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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Indígenas se retiram de “conciliação forçada” sobre Lei 14.701 no STF e afirmam que direitos são inegociáveis


Na tarde desta quarta-feira (28), a Apib decidiu se retirar da mesa de conciliação criada pelo ministro do STF Gilmar Mendes para discutir a lei 14.701, que ataca direitos indígenas


Maria Baré faz a leitura da carta-manifesto anunciando a saída da Apib da mesa de conciliação do marco temporal. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Na tarde desta quarta-feira (28), a Articulação do Povos Indígenas do Brasil (Apib) se retirou da Mesa de Conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei 14.701/2023, que instituiu no ordenamento legal brasileiro o marco temporal e uma série de ataques aos direitos territoriais indígenas. A conciliação foi determinada pelo ministro Gilmar Mendes, relator de processos que discutem a constitucionalidade da lei.

Em protesto, após a leitura de uma carta-manifesto, os indígenas e aliados da causa indígenas deixaram o plenário da Segunda Turma da Suprema Corte, onde ocorreu a segunda audiência de conciliação. Mesmo sem a presença indígena a audiência prosseguiu os trabalhos, que nesta sessão contou com a presença de representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e integrantes dos governos federal, estaduais e municipal, e demais partes da comissão especial.

Os povos indígenas apontam que a Lei 14.701/2023 é inconstitucional e que não há negociação possível sobre ela, que precisa ser imediatamente suspensa. “A conciliação está sendo conduzida com premissas equivocadas, desinformadas e pouco aberta a um verdadeiro diálogo intercultural”, destaca um trecho da carta lida por Maria Baré, liderança indígena do Amazonas e uma das representantes da Apib à mesa.


“Pela letra da Constituição da República de 1988, as terras indígenas foram gravadas como inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. Qualquer negociação sobre direitos fundamentais é inadmissível”

 

Representantes indígenas se retiraram da mesa de conciliação sobre a Lei 14.701/2023 com manifestação e gritos de “marco temporal não!”. Foto: Tiago Miotto/Cimi

“Pela letra da Constituição da República de 1988, as terras indígenas foram gravadas como inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. Qualquer negociação sobre direitos fundamentais é inadmissível”, afirmam os indígenas na carta.

Um dos pontos questionados pela Apib é o fato de que, na ausência de consenso, as decisões seriam tomadas por “maioria” entre as partes que compõem a mesa. Segundo o juiz auxiliar do ministro Gilmar Mendes que coordena a mesa, Diego Veras, essas definições da conciliação serão, então, levadas ao plenário da Suprema Corte.

“Dessa forma, a instância da conciliação poderá ser transformada em uma assembleia, sem ter a legitimidade necessária para decidir sobre direitos fundamentais. Entendemos que a tutela dos direitos fundamentais das minorias é função do Supremo, da qual ele não pode abdicar”, critica a Apib.

A composição da mesa evidencia o desconforto dos indígenas, que são minoria. Entre os órgãos, instituições e representações que participam da conciliação estão a Advocacia-Geral da União (AGU), os Ministérios da Justiça e dos Povos Indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Fórum de Governadores, o Colégio Nacional de Procuradores de Estado, a Confederação Nacional dos Municípios, a Frente Nacional dos Prefeitos e os autores das cinco ações discutidas, com uma vaga cada. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal tiveram direito a três vagas cada, e a Apib e suas organizações de base, apenas seis.

Essa situação, assim como o fato de que o coordenador da mesa, por diversas vezes, afirmou que “ninguém é insubstituível” e que os trabalhos da mesa de conciliação seguiram com ou sem a presença dos indígenas, levaram a Apib a caracterizar a situação como uma “conciliação forçada”.

“Nós, povos indígenas, já fomos submetidos a tentativas de aculturação forçada, integração forçada, desterritorialização forçada. Não iremos nos submeter a mais uma violência do Estado Brasileiro, com a possibilidade de uma conciliação forçada”, afirmou Maria Baré.

Ataques seguem acontecendo em todo país contra os povos originários, a exemplo do ataque de fazendeiros na madrugada desta quarta (28) contra a comunidade Avá-Guarani do Tekoha Y’Hovy, na Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, no oeste do Paraná. Neste cenário, não há ambiente para prosseguir na mesa de conciliação.

“Não há garantias de proteção suficiente, pressupostos sólidos de não retrocessos e tampouco garantia de um acordo que resguarde a autonomia da vontade dos povos indígenas”, afirma a Apib.

Outro ponto criticado pelos indígenas foi a falta de “nitidez” sobre o objeto do debate e da conciliação, com o risco de se reabrir a discussão sobre temas a respeito dos quais o STF recentemente decidiu em processo de repercussão geral.

“Não havia nitidez sobre o que se estaria a conciliar, quais seriam os pontos em discussão e o que poderia ser concretamente alterado no sistema de proteção dos direitos indígenas que foram garantidos aos povos indígenas pelo Constituinte originário de 1988”, aponta a carta da Apib.


Apib se retira de mesa de conciliação sobre lei 14.701/2023 | 28/08/2024


Marco temporal e repercussão geral

Um dos dispositivos instituídos pela Lei 14.701, que está em vigor desde sua promulgação em dezembro de 2023, é a tese do marco temporal. Esta tese, que limita o direito indígena à demarcação apenas das terras que estivessem sob sua posse comprovada em 5 de outubro de 1988, já foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte no julgamento de repercussão geral concluído em setembro de 2023.

Foi esta uma das motivações da Apib para ingressar com uma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que, sob a relatoria de Gilmar Mendes, acabaram dando origem à mesa de conciliação.

“Por reconhecer neste tribunal um espaço de concretização da Constituição, a Apib propôs, em 28 de dezembro de 2023, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7582. A entidade esperava a suspensão da Lei nº 14.701, principalmente dos artigos da lei contrários ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal em setembro de 2023”, destaca o manifesto indígena.

A Apib garantiu, ainda, que seguirá se manifestando nos autos do processo e que confia que o STF “não fugirá de sua missão constitucional”.

Clique aqui ou leia abaixo a carta-manifesto na íntegra:


Carta-manifesto da Apib


Excelentíssimos Senhores Ministros do Egrégio Supremo Tribunal Federal Excelentíssimos Senhores Juízes Auxiliares
Excelentíssimas Autoridades Presentes
Povos indígenas de todo o Brasil

Com os nossos respeitosos cumprimentos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, entidade de representação nacional, vem se manifestar sobre a conciliação que está em curso neste egrégio Supremo Tribunal Federal.

Antes de mais nada, é importante dizer que o Supremo Tribunal Federal tem sido um espaço importante de garantia dos direitos indígenas. Sua atuação durante a pandemia foi fundamental, diante de graves violações a direitos a que os povos indígenas estavam submetidos.

Por reconhecer neste tribunal um espaço de concretização da Constituição, a APIB propôs, em 28 de dezembro de 2023, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7582. A entidade esperava a suspensão da Lei nº 14.701, principalmente dos artigos da lei contrários ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal em setembro de 2023.

A Comunidade Internacional assiste com preocupação os ataques aos direitos dos povos indígenas brasileiros! Cinco órgãos de tratados da ONU já recomendaram que o Estado brasileiro rejeitasse a tese do Marco Temporal e continuasse o processo de demarcação dos nossos territórios tradicionais.

No entanto, a lei permaneceu em vigor. E, em abril de 2024, a APIB foi surpreendida com uma proposta de conciliação entre as partes das ações que questionam a inconstitucionalidade da Lei e outros setores da sociedade que sequer são partes do processo.

Não havia nitidez sobre o que se estaria a conciliar, quais seriam os pontos em discussão e o que poderia ser concretamente alterado no sistema de proteção dos direitos indígenas que foram garantidos aos povos indígenas pelo Constituinte originário de 1988. Pela letra da Constituição da República de 1988, as terras indígenas foram gravadas como inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. Assim, qualquer negociação sobre direitos fundamentais já seria, a princípio, inadmissível

Ainda assim, a APIB, sentou-se à mesa, com disposição política e vontade de reabrir os flancos de negociação, muito embora a não declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023 seja uma sinalização nociva, a indicar incoerência e sujeição a pressões indevidas.

Durante a primeira audiência de conciliação, a entidade encontrou um ambiente aflitivo, sendo informada que a lei não seria suspensa, não obstante toda violência que ela tem gerado nos territórios.

A APIB foi informada também que na ausência de consenso as decisões seriam tomadas por maioria. Dessa forma, a instância da conciliação poderá ser transformada em uma assembleia, sem ter a legitimidade necessária para decidir sobre direitos fundamentais. Entendemos que a tutela dos direitos fundamentais das minorias é função do Supremo, da qual ele não pode abdicar.

Além disso, a APIB também foi confrontada com visões ultrapassadas e inadequadas sobre a garantia dos direitos indígenas. Na conciliação, foi aventada a possibilidade de ter a vontade dos indígenas colhida pela Funai, órgão de estado que não tem essa competência.

A Constituição de 1988, em seu artigo 232, acabou com a política de tutela!

Outros apontamentos realizados durante a primeira audiência de conciliação foram violentos e opressivos. A eventual aprovação de uma PEC que consolidaria o marco temporal no texto constitucional soou como uma ameaça, viciando o ambiente de liberdade que deve ser criado em uma mesa de conciliação. O juízo condutor da audiência de conciliação chegou a perguntar se os indígenas teriam representação parlamentar suficiente para impedir a votação de um projeto de emenda constitucional violadora de seus direitos fundamentais. Os povos indígenas, após séculos de extermínio, são minorias. E por isso contam com o tribunal!

Os povos indígenas estão sob guarda de cláusulas pétreas da Constituição, cuja defesa e guarda é função do Supremo Tribunal Federal!

Diante de condições inaceitáveis – e até humilhantes – impostas aos povos indígenas na audiência de conciliação, o juiz conciliador disse que uma saída dos povos indígenas os tornaria responsáveis pela “espiral de conflitos”. Isso é de uma violência atroz.

Os indígenas resistem secularmente e lutam pelo direito de existir em uma realidade em que são vítimas da violência. Desde a colonização, até os dias atuais, os mortos, feridos e submetidos aos conflitos violentos são os indígenas. Os que ainda precisam lutar pela garantia territorial e por direitos, desde há muito válidos, mas ineficazes, são os indígenas.

É inadmissível que os povos do Brasil que tem a maior contribuição para a conservação das florestas, dos biomas, da biodiversidade e que são aqueles que mais tem capacidade de fazer frente à emergência climática e ao desenvolvimento sustentável do país sejam submetidos a um processo de conciliação fora da lei, com esse nível de pressão, chantagem e preconceito.

Nós, povos indígenas, já fomos submetidos a tentativas de aculturação forçada, integração forçada, desterritorialização forçada. Não iremos nos submeter a mais uma violência do Estado Brasileiro, com a possibilidade de uma conciliação forçada.

Infelizmente, a conciliação está sendo conduzida com premissas equivocadas, desinformadas e pouco aberta a um verdadeiro diálogo intercultural.

Neste cenário, a APIB não encontra ambiente para prosseguir na mesa de conciliação. Não há garantias de proteção suficiente, pressupostos sólidos de não retrocessos e tampouco, garantia de um acordo que resguarde a autonomia da vontade dos povos indígenas. Nos colocamos à disposição para sentar à mesa em um ambiente em que os acordos possam ser cumpridos com respeito à livre determinação dos povos indígenas.

Nos resguardamos o direito de nos manifestar nos autos e tratar sobre os nossos direitos diretamente com o Juízo competente para decidir sobre os processos de competência do STF: o eminente relator e o Plenário do STF. Temos confiança que o Supremo Tribunal Federal não fugirá de sua missão constitucional.

Ainda estamos vivos e não desistiremos de nossas terras, do usufruto exclusivo das riquezas dos rios, lagos e solos, do direito de não sermos removidos de nossos territórios e do direito de termos nossos modelos próprios de desenvolvimento. Não permitiremos mais que o projeto dos neocolonizadores nos atravesse e nos arrase.

Lutamos pelo direito à diversidade que inclua radicalmente todos os setores da sociedade brasileira e contamos com o apoio da sociedade para a proteção de nossas vidas e de nossas florestas. O Brasil pega fogo e são os indígenas que têm as respostas e a chave para combater a emergência climática.

A APIB se retira da conciliação.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib

28 de agosto de 2024

Fonte: Cimi




Povos Indígenas 01

Povos Indígenas 02


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domingo, 17 de março de 2024

Do golpe ao lobby


AGU de Bolsonaro voltou a frequentar o Planalto


 (foto: Divulgação/Redes Sociais)

O mundo dá voltas. O ex-advogado-geral da União Bruno Bianco, escalado por Jair Bolsonaro e pelo general Augusto Heleno para atuar na tentativa de golpe de estado em 2022, voltou aos corredores do Executivo Federal durante o governo Lula – desta vez como lobista do BTG Pactual. Desde julho de 2023, após cumprir quarentena, Bianco ocupa o cargo de gerente de relações institucionais no banco de investimentos.

No dia 4 de fevereiro de 2024, Bruno Bianco liderou uma reunião entre o BTG e os dois principais assessores do ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, nas dependências da própria AGU, em Brasília: o ministro-substituto Flávio José Roman e advogado-geral adjunto Paulo Ceo. Além deles, esteve no encontro o procurador da Agência Nacional de Telecomunicações, Cássio Cavalcante.

A pauta da reunião não consta nas agendas oficiais de Román, Ceo e Cavalcante, mas foi registrada por Ana Paula Severo, subprocuradora da AGU, que também esteve presente. Segundo a descrição dela, o assunto foi a "solução consensual da Oi junto ao TCU", um tema que movimenta o mercado de telecomunicações por envolver cifras que chegam a R$ 50 bilhões e que está diretamente ligado aos interesses do BTG Pactual.

Maior operadora de telefonia fixa do país, com atuação em 88% dos municípios, a Oi está à beira da falência. A situação é alvo de intensa preocupação no BTG Pactual, que é dono de quase 70% da V.tal, uma empresa de infraestrutura de telecomunicações que será diretamente impactada pelo futuro da Oi, já que as duas empresas compartilham infraestrutura e contratos comerciais.

Devido à intensa relação entre a Oi e a V.tal, qualquer mudança na situação da operadora, como intervenção governamental ou alteração de ativos pela Anatel, afeta diretamente os interesses do BTG. Os planos de expansão da V.tal, vinculados a compromissos específicos, também são moldados pela resolução da crise da Oi, impactando as projeções de investimento e retorno do BTG.

A crise parecia próxima ao final nesta semana, quando a Assembleia Geral de Credores da Oi votaria o plano de recuperação judicial da operadora, mas a reunião foi cancelada. Assim, todas as atenções ficam voltadas para o possível acordo entre Oi, Anatel e TCU, tema da visita de Bianco ao governo Lula. A possível decisão de mudar as concessões de telefonia fixa para o modelo de autorização é crucial para a Oi se livrar de obrigações regulatórias pesadas.

Hoje lobista com acesso ao governo Lula, um ano antes, Bianco defendeu, em uma reunião ministerial de Jair Bolsonaro, um encontro de teor golpista com embaixadores, que inclusive tornou o ex-presidente inelegível por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

As declarações de Bianco constam de um vídeo com a íntegra da reunião, realizada em julho de 2022, que embasou a operação da Polícia Federal contra militares e ex-ministros de Bolsonaro suspeitos de participarem de uma tentativa de golpe de estado. Em sua fala, Bianco disse que Bolsonaro estava "corretíssimo com relação à reunião com embaixadores".

"O senhor também está correto em mostrar para o mundo, como chefe de Estado, a sua postura", acrescentou o então advogado-geral da União.

As imagens foram encontradas no computador de Mauro Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e tornadas públicas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, o STF.

Como se não bastasse, o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, escalou a AGU, então chefiada por Bianco, como protagonista de uma trama golpista que consta no 'diário' em que fazia anotações sobre a tentativa de mudar o resultado das eleições, segundo reportagem da Veja.

Enquanto Heleno, Bianco e Bolsonaro se envolviam na trama, um outro ministro do governo já estava ligado no caso BTG. Em 19 de dezembro de 2022, poucos dias antes do fim da gestão, a V.Tal recebeu autorização de Fábio Faria, então ministro das Comunicações, para captar até R$ 2,5 bilhões em recursos para projetos de telecomunicações na modalidade incentivada, com redução na cobrança do imposto de renda para investidores. Um dia depois da autorização, Fábio Faria deixou o governo.

Com a canetada, os projetos listados pela V.tal se tornaram prioritários na emissão de debêntures. A portaria segue em vigor, já que tem validade de cinco anos. Com a decisão, a emissão das debêntures da V.Tal passou a contar com benefício fiscal, com a redução de 22% para 15% no Imposto de Renda para pessoas jurídicas e para 0% entre investidores pessoas físicas.

Três meses depois de sair do governo Bolsonaro, Fábio Faria também foi trabalhar na área de relações institucionais do BTG.


Por: Paulo Motoryn Repórter

Para continuarmos denunciando o extremismo político que se infiltra em áreas críticas do governo, doe agora!

Fonte: Intercept Brasil


segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Condenados por Moro, absolvidos pelo tribunal


A Pública levantou os 16 casos de absolvições em segunda instância da Lava Jato e acompanhou o impacto da condenação na vida de três desses réus



Executivo da OAS não conseguiu mais emprego e não recebeu direitos trabalhistas
Dentista aposentada foi usada como “laranja” pela filha doleira
Gerente de posto passou por duas condenações


“A única coisa que ouvi foi o cachorro latindo, mas de um jeito diferente. Abri a varanda e vi que ele estava assustado. Quando eu saí do quarto, ouvi a campainha da cozinha, da porta da sala e pessoas forçando a maçaneta. Num primeiro momento, achei que fosse assalto, porque faziam muita força. Fui até a porta e perguntei que estava acontecendo, e uma voz respondeu: ‘Aqui é a Polícia Federal [PF], abra imediatamente’. Estava de cueca [era 6h30 da manhã], é constrangedor. Fui me vestir e fizeram uma busca e apreensão na minha casa, levaram computador, celular, pastas, tudo que tinha da OAS. Minha esposa estava grávida de cinco meses. Reviraram tudo e pediram para que eu os acompanhasse”, relembra hoje Fernando Augusto Stremel Andrade, ex-gerente de gasoduto da OAS.

Acusado de envolvimento no esquema de corrupção da empresa, como o então presidente da empreiteira Léo Pinheiro e os diretores Agenor Franklin Medeiros e Matheus Coutinho, o ex-gerente foi conduzido coercitivamente para a PF na sétima fase da Operação Lava Jato, denominada Juízo Final, no dia 14 de novembro de 2014. Foi liberado em seguida, mas em 5 de agosto de 2015 condenado a quatro anos de prisão em regime aberto por lavagem de dinheiro.

“O [Sergio] Moro achou que eu, com a função que tinha, deveria saber o que estava acontecendo. A noção para quem está de fora pode ser essa, mas não é isso que ocorre na obra”, afirma sobre a condenação. Absolvido em segunda instância por falta de provas em 27 de novembro de 2016, ele não conseguiu mais se recolocar no mercado de trabalho. “Estou marcado pela Lava Jato. A maioria das empresas tem o setor compliance. Não passa, cara, mesmo com a minha absolvição por 3 a 0. Fui condenado, acusado de corrupção, e as pessoas questionam. Não tem o que fazer”, lamenta.

Stremel Andrade foi um dos 15 réus condenados pelo ex-juiz Sergio Moro absolvidos pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS), segundo dados obtidos com exclusividade pela Agência Pública. Como ele, muitos tiveram suas vidas impactadas por sentenças proferidas na 13ª Vara Federal, de Curitiba, mesmo depois de terem sido anuladas em segunda instância pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Carlos Eduardo Thompson Flores e Leandro Paulsen.

Foi assim com Maria Dirce Penasso, cirurgiã dentista aposentada, à época com 66 anos, residente em Vinhedo, interior de São Paulo. A pacata vida da senhora foi revirada do avesso ao ter seu nome atrelado à Lava Jato, no dia 17 de março de 2014, na primeira fase da operação, quando sua casa foi alvo de busca e apreensão. Acusada de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Maria Dirce foi condenada por Moro a dois anos, um mês e dez dias de prisão (depois comutada para prestação de serviço à comunidade). O motivo: sua filha, a doleira Nelma Kodama, abriu uma conta em seu nome em Hong Kong, que teria sido usada para movimentar dinheiro de corrupção. Maria Dirce, que sempre alegou desconhecimento das transações de Nelma, foi absolvida pelo TRF4 em dezembro de 2015, pouco mais de um ano depois da condenação. Além da decepção com a filha, sobraram sequelas da operação, segundo o seu advogado, Eduardo Pugliesi Lima. “Ela tinha uma conta no mesmo banco há 30, 40 anos. Quando foi acusada, começaram a dificultar tudo, para fazer qualquer tipo de movimentação. Já tinha mais de 70 anos, não precisava passar por isso”, conta Pugliesi Lima.

Saga mais complexa é a do gerente do Posto da Torre, André Catão de Miranda, preso no dia 17 de março de 2014, na primeira fase da Lava Jato. Foi essa prisão que inaugurou e batizou a operação – em referência ao lava-jato do posto. Catão foi preso temporariamente como suspeito de integrar uma organização criminosa liderada por seu patrão, o doleiro Carlos Habib Chater. Há 11 anos ele era gerente financeiro do posto e movimentava as contas de Chater, o que lhe valeu uma condenação por lavagem de dinheiro da qual foi absolvido pelo TRF4 em setembro de 2015. No ano passado, o administrador foi novamente condenado por Moro – dessa vez por supostamente pertencer a uma organização criminosa – em um dos últimos atos do juiz na 13ª vara antes de assumir o Ministério da Justiça do governo de Jair Bolsonaro. Ele aguarda o recurso ser julgado no TRF4.

Dados inéditos obtidos pela Agência Pública revelam que 15 réus condenados pelo ex-juiz Sergio Moro foram absolvidos pelo TRF4

Abandonado pela OAS

Engenheiro formado pela PUC do Paraná em 1985, com pós-graduação em engenharia de dutos desde 2007, o ex-gerente de gasoduto da OAS tem currículo de executivo de primeira linha. Antes de trabalhar na OAS, foi funcionário na Petrobras, onde permaneceu entre 1998 e 2007, com a responsabilidade de avaliar a viabilidade técnica e econômica de empreendimentos da empresa no setor de gasoduto. Foi a Petrobras que o indicou para trabalhar na OAS, na construção de um gasoduto no Amazonas, o Urucu-Coari-Manaus, inaugurado em novembro de 2009 e recentemente vendido junto com 90% da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG) para um grupo empresarial que reúne a francesa Engie e o fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec (CDPQ), por US$ 8,6 bilhões (cerca de R$ 33 bilhões), em abril do ano passado.

Em 2010, Stremel Andrade foi deslocado para Alagoas, dessa vez para trabalhar na concepção do gasoduto Pilar-Ipojuca. Um ano depois, assinou um contrato representando a OAS com a empreiteira Rigidez, pertencente a Alberto Youssef, no valor de R$ 1,8 milhão. Os problemas começaram aí.

“Não vou dizer que fui obrigado, mas a OAS me orientou a assinar o contrato para uma divisão de dividendos e participações. É uma divisão interna dos lucros de uma obra, mas eu não imaginava que isso ia para um agente público ou para a Petrobras. Eu era um funcionário operacional”, justifica Stremel Andrade. “Você pode me perguntar: ‘Pô, o Léo Pinheiro, Agenor, não participava de reunião com você?’. Sim, todo mês a gente se reunia, mas nós falávamos do avanço físico de obra, de rentabilidade”, afirma Fernando, que nem sonhava em ver sua casa invadida pela PF como aconteceu em novembro de 2014.

Ele lembra que foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento na PF em uma sexta-feira e, na segunda, já estava de volta ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), para onde havia sido deslocado pela OAS em 2013. Ali supervisionava a construção da adutora que vai levar o lixo químico tratado de uma das refinarias da Petrobras até Maricá para ser despejado 3 km adiante no mar. “Minha equipe veio conversar comigo para saber o que havia acontecido. Ninguém esperava essa situação. Trabalhei normal, administrando esse problema e a continuidade da obra. Até a sentença, que foi em meados de 2015, era um sufoco, porque ia para Curitiba, tinha audiência de acusação, defesa”, relembra.

Questionado sobre por que preferiu ficar em silêncio no depoimento a Sergio Moro, o ex-executivo da OAS afirma que “essa era uma estratégia da empresa”. “Antigamente, se condenado na segunda instância, você não ia preso. O acordo era não falar absolutamente nada, porque eu poderia ser condenado em segunda instância e, até chegar no STJ, ia demorar mais 10, 15 anos, todo mundo já ia ter mais de 70 anos. Isso mudou a partir do momento que a segunda instância começou a prender.”

Entre setembro de 2015 e abril de 2016, Stremel Andrade permaneceu afastado, sem exercer nenhuma função na OAS, ainda que recebendo salário. Quando retornou ao cotidiano da empresa, ele relata que permaneceu marginalizado. “Eu não tinha nem mesa para trabalhar”, conta. O executivo não era mais convocado para reuniões e tampouco sabia de detalhes operacionais da companhia.

Meses depois, em novembro de 2016, foi absolvido por unanimidade pelos três desembargadores do TRF4. Nenhum dos delatores da OAS havia citado seu nome ao falar sobre as irregularidades encontradas pela força-tarefa. “Foi um alívio e achei que tudo ia voltar a ser como era antes, mas isso não aconteceu”, lembra o engenheiro, que continuou a se sentir escanteado no trabalho.

Em março de 2018, foi demitido “de maneira fria e calculista” pela OAS sem receber FGTS, férias proporcionais nem rescisão trabalhista, o que teria acontecido também com outros funcionários da construtora. Segundo ele, a cúpula da empresa “ficou chateada” com o depoimento de um dos delatores da empresa, o ex-diretor financeiro Mateus Coutinho de Sá Oliveira, dizendo que a empresa havia prometido indenizar os diretores queconcordassem em fazer a delação premiada. “Os acionistas se sentiram traídos. Desde 2018 ninguém recebe mais nada”, diz.

Stremel Andrade diz que pediu uma compensação para se “reerguer”, movendo uma ação trabalhista contra a OAS no valor de R$ 4,4 milhões. São 50 salários por danos morais, R$ 385 mil por 138 dias de férias não gozadas e mais R$ 600 mil pela rescisão do contrato de trabalho – o que ainda não recebeu. Sem emprego, ele ainda sente o peso da condenação. “Não é mais a mesma coisa. Irmãos e os parentes mais próximos, tudo bem. Mas o restante da família tem um outro conceito de mim.”

Stremel Andrade ainda é réu em processo por improbidade administrativa em ação protocolada pela Advocacia-Geral da União (AGU), por mau uso do dinheiro público. “Como fui absolvido na ação do MPF, espero que isso conte nessa outra acusação. É uma agonia sem fim.”

A Pública entrou em contato com a OAS, que, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que “sobre os temas rescisórios, a empresa acredita que encaminhará soluções definitivas nas próximas semanas”. Sobre o depoimento de Sá Oliveira, mencionado por Stremel Andrade, disse que “jamais efetuou qualquer tipo de pagamento aos ex-executivos e afirma categoricamente que nunca celebrou tal acordo mencionado”. O advogado Pedro Ivo Gricoli Iokoi, responsável pela defesa de Sá Oliveira, também não quis conceder entrevista à Pública, afirmando que “Mateus é colaborador e possui cláusula de confidencialidade no acordo”.

O Posto da Torre, propriedade do empresário Carlos Habib Chater, deu origem e nome à Operação Lava Jato

De Vinhedo a Hong Kong

O relógio marcava 0h37 do dia 26 de novembro 2012 quando o visor do celular da doleira Nelma Kodama brilhou. Era uma ligação vinda de uma operadora do HSBC, na China.

– “Oi, aqui é a Carol, de Hong Kong DC”.

– “Sim, pode falar, aqui é Maria Dirce Penasso.”

– “Nós temos algumas perguntas para você, posso enviar um email para você dar uma olhada?”

– “Sobre qual das 961? Qual pagamento ?”

– “São perguntas sobre algumas informações que precisamos, posso lhe enviar um email”

– “Ok, vamos fazer assim, porque aqui eu estou em outro país e agora é meia noite, ok? Todos os escritórios estão fechados, pode me fazer um favor, me envie um email, ok? E amanhã eu vejo o email e você me liga amanhã à noite, pode ser assim? Você entende? Porque está tudo fechado agora”.

O diálogo, em inglês, foi traduzido pela PF dois anos depois, ao investigar Maria Dirce Penasso, mãe da doleira, que era real interlocutora da conversa. “A Maria Dirce não fazia ideia dessas movimentações, era tudo em inglês. Ela, com a idade que tinha, sem saber falar outra língua, mal sabendo mexer nas funções básicas de um computador, jamais conseguiria movimentar o dinheiro de uma conta bancária em Hong Kong”, contou à Pública o advogado da dentista aposentada, Eduardo Pugliesi Lima.

O uso de seu nome pela filha em contas que movimentariam dinheiro da corrupção resultou em uma acusação do Ministério Público Federal (MPF) por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A mesma denúncia que foi feita contra a filha doleira e seu motorista particular, Cleverson Coelho de Oliveira, entre outros. Segundo o MPF, Maria Dirce teria consentido em ceder seu nome para abertura de uma conta em Hong Kong, na China, intitulada “Il Solo Tuo Limited”, e outra conta da “NGs Prosper Participações Ltda.”, uma empresa de fachada responsável pela administração de 60 apartamentos no hotel Go Inn, no Jaguaré, zona oeste da capital paulista. As duas contam serviriam para ocultar o dinheiro do esquema entre empreiteiras e a Petrobras.

No dia 22 de outubro de 2014, Maria Dirce Penasso foi condenada a dois anos, um mês e dez dias de prisão, tendo a pena sido transferida para prestação de serviço à comunidade. Além disso, Sergio Moro bloqueou os quase R$ 11 mil que estavam em sua conta quando ela teve a casa alvo de busca e apreensão. Na mesma sentença, sua filha, Nelma Kodama, foi condenada a 18 anos de prisão por Sergio Moro por lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção ativa e por supostamente liderar uma organização criminosa. Considerada a primeira delatora da Lava Jato, Nelma teve sua pena reduzida para 15 anos em 2015. Em junho do ano seguinte ela passou ao regime semiaberto, com a utilização da tornozeleira eletrônica. Em agosto de 2019, foi autorizada a retirar o aparelho ao ser beneficiada pelo indulto natalino editado por Michel Temer em 2017, que prevê o cumprimento de um quinto da pena para não reincidentes. Como Nelma já havia cumprido mais de três anos, a benesse foi concedida.

Nelma era ligada ao doleiro Alberto Youssef, um dos nomes mais conhecidos de toda a operação e um dos primeiros a aderir à delação premiada – ele foi condenado a mais de cem anos de prisão, em 12 processos, mas ficou apenas três no regime fechado. Além da relação profissional, os dois mantinham um vínculo sentimental. Por esse motivo, de acordo com o advogado de Maria Dirce, a mãe de Nelma conhecia Youssef, que frequentava sua casa. “Ela não sabia dessas transações que eles faziam. A Nelma visitava ela, mas a Dirce nunca ficou perguntando. A filha já era adulta, né? A mãe não ficava questionando sobre os afazeres dela”, diz o advogado.

Em dezembro de 2015, Maria Dirce foi absolvida pelo TRF4 de todas as acusações que constavam no processo em que havia sido condenada por Moro. “Quando chega em um tribunal, com outros três desembargadores, tudo muda, porque eles podem colocar outra visão. A Maria Dirce provou, através do imposto de renda, que tudo que ela tem foi conquistado pelos anos de trabalho como celetista. Não houve elevação da renda ou do patrimônio nos últimos anos”, conta Pugliesi Lima.

Maria Dirce não quis conversar com a Pública “para não reviver uma história que prefere esquecer”, de acordo com o advogado.

Nelma Kodama utilizou o nome da mãe como “laranja” para a abertura de conta em offshore

Duas condenações, uma absolvição

Também o ex-gerente administrativo André Catão de Miranda diz ter sido pego de surpresa por acusações que desconhecia. Ele e outras pessoas ligadas ao Posto da Torre foram presos em março de 2014 em decorrência do mesmo processo que condenou o dono do posto, o doleiro Carlos Habib Chater, apontado como líder e executor de crimes financeiros. Por realizar operações de câmbio e pagamentos a mando do patrão, consideradas irregulares pelo MPF, ele foi detido em Brasília e transferido para a Casa de Custódia de São José dos Pinhais, no Paraná, onde ficou preso provisoriamente por sete meses.

“Foi um tremendo desrespeito. Os dias passavam e ele lá dentro da prisão”, critica o advogado Marcelo de Moura, defensor de Miranda. “Ele era um funcionário subalterno, que recebia ordens e, se eventualmente algum ato ilícito foi praticado, aconteceu com o total desconhecimento [dele]. Ele cuidava da parte financeira, mas exclusivamente da atividade-fim, que era venda de combustível”, afirma Moura.

Para o MPF, no entanto, o gerente do posto de gasolina era responsável por fazer pagamentos em uma extensa rede de lavagem de dinheiro, que envolvia, além de seu patrão, os doleiros Alberto Youssef, Raul Henrique Srour e Nelma Kodama e um suposto traficante de drogas, René Luiz Pereira. Duas ações penais foram movidas contra o gerente, uma delas por tráfico de drogas. Nesse caso, segundo o MPF, Chater teria utilizado, com a cumplicidade de seu gerente, a estrutura do Posto da Torre para lavar US$ 124 mil provenientes da venda de cocaína na Europa.

Nos depoimentos que prestou na 13ª Vara de Curitiba, Miranda disse ter feito os pagamentos por determinação do patrão. Mas, em outubro de 2014, Sergio Moro o condenou a quatro anos de reclusão em regime semiaberto. Menos de um ano depois da condenação, em setembro de 2015, o TRF4 absolveu André e manteve as punições de René Luiz Pereira (14 anos de prisão) e Carlos Habib Chater (cinco anos). Os desembargadores Leandro Paulsen e Victor Luís dos Santos Laus apresentaram voto favorável à absolvição, enquanto o relator João Pedro Gebran Neto votou pela manutenção da condenação em primeira instância.

Segundo Paulsen, “André era um empregado de Habib, não havendo nenhum elemento que aponte qualquer enriquecimento”, disse. “O Ministério Público Federal não trouxe elementos (quebra de sigilo financeiro, fiscal, prova testemunhal ou documental) demonstrando que o réu (André) auferia recursos derivados de atividade ilícita. Também parece contrariar a lógica afirmar que Miranda coordenava todo o núcleo de operações financeiras ilícitas de Carlos Habib sem a obtenção de qualquer contrapartida específica para tanto”, afirmou o desembargador.

Apesar de absolvido, a condenação mudou a vida de Miranda para sempre, de acordo com o seu advogado: “O reparo nunca é suficiente para voltar ao ponto anterior de uma pessoa que não tinha envolvimento nenhum com atividade criminosa e é surpreendida com uma prisão, que acaba por perdurar durante sete meses. Essas máculas não podem ser reparadas, tanto do ponto de vista financeiro quanto emocional”.

Além disso, em outubro de 2018, Sergio Moro, voltou a condená-lo, dessa vez a dois anos e seis meses em regime aberto pelo crime de pertencimento a organização criminosa. De acordo com o ex-juiz, Miranda “fazia pagamentos, recebimentos e lançamentos no Sismoney, ou seja, na contabilidade informal. Não era meramente um gerente financeiro regular do Posto, mas pessoa de confiança de Carlos Habib Chater. Não se pode afirmar que não tinha conhecimento da utilização da estrutura do Posto da Torre para a prática dos crimes financeiros e dos quais aliás participava”.

A pena foi revertida para serviços comunitários, mas Miranda “ficou revoltado”, diz o seu advogado. “Ele já tem as marcas de uma prisão ilegal. Após a absolvição, ele estava reestruturando a vida aos poucos. Uma notícia pesada como essa gera a sensação de que uma nova injustiça precisa ser combatida.”

Após a primeira condenação, Miranda morou em Uberlândia e atualmente trabalha em uma empresa da família, em Brasília. A nova condenação, diz o advogado, significa uma pá de cal nos planos do ex-gerente. “O André é o tipo de cidadão que poderia atravessar a vida inteira sem entrar em uma delegacia, muito menos ser preso. As investigações mostraram que ele não tinha aparelho de comunicação restrita, possuía um apartamento adquirido com recurso próprio, utilizando fundo de garantia, e não tinha automóvel. Ele entrou no bolo de uma investigação precipitada, que geraram prisões e condenações injustas”, critica.

O recurso no TRF4 já foi protocolado e a defesa espera o julgamento, que ainda não tem data marcada. Na avaliação de Moura, a Lava Jato extrapolou limites jurídicos. “Acho que se elegeu a corrupção, que é um mal a ser combatido, como um tema que extrapola a legalidade. É como se as armas utilizadas contra a corrupção pudessem ser ilegais.”

Com ele concorda Maria Carolina Amorim, coordenadora do escritório do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em Pernambuco. “Antes de se ver condenado, o réu é exposto pela imprensa de forma irreparável, em razão da permissividade que o Judiciário tem tido com os seus funcionários que vazam informações. Em caso de condenação, tal dano é ainda maior, motivo pelo qual deve-se exigir mais responsabilidade do julgador”, diz Maria Carolina.

 

Outros casos

Além dos já citados Fernando Stremel, Maria Dirce e André Catão de Miranda, há outras 12 pessoas – entre elas o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que teve duas condenações anuladas pelo TRF4. A primeira, de setembro de 2015, em que foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, foi revogada em 2017. Em outra ação penal, envolvendo a empresa Engevix, a condenação a nove anos de prisão foi anulada por insuficiência de provas. Em contato com a Pública, o advogado Luiz Flávio D’Urso afirmou que Vaccari “se vê injustiçado, pois somente fez o que lhe competia como tesoureiro do partido: pedia doações legais para o PT, sempre por depósito bancário e com recibo, jamais recebeu recursos em espécie. Ele foi um símbolo, um troféu”, afirmou o advogado.

Veja os outros casos em que as sentenças de Moro foram revistas pelo TRF4:

Mateus Coutinho de Sá Oliveira: condenado a 11 anos de prisão em agosto de 2015, aderiu à delação premiada e foi absolvido um ano depois. Ele era diretor financeiro da OAS e foi apontado pelo MPF como um dos responsáveis pelo departamento de propinas da empreiteira.

André Luiz Vargas Ilário: ex-deputado federal (PT) foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão em regime fechado por lavagem de dinheiro e absolvido no ano passado pelo TRF4. Foi condenado em outras duas ações da Lava Jato: seis anos em um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo uma empresa fornecedora de softwares, e 14 anos e quatro meses de prisão, em 2015, também por lavagem de dinheiro. As condenações foram mantidas em segunda instância, mas, como ele já havia cumprido parte da pena quando foi preso preventivamente, está em liberdade condicional e com algumas restrições.

Leon Vargas Ilário: foi absolvido junto com irmão, André Vargas, no mesmo processo por lavagem de dinheiro. Em outubro do ano passado, na ação penal envolvendo o esquema de softwares, que também afetou o ex-deputado André Vargas, Leon teve a pena reduzida pelo TRF4 de cinco anos, para quatro anos, nove meses e 18 dias em regime semiaberto

Fernando Schahin: executivo do Grupo Schahin, recebeu condenação, em setembro de 2016, de cinco anos e quatro meses de prisão, por corrupção ativa, envolvendo benefícios em uma licitação da Petrobras para operação do navio-sonda Vitória 10.000 e empréstimos concedidos ao pecuarista José Carlos Bumlai. Foi absolvido em maio de 2018. Em outro processo, que também aponta irregularidades na construção e operação dos navios-sonda Petrobras 10.000 e Vitória 10.000, Fernando teve a pena reduzida para pouco mais de cinco anos.

Agosthilde Mônaco: assessor do ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, foi absolvido da condenação de 2017 pelo crime de lavagem de dinheiro proveniente de contratos dos navios-sonda Petrobras 10.000 e Vitória 10.000. Foi, no entanto, denunciado outra vez pelo MPF, dessa vez por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, na negociação da compra da Refinaria de Pasadena pela Petrobras. O processo se encontra na fase de oitiva de testemunhas.

José Carlos Costa Marques Bumlai: pecuarista e empresário apontado pelo MPF como responsável pela realização de reformas no sítio de Atibaia. Foi condenado a uma pena de três anos e nove meses de reclusão na primeira instância, mas absolvido pela Oitava Turma por ausência de provas em novembro do ano passado. Ele foi condenado também, dessa vez a nove anos e dez meses de prisão, por gestão fraudulenta de instituição financeira e corrupção, no mesmo caso que envolve o Banco Schahin e navios-sonda da Petrobras. Cumprindo prisão domiciliar, foi beneficiado com a retirada da tornozeleira eletrônica após novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre prisão em segunda instância, em novembro do ano passado.

Emyr Diniz Costa Júnior: diretor de contratos da construtora Norberto Odebrecht. Supervisionou a obra de reforma do sítio de Atibaia, que tem como principal alvo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Emyr foi condenado a três anos de reclusão por Sergio Moro, mas foi absolvido pelo TRF4, no dia 27 de novembro de 2019, por ausência de provas.

Roberto Teixeira: advogado e amigo do ex-presidente Lula, também foi acusado de envolvimento no processo do sítio de Atibaia. Ele teria ocultado documentos que demonstrariam a ligação da OAS com a reforma, além de orientar engenheiros da empreiteira a celebrar contratos fraudulentos com Fernando Bittar, um dos proprietários do sítio. Teixeira foi condenado a dois anos de reclusão na primeira instância, mas foi absolvido por ausência de provas.

Paulo Roberto Valente Gordilho: diretor técnico da OAS, era o encarregado da reforma do sitio de Atibaia. Foi condenado a um ano de reclusão por Sergio Moro, mas foi absolvido pelo TRF4 por ausência de provas.

Isabel Izquierdo Mendiburo Degenring Botelho: agente do banco Société Générale no Brasil, foi acusada de auxiliar a abertura de contas em offshores pelo mundo de ex-diretores da Petrobras, caracterizando crime de lavagem de dinheiro. Foi condenada a três anos e oito meses de prisão em novembro de 2018, mas foi absolvida na segunda instância um ano depois.

Álvaro José Galliez Novis: doleiro condenado a quatro anos e sete meses por lavagem de dinheiro em março de 2018, na mesma ação penal que envolveu o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine. Em agosto do ano passado, foi beneficiado pelo habeas corpus deferido pela Segunda Turma do STF, em agosto do ano passado, que anulou a sentença confirmada pelo TRF4 em maio de 2019.

Alteração às 20h33 21.01.2020 – Aldemir Bendine foi presidente do Banco do Brasil e não do Banco Central como constava anteriormente 

Fonte: Agência Pública


Rede TVT

Moro: mais que suspeito - Documentário desmascara crimes do ex-juiz Sérgio Moro - 10 de dez. de 2020

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sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

A ABIN E A OPERAÇÃO PARA ‘DEFENDER FB’ E ENTERRAR O CASO QUEIROZ


Flávio Bolsonaro, denunciado pelo MP, contou com a atuação do governo do pai na busca de documentos para sua defesa. Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

Abin produziu pelo menos dois relatórios de orientação para Flávio Bolsonaro e seus advogados sobre o que deveria ser feito para obter os documentos que permitissem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz

 A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu pelo menos dois relatórios de orientação para Flávio Bolsonaro e seus advogados sobre o que deveria ser feito para obter os documentos que permitissem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz. Nos dois documentos, obtidos pela coluna e cuja autenticidade e procedência foram confirmadas pela defesa do senador, a Abin detalha o funcionamento da suposta organização criminosa em atuação na Receita Federal (RFB), que, segundo suspeita dos advogados de Flávio, teria feito um escrutínio ilegal em seus dados fiscais para fornecer o relatório que gerou o inquérito das rachadinhas. Enviados em setembro para Flávio e repassados por ele para seus advogados, os documentos contrastam com uma versão do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que afirmou publicamente que não teria ocorrido atuação da Inteligência do governo após a defesa do senador levar a denúncia a Bolsonaro, a ele e a Alexandre Ramagem, diretor da Abin, em 25 de agosto.

Um dos documentos é autoexplicativo ao definir a razão daquele trabalho. Em um campo intitulado “Finalidade”, cita: “Defender FB no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”. Os dois documentos foram enviados por WhatsApp para Flávio e por ele repassados para sua advogada Luciana Pires.

Leia: Defesa de Flávio leva a Bolsonaro suspeita que pode anular caso Queiroz; governo se mobiliza para encontrar prova

O primeiro contato de Alexandre Ramagem com o caso foi numa reunião no gabinete de Bolsonaro, em 25 de agosto, quando recebeu das mãos das advogadas de Flávio uma petição, solicitando uma apuração especial para obter os documentos que embasassem a suspeita de que ele havia sido alvo da Receita. Ramagem ficou com o material, fez cópia e devolveu no dia seguinte a Luciana Pires, que voltou ao Palácio do Planalto para pegar o documento, recebendo a orientação de que o protocolasse na Receita Federal. A participação da Abin, a partir daí, seguiria por meio desses relatórios, enviados a Flávio Bolsonaro, com orientações sobre o que a defesa deveria fazer.

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No primeiro relatório, o que especifica a finalidade de “defender FB no caso Alerj”, a Abin classifica como uma “linha de ação” para cumprir a missão: “Obtenção, via Serpro, de ‘apuração especial’, demonstrando acessos imotivados anteriores (arapongagem)”. O texto discorre então sobre a dificuldade para a obtenção dos dados pedidos à Receita e, num padrão que permanece ao longo do texto, faz imputações a servidores da Receita e a ex-secretários, a exemplo de Everardo Maciel.

Leia: PGR instaura apuração preliminar sobre envolvimento do governo Bolsonaro na defesa de Flávio

“A dificuldade de obtenção da apuração especial (Tostes) e diretamente no Serpro é descabida porque a norma citada é interna da RFB da época do responsável pela instalação da atual estrutura criminosa — Everardo Maciel. Existe possibilidade de que os registros sejam ou já estejam sendo adulterados, agora que os envolvidos da RFB já sabem da linha que está sendo seguida”, diz o relatório, referindo-se a José Tostes Neto, chefe da Receita.

O relatório sugere a substituição dos “postos”, em provável referência a servidores da Receita, e, sem dar mais detalhes, afirma que essa recomendação já havia sido feita em 2019.

“Permanece o entendimento de que a melhor linha de ação para tratar o assunto FB e principalmente o interesse público é substituir os postos conforme relatório anterior. Se a sugestão de 2019 tivesse sido adotada, nada disso estaria acontecendo, todos os envolvidos teriam sido trocados com pouca repercussão em processo interno na RFB!”, explica o texto.

A agência traça em seguida outra “alternativa de prosseguimento”, que envolveria a Controladoria-Geral da União (CGU), o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e a Advocacia-Geral da União (AGU).

“Com base na representação de FB protocolada na RFB (Tostes), CGU instaura sindicância para apurar os fatos no âmbito da Corregedoria e Inteligência da Receita Federal; Comissão de Sindicância requisita a Apuração Especial ao Serpro para instrução dos trabalhos. Em caso de recusa do Serpro (invocando sigilo profissional), CGU requisita judicialização da matéria pela AGU. (...) FB peticiona acesso à CGU aos autos da apuração especial, visando instruir Representação ao PGR Aras, ajuizamento de ação penal e defesa no processo que se defende no RJ”, recomenda o texto, resumindo qual é a estratégia: “Em resumo, ao invés da advogada ajuizar ação privada, será a União que assim o fará, através da AGU e CGU — ambos órgãos sob comando do Executivo”.

Ainda nesse primeiro documento, outros dois servidores federais são acusados pela Abin, o corregedor-geral da União, Gilberto Waller Júnior, e o corregedor da Receita, José Barros Neto.

“Existem fortes razões para crer que o atual CGU (Gilberto Waller Júnior) não executar(ia) seu dever de ofício, pois é PARTE do problema e tem laços com o Grupo, em especial os desmandos que deveria escrutinar no âmbito da Corregedoria (amizade e parceria com BARROS NETO)”, disse o texto.

Um parêntese curioso. Neste trecho, já no fim do documento, a Abin, comandada pelo delegado da PF Alexandre Ramagem, sugere que Bolsonaro demita Waller Júnior da Corregedoria-Geral e coloque no lugar dele um policial federal: “Neste caso, basta ao 01 (Bolsonaro) comandar a troca de WALLER por outro CGU isento. Por exemplo, um ex-PF, de preferência um ex-corregedor da PF de sua confiança”.

O outro documento enviado pela Abin a Flávio e repassado por ele a sua advogada traça uma “manobra tripla” para tentar conseguir os documentos que a defesa espera.

As orientações da agência aqui se tornam bem específicas.

“A dra. Juliet (provável referência à advogada Juliana Bierrenbach, também da defesa de Flávio) deve visitar o Tostes, tomar um cafezinho e informar que ajuizará a ação demandando o acesso agora exigido”, diz a primeira das três ações, chamadas pela Abin de “diversionária”.

Em seguida, o texto sugere que a defesa peticione ao chefe do Serpro o fornecimento de uma apuração especial sobre os dados da Receita, baseando-se na Lei de Acesso à Informação — o que de fato a defesa de Flávio Bolsonaro faria. A Abin ressalta que o pedido deve ser por escrito. “O e-sic (sistema eletrônico da Lei de Acesso) deve ser evitado pois circula no sistema da CGU e GILBERTO WALLER integra a rede da RFB”, explicou a Abin.

E, por fim, o relatório sugere “neutralização da estrutura de apoio”, a demissão de “três elementos-chave dentro do grupo criminoso da RF”, que “devem ser afastados in continenti”. “Este afastamento se resume a uma canetada do Executivo, pois ocupam cargos DAS. Sobre estes elementos pesam condutas incompatíveis com os cargos que ocupam, sendo protagonistas de diversas fraudes fartamente documentadas”, afirma o texto, sem especificar que condutas seriam essas. E cita os nomes de três servidores: novamente o corregedor José Barros Neto; o chefe do Escritório de Inteligência da Receita no Rio de Janeiro, Cléber Homem; e o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio, Christiano Paes. Num indicativo de que Bolsonaro talvez esteja seguindo a recomendação da Abin contra os servidores, Paes pediu exoneração do cargo na semana passada.

Procurado, o GSI negou a existência dos documentos, mesmo informado que a autenticidade de ambos havia sido confirmada pela defesa de Flávio Bolsonaro, e manteve a versão de que não se envolveu no tema. Procurada, a advogada Luciana Pires confirmou a autenticidade dos documentos e sua procedência da Abin, mas recusou-se a comentar seu conteúdo.

A Abin não respondeu aos questionamentos sobre a origem das acusações feitas nos relatórios nem se produziu mais documentos além dos dois obtidos pela coluna. Alexandre Ramagem, diretor da agência, atualmente voltou a ser cotado para comandar a Polícia Federal, caso Bolsonaro seja inocentado no inquérito que investiga se ele queria controlar a corporação ao nomear Ramagem, amigo de seus filhos, para a direção da PF.

Fonte: Época


UOL

Uso da Abin mostra como Bolsonaro trata o governo como negócio familiar | Kennedy Alencar

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domingo, 27 de novembro de 2016

Temer sobre caso Geddel, 'eu não estava patrocinando interesse privado',

Temer se pronunciou pela primeira sobre o chamado "Calerogate"


Mariana Schreiber
Da BBC Brasil em Brasília

O presidente Michel Temer negou neste domingo que tenha interferido para arbitrar um conflito de natureza privada do ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima.

No entanto, Temer admitiu que o pedido de Geddel para que fosse liberada a construção de um prédio de 30 andares em área histórica de salvador foi "muito inadequado".

Segundo o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, o político baiano o pressionou para que conseguisse autorização para a obra junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Calero levou o caso a Temer e disse que o presidente o "enquadrou" a encontrar uma solução para a questão, remetendo o caso à Advocacia Geral da União (AGU).

Segundo Temer, uma das conversas com Calero teria sido gravada pelo então titular da pasta. Ele nega que tenha "enquadrado" o então ministro.



"Eu não estava patrocinando nenhum interesse privado, data venia, né? Não há razão para isso. Se você me disser, 'não foi útil, não foi conveniente', eu digo, de fato", reconheceu Temer.

"Eu disse até ao ministro, 'olha, foi uma inadequação, uma coisa muito inadequada, não pode ser feita'", disse também o presidente.

Temer deu a declaração ao ser questionado pela BBC Brasil sobre qual "conflito institucional" ele estava arbitrando ao sugerir que o caso fosse remetido a AGU, ou se estava interferindo em uma questão particular.

O presidente disse que o conflito institucional era entre o Iphan da Bahia, que havia autorizado a obra, e o Iphan federal, que havia barrado o empreendimento.
"Estava arbitrando um conflito de natureza administrativa, entre órgãos da administração pública, o Iphan da Bahia tinha uma posição e o Iphan nacional tinha outra posição", argumentou Temer.

"Quando ele (Calero) disse que não queria, não iria despachar (tomar decisão no caso), eu disse 'então faça o seguinte, mande para a AGU, e ela arbitra essa questão'", continuou o presidente.


Calero pode ter gravado conversa com o presidente

Juristas ouvidos pela BBC Brasil, porém, dizem que não há conflito entre diferentes órgãos nesse caso, já que o Iphan da Bahia estáhierarquicamente subordinado ao Iphan federal.



A própria AGU manifestou-se na quinta-feira, por meio de nota, informando que "a presidência do Iphan é competente para a anulação de ato da Superintendência estadual e que poderia decidir o caso concreto".

Segundo a assessoria da AGU, essa decisão já havia sido dada pela procuradoria do Iphan, órgão ligado à AGU, antes do Iphan federal barrar a obra.

Foi a primeira vez que Temer comentou o caso publicamente. O presidente disse também que seu perfil "não é autoritário" e que sempre atua para resolver conflitos.

"Sempre que houver conflitos entre quem quer que seja, mesmo ministros, eu vou arbitrá-los, foi o que eu fiz, ao longo da vida", afirmou.

Geddel tem um apartamento no prédio que aguardava autorização para ser construído. Ao apresentar sua carta de demissão na sexta-feira, ele deixou clara sua relação de amizade com Temer, ao se referir ao presidente como "meu fraterno amigo" e "meu querido amigo".

Geddel (à esquerda) é dono de um apartamento em empreendimento embargado pelo Iphan

Ao deixar a coletiva, Temer foi questionado se sabia que Geddel era dono do imóvel no empreendimento que tentava liberar. O presidente desconversou e disse que "soube nesse episódio".

Diante da insistência sobre quando teve conhecimento, ele afirmou que foi "na quinta-feira", aparentemente se referindo a conversa com Calero antes da demissão do ministro, no último dia 18.

Neste, domingo, Temer criticou Calero, dizendo ser "indigno" e "gravíssimo" que um ministro gravasse uma conversa com o presidente.



"Espero que essas gravações venham a público", disse Temer, que disse ainda cogitar fazer gravações oficiais das audiências na Presidência da República.

A líder da minoria (oposição) na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), disse após a coletiva de Temer que o presidente "tenta montar uma versão amena para um fato absolutamente grave e contundente".

Segundo ela, há um "conluio de interesses privados comandando a República".

Feghali sustenta que Temer cometeu "crime de responsabilidade" e disse que a oposição tomará "medidas concretas a partir da segunda-feira contra o governo".

O líder da minoria no Senado, Lindberg Farias (PT-RJ), e o PSOL já disseram que pretendem apresentar um pedido de impeachment contra o presidente.

O andamento dessa denúncia, porém, dependeria de uma decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é aliado de Temer.

"Com os fatos que nós temos e conhecendo o presidente Michel Temer, apesar de não ter ouvido ainda a tal gravação que o ex-ministro Calero fez com o presidente da República, um fato grave, não vejo nenhum motivo para a gente pensar em impedimento do presidente Temer de forma algumas", afirmou Maia na sexta-feira, em entrevista ao canal Globonews.

Na entrevista, que contou com a presença de Maia e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Temer anunciou o que chamou de "ajustamento institucional" para impedir a tramitação de qualquer proposta de anistia a políticos que tenham praticado o caixa 2 - movimentação irregular de recursos de campanha eleitoral.

Na coletiva com Calheiros (à esquerda) e Maia, Temer prometeu barrar qualquer tentativa de anistia ao caixa 2

Na quinta-feira , a votação de um projeto com medidas anticorrupção acabou adiada depois de vir à tona uma articulação em prol de uma emenda para anistiar quem tivesse feito uso de caixa 2 em eleições passadas - nos bastidores da Câmara, chegou a circular um texto de uma emenda que previa livrar, em todas as esferas (cível, criminal e eleitoral).

"Estamos aqui para revelar que, há uma unanimidade daqueles dos poderes Legislativo e Executivo", afirmou o presidente.

"Não há a menor condição de se patrocinar, de se levar adiante essa proposta", declarou Temer, que disse ser preciso "ouvir a voz das ruas" em relação à anistia.



Maia voltou a dizer que nunca tinha sido a intenção do Legislativo de anistiar crimes e culpou uma "confusão de comunicação" pela polêmica. "Estamos discutindo algo que não existe", afirmou. Calheiros disse que uma eventual proposta de anistia não terá chances no Congresso.

A entrevista foi convocada no sábado por Temer e representou um rara aparição de mídia conjunta dos principais líderes dos Poderes Executivo e Legislativo, o que pareceu indicar a preocupação do Planalto com a repercussão da crise política detonada tanto pela renúncia de Geddel - a sexta de um ministro nos seis meses de governo do pemedebista - e a polêmica causada pela possibilidade de anistia do caixa 2.


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