. Um show feito para a televisão: desde muito cedo que
equipes andavam de um lado para o outro enquanto helicópteros sobrevoavam os
endereços do político em São Paulo. Policiais e procuradores vasculharam o
apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo, a sede do Instituto
Lula, na capital paulista, e o sítio que ele usava em Atibaia. Casas e empresas
de familiares do petista também foram alvo.
Na operação, em 4 de março, documentos e recibos que
serviriam para acusar e condenar Lula haviam sido encontrados. Um deles fazia
referência a um cofre em uma agência do Banco do Brasil no Centro de São Paulo.
Além da então mulher do ex-presidente, Marisa Letícia, o cofre também estaria
em nome de Fábio Luis, o Lulinha, seu filho mais velho. Policiais
federais foram à agência naquele dia 9 e se depararam com 132
itens acondicionados em 23 caixas lacradas. Os bens eram desejados pela Lava
Jato havia muito tempo, e a caça ao tesouro terminou quando os policiais
federais confirmaram: o cofre guardava o crucifixo.
Foi essa a notícia que fez Dallagnol exultar junto aos
colegas no Telegram. Para ele, a conclusão era óbvia: ao meter as mãos no
crucifixo que seria patrimônio da União, Lula havia cometido crime de peculato
(roubo de patrimônio público cometido por servidor público) e ocultação de
bens. Por isso, seria preso em flagrante. Frisson em Curitiba.
“Orlando, parece que acharam o Cristo do alejadinho no cofre
do BB… se for isso, será nosso primeiro respiro”, escreveu Dallagnol pelo
aplicativo de mensagens ao colega Orlando Martello. Eram 16h56.
Martello respondeu vinte minutos depois, com uma pergunta:
A prisão de Lula em flagrante por roubo de um simbólico
Jesus Cristo crucificado seria uma das cenas mais fortes da história da Lava
Jato. Era tudo o que os procuradores precisavam para destruir o ex-presidente.
Igor Romario de Paula, delegado da Polícia Federal. Foto:
Paulo Lisboa/Folhapress
‘Nosssa. Se achar isso’
Durante a operação nos imóveis de Lula, os procuradores
salivavam com os relatos dos policiais enviados pelo celular. O que mais
chamava a atenção dos investigadores, inclusive pelo tamanho, eram as caixas
com o acervo de objetos que Lula trouxera de sua estada no Palácio do Planalto.
Ao ver as caixas, os agentes ficaram ainda mais convictos de que o
ex-presidente surrupiara o patrimônio público e que a OAS bancava a estada dos
bens num depósito usando dinheiro desviado da Petrobras.
Responsável por buscar Lula em casa para levá-lo ao
aeroporto de Congonhas, o delegado Luciano Flores (depois promovido quando Sergio Moro se tornou ministro da
Justiça da extrema direita) mandava mensagens de áudio contando como Lula o
recebera e orientava os colegas sobre as buscas que viriam a seguir.
Clique no play para ouvir os áudios:
Os agentes de campo já estavam familiarizados com o desejo
dos procuradores pelo Cristo. A primeira menção ao objeto havia aparecido em
uma conversa no Telegram um mês antes da abertura do cofre custodiado no Banco
do Brasil. Em fevereiro de 2016, uma foto foi compartilhada pelo procurador
Januário Paludo, um dos veteranos da Lava Jato. Pela reação do delegado Márcio
Anselmo — um sujeito que serviu de inspiração a um dos personagens centrais do
filme Polícia Federal — A lei é para todos —, a notícia de
que Lula havia roubado a obra já corria solta entre os investigadores.
Em outro grupo, no dia seguinte, o procurador Carlos
Fernando dos Santos Lima também estava interessado na história do crucifixo.
Ele pedia a colegas e policiais que iriam conduzir Lula coercitivamente e
realizar buscas para que ficassem de olho na peça.
No dia da operação, já em São Bernardo do Campo, o delegado
Igor Romário de Paula mandava fotos do resultado da busca enquanto seu colega
Márcio Anselmo pedia prisão em flagrante com base em fotos de caixas de
papelão.
Empolgados, os agentes se depararam com um problema: não
havia mandado judicial para recolher aquilo tudo. Seguiu-se, então, um debate
sobre o que fazer. Aqui aparecem novos personagens, entre eles o delegado
Maurício Moscardi, que um ano depois iria comandar uma outra operação famosa
que se revelou um fiasco: a Carne Fraca. Nela, Moscardi diria a jornalistas que
frigoríficos misturavam carne estragada com produtos químicos para mascarar o
aspecto do produto e vendê-lo normalmente, o que não foi comprovado.
Mas Moro negou a apreensão dos bens — o ex-juiz alegou que
seria desproporcional apreender todo o acervo e que, se os investigadores
tivessem suspeitas específicas, fizessem pedidos específicos para cada caixa.
No dia seguinte, a solução viria pelas mãos do procurador Januário Paludo,
amigo pessoal de Sergio Moro e muito respeitado pelos jovens da Lava Jato — é a
ele que os vários grupos intitulados Filhos do Januario fazem referência.
O museu a que Paludo se refere é uma ala do Museu Oscar
Niemeyer, mais conhecido como Museu do Olho, em Curitiba, cedida à Lava Jato
para exibição de obras de arte usadas para lavar dinheiro apreendidas pela
operação. À época, o Paraná era governado por Beto Richa, do PSDB. Anos depois,
Richa seria ele mesmo alvo da operação e acabaria preso.
A conversa terminou assim:
A solução veio na forma de uma nova ordem de busca e
apreensão, dessa vez no Banco do Brasil, cumprida quatro dias depois.
O procurador Deltan Dallagnol, que fazia a ponte da
força-tarefa da Lava Jato com o então juiz Sergio Moro. Foto: Rodolfo Buhrer/La
Imagem/Fotoarena/Folhapress
‘Seria top… duas repercussões’
As centenas de caixas de papelão encontradas no sindicato
guardavam, como a força-tarefa viria a descobrir, muitos documentos e fotos,
além de objetos como obras de arte, maquetes, um gongo e até duas esculturas de
urso polar do Canadá. Mas foi só no dia 9 de março, do meio para o fim da
tarde, que a Lava Jato finalmente recebeu a notícia que esperava, pelo teclado
do celular do delegado Igor Romário de Paula. Às 16h34, ele disparou uma
mensagem: “Jesus Cristo encontrado no BB em São Paulo”.
A mensagem causou um pico de ansiedade nos grupos da Lava
Jato. A sonhada prisão em flagrante de Lula, afinal, parecia à vista.
Enquanto o papo corria no grupo, Dallagnol, ansioso,
comunicava Sergio Moro a respeito da descoberta.
De pronto, o procurador-chefe da Lava Jato também acionou
diretamente o delegado Romário de Paula atrás da confirmação. Preocupado em
convencer a população de que a Lava Jato fazia avanços, ele queria planejar a
repercussão midiática da impressionante descoberta sobre o crime do “9” :
A alegria do procurador não durou uma hora.
A Lava Jato, que havia focado todas as atenções no Cristo
depois de receber uma fotomontagem que sugeria que a obra de arte estaria no
Palácio do Planalto desde os tempos do ex-presidente Itamar Franco, não tinha
se dado ao trabalho de procurar a história no Google. Cinco anos antes, a
revista Época já desmentira a história do roubo.
Claudio Soares, diretor da documentação histórica da
Presidência, reafirmou que o crucifixo “foi presente pessoal de um amigo ao
Presidente Lula” e disse que a imagem de Itamar que circula na internet
“trata-se de edição grosseira”, publicou a revista ainda em 2011. A própria reportagem aponta que a foto é real, porém foi feita
em outro contexto: durante uma visita de Itamar ao Planalto em 2006. O Cristo
também não havia sido esculpido por Aleijadinho. A autointitulada maior
operação anticorrupção de todos os tempos estava perseguindo uma fake news.
Frustrado, Dallagnol lamentou em uma conversa privada com o
procurador Orlando Martello. Ele chegou a proferir um raro palavrão:
Dallagnol também foi se explicar a Moro, que lhe deu um
pito.
A inacreditável e grotesca comédia de erros da força-tarefa
teria, ainda, mais um capítulo. Foi só na noite daquela quarta-feira, cinco
dias após ter pedido a apreensão de bens levados de Brasília por Lula e julgar
que havia encontrado ali o motivo para uma prisão em flagrante, que a Lava Jato
resolveu espiar o que diz a legislação a respeito de bens de ex-presidentes da
República:
Enquanto o procurador Galvão fazia observações tardias sobre
o que diz a lei a respeito de presentes a ex-presidentes, a revista Época já
exibia em seu site uma reportagem sobre os bens apreendidos do ex-presidente.
Santos Lima se penitenciou com Deltan — e acusou a Polícia Federal pela
divulgação com tom de vazamento. “Já está na época. Foi a PF. Ilusão ficar
cheio de dedos. Poderíamos ter capitalizado melhor”, escreveu Santos Lima.
A estratégia funcionou. Mesmo sendo legais, os presentes de
Lula foram vistos pela população como uma espécie de benefício imoral do ex-presidente.
Dias depois, um grampo ilegal de uma conversa entre Lula e a então presidente
Dilma Rousseff — sugerindo a ideia de ambos de que Lula poderia assumir um
ministério e, assim, garantir foro especial — seria divulgado pela GloboNews
depois do levantamento de sigilo feito por Sergio Moro.
O caldo acabou impedindo Lula de assumir o Ministério da
Casa Civil por uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal. Em 2019, uma reportagem da Vaza Jato em parceria com a Folha de
S.Paulo revelou que, além de dar publicidade apenas ao grampo ilegal, Moro
ainda escondera da população outros 21 áudios. As conversas gravadas pela
Polícia Federal em 2016 enfraquecem a tese usada por Moro para justificar a
decisão de publicar o áudio.
Os diálogos, que incluem conversas de Lula com outros atores políticos, entre eles o então vice-presidente Michel Temer, revelam que o ex-presidente relutou em aceitar o convite para ser ministro e só o aceitou após sofrer pressões de aliados. Lula, nos áudios que até hoje não vieram a público, só menciona as investigações em curso uma vez.
Sergio Moro absolveria Lula e Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, da acusação feita pela Lava Jato de que a guarda dos bens presidenciais se tratou de “contraprestação” de contratos da empreiteira com a Petrobras.
Já o acervo no Banco do Brasil, aquele que a Lava Jato acreditou ser a chave para prender Lula em flagrante e proceder uma via sacra de humilhações ao petista, nunca foi usado para embasar denúncias à justiça.
Outro lado
Lava Jato
É importante registrar que o Intercept, distante das melhores práticas de jornalismo, não encaminhou as supostas mensagens em que se baseia a reportagem, o que prejudica a compreensão das questões enviadas, o direito de resposta e a qualidade das informações a que o leitor tem acesso.
Registra-se ainda que tais mensagens, obtidas de forma criminosa, foram descontextualizadas ou alteradas ao longo dos últimos meses para produzir falsas acusações, que não correspondem à realidade, no contexto de um jornalismo de militância ou de teses que busca atacar a operação e seus integrantes.
De todo modo, em relação aos questionamentos apresentados, cumpre informar que o ex-presidente Lula está sendo investigado pelos crimes de peculato e lavagem de ativos, em razão da apropriação e ocultação de diversos bens públicos da Presidência da República que foram encontrados em cofre particular em banco, mantido em nome de Fabio Luis Lula da Silva e Marisa Letícia Lula da Silva, dentre os quais se encontravam, por exemplo, coroa, espadas e esculturas.
Em consequência da busca e apreensão e subsequente ação da Justiça e órgãos oficiais, 21 itens mantidos no cofre foram incorporados ao Patrimônio da Presidência da República.
A apuração é objeto dos autos 1.25.000.000119/2017-12 (convertido em procedimento eletrônico sob o nº: 1.25.000.001206/2020-84), que se encontram sob responsabilidade da Procuradoria da República em São Paulo, à qual devem ser direcionados os questionamentos.
A defesa do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva apresentou nesta quinta-feira (4) ao Supremo
Tribunal Federal (STF) um áudio em que o ex-coordenador da
força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan
Dallagnol, afirma ter conversado com a juíza Gabriela Hardt, substituta do
então juiz Sérgio
Moro, sobre o caso do petista. Segundo o procurador, a juíza afirmou que
iria sentenciar Lula.
"Falei com a Gabriela [Hardt]. A Gabriela é ...
perguntei dos casos, né? Perguntei primeiro do caso do sítio, se ela ia
sentenciar...", diz Dallagnol em um dos áudios.
No dia 6 de fevereiro de 2019, Hardt condenou Lula, na ação
sobre o sítio em Atibaia, a 12 anos e 11 meses de prisão pelos crimes de
corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A conversa foi extraída de mensagens trocadas entre membros
do Ministério Público Federal e obtidas por meio de um ataque hacker, alvo da
operação Spoofing, da Polícia Federal.
O grupo de procuradores da República que integraram a
força-tarefa da Lava Jato alegou que é legítimo despachar com juízes e que eles
demonstraram zelo ao se preocupar com os julgamentos casos do Instituto Lula e
do sítio de Atibaia. Também afirmam que “não reconhecem o material
criminosamente obtido por hackers que tem sido editado, descontextualizado e
deturpado para fazer falsas acusações”. A juíza Gabriela Hardt afirmou que
nunca recebeu "lista de prioridades" do MPF e que não vê nada de
“anormal” no que foi dito por ela. Confira ao final da reportagem as íntegras
das notas divulgadas pelo grupo de procuradores e pela juíza.
No início de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF)
autorizou o compartilhamento de mensagens da Operação Spoofing com a defesa do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
As mensagens são citadas por Lula como argumento para que
Moro seja declarado suspeito para julgá-lo e, assim, a sua condenação seja
anulada.
Entenda o caso
Lula foi sentenciado em primeira instância no caso do sítio
de Atibaia pela juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal em Curitiba, em
fevereiro de 2019, cerca de um mês depois do áudio de Dallagnol.
Segundo a sentença, Lula teria recebido cerca de R$ 1 milhão
em propinas via reformas do sítio de Atibaia, que está em nome de Fernando
Bittar, filho do amigo de Lula e ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar.
A Lava Jato apontou que o sítio passou por três reformas:
uma supostamente paga pelo pecuarista José Carlos Bumlai, no valor de R$ 150
mil, outra pela Odebrecht, de R$ 700 mil, e uma terceira reforma na cozinha,
pela OAS, de R$ 170 mil. Os pagamentos teriam relação com contratos na
Petrobras e os caixas de propinas acertados entre as empreiteiras e o PT. O
ex-presidente nega a acusação.
Leia a seguir a íntegra da transcrição da fala de
Dallagnol:
“Isabel, falei com a Gabriela. A Gabriela é ... perguntei
dos casos, né? Perguntei primeiro do caso do sítio, se ela ia sentenciar.
Aí ela disse: Olha, você está vendo isso aqui na minha
frente? Aí tinha uma pilha de papel grande na frente dela. Eu falei: Tô.
Ela falou: O que você acha que é isso aqui?. Aí eu sei lá,
chutei lá qualquer coisa. Aí ela falou: Isso aqui são as alegações finais do
Lula. É ... que estão lá com umas 1.600 páginas.
Aí ela falou: Olha, tô tentando fazer isso aqui, tá todo
mundo esperando que eu faça isso, mas tô aqui eu e o Tiago, e fora isso aqui -
que é uma sentença – eu tenho mais 500 casos conclusos pra decisão.
Que horas eu vou fazer isso aqui? Só se eu vier aqui e
trabalhar da meia-noite às seis. Tem todas as operações. Tem as prisões que
vocês pediram. Tem isso, aquilo.
Então ela tá assim bem, bem, ela falou de um modo bem
cordial, toda querida, com boa vontade, querendo fazer o melhor, mas ela tá
bem, assim, bem esticada. Sabe?
E aí ela disse que vai sentenciar o caso do sítio, mas o
outro ela não tem a menor condição de sentenciar.
E já abriu hoje o edital de remoção, hoje mesmo dia 10, e
vai estar encerrado dia 22.
Então isso aí, certamente vai ficar pro próximo juiz.
É, se você tiver alguma ideia, alguma proposta pra fazer algo
diferente, a gente precisaria ir lá conversar com ela, mas, assim, eu senti as
portas bem fechadas pra isso. Parece bem inviável, mas se tiver alguma sugestão
diferente vamos pensar juntos sim. Beijo.”
Outro lado
Veja a resposta dos procuradores:
1. É legítimo e legal que membros do Ministério Público
despachem com Juízes, como advogados fazem. Juízes têm obrigação de atender as
partes e ouvir seus pedidos e argumentos, conforme previsto no Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil e decidido pelo CNJ no pedido de providências
1465 e pelo STJ nos RMS 15706/PA, 13262/SC e 1275/RJ.
2. Existiu uma preocupação com a demora do julgamento dos
crimes de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o Instituto Lula, porque
há nesse caso pessoas beneficiadas pela prescrição reduzida em razão da idade,
como o ex-presidente Lula. A apresentação dessa preocupação à Justiça só
demonstra zelo dos procuradores pelo interesse público. Por outro lado, a juíza
Gabriela Hardt não sentenciou esse caso envolvendo o Instituto Lula. O caso,
aliás, não foi sentenciado até hoje, correndo risco concreto de prescrição.
Assim, ainda que o áudio tenha ocorrido da forma como apresentado, o que não se
pode assegurar, só demonstra o zelo do Ministério Público e a independência e a
imparcialidade da juíza.
3. Em relação ao caso envolvendo o sítio de Atibaia, a
juíza Gabriela Hardt foi responsável por audiências de instrução e a lei
determinava que ela sentenciasse o caso – de fato, conforme determina o § 2º do
art. 399 do Código de Processo Penal, “o juiz que presidiu a instrução deverá
proferir sentença”. Como reza a lei, ela proferiu sentença. Assim, ainda que o
áudio tenha ocorrido da forma como apresentado, o que não se pode assegurar, só
demonstra o zelo pela correção do procedimento.
4. Os procuradores da República que integraram a
força-tarefa Lava Jato reafirmam que não reconhecem o material criminosamente
obtido por hackers que tem sido editado, descontextualizado e deturpado para
fazer falsas acusações sem correspondência na realidade, por pessoas movidas
por diferentes interesses que incluem a anulação de investigações e
condenações.
Confira a nota divulgada pela juíza Gabriela Hardt:
A juíza nunca recebeu "lista de prioridades" do
MPF. Já recebeu e continua recebendo em diversas oportunidades pedidos de
partes, alegando urgência na análise de pedidos formulados, tanto da acusação
quanto da defesa. Na medida do possível e entendendo pertinente a urgência,
tenta atender.
O áudio menciona que a juíza teria dito que estava
tentando minutar a sentença de um processo que lhe caberia sentenciar em razão
de ter finalizado sua instrução. Ela não vê nada de anormal nisto. Pelo que
consta a conversa teria sido no início de janeiro e a sentença foi publicada no
mês seguinte, dada sua complexidade.
O áudio cita que a magistrada estava com muito trabalho e
com pouca assessoria, o que corresponde à realidade daquele período. Certamente
foi uma afirmação que fez a todos os que foram conversar com a juíza na época,
solicitando urgência na análise de qualquer caso.
"Fico feliz em ouvir que mesmo durante aquele
período extenuante de trabalho o procurador tenha mencionado que fui cordial,
que estava com boa vontade e querendo fazer o melhor, pois este sempre foi o
meu objetivo como magistrada”.
Confira o posicionamento do TRF-4:
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) não se
manifesta a respeito de processos sob análise do Supremo Tribunal Federal
(STF), em nome da disciplina judiciária e da independência da magistratura,
conforme previsão expressa dos artigos 36, inciso III, e 41 da Lei Complementar
nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional).