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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Indígenas se retiram de “conciliação forçada” sobre Lei 14.701 no STF e afirmam que direitos são inegociáveis


Na tarde desta quarta-feira (28), a Apib decidiu se retirar da mesa de conciliação criada pelo ministro do STF Gilmar Mendes para discutir a lei 14.701, que ataca direitos indígenas


Maria Baré faz a leitura da carta-manifesto anunciando a saída da Apib da mesa de conciliação do marco temporal. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Na tarde desta quarta-feira (28), a Articulação do Povos Indígenas do Brasil (Apib) se retirou da Mesa de Conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei 14.701/2023, que instituiu no ordenamento legal brasileiro o marco temporal e uma série de ataques aos direitos territoriais indígenas. A conciliação foi determinada pelo ministro Gilmar Mendes, relator de processos que discutem a constitucionalidade da lei.

Em protesto, após a leitura de uma carta-manifesto, os indígenas e aliados da causa indígenas deixaram o plenário da Segunda Turma da Suprema Corte, onde ocorreu a segunda audiência de conciliação. Mesmo sem a presença indígena a audiência prosseguiu os trabalhos, que nesta sessão contou com a presença de representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e integrantes dos governos federal, estaduais e municipal, e demais partes da comissão especial.

Os povos indígenas apontam que a Lei 14.701/2023 é inconstitucional e que não há negociação possível sobre ela, que precisa ser imediatamente suspensa. “A conciliação está sendo conduzida com premissas equivocadas, desinformadas e pouco aberta a um verdadeiro diálogo intercultural”, destaca um trecho da carta lida por Maria Baré, liderança indígena do Amazonas e uma das representantes da Apib à mesa.


“Pela letra da Constituição da República de 1988, as terras indígenas foram gravadas como inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. Qualquer negociação sobre direitos fundamentais é inadmissível”

 

Representantes indígenas se retiraram da mesa de conciliação sobre a Lei 14.701/2023 com manifestação e gritos de “marco temporal não!”. Foto: Tiago Miotto/Cimi

“Pela letra da Constituição da República de 1988, as terras indígenas foram gravadas como inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. Qualquer negociação sobre direitos fundamentais é inadmissível”, afirmam os indígenas na carta.

Um dos pontos questionados pela Apib é o fato de que, na ausência de consenso, as decisões seriam tomadas por “maioria” entre as partes que compõem a mesa. Segundo o juiz auxiliar do ministro Gilmar Mendes que coordena a mesa, Diego Veras, essas definições da conciliação serão, então, levadas ao plenário da Suprema Corte.

“Dessa forma, a instância da conciliação poderá ser transformada em uma assembleia, sem ter a legitimidade necessária para decidir sobre direitos fundamentais. Entendemos que a tutela dos direitos fundamentais das minorias é função do Supremo, da qual ele não pode abdicar”, critica a Apib.

A composição da mesa evidencia o desconforto dos indígenas, que são minoria. Entre os órgãos, instituições e representações que participam da conciliação estão a Advocacia-Geral da União (AGU), os Ministérios da Justiça e dos Povos Indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Fórum de Governadores, o Colégio Nacional de Procuradores de Estado, a Confederação Nacional dos Municípios, a Frente Nacional dos Prefeitos e os autores das cinco ações discutidas, com uma vaga cada. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal tiveram direito a três vagas cada, e a Apib e suas organizações de base, apenas seis.

Essa situação, assim como o fato de que o coordenador da mesa, por diversas vezes, afirmou que “ninguém é insubstituível” e que os trabalhos da mesa de conciliação seguiram com ou sem a presença dos indígenas, levaram a Apib a caracterizar a situação como uma “conciliação forçada”.

“Nós, povos indígenas, já fomos submetidos a tentativas de aculturação forçada, integração forçada, desterritorialização forçada. Não iremos nos submeter a mais uma violência do Estado Brasileiro, com a possibilidade de uma conciliação forçada”, afirmou Maria Baré.

Ataques seguem acontecendo em todo país contra os povos originários, a exemplo do ataque de fazendeiros na madrugada desta quarta (28) contra a comunidade Avá-Guarani do Tekoha Y’Hovy, na Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, no oeste do Paraná. Neste cenário, não há ambiente para prosseguir na mesa de conciliação.

“Não há garantias de proteção suficiente, pressupostos sólidos de não retrocessos e tampouco garantia de um acordo que resguarde a autonomia da vontade dos povos indígenas”, afirma a Apib.

Outro ponto criticado pelos indígenas foi a falta de “nitidez” sobre o objeto do debate e da conciliação, com o risco de se reabrir a discussão sobre temas a respeito dos quais o STF recentemente decidiu em processo de repercussão geral.

“Não havia nitidez sobre o que se estaria a conciliar, quais seriam os pontos em discussão e o que poderia ser concretamente alterado no sistema de proteção dos direitos indígenas que foram garantidos aos povos indígenas pelo Constituinte originário de 1988”, aponta a carta da Apib.


Apib se retira de mesa de conciliação sobre lei 14.701/2023 | 28/08/2024


Marco temporal e repercussão geral

Um dos dispositivos instituídos pela Lei 14.701, que está em vigor desde sua promulgação em dezembro de 2023, é a tese do marco temporal. Esta tese, que limita o direito indígena à demarcação apenas das terras que estivessem sob sua posse comprovada em 5 de outubro de 1988, já foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte no julgamento de repercussão geral concluído em setembro de 2023.

Foi esta uma das motivações da Apib para ingressar com uma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que, sob a relatoria de Gilmar Mendes, acabaram dando origem à mesa de conciliação.

“Por reconhecer neste tribunal um espaço de concretização da Constituição, a Apib propôs, em 28 de dezembro de 2023, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7582. A entidade esperava a suspensão da Lei nº 14.701, principalmente dos artigos da lei contrários ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal em setembro de 2023”, destaca o manifesto indígena.

A Apib garantiu, ainda, que seguirá se manifestando nos autos do processo e que confia que o STF “não fugirá de sua missão constitucional”.

Clique aqui ou leia abaixo a carta-manifesto na íntegra:


Carta-manifesto da Apib


Excelentíssimos Senhores Ministros do Egrégio Supremo Tribunal Federal Excelentíssimos Senhores Juízes Auxiliares
Excelentíssimas Autoridades Presentes
Povos indígenas de todo o Brasil

Com os nossos respeitosos cumprimentos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, entidade de representação nacional, vem se manifestar sobre a conciliação que está em curso neste egrégio Supremo Tribunal Federal.

Antes de mais nada, é importante dizer que o Supremo Tribunal Federal tem sido um espaço importante de garantia dos direitos indígenas. Sua atuação durante a pandemia foi fundamental, diante de graves violações a direitos a que os povos indígenas estavam submetidos.

Por reconhecer neste tribunal um espaço de concretização da Constituição, a APIB propôs, em 28 de dezembro de 2023, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7582. A entidade esperava a suspensão da Lei nº 14.701, principalmente dos artigos da lei contrários ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal em setembro de 2023.

A Comunidade Internacional assiste com preocupação os ataques aos direitos dos povos indígenas brasileiros! Cinco órgãos de tratados da ONU já recomendaram que o Estado brasileiro rejeitasse a tese do Marco Temporal e continuasse o processo de demarcação dos nossos territórios tradicionais.

No entanto, a lei permaneceu em vigor. E, em abril de 2024, a APIB foi surpreendida com uma proposta de conciliação entre as partes das ações que questionam a inconstitucionalidade da Lei e outros setores da sociedade que sequer são partes do processo.

Não havia nitidez sobre o que se estaria a conciliar, quais seriam os pontos em discussão e o que poderia ser concretamente alterado no sistema de proteção dos direitos indígenas que foram garantidos aos povos indígenas pelo Constituinte originário de 1988. Pela letra da Constituição da República de 1988, as terras indígenas foram gravadas como inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. Assim, qualquer negociação sobre direitos fundamentais já seria, a princípio, inadmissível

Ainda assim, a APIB, sentou-se à mesa, com disposição política e vontade de reabrir os flancos de negociação, muito embora a não declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023 seja uma sinalização nociva, a indicar incoerência e sujeição a pressões indevidas.

Durante a primeira audiência de conciliação, a entidade encontrou um ambiente aflitivo, sendo informada que a lei não seria suspensa, não obstante toda violência que ela tem gerado nos territórios.

A APIB foi informada também que na ausência de consenso as decisões seriam tomadas por maioria. Dessa forma, a instância da conciliação poderá ser transformada em uma assembleia, sem ter a legitimidade necessária para decidir sobre direitos fundamentais. Entendemos que a tutela dos direitos fundamentais das minorias é função do Supremo, da qual ele não pode abdicar.

Além disso, a APIB também foi confrontada com visões ultrapassadas e inadequadas sobre a garantia dos direitos indígenas. Na conciliação, foi aventada a possibilidade de ter a vontade dos indígenas colhida pela Funai, órgão de estado que não tem essa competência.

A Constituição de 1988, em seu artigo 232, acabou com a política de tutela!

Outros apontamentos realizados durante a primeira audiência de conciliação foram violentos e opressivos. A eventual aprovação de uma PEC que consolidaria o marco temporal no texto constitucional soou como uma ameaça, viciando o ambiente de liberdade que deve ser criado em uma mesa de conciliação. O juízo condutor da audiência de conciliação chegou a perguntar se os indígenas teriam representação parlamentar suficiente para impedir a votação de um projeto de emenda constitucional violadora de seus direitos fundamentais. Os povos indígenas, após séculos de extermínio, são minorias. E por isso contam com o tribunal!

Os povos indígenas estão sob guarda de cláusulas pétreas da Constituição, cuja defesa e guarda é função do Supremo Tribunal Federal!

Diante de condições inaceitáveis – e até humilhantes – impostas aos povos indígenas na audiência de conciliação, o juiz conciliador disse que uma saída dos povos indígenas os tornaria responsáveis pela “espiral de conflitos”. Isso é de uma violência atroz.

Os indígenas resistem secularmente e lutam pelo direito de existir em uma realidade em que são vítimas da violência. Desde a colonização, até os dias atuais, os mortos, feridos e submetidos aos conflitos violentos são os indígenas. Os que ainda precisam lutar pela garantia territorial e por direitos, desde há muito válidos, mas ineficazes, são os indígenas.

É inadmissível que os povos do Brasil que tem a maior contribuição para a conservação das florestas, dos biomas, da biodiversidade e que são aqueles que mais tem capacidade de fazer frente à emergência climática e ao desenvolvimento sustentável do país sejam submetidos a um processo de conciliação fora da lei, com esse nível de pressão, chantagem e preconceito.

Nós, povos indígenas, já fomos submetidos a tentativas de aculturação forçada, integração forçada, desterritorialização forçada. Não iremos nos submeter a mais uma violência do Estado Brasileiro, com a possibilidade de uma conciliação forçada.

Infelizmente, a conciliação está sendo conduzida com premissas equivocadas, desinformadas e pouco aberta a um verdadeiro diálogo intercultural.

Neste cenário, a APIB não encontra ambiente para prosseguir na mesa de conciliação. Não há garantias de proteção suficiente, pressupostos sólidos de não retrocessos e tampouco, garantia de um acordo que resguarde a autonomia da vontade dos povos indígenas. Nos colocamos à disposição para sentar à mesa em um ambiente em que os acordos possam ser cumpridos com respeito à livre determinação dos povos indígenas.

Nos resguardamos o direito de nos manifestar nos autos e tratar sobre os nossos direitos diretamente com o Juízo competente para decidir sobre os processos de competência do STF: o eminente relator e o Plenário do STF. Temos confiança que o Supremo Tribunal Federal não fugirá de sua missão constitucional.

Ainda estamos vivos e não desistiremos de nossas terras, do usufruto exclusivo das riquezas dos rios, lagos e solos, do direito de não sermos removidos de nossos territórios e do direito de termos nossos modelos próprios de desenvolvimento. Não permitiremos mais que o projeto dos neocolonizadores nos atravesse e nos arrase.

Lutamos pelo direito à diversidade que inclua radicalmente todos os setores da sociedade brasileira e contamos com o apoio da sociedade para a proteção de nossas vidas e de nossas florestas. O Brasil pega fogo e são os indígenas que têm as respostas e a chave para combater a emergência climática.

A APIB se retira da conciliação.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib

28 de agosto de 2024

Fonte: Cimi




Povos Indígenas 01

Povos Indígenas 02


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terça-feira, 27 de agosto de 2024

O curral do mundo


Agronegócio e transição ecológica no Brasil


Pecuária
 

Recentemente, um visitante da floresta amazônica narrou sua surpresa diante do animal que mais lhe chamou a atenção: não foi a onça pintada, mas “a branca, lustrosa e corcovada vaca nelore, de orelhas caídas, a conquistadora última da fronteira”. Nas últimas duas décadas, a economia brasileira transformou-se na principal fornecedora de carne bovina do capitalismo global. Na medida em que isso acontecia, a floresta tropical, que abriga em torno de 10% das espécies animais do mundo, foi incendiada para dar passagem a milhões de vacas. Estima-se que, na parte brasileira da Amazônia, há hoje duas vezes mais vacas do que pessoas: cerca de 63 milhões e 28 milhões, respectivamente. 

Em 2003, quando o presidente Luís Inácio Lula da Silva iniciou seu primeiro mandato,  o Brasil era o terceiro maior exportador, em toneladas, de carne bovina congelada do mundo, representando cerca de 11% do total. Ao final do seu segundo mandato, em 2010, o Brasil era o primeiro colocado, responsável por 23% de toda a carne bovina congelada exportada mundialmente. As exportações cresceram de 317 para 781 mil toneladas. A década seguinte consolidou a supremacia brasileira no mercado de carne bovina: em 2022, o Brasil era a origem de 32% de toda carne bovina congelada comercializada internacionalmente, exportando quase o dobro do segundo colocado no ranking, a Índia. A ascensão do Brasil como curral do mundo esteve estreitamente ligada à ascensão da China como superpotência econômica: as importações chinesas de carne bovina congelada dispararam, entre 2002 e 2022, de onze mil para mais de dois milhões de toneladas.1

A história da soja é ainda mais dramática. A participação brasileira na exportação global do grão cresceu de cerca de 25% em 2003 para cerca de 50% a partir de 2018. Uma porção substancial dessa commodity é usada para produzir ração animal para os rebanhos de outros países. As mudanças recentes nas relações agroalimentares globais vêm sendo descritas como um emergente “complexo soja-carne Brasil-China” por pesquisadores da área. As duas commodities—carne bovina e soja em grãos—se alastraram pelo interior do Brasil como fogo em campo aberto, e grande parte de sua produção não observa normas ambientais (cf. a expansão geográfica das duas atividades nas Figuras 1 e 2). Numa pesquisa de 2020 que compila dados de 815.000 propriedades rurais na Amazônia e no Cerrado, Raoni Rajão e seus coautores concluíram que “cerca de 20% das exportações de soja e pelo menos 17% das exportações de carne bovina de ambos os biomas para a União Europeia devem ter sido contaminadas pelo desmatamento ilegal”. As proporções podem ser até maiores no caso de exportações para outros destinos com normas menos estritas.





O caminho que leva aos píncaros luminosos do desenvolvimento não costuma ser sinalizado pelo crescimento explosivo nas exportações de commodities. Os preços desses produtos são altamente voláteis, sujeitando as economias que dependem de sua exportação a trajetórias acidentadas em detrimento do crescimento de longo prazo. E, de modo crucial, a produção primária raramente proporciona os encadeamentos produtivos para trás e para frente que incentivam aumentos de produtividade em toda a economia e promovem mudanças técnicas cumulativas. Na maioria das vezes, a produção primária é um enclave com repercussões limitadas em outros ramos industriais e no mercado de trabalho—e com o potencial de derrubar toda a economia, se a queda dos preços internacionais levar à desvalorização da moeda e à crise econômica. O colapso da economia brasileira entre 2014 e 2016 teve múltiplas determinantes, mas inegavelmente esteve relacionado com a queda nos preços das commodities.

Na era da emergência climática, as desvantagens da especialização em exportações primárias, para o desenvolvimento, são ainda mais acentuadas. Como argumentaram pesquisadores da London School of Economics e da Universidade de Oxford, uma “corrida verde global está em andamento; quem sair na frente será recompensado e quem ficar para trás correrá o risco de perder competitividade global”. Além das barreiras à ascensão na cadeia global de valor, o custo econômico de se tornar o curral do mundo é agravado pelos impactos ambientais, tanto em termos de emissões de gás carbônico quanto de perda de biodiversidade. O Brasil é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa. Mas a composição de suas emissões difere drasticamente da tendência mundial: enquanto agricultura, silvicultura e alterações no uso do solo respondem por cerca de 18% das emissões globais, no Brasil, entre 2000 e 2020, representaram mais de três quartos. Em termos de emissões, no país, os combustíveis fósseis ficam em segundo plano, ofuscados pela carne bovina e pela soja. Se os mercados globais de commodities um dia apoiaram uma agenda interna redistributiva, a atual dependência arraigada da economia brasileira de uma produção primária baseada em desmatamento não só a impede de oferecer um padrão de vida decente à maioria de sua população, mas também contribui para a degradação de seus ecossistemas e para o aquecimento do planeta.


Esperanças verdes


Recentemente, esse quadro sombrio deu lugar a perspectivas mais positivas para o Brasil na transição verde global. A ascensão eleitoral de Lula a um terceiro mandato, depois de quatro anos de um governo de extrema direita negacionista da mudança climática e que promoveu ativamente o desmatamento, produziu algum otimismo. Lula tem procurado se posicionar no cenário mundial como forte apoiador da transição ecológica. Marina Silva—a líder ambiental que ocupou seu gabinete ministerial entre 2003 e 2008 e renunciou por discordar dos rumos políticos de seus governos de então—está de volta como ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Na atual gestão, Marina logrou reduzir o desmatamento na Amazônia em quase 40% em 2023. Lustrando ainda mais suas credenciais de ação climática, em 2025 o Brasil sediará a COP30 na cidade amazônica de Belém. Ao escrever no Financial Times, em setembro passado, o ministro da fazenda Fernando Haddad emoldurou a agenda econômica do governo com a linguagem da transformação verde: “uma transformação abrangente da nossa economia e sociedade através de infraestrutura mais verde, agricultura sustentável, reflorestamento, economia circular, e uso cada vez mais intensivo de tecnologia no processo produtivo e na adaptação climática”.

A perspectiva alvissareira não se restringe aos círculos governamentais. No último Relatório sobre clima e desenvolvimento focado no Brasil, o Banco Mundial argumentou que a “matriz energética relativamente limpa e renovável” do país, baseada predominantemente em energia hidrelétrica, proporciona-lhe “uma vantagem importante para a construção de um setor industrial de baixa emissão”. Dessa perspectiva, a composição singular das emissões brasileiras não põe em evidência o destrutivo setor do agronegócio, grande emissor de poluentes do país, mas o setor energético de baixo carbono. Esse último poderia ser mobilizado para impulsionar a indústria, dando ao país uma vantagem em relação aos concorrentes que suprem a produção industrial mediante a queima de carvão ou gás natural e colocando a descarbonização total da economia mais ao alcance do Brasil do que de outros lugares. Como afirmou Ricardo Abramovay, o país pode reduzir pela metade suas emissões “sem transformação estrutural na economia”, visto que a eliminação do desmatamento pode ser alcançada “sem qualquer modificação no sistema de transportes, na matriz energética, nos padrões de consumo, no aquecimento ou na refrigeração dos imóveis”. Ou, como outros formularam, o país “poderia atingir de forma bem barata” a meta de emissões para 2030.

A estratégia do governo para aproveitar essa oportunidade gira em torno do Plano de Transformação Ecológica, lançado na COP28. De acordo com o Ministério da Fazenda, o plano representa “um novo modelo de desenvolvimento econômico, inclusivo e sustentável”. Seus objetivos são “promover o aumento da produtividade por meio da criação e da difusão de inovações tecnológicas e da construção de uma infraestrutura sustentável, aproveitando as características geográficas e ambientais singulares do país, a ampla disponibilidade de fontes renováveis de energia e a biodiversidade abundante que o Brasil possui”. Em um comunicado de maio de 2024, anunciando que “o Plano de Transformação Ecológica já começou”, o governo lista uma série de ações em fase de implementação que assentam as bases desse novo modelo de desenvolvimento: títulos verdes, crédito subsidiado, debêntures e tarifas para fomentar o investimento em descarbonização, reflorestamento e reindustrialização, a elaboração de uma taxonomia verde interna e avanços nas negociações com o Congresso visando à aprovação do mercado de carbono—citado por Haddad em 2023 como o “primeiro marco” da transformação verde.

Outra ação nesse âmbito foi o lançamento do plano Nova Indústria Brasil, um conjunto de políticas industriais que visam aproveitar a base econômica atual do país para impulsionar o desenvolvimento. Três das seis missões escolhidas estão relacionadas com a sustentabilidade ambiental. Uma delas impacta o agronegócio, com a intenção de promover “cadeias agroindustriais digitais e sustentáveis para a segurança alimentar, nutricional e energética”. Entre as metas elencadas, figuram as de fortalecer a participação do setor agroindustrial no PIB do agronegócio, ampliar a mecanização da agricultura familiar com equipamentos produzidos internamente e aumentar a sustentabilidade ambiental da produção agroindustrial. De acordo com Mariana Mazzucato, que ajudou o governo a elaborar a nova política, “dependendo de como forem implantadas, essas novas missões podem ajudar a promover coordenação e colaboração público-privada, intersetorial e interministerial alinhadas ao Plano de Transformação Ecológica e à agenda de crescimento sustentável e inclusivo em sentido amplo”. Mazzucato também afirmou que, ao “colocar a transição ecológica no centro da política econômica, o governo do Brasil está definindo um curso diferente, capaz de transformar desafios sociais e ambientais em oportunidades”.

O papel do agronegócio na estratégia de transição verde do país, no entanto, além de servir como uma das bases para um esforço de reindustrialização, não foi abordado em detalhes. Um estudo recente sobre o assunto, que examina as mudanças setoriais mínimas necessárias para que a economia brasileira cumpra suas promessas de descarbonização, simplesmente desconsidera as emissões relacionadas a mudanças no uso do solo (especialmente o desmatamento), com o argumento de que “é sabido que elas resultam de atividades ilegais”. Essa opção problemática tem consequências comprometedoras: as mudanças setoriais propostas exigiriam que a produção se distanciasse de atividades industriais de alto carbono e se voltasse à agricultura, pecuária e produção de carne, bem como às diferentes indústrias de serviços. Perversamente, a descarbonização brasileira resultaria da expansão do agronegócio.

O relatório do Banco Mundial, por outro lado, fornece uma imagem mais precisa da relação entre agronegócio e transição climática. Ele argumenta que a recente adoção do Plano ABC+, política setorial do governo voltada à agricultura de baixo carbono que consiste em “crédito rural a juros baixos para financiar a implementação de práticas ou tecnologias agrícolas que provavelmente contribuirão para a mitigação e/ou adaptação às mudanças climáticas”, poderia contribuir para reduzir o desmatamento sem comprometer a produção agrícola, desde que fosse reforçada, e não sabotada, pelas demais políticas de crédito rural. O relatório estima que esse esforço não chegaria a eliminar as emissões oriundas da agricultura e das mudanças no uso do solo, podendo, contudo, reduzi-las pela metade até 2030. Além disso, destaca a existência de obstáculos políticos significativos: “grupos de interesse ligados à produção agrícola (incluindo alguns pecuaristas e afiliados à indústria pecuária) têm influência notável nos níveis subnacional e federal”. A força política desses grupos explica por que os subsídios governamentais e as políticas de crédito rural proveem “incentivos adicionais para desmatar”.

Em 2021, por exemplo, o orçamento do Plano ABC+ representou apenas 2% do Plano Safra, a principal política rural que, entre outras coisas, “apoia a criação de gado nos estados menos desenvolvidos da Amazônia Legal”. Em 2023, o primeiro Plano Safra anunciado pelo atual governo destinou parcela semelhante do valor total à agricultura de baixo carbono: o RenovAgro, novo nome do Plano ABC+, recebeu 1,9% do montante final.2 O governo argumenta, no entanto, que outros aspectos da política também estimulam a sustentabilidade na agricultura, ajustando a taxa de juros cobrada dos agricultores, por exemplo, com base em sua conformidade com práticas sustentáveis.


O poder do agronegócio


Planejar a transição verde no Brasil sem enfrentar os desafios postos pelo predomínio do agronegócio implica ignorar as tensões entre a estratégia proposta e o padrão de acumulação que se consolidou nas últimas duas décadas. Nesse período, o agronegócio se tornou um dos segmentos mais poderosos da vida política e econômica brasileira. No momento em que suas exportações se tornaram uma peça crucial do quebra-cabeça do capitalismo global, o agronegócio brasileiro assumiu uma posição de liderança na economia doméstica, especialmente por garantir o acesso do país a moeda estrangeira. 

Nas últimas duas décadas, a participação da soja em grãos no total das exportações brasileiras cresceu de menos de 5% para mais de 12%. Atualmente, todos os bens agrícolas combinados (grãos de soja, diferentes tipos de carne bovina, cana-de-açúcar e milho, entre outros) são responsáveis por mais de um terço do total de exportações. Somados aos minerais, especialmente minérios de ferro e petróleo, representam mais que 70% de todas as exportações. A partir dos anos 2000, o Brasil consolidou sua integração subordinada na divisão internacional do trabalho como exportador de commodities primárias. Por ter se industrializado mais do que seus vizinhos, o Brasil costumava ser um ponto fora da curva em termos de participação de bens manufaturados no total das exportações, que somavam 55% durante a década de 1990 e início dos anos 2000, em comparação com, no máximo, um terço do total em países como Argentina, Colômbia e Uruguai. Nas duas últimas décadas, contudo, a composição das exportações brasileiras foi se assemelhando cada vez mais à dos demais países da região: a porcentagem das exportações manufaturadas caiu para 25% do total desde 2020.3

O papel desempenhado pelo agronegócio também pode ser identificado nas estatísticas referentes à composição da economia doméstica. Durante o boom de commodities, o agronegócio cresceu menos do que o restante da economia. A participação de toda a cadeia do agronegócio (que compreende produção de insumos, agricultura, pecuária, agroindústria e agrosserviços) no PIB caiu de cerca de 30% para 21% entre 2003 e 2010.4 À medida que a margem fiscal criada pelo boom nas exportações foi usada para adotar políticas redistributivas e expandir o investimento público, o consumo de massa aumentou e os serviços urbanos ultrapassaram o agronegócio. O período, no entanto, também foi caracterizado pela consolidação das principais corporações do setor e de seu crescente poder político. A JBS, por exemplo, tornou-se uma das maiores empresas de processamento de carne bovina do mundo, comprando vários dos seus concorrentes brasileiros, bem como grandes empresas nos Estados Unidos, com o apoio crucial do BNDES.

Durante seus dois mandatos anteriores, Lula tirou vantagem da bonança das commodities para implementar políticas de redução da pobreza, sem afrontar a ascensão do agronegócio. Nas políticas agrícolas, o governo preservou a dualidade herdada, mantendo a existência de um ministério dominado pela elite do agronegócio ao lado de outro focado nas demandas dos movimentos sociais agrários. A ambiguidade também prevaleceu em relação ao meio ambiente. De um lado, o governo adotou melhorias significativas na legislação ambiental e na fiscalização, que levaram a uma redução do desmatamento por um fator de quatro. De outro lado, muitas vezes priorizou investimentos que poderiam impulsionar o crescimento de curto prazo, ignorando implicações ambientais problemáticas. A construção da hidrelétrica de Belo Monte na bacia amazônica é um desses casos. Belo Monte é um dos maiores exemplos de megaprojetos que resultaram no deslocamento em massa de comunidades e causaram perda significativa de biodiversidade, ao mesmo tempo em que contribui para a matriz energética renovável do país.

As classes dominantes agrárias usaram as oportunidades abertas pelo boom de commodities para consolidar seu poder. Sem nenhuma lealdade particular ao governo que supervisionou sua ascensão, algumas facções do lobby do agronegócio logo pressionariam por um curso político diferente (e perigoso). Como Rodrigo Nunes argumentou, quando se opôs à sucessora de Lula, a presidenta Dilma Rousseff, em 2015, o agronegócio “pareceu ter atingido a maioridade política: não mais se contentou com meramente defender seus interesses econômicos imediatos e, em vez disso, buscou impor sua agenda ao país inteiro”. Tornou-se um ator político que liderou o golpe parlamentar que derrubou Rousseff em 2016, fomentando uma guinada violenta para a direita na política brasileira e lançando as bases para a vitória eleitoral do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, em 2018.

Os resultados foram imediatos: o Estado brasileiro foi efetivamente transformado em “comitê executivo” da burguesia agrária, desmantelando normas ambientais, direitos indígenas e o aparato ministerial e institucional que havia sido penosamente construído desde a democratização e a aprovação da Constituição Federal de 1988. Um bloco político reacionário foi estabelecido, amalgamando capitalistas rurais, a facção militante do cristianismo e o aparato de segurança (compreendendo diferentes ramos da polícia e das forças armadas): o infame tripé “boi, bala e bíblia” que alçou Bolsonaro ao palácio presidencial.

Com esse respaldo político, o agronegócio estava pronto para vicejar. Durante o governo Bolsonaro, enquanto o resto da economia estagnava, a cadeia do agronegócio explodiu, crescendo em média 7,8% ao ano entre 2019 e 2022, enquanto o PIB se arrastava a uma taxa média anual de 1,4%. Em consequência, a partir de 2020, a participação do setor no PIB oscilou em torno de 25%, recuperando parte do terreno perdido nos anos 2000. Houve dois booms associados ao fenômeno: o da recuperação das taxas de desmatamento e o do aumento da desigualdade. O crescimento da parcela da renda apropriada pelo 0,1% e 0,01% mais ricos entre 2017 e 2022 foi acarretado principalmente pela concentração de renda ocorrida nos  estados em que predomina a produção de carne bovina e soja.

O relacionamento entre a extrema direita e o agronegócio não foi um caso furtivo. André Singer identificou a formação de “uma coalizão com bases territoriais, econômicas e sociais”—estendendo-se de seus representantes em Brasília às elites rurais e aos segmentos cada vez maiores de grupos mais pobres no interior—e observa que, na eleição presidencial de 2022, Bolsonaro recebeu mais votos do que Lula “nos 265 municípios dos nove estados amazônicos”. Nunes escreveu sobre o significado histórico mais amplo desse fato: “a reversão da dominação política do campo pelas grandes cidades (e pelos setores industrial e de serviços) que começou com Getúlio Vargas na década de 1930”. O modelo letárgico de crescimento pautado em exportações do agronegócio, gradualmente implementado nas últimas duas décadas, finalmente mostrou os dentes: ameaça não só a biodiversidade brasileira, mas também a democracia.


Desafios candentes


O principal desafio para o novo modelo de desenvolvimento de Lula é suplantar o predomínio do agronegócio na economia política do país. Os capitalistas rurais mostraram claramente que não vão depor as armas sem lutar, resistindo a qualquer mudança que desvincule o crescimento da economia do “complexo soja-carne”. Após eleger grande quantidade de representantes para o Congresso no último pleito, o bloco agrário perfaz atualmente cerca de 60% dos membros do legislativo federal em ambas as casas—detendo poder suficiente para derrotar o atual governo.5

Nos primeiros meses da nova gestão, enquanto Lula estruturava seu gabinete, o lobby do agronegócio no Congresso conseguiu esvaziar pastas do Ministério dos Povos Indígenas e do Ministério do Meio Ambiente, transferindo alguns de seus encargos para outros departamentos do governo. Também conseguiu proteger seus múltiplos benefícios fiscais, impondo uma série de mudanças na abrangente reforma da tributação indireta apoiada pelo governo, que visava justamente tornar sua incidência mais homogênea entre os setores. Ainda, alterou o projeto do mercado de carbono—que, segundo o governo, teria “um escopo universal”—, para excluir os setores de agricultura e pecuária de seus dispositivos. E, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu contra o lobby do agronegócio em um caso sobre a demarcação de territórios indígenas —uma política que visa à reparação histórica, mas que tem impactos significativos na contenção do desmatamento—, o Congresso se apressou a aprovar uma legislação na direção oposta, efetivamente anulando a decisão do tribunal.

O novo modelo de desenvolvimento prometido pelo governo teria potencial para mudar o equilíbrio de poder, tornando a economia menos dependente das fortunas do agronegócio e, assim, enfraquecendo essa facção das classes dominantes. E a transição verde pode ser usada precisamente como oportunidade de mobilizar o aparato estatal para transformar a economia brasileira, reduzindo sua sujeição às exportações primárias e criando empregos decentes. Até agora, porém, apesar da retórica em torno do Plano de Transformação Ecológica, o governo parece estar terceirizando a maior parte da transição climática para o setor privado, devido ao seu espaço fiscal limitado—espremido entre um compromisso autoimposto com a austeridade e a erosão da base tributária promovida pelo agronegócio.6 Tanto é que o ministro da fazenda fez questão de contrastar seus planos verdes com as políticas recentemente adotadas pelos Estados Unidos, alegando que um “mosaico de políticas regulatórias e tributárias” guiará a transição brasileira, relativamente à “vasta quantidade de recursos orçamentários” mobilizados pelo governo de Joe Biden. A nova política industrial, por exemplo, terá de se contentar principalmente com crédito subsidiado do BNDES, tendo sido efetivamente excluída do orçamento do governo.7

A estratégia funcionará? A despeito do progresso do IRA [Inflation Reduction Act], críticas contundentes já reiterarammais de uma vez, que os desafios da transição climática não podem ser vencidos apenas mediante a mobilização das forças do mercado, contando com incentivos que internalizam os custos ambientais. O que se requer, em vez disso, é uma ação governamental decisiva que discipline o capital em uma estratégia de longo prazo de transformação estrutural sustentável—uma abordagem que Daniela Gabor chama de “grande Estado verde”. O argumento é ainda mais relevante para uma economia como a brasileira, que sofreu décadas de estagnação e na qual, de acordo com um estudo recente, a competitividade verde e o potencial de competitividade verde “têm mostrado uma tendência declinante”. Finalmente, a intervenção governamental é indispensável, dada a influência avassaladora de uma facção das classes dominantes que trabalha para sabotar a transição verde e que é responsável pela maior parte das emissões de carbono do país.

O apoio leal que o governo atual tem entre a metade mais pobre da população proporciona um ponto de partida para a tarefa de construir uma forte coalizão política, a fim de disciplinar o capital em uma estratégia de longo prazo que possa estabelecer um novo modelo de desenvolvimento. Isso exigiria o que Alice Amsden chamou de “mecanismos de controle recíproco”: o manejo de apoio governamental direcionado a setores tecnologicamente sofisticados, condicionado ao cumprimento regular de padrões de desempenho, para que a participação das commodities primárias nas exportações possa diminuir à medida que novos atores econômicos redirecionam a economia e simultaneamente criam uma base eleitoral para o novo modelo de desenvolvimento. Alguns dos elementos necessários estão presentes nos planos atuais do governo. Mas eles foram mantidos à margem, enfraquecendo sua capacidade de desencadear mudanças transformadoras na economia.

O tempo está acabando. A economia liderada pelo agronegócio, enquanto não for efetivamente contestada, continuará fortalecendo o bloco de extrema direita, reforçando ainda mais os capitalistas agrários e alimentando a desilusão das classes populares. Essa é uma das razões pelas quais a esperança que floresceu com a eleição de Lula em 2022 já se transformou em uma sensação generalizada de impasse político. Na medida em que eventos climáticos extremos arrasam cidades inteiras e alimentam as turbulências—o exemplo mais recente é a trágica inundação de boa parte do Rio Grande do Sul—, desafiar o predomínio do agronegócio nunca foi tão urgente. É indispensável não só para desacelerar o aquecimento global e dar à humanidade uma chance de evitar as piores consequências das mudanças climáticas, mas também para enfraquecer os ataques da extrema direita às instituições democráticas e abrir caminho para uma transformação econômica que restaure a esperança de um padrão de vida melhor para a maioria de brasileiros que enfrentou uma década de empobrecimento.

Por: Fernando Rugitsky

Fonte: Phenomenal World



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terça-feira, 14 de maio de 2024

Banco do BRICS anuncia R$ 5,7 bilhões para o Rio Grande do Sul (VÍDEO)

 

O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) vai destinar R$ 5,750 bilhões para o Rio Grande do Sul, afirmou a presidente da instituição e ex-presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, em sua conta no X (ex-Twitter)


© AP Photo / Lewis Joly

"O Novo Banco de Desenvolvimento está ao lado do povo gaúcho. Quero anunciar que vamos destinar US$ 1,115 bilhão [R$ 5,750 bilhões] em recursos para ajudar o estado do Rio Grande do Sul e os gaúchos, que me adotaram há mais de 50 anos, a superar esta tragédia", disse Rousseff.


"O Banco dos BRICS tem compromisso e atuará na reconstrução e na recuperação da infraestrutura do estado. Queremos ajudar as pessoas a reconstruir suas vidas."

 

Segundo Dilma, parte do dinheiro (US$ 200 milhões, ou R$ 1,02 bilhão) será repassado de forma direta ao estado para obras de infraestrutura, vias urbanas, pontes e estradas.


Doenças e traumas: como profissionais 

da saúde lidam com a falta 

de medicamentos no RS?


O restante será enviado de formas indiretas através de bancos públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).


 

 O Rio Grande do Sul vem sofrendo com fortes chuvas nas últimas semanas, que deixaram um rastro de destruição. No momento são 147 mortes confirmadas em decorrência das enchentes. Cerca de 538,2 mil pessoas estão desabrigadas e 2,1 milhões foram atingidas.



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Fonte: Sputnik Brasil


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quinta-feira, 8 de julho de 2021

Relação de Flávio com caso Covaxin deve ser investigada, diz Renan


Em entrevista ao Metrópoles, senador diz que fatos que ligam o 01 e advogados à vacina indiana estão sob investigação


 

CPI da Pandemia está investigando o envolvimento de Flávio Bolsonaro no caso Covaxin, esquema que pode ter envolvido a promessa de propina para a compra pelo Ministério da Saúde de uma vacina indiana. A revelação foi feita por Renan Calheiros, relator da CPI, durante entrevista ao Metrópoles (assista à íntegra ao fim deste texto) realizada por vídeo nessa quarta-feira (7/7), quando explicou que estão sob investigação fatos sobre a participação do filho mais velho do presidente da República e de dois advogados na negociação de imunizantes: Willer Tomaz, próximo a diversos políticos do Centrão e amigo de Flávio Bolsonaro, e Frederick Wassef, um dos integrantes da defesa de Flávio e também seu amigo.

Questionado por que perguntou sobre Willer e Wassef a Luis Miranda, há duas semanas, no depoimento do deputado do DEM-DF, Renan afirmou que o fez porque tem conhecimento de fatos que lhe despertaram suspeitas sobre uma possível atuação ilegal dos dois.

“O relator tem acesso a aspectos variados da investigação. E eu, como relator, fico obrigado a toda vez que há dúvida sobre o envolvimento de alguém, ou sobre uma relação indecorosa de alguém com seja lá quem for, você tem que perguntar”, disse, sendo indagado na sequência qual seria a suspeita da relação dos dois advogados com o caso Covaxin: “Não posso antecipar fatos, mas eu queria te dizer que nós estamos investigando e vamos continuar investigando, sim”, disse.

 Wassef

Willer Tomaz

O Metrópoles perguntou, então, se Flávio Bolsonaro também era investigado. Respondeu Renan: “Também, da mesma forma, né? Alguns aspectos precisam ser investigados (…) Eu estou compromissado com essa investigação, seja em qual direção ela puder caminhar”.

Na sequência, diante de nova insistência do Metrópoles sobre quais fatos seriam esses, Renan voltou a dizer que não detalharia a respeito do que tem conhecimento, mas apontou o que já considera a confissão de um crime por parte de Flávio Bolsonaro:

“O Flávio, por exemplo, numa intervenção na própria Comissão Parlamentar de Inquérito, confessou que teria levado o dono da Precisa [laboratório que intermediava a compra da vacina indiana] ao BNDES, né? Isso é a confissão de um crime. Advocacia administrativa [quando um servidor defende interesses particulares no órgão em que trabalha]. Isso não é competência de um senador da República. Levar um driblador da lisura e do dinheiro público [Francisco Maximiano, dono da Precisa] a um banco oficial para obter empréstimos não é correto do ponto de vista da atribuição de um senador. Isso foi uma confissão.”

Renan Calheiros disse ainda que Flávio não é formalmente investigado porque isso só ocorre “na medida em que você vai tendo conhecimento dos fatos e das provas e dos indícios”.



Metrópoles


Relação de Flávio Bolsonaro com caso Covaxin deve ser investigada, diz Renan Calheiros

Assista ao VÍDEO



No Twitter


 

Fonte: Metrópoles


segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Disputa pela ‘vacina do Butantan’ expõe desmonte da ciência pelo governo Doria


Já em plena campanha à Presidência, Doria quer colar sua imagem ao do Butantan, da vacina CoronaVac

Em disputa política com Bolsonaro, governador paulista se promove com a vacina do Butantan, ao mesmo tempo que aprofunda a política de desmonte e sucateamento do instituto iniciada pelos governos tucanos que o antecederam


São Paulo – A negativa de autoridades da Índia, nesta sexta-feira (15) de entregar ao governo brasileiro 2 milhões de doses da vacina fabricada no instituto indiano Serum, parceiro da Universidade de Oxford e da farmacêutica AstraZeneca, acirrou ainda mais a disputa política em torno da CoronaVac. De um lado o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de outro, o governador João Doria (PSDB), ambos obcecados pela eleição presidencial de 2022. No centro, a vacina desenvolvida e produzida pelo instituto Butantan, em parceria com a Sinovac.

Segundo o Ministério do Exterior da Índia, o Brasil se precipitou ao mandar um avião buscar o lote de imunizantes, já que os prazos de produção e entrega ainda estão sendo avaliados. Diante do fracasso na empreitada de começar – ao menos simbolicamente – a vacinação antes de Doria, que prometeu iniciar a campanha no estado para o próximo dia 25, o governo Bolsonaro enviou requerimento ao Butantan solicitando entrega imediata das 6 milhões de doses que o instituto já tem prontas para uso.

Num delírio ideológico, a parceria entre o laboratório chinês e a instituição vinculada ao governo do estado de São Paulo, fez a Coronavac virar alvo de críticas e desmoralização por parte de Bolsonaro e seus seguidores desde que foi anunciada, no ano passado. Para desprestigiar a vacina e seu adversário, o presidente chegou a desautorizar publicamente o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que anunciou que o imunizante seria comprado pelo governo federal.

Porém, a explosão de novos casos e mortes por covid-19 a partir de dezembro levou o ministério a encomendar 46 milhões de doses da CoronaVac no começo de janeiro. A vacina aguarda liberação emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que deverá ocorrer neste domingo (17).


Dependência externa


O fracasso de Bolsonaro em tentar conseguir vacina para iniciar a imunização antes de Doria, serviu também para escancarar mais uma vez o quanto o Brasil depende de outros países para obter vacinas, medicamentos e insumos, como respiradores para doente de covid-19, oxigênio hospitalar e equipamentos de proteção individual para profissionais da área de saúde para enfrentar a pandemia.

E essa dependência é alimentada por governos cujas políticas priorizam o corte de investimentos em áreas estratégicas como a ciência e a tecnologia. São ações que consistem na redução sistemática do orçamento de institutos de pesquisa. Com ela, vêm também a desvalorização dos recursos humanos, que levam à fuga de cérebros para outros países e na falta de concursos para manter o corpo de pesquisadores. É o caso do Butantan.

Para fortalecer a imagem do instituto participante da produção da vacina da covid-19 com o governo paulista, Doria mandou produzir propaganda que foi ao ar há um mês, no horário nobre da TV. Nela, feitos históricos do Butantan, fundado em fevereiro de 1901 são enaltecidos. Foi vital em 1918 no surto da gripe espanhola; em 1948, desenvolveu a vacina contra influenza; e atualmente produz vacinas que salvam milhões de vidas no Brasil, como a da raiva, hepatite B, tríplice e 100% das vacinas contra a gripe. Maior fornecedor do Ministério da Saúde, responsável por 65% das vacinas do SUS, o Butantan é um dos institutos mais importantes do mundo. 


Asfixia do orçamento


Mas apesar da propaganda que mandou fazer para alavancar seus objetivos políticos, o instituto não recebe o devido tratamento pelo governo Doria. Dos recursos recebidos, mais de 60% vêm do governo federal. O Ministério da Saúde é o maior comprador de imunizantes e soros, além de manter outros convênios. “Os repasses do estado vêm se reduzindo ao longo dos governos do PSDB em São Paulo. É uma política de asfixia do desenvolvimento tecnológico. O governo Dilma Rousseff, enquanto o governo estadual (então de Geraldo Alckmin) asfixiava o orçamento do Butantan, aumentava a participação da União. Não sei a atual proporção, mas acredito que a União continue a manter a maior parte, enquanto continua a asfixia pelo governo do PSDB”, diz o ex-ministro da Saúde e deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP).

O governo tucano de São Paulo é omisso também quanto aos recursos humanos. Antigos pesquisadores disseram à reportagem que temem pela perda de todo o seu trabalho de anos de pesquisa com a aposentadoria, uma vez que o estado não realiza concursos para atualizar o corpo de pesquisadores. O que dirá então para ampliar grupos de pesquisa em busca de soluções para as demandas por novas vacinas, soros e outras respostas à saúde pública. O esvaziamento da pesquisa é tamanho, segundo os cientistas ouvidos, que nunca há presença de um pesquisador em comunicados sobre a CoronaVac, por exemplo.


Ciência e democracia


O golpe parlamentar, jurídico e midiático que derrubou o governo de Dilma Rousseff em 2016 teve efeitos também sobre o instituto. A vacina contra o HPV, última incorporada ao SUS por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI), já deveria estar sendo fabricada em seus laboratórios.

No 100º aniversário, Butantan recebeu abraço de servidores em protesto contra o sucateamento da infraestrutura científica. (Foto: Gregório Nakomotome/Jornal do Campus )

Um acordo de transferência de tecnologia da farmacêutica de origem alemã Merck, Sharp & Dohme para o Butantan, assinado em 2013 pelo Ministério da Saúde e o BNDES, tinha cinco anos para a conclusão. Mas o governo de Michel Temer reduziu o ritmo desse e de outros acordos, que agora foram totalmente paralisados no governo de Jair Bolsonaro.

Padilha denuncia e lamenta a desconfiguração do papel do BNDES na oferta de crédito, pilar importante da transferência de tecnologia. Era o banco que proporcionava ao Butantan a capacidade de construir plantas para a produção dos imunizantes e soros. Além disso, o governo federal desmontou o comitê de acompanhamento das parcerias público-privadas de desenvolvimento produtivo.


Soberania na produção


“As políticas em Ciência e Tecnologia são muito importantes para acelerar o desenvolvimento tecnológico e para transferir tecnologias de empresas privadas nacionais ou internacionais para instituições públicas nacionais. Isso traz benefícios para o SUS e garante a soberania do Brasil na produção. No caso da vacina, há redução de preços ao longo do tempo, o que é muito importante. Além disso, a tecnologia é incorporada, fica no país, garantindo a disponibilidade daquele medicamento”, diz Padilha.

Não há informações sobre os prazos para a conclusão da transferência de tecnologia ao Butantan pela farmacêutica chinesa em relação à CoronaVac. Para se ter uma ideia, acordos semelhantes assinados pelo Ministério da Saúde nos governos Lula e Dilma variavam de dois a cinco anos, conforme parâmetros definidos internacionalmente.

Por exemplo, a adaptação da vacina da gripe comum para a H1N1 começou em 2010 e encerrou em 2012, quando o Brasil passou a ter soberania na produção do imunizante. A simplicidade do projeto permitiu a execução em um curto período. Já no caso da covid-19, um prazo razoável é de cinco anos até a conclusão da transferência de tecnologia.


Falta transparência


A integrantes da comissão externa da Câmara destinada a acompanhar o enfrentamento da covid-19, representantes do instituto afirmaram que o acordo assinado com a Sinovac prevê transferência de tecnologia completa. Com isso, a instituição centenária deveria cumprir etapas que vão da pesquisa clínica, envasamento, rotulagem e distribuição até a produção do princípio ativo.

Procurado, o Butantan não respondeu os questionamentos da RBA sobre o andamento das ações que estão sendo tomadas do ponto de vista de infraestrutura e recursos humanos para respaldar o processo de transferência tecnológica da vacina desenvolvida pelo laboratório chinês.

Faltam informações também sobre os termos do acordo firmado com a Sinovac, inclusive sobre valores. A CNN teve acesso ao documento que, em suas 21 páginas, não menciona preços e quantidade das vacinas que devem ser produzidas.

O Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) questiona pelos menos duas ações do governo Doria em relação ao enfrentamento da covid-19. Entre elas, o acordo com a Sinovac – questionado também pelo Ministério Público estadual. Também analisa a compra sem licitação de 1,5 mil respiradores da empresa turca Shayra Medikal Saglik Kozmetik Ticaret. O custo é superior a R$ 176 milhões.


De quem é a vacina?


Pela regra, a vacina é de quem obtém o registro na Anvisa. Com a aprovação, mesmo que emergencial, o Butantan terá mais uma vacina em seu portfólio. Com isso, estaria legitimado o termo “vacina do Butantan” cravado por João Doria em sua propaganda.

Mas os termos assinados com a Sinovac, segundo a CNN, garantem ao laboratório chinês todos os direitos de propriedade intelectual, o que pressupõe cobrança de royalties.

Se o Butantan recebesse os devidos investimentos, poderia estar fabricando a vacina de fato, e não só envasando e distribuindo. (Foto: Butantan)

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Fonte: RBA


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terça-feira, 11 de agosto de 2020

'FOI PASSADO EM OFF' Descontrole no MPF: Brasília vazou investigação sigilosa contra Lula à Lava Jato


Lava Jato recebeu inquérito antes de fazer pedido formal, revelam conversas pelo Telegram. Procuradores também admitem investigações em excesso, autos esquecidos, prazos vencidos e sala em Porto Alegre abarrotada de documentos. Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Getty Images

A força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba recebeu uma investigação sigilosa sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de fazer um pedido formal para o compartilhamento dela. O caso ocorreu durante os preparativos para a operação que obrigou o petista a prestar depoimento, em 2016. Semanas antes da condução coercitiva de Lula, os procuradores de Curitiba obtiveram a cópia de uma apuração que, oficialmente, só seria compartilhada um mês depois por colegas do Ministério Público Federal no Distrito Federal.

A apuração sigilosa era um Procedimento Investigatório Criminal, ou PIC, instrumento usado pelo Ministério Público Federal para iniciar investigações preliminares sem precisar de autorização da justiça. Os PICs estão no centro da disputa entre o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, e a força-tarefa de Curitiba.

Desde que foi obrigada a entregar seu banco de dados à Procuradoria-Geral da República, no início de julho, a força-tarefa afirma que o compartilhamento de PICs é indevido e que deveria ser pontual, feito apenas mediante justificativa cabível e pedido formal. O compartilhamento atualmente está suspenso por decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

Quando lhe foi conveniente, porém, a equipe liderada por Deltan Dallagnol se aproveitou da falta de normas claras sobre compartilhamento de provas no Ministério Público para “dar uma olhadinha” em investigações de colegas, mostram conversas de Telegram entregues ao Intercept. Na prática, isso quer dizer que os procuradores de Curitiba não julgaram necessários os ritos e formalidades que agora exigem da PGR.

As mensagens também sugerem que a Lava Jato chegou a se perder – mais de uma vez – em meio aos procedimentos de investigação que tinha em andamento. Aras tem alegado que a Lava Jato acumula dados de 38 mil pessoas e sugere que boa parte deles se originam de um excesso de investigações paralelas abertas em Curitiba. Não é uma crítica inédita – já foi feita, em 2017, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Pois ainda em 2015, no segundo ano da operação, tal excesso foi notado pelos próprios procuradores, revelam as conversas no Telegram.


Em momentos críticos, como nas investigações que desaguaram na operação contra Lula em 2016, isso foi percebido até na Receita Federal. Num grupo de Telegram que reunia procuradores e policiais federais, os participantes se deram conta de que vinham fazendo pedidos idênticos ao fisco para alimentar as respectivas investigações, que corriam em paralelo.


A ‘PERNINHA’ INFORMAL DA LAVA JATO

Lula fala em congresso de industriais no Rio, em 2016. Quando obrigou o ex-presidente a depor, a Lava Jato tinha em mãos um inquérito sigiloso contra ele obtido por fora dos meios formais de compartilhamento de provas. Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP via Getty Images

Um PIC pode ser prorrogado se o MPF achar necessário e não passa pelo controle do Judiciário. Por meio deles, procuradores podem fazer inspeções, vistorias e pedidos de documentos, inclusive sigilosos, e terceirizar tomadas de depoimento de testemunhas para polícias e até guardas municipais.

Os PICs em regra são públicos, mas procuradores podem decretar sigilo (também sem precisar de aval da justiça) e mantê-los em segredo pelo tempo que bem entenderem. A investigação sobre Lula à qual a Lava Jato teve acesso antecipado, por exemplo, está em sigilo até hoje, cinco anos após ter sido aberta.

Em um desses PICs, aberto por procuradores do MPF em Brasília, apurava-se um possível tráfico de influência de Lula para ajudar a empreiteira Odebrecht a fechar contratos com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, no exterior.

Um dos documentos do PIC é um relatório que listava correspondências trocadas entre o Itamaraty, de 2011 a 2014, e autoridades de cinco países onde a construtora tinha interesses. Ele já circulava no grupo de Telegram exclusivo dos procuradores de Curitiba em 12 de fevereiro de 2016, mas a Lava Jato só teve acesso formal à investigação quase um mês depois, em 10 de março, como mostra um ofício emitido naquele dia pelo MPF do Distrito Federal.

Ou seja, o documento foi obtido por fora dos canais oficiais.

A ideia da força-tarefa era juntar essas informações ao material que já tinha sobre Lula. Os procuradores sonhavam em compor um caso forte que servisse para reforçar a competência deles nos processos contra o petista. É algo que a defesa do ex-presidente sempre contestou, alegando que os casos deveriam ser concentrados na Justiça Federal de São Paulo, onde ele mora e estão o triplex (Guarujá) e o sítio (Atibaia). Sergio Moro e a Lava Jato, porém, sustentavam que havia conexão entre esses casos e a corrupção na Petrobras, tese que acabou prevalecendo, não sem críticas.

Naquele momento, porém, os procuradores queriam colocar “a perninha da Lava Jato” nessas investigações, nas palavras de Roberson Pozzobon.

As discussões dos procuradores indicam que o material foi recebido de duas formas: primeiro por meio de cópias digitalizadas e, dias depois, pelo correio. Ambos os envios foram articulados via Telegram antes do ofício que regularizou o acesso.

No início de fevereiro de 2016, quando a Lava Jato já preparava a condução coercitiva de Lula, o procurador Paulo Galvão consultou o chat FT MPF Curitiba 3, de uso exclusivo dos membros da força-tarefa, sobre a possibilidade de receberem investigações contra o ex-presidente que corriam em Brasília.

Em mensagem no dia 2 de fevereiro, Galvão avaliou que a equipe do Paraná já conhecia os fatos que vinham sendo apurados na capital federal, exceto por “telegramas do itamaraty que mencionam benefícios às empreiteiras e o uso do 9 para lobby”. Era uma referência a Lula, assim apelidado por causa do dedo amputado num acidente de trabalho.

Os tais telegramas eram um conjunto de correspondências trocadas de 2011 a 2014 entre o governo brasileiro e autoridades de Angola, Cuba, Panamá, República Dominicana e Venezuela. Eles foram reunidos pelo MPF de Brasília de forma sigilosa, em outubro de 2015, numa investigação aberta três meses antes para apurar se Lula havia favorecido a Odebrecht em obras financiadas pelo BNDES.
Ninguém respondeu à mensagem de Galvão naquele momento, mas o assunto voltou à tona quatro dias depois num grupo de Telegram criado especialmente para discutir as investigações em andamento contra Lula:


Em outro trecho do mesmo chat, no dia seguinte, ficaria claro por que a Lava Jato desejava assumir aquela investigação. Primeiro, o procurador Júlio Noronha reforçou a importância de a força-tarefa receber “aqueles documentos do Itamarati que podemos usar para cruzar com convites para palestras no exterior”. Em resposta a essa sugestão, houve a seguinte conversa:


Pozzobon fez duas confissões: sobre a intenção de dar “uma olhadinha” informal na investigação sigilosa de Brasília e a ânsia de manter no Paraná as investigações contra o ex-presidente.

Logo em seguida a essa conversa, Dallagnol já combinava com Galvão, num chat privado, como botar as mãos naqueles autos. Quatro dias depois, em 11 de fevereiro, Dallagnol passou aos colegas um relato das investigações em andamento em Brasília “sobre o nono elemento” (outra referência ao dedo amputado de Lula) e avisou que o MPF de Brasília iria “mandar tudo digitalizado amanhã”.

Em 12 de fevereiro, dia seguinte ao anúncio de Dallagnol, o procurador Diogo Castor de Mattos usou o mesmo chat para narrar descobertas que vinha fazendo no relatório do MPF de Brasília sobre as correspondências do Itamaraty, o mesmo documento que os procuradores já vinham cobiçando.


As informações sobre o BNDES que Castor citou no início da conversa foram retiradas do arquivo em pdf que ele dividiu com os colegas no mesmo chat minutos depois, às 19h05. O documento, que faz parte do PIC que a equipe de Curitiba vinha discutindo, só poderia estar naquele inquérito. O problema é que a Lava Jato foi autorizada oficialmente a acessá-lo somente em 10 de março. Até aquela data, portanto, o compartilhamento havia sido feito por baixo dos panos.

O documento, enviado por baixo dos panos à Lava Jato, faz parte do conjunto de anexos e arquivos das conversas de Telegram entregues ao Intercept por uma fonte.


‘NÃO VAMOS DEIXAR TRANSPARECER Q TIVEMOS ACESSO’

Com o passar dos dias, ficou evidente que a Lava Jato queria manter em segredo que havia consultado aqueles autos. A primeira menção a isso foi em 20 de fevereiro, um dia após a investigação ter vazado para a revista Época. O procurador Paulo Galvão enviou o link da reportagem aos colegas de equipe e, logo em seguida, fez um pedido:


O diálogo revela que a Lava Jato pretendia estudar o caso furtivamente para poder, eventualmente, “esquentar” o material numa nova investigação ou denúncia. Nesse caso, segundo Galvão, a força-tarefa produziria novamente as provas, sem deixar à mostra de onde surgiram as informações.

Mais tarde, no mesmo dia, a equipe comenta uma manifestação da defesa de Lula, que protestava porque tentava conseguir uma cópia daquele caso, sem sucesso, desde dezembro de 2015. Desta vez é Noronha quem alerta os parceiros para manterem a manobra em segredo: “Pessoal, por favor, lembrem de não dizer que tivemos.acesso a esses autos! Só confusão que vem de lá”.

O assunto voltou no dia 4 de março, data da condução coercitiva de Lula, quando a força-tarefa voltou a discutir o que fazer com as investigações que corriam contra o ex-presidente em Brasília. Na ocasião, decidiram marcar uma videoconferência com os colegas, na semana seguinte, para tratar do assunto. A reunião, aparentemente, ocorreu no dia 9 daquele mês. Horas antes, Paulo Galvão voltou a pedir discrição. Sua intenção era esconder dos próprios colegas de Brasília que os procuradores de Curitiba tiveram acesso PIC:


No dia seguinte a essa conversa, depois de passar quase um mês em posse da investigação, a Lava Jato finalmente regularizou o compartilhamento, graças a um ofício do procurador Anselmo Cordeiro Lopes.

O conteúdo da investigação, segundo o pedido oficial, serviria para auxiliar Curitiba na condução de um PIC muito mais abrangente, que havia sido aberto em 2015 para apurar os pagamentos a Lula pela empreiteira OAS por meio da reserva ou reforma de imóveis. Foi o procedimento que iniciou as investigações sobre o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia.

Mas o material sobre o BNDES, colhido com o MPF de Brasília, não chegou a ser usado nos procedimentos da força-tarefa que vieram a público. Até hoje, a Lava Jato do Paraná não fez contra o ex-presidente nenhuma denúncia ligada às obras financiadas no exterior pelo banco estatal.

A investigação em que a Lava Jato deu uma “olhadinha” gerou uma denúncia feita pelo MPF de Brasília em outubro de 2016. Taiguara dos Santos, sobrinho da primeira mulher de Lula, foi acusado de ganhar indevidamente um contrato com a Odebrecht em Angola, financiado pelo BNDES. Em junho de 2020, porém, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu trancar a ação contra Taiguara e outro acusado. O TRF1 viu “inépcia da denúncia”. Lula segue respondendo ao processo.


‘VOCAÇÃO PARA A CLANDESTINIDADE’

O procurador da República Roberson Pozzobon, um dos integrantes da força-tarefa mais próximos a Deltan Dallagnol: ansioso para manter os processos contra Lula em Curitiba. Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

A espiada na investigação de Brasília sobre o BNDES foi a única a deixar um rastro no Telegram, mas as conversas no aplicativo sugerem que outros quatro procedimentos contra Lula também chegaram às mãos da força-tarefa naquele momento.

A norma mais recente do MPF sobre os PICs determina, em um de seus artigos, que o procedimento precisa ser compartilhado por meio de “expedição de certidão, mediante requerimento” de qualquer interessado, inclusive do próprio Ministério Público. Não há nada, porém, proibição expressa ao repasse das informações da maneira adotada pela Lava Jato de Curitiba.

Procurada, a PGR reconheceu que o ofício é o caminho correto para a troca de informações dentro da procuradoria, mas não vê uma violação flagrante no procedimento informal. “Provas pertencem à instituição Ministério Público Federal, e não a determinados membros ou grupos. Foi nesse contexto que a PGR solicitou, por meio de ofícios, o compartilhamento de dados das forças-tarefas em 13 de maio”, afirmou o órgão, em nota que aproveita para defender a tese do atual chefe do órgão, Augusto Aras.

A falta de um enquadramento legal não impede, porém, que a conduta da Lava Jato seja considerada reprovável. “Uma coisa é você fazer a cooperação dentro do canal legal, deixando tudo registrado por escrito. Outra coisa é combinar isso pelo Telegram, onde não há nenhum tipo de controle. É algo muito grave e que mostra, digamos, uma vocação para a clandestinidade”, avalia o jurista Cristiano Maronna, doutor em Direito pela USP e conselheiro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IBCCrim, a quem apresentamos o caso.

Perguntamos à Lava Jato no Paraná se reconhecia ter acessado os autos por antecipação, se esse expediente era comum e se os procuradores consideram o procedimento adequado.

Em nota, a força-tarefa não negou o recebimento informal dos autos e nem o fato de que eles estavam sob sigilo, mas eximiu-se de culpa. Segundo a resposta do grupo, “cabe ao próprio procurador que é titular da investigação conferir acesso às informações quando e da forma que entender pertinente, não sendo necessárias formalidades especiais para tanto”.

É uma alegação que não resiste ao confronto com o procedimento adotado pela própria Lava Jato em seguida. Mesmo considerando que a troca de informações sigilosas entre procuradores não depende de “formalidades especiais”, a força-tarefa as adotou após receber os autos de maneira informal, emitindo um ofício a Brasília.

Já o MPF do Distrito Federal se recusou a comentar o caso. Perguntamos ainda ao Conselho Nacional do Ministério Público se o órgão vê problema no procedimento. O CNMP limitou-se, no entanto, a citar as normas que tratam dos PICs e informou não poder comentar o caso concreto, porque pode eventualmente ser chamado para julgá-lo.

A PGR está investigando as manobras da Lava Jato para se apropriar de investigações, como no caso de Lula. No último dia 30, a corregedora-geral da instituição, Elizeta de Paiva Ramos, mandou abrir uma sindicância sobre o trabalho das forças-tarefa devido à suspeita de que a equipe de São Paulo ignorava a distribuição regular dos casos para assumir aqueles de seu interesse, algo que os procuradores negam.

Em julho de 2017, o atual regulamento do Ministério Público Federal sobre os PICs foi alterado, permitindo ao órgão delegar tomadas de depoimento de testemunhas para polícias e até guardas municipais. A mudança foi duramente criticada pela advogada Janaina Paschoal, atual deputada estadual pelo PSL de São Paulo e na época já famosa por ter sido uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Em texto que publicou num site jurídico um mês após a edição da norma, Paschoal argumentou que a mudança deu aos procuradores “poderes não contemplados nem pela Constituição Federal, nem pela legislação ordinária”, e, na prática, transformou o MPF “em polícia paralela com ascendência sobre as demais”.


‘LEVOU TUDO PRA UMA SALA DE POA’

O procurador da República Deltan Dallagnol: pelo Telegram, ele avisou que o colega Januário Paludo havia levado a Porto Alegre inquéritos da força-tarefa de Curitiba, para ‘enterrar com devidas honras as centenas de esqueletos’. AgFoto: Felipe Rau/Agência Estado via AP Images

Em Curitiba, mostram as conversas via Telegram, o excesso de procedimentos era notado especialmente na hora de prestar contas à corregedoria do MPF. Trata-se da única instância à qual os procuradores precisam dar satisfações sobre investigações paradas ou deixadas pelo caminho.

Em maio de 2016, por exemplo, o veterano procurador Januário Paludo estava incumbido de sanear a papelada. Pelo aplicativo, ele avisou que havia levado a Porto Alegre, de onde também despacha, todos os documentos do gabinete de Dallagnol e “zerado” suas pendências. Em resposta, o coordenador da Lava Jato fez uma piada: “Zerado pq levou tudo pra uma sala de POA que tá com a porta que não fecha de tanta coisa? Kkkk”.

As mensagens mostram que a Lava Jato também deixava acumular denúncias externas, recebidas de terceiros. Numa tarde em novembro de 2017, Dallagnol anunciou aos colegas que Paludo faria uma triagem dessas informações para “enterrar com devidas honras as centenas de esqueletos” da força-tarefa.


De tempos em tempos, Paludo chamava a atenção do grupo para o estoque de PICs que mofavam nas gavetas dos colegas por períodos superiores a seis meses – e que chegavam a dois anos. As informações recebidas de outros órgãos, como a Receita Federal, também se amontoavam às centenas.



Questionamos a força-tarefa sobre o aparente descontrole sobre as investigações, tanto as abertas pelos procuradores como as informações recebidas de terceiros.

Em resposta, o MPF do Paraná argumenta que o trabalho da equipe “cresceu exponencialmente ao longo do tempo”, e que os procedimentos são auditados anualmente pela corregedoria, “inclusive no tocante à regularidade formal dos procedimentos e eventuais atrasos”. Ainda segundo a Lava Jato, “casos são arquivados quando não há linhas de investigação ou por outras causas como atipicidade e prescrição”.

Também questionamos perguntamos se era comum que o MPF de Curitiba abrisse PICs sobre assuntos já vinham sendo apurados pela Polícia Federal, ou vice-versa. A Lava Jato confirmou que isso era uma ocorrência comum, “dado que ambos os órgãos têm poderes investigatórios”.

Fonte: The Intercept Brasil


A jornalista Dayane Santos conversa com o professor Pedro Serrano sobre as novas revelações da Vaza Jato publicada no Intercept, que mostra como o Ministério Público do Distrito Federal vazou investigação sigilosa contra o ex-presidente Lula à força-tarefa de Curitiba.


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