O CEO do Telegram, Pavel Durov, usou a plataforma nesta
quinta-feira (5) para condenar as acusações feitas contra ele na França e
considerou a situação uma "abordagem mal-orientada" que pode ter
desvantagens para toda a indústria de tecnologia
"Usar leis da era pré-smartphone para acusar um CEO de
crimes cometidos por terceiros na plataforma que ele gerencia é uma abordagem
mal-orientada. Desenvolver tecnologia já é difícil o suficiente. Nenhum
inovador vai construir novas ferramentas se souber que pode ser pessoalmente
responsabilizado pelo possível abuso dessas ferramentas", declarou.
Durov ainda ressaltou que o Telegram não vai renunciar aos
seus princípios de privacidade de dados, mas que está e sempre
esteve aberto a canais de comunicação com reguladores.
Em resposta às alegações das autoridades francesas de que
seus pedidos à plataforma haviam ficado sem resposta, o CEO observou que há
um endereço disponível publicamente para o representante oficial da
empresa na União Europeia.
Durov lembrou também que o aumento abrupto no número de
usuários do mensageiro para 950 milhões de pessoas facilitou o abuso da plataforma por criminosos. "Por isso,
estabeleci como meta pessoal garantir que melhoremos significativamente essa
situação. Já começamos esse processo internamente, e em breve compartilharei
mais detalhes", completa.
O CEO afirmou que considera as questões das autoridades
francesas dirigidas a ele surpreendentes, levando em conta as medidas que o
serviço adotou para combater ameaças na plataforma.
"No mês passado, fui interrogado pela polícia por quatro dias após minha chegada a Paris. Disseram-me que eu poderia ser pessoalmente responsável pelo uso ilegal do Telegram por outras pessoas. Isso é surpreendente por várias razões", pontuou.
O empresário russo foi detido no aeroporto de Paris no dia
24 de agosto, sob acusações relacionadas ao uso criminoso do aplicativo de mensagens, incluindo terrorismo, pornografia
infantil, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e fraude. Durov foi liberado
no dia 28 de agosto, após pagar uma fiança de 5 milhões de euros (R$
30,9 milhões), e está proibido de deixar a França.
Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!
Siga a Sputnik Brasil e tenha acesso a conteúdos exclusivos
no nosso canal no Telegram.
Já que a Sputnik está bloqueada em alguns países, por aqui
você consegue baixar o
nosso aplicativo para celular (somente para Android).
Ainda estou tentando entender o que aconteceu na França. Mas
ouvimos as preocupações. Fiz disso meu objetivo pessoal para evitar que
abusadores da plataforma do Telegram interfiram no futuro de nossos mais de 950
milhões de usuários.
Minha postagem completa abaixo.
I'm still trying to understand what happened in France. But we hear the concerns. I made it my personal goal to prevent abusers of Telegram's platform from interfering with the future of our 950+ million users.
No mês passado, fui interrogado pela polícia por 4 dias após
chegar em Paris. Disseram-me que eu poderia ser pessoalmente responsável pelo
uso ilegal do Telegram por outras pessoas, porque as autoridades francesas não
receberam respostas do Telegram.
Isso foi surpreendente por vários motivos:
1. O Telegram tem um representante oficial na UE que aceita
e responde a solicitações da UE. Seu endereço de e-mail está disponível
publicamente para qualquer pessoa na UE que pesquise no Google “Endereço da UE
do Telegram para aplicação da lei”.
2. As autoridades francesas tinham várias maneiras de entrar
em contato comigo para solicitar assistência. Como cidadão francês, eu era um
convidado frequente no consulado francês em Dubai. Há algum tempo, quando
solicitado, eu pessoalmente os ajudei a estabelecer uma linha direta com o
Telegram para lidar com a ameaça do terrorismo na França.
3. Se um país está insatisfeito com um serviço de internet,
a prática estabelecida é iniciar uma ação legal contra o próprio serviço. Usar
leis da era pré-smartphone para acusar um CEO de crimes cometidos por terceiros
na plataforma que ele gerencia é uma abordagem simplista. Construir tecnologia
já é difícil o suficiente. Nenhum inovador jamais construirá novas ferramentas
se souber que pode ser pessoalmente responsabilizado por um potencial abuso
dessas ferramentas.
Estabelecer o equilíbrio certo entre privacidade e segurança
não é fácil. Você tem que conciliar as leis de privacidade com os requisitos de
aplicação da lei, e as leis locais com as leis da UE. Você tem que levar em
conta as limitações tecnológicas. Como uma plataforma, você quer que seus processos
sejam consistentes globalmente, ao mesmo tempo em que garante que eles não
sejam abusados em países com fraco estado de direito. Estamos comprometidos
em nos envolver com reguladores para encontrar o equilíbrio certo. Sim, nós
defendemos nossos princípios: nossa experiência é moldada por nossa missão de
proteger nossos usuários em regimes autoritários. Mas sempre estivemos abertos
ao diálogo.
Às vezes, não conseguimos concordar com o regulador de um
país sobre o equilíbrio certo entre privacidade e segurança. Nesses casos,
estamos prontos para deixar o país. Já fizemos isso muitas vezes. Quando a
Rússia exigiu que entregássemos "chaves de criptografia" para
permitir a vigilância, recusamos — e o Telegram foi banido na Rússia. Quando o
Irã exigiu que bloqueássemos canais de manifestantes pacíficos, recusamos — e o
Telegram foi banido no Irã. Estamos preparados para deixar mercados que não são
compatíveis com nossos princípios, porque não estamos fazendo isso por
dinheiro. Somos movidos pela intenção de trazer o bem e defender os direitos
básicos das pessoas, principalmente em lugares onde esses direitos são
violados.
Tudo isso não significa que o Telegram seja perfeito. Até
mesmo o fato de que as autoridades podem ficar confusas sobre para onde enviar
solicitações é algo que devemos melhorar. Mas as alegações em algumas mídias de
que o Telegram é uma espécie de paraíso anárquico são absolutamente falsas. Nós
removemos milhões de postagens e canais prejudiciais todos os dias. Publicamos
relatórios de transparência diários. Temos linhas diretas com ONGs para
processar solicitações urgentes de moderação mais rapidamente.
No entanto, ouvimos vozes dizendo que não é o suficiente. O
aumento abrupto da contagem de usuários do Telegram para 950 milhões causou
dores de crescimento que tornaram mais fácil para criminosos abusarem de nossa
plataforma. É por isso que fiz disso meu objetivo pessoal para garantir que
melhoremos significativamente as coisas a esse respeito. Já iniciamos esse
processo internamente e compartilharei mais detalhes sobre nosso progresso com
vocês muito em breve.
Espero que os eventos de agosto resultem em tornar o
Telegram — e a indústria de redes sociais como um todo — mais seguro e forte.
Obrigado novamente por seu amor e memes 🙏
❤️ Thanks everyone for your support and love!
Last month I got interviewed by police for 4 days after arriving in Paris. I was told I may be personally responsible for other people’s illegal use of Telegram, because the French authorities didn’t receive responses from Telegram.…
A Embaixada da Rússia na França afirmou que está em contato
com o advogado do chefe do Telegram
Pavel Durov
A Embaixada da Rússia em França exigiu uma
explicação dos motivos da detenção do empresário russo Pavel Durov, cofundador
do serviço de mensagens Telegram, ocorrida este sábado em Paris.
A missão diplomática russa exigiu que as autoridades
francesas protegessem os direitos do empresário e lhe garantissem o acesso
consular. No entanto, até agora, o lado francês evitou colaborar neste assunto.
A Embaixada também confirmou que está em contato com o
advogado de Dúrov.
Durov
foi detido depois de descer do seu avião particular vindo do Azerbaijão.
As
autoridades francesas consideram que a falta de moderação e cooperação do
empresário com as autoridades, bem como as ferramentas oferecidas pelo
Telegram (número descartável, criptografia, etc.), fazem dele cúmplice de
tráfico de drogas, crimes de pedofilia e fraude, entre outros.
Muitos
políticos e personalidades em todo o mundo opuseram-se à prisão de Durov e
apelaram à sua libertação, considerando a sua prisão como um ataque à
liberdade de expressão.
Tudo sobre a prisão de Pável Dúrov em França, no
nosso MINUTO A MINUTO
O CEO do Telegram, Pavel Durov, afirmou em entrevista a
Tucker Carlson que os EUA tentaram obter informações do serviço de mensagens
para obter acesso às conversas privadas dos usuários.
🕵🏻♂️ 📱 El CEO de Telegram, Pavel Durov, afirmó en una entrevista a Tucker Carlson que EE.UU. intentó conseguir información del servicio de mensajería para obtener acceso a las conversaciones privadas de los usuarios. pic.twitter.com/bD4Gufkyda
A prisão de @Durov é um
ataque aos direitos humanos básicos de expressão e associação. Estou surpreso e
profundamente triste que Macron tenha descido ao nível de fazer reféns como um
meio de obter acesso a comunicações privadas. Isso rebaixa não apenas a França,
mas o mundo.
The arrest of @Durov is an assault on the basic human rights of speech and association. I am surprised and deeply saddened that Macron has descended to the level of taking hostages as a means for gaining access to private communications. It lowers not only France, but the world.
A parlamentar teria contratado em janeiro empresa para
gerenciar conta do Telegram “VotoImpressoAuditável”
A deputada federal Bia Kicis
(PSL-DF) gastou cerca de R$ 12,5 mil da verba parlamentar em campanhas
virtuais pelo voto impresso. A parlamentar é autora da PEC 135 de 2019 e já foi até consagrada pelo
presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como “mãe” da pauta.
De acordo com informações reveladas pelo jornal O Globo, Kicis teria contratado em janeiro, por R$ 2
mil mensais, a Inovatum Tecnologia da Informação para gerenciar a conta do
Telegram “VotoImpressoAuditável”.
A partir de dezembro, a presidente da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara também desembolsou cerca de R$ 4,5 mil
para que a Gohawk Tecnologia da Informação criasse uma página para o cadastro
de simpatizantes do voto impresso e acesso ao grupo “VotoImpressoAuditável”.
No grupo do Telegram, são veiculados ”memes” e piadas com o
intuito de desacreditar o processo eleitoral legal e a eficácia da urna
eletrônica. O grupo foi criado no dia 7 de abril e tem 125 mil pessoas, entre
elas parlamentares que são simpatizantes da proposta.
Reinaldo Azevedo: O inconstitucional voto impresso de Bia
Kicis só serviria às milícias - 19 de abr. de 2021
A deputada Bia Kicis, presidente da CCJ, disse que vai criar
uma comissão especial para discutir uma PEC dela mesma, sobre voto impresso nas
eleições. Reinaldo Azevedo afirma que o voto impresso serve para a milícia
controlar o pleito.
No dia seguinte à entrevista coletiva, o responsável por
produzir o Power Point escreveu que "as bolinhas fizeram sucesso" e
Dallagnol respondeu com um "kkk"
Dallagnol e o power point contra Lula (Arquivo)
Um dia antes da entrevista coletiva em que exibiu supostas
denúncias contra Lula em um power point gigante, o procurador Deltan Dallagnol
elogiou a pessoa responsável pela apresentação e achou melhor não usar a imagem
do ex-presidente, mostrando que participou ativamente da produção da peça,
calculada para causar impacto e render imagens na mídia.
“Melhor não usarmos a imagem do Lula, mas um quadrado
escrito LULA simplesmente. Ou uma imagem de pessoa como as demais do gráfico, e
embaixo LULA. Tá ficando shou”, escreveu o procurador em um grupo de
aplicativos do Telegram no dia 13 de setembro de 2016, véspera da entrevista.
Segundo reportagem de Nathan Lopes, no portal Uol nesta quinta-feira (18), os
diálogos revelados no material apreendido pela Operação Spoofing, mostram ainda
a ironia do procurador.
Em conversa com o produtor, identificado como “Douglas
Prpr”, Dallagnol respondeu com um “kkk” a mensagem de que a foto na imagem
seria “só para tirar onda”.
No dia seguinte à apresentação, Douglas escreveu que “as
bolinhas fizeram sucesso” e Dallagnol respondeu com um “kkk”.
Em entrevista ao mesmo portal Uol, em julho de 2020,
Dallagnol disse que poderia ter feito o PowerPoint assim como a apresentação da
acusação de “modo diferente para evitar críticas”.
Comentário jocoso do procurador aparece em um dos diálogos
obtidos pela defesa do ex-presidente Lula nos arquivos da Operação Spoofing
Novos diálogos entre procuradores da Força-Tarefa da
Operação Lava Jato do Ministério Público Federal (MPF) revelados nesta
sexta-feira (12) reforçam o tratamento jocoso pelo qual os membros da Lava Jato
se referiam à ex-primeira-dama Marisa Letícia.
Na matéria, o veículo afirma que Marisa teria montado uma
horta no imóvel, que é de propriedade de Fernando Bittar, parente do
ex-presidente. Segundo a Lava Jato, o sítio seria de Lula.
Sobre a matéria, Deltan Dallagnol faz o seguinte comentário:
“Como ela já sabe fazer horta, a Dona Marisa vai poder escolher uma Colônia
Penal Agrícola para passar a velhice dela”. Dallagnol dá a entender que teria extraído
o comentário de algum lugar, mas compartilha sem o menor pudor no grupo de
procuradores.
“Sem dúvida, o sítio é do Lula, porque a roupa de mulher era
muito brega. Decoração horrorosa. Muitos tipos de aguardente. Vinhos de boa
qualidade, mas mal conservados. Achei o sítio deprimente. Local para pouso de
helicóptero confirmado à esquerda da entrada em campo de futebol, para
helicóptero pequeno”, afirmou Januário Paludo no grupo de procuradores da
força-tarefa no Telegram.
Integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba
ironizaram a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia e o luto do ex-presidente
da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conforme revelam mensagens de
chats privados no aplicativo Telegram enviados por fonte anônima ao site The
Intercept Brasil analisadas em parceria com o UOL. Os diálogos mostram que
procuradores divergiram sobre pedido de Lula para ir ao enterro do irmão
Genival Inácio da Silva, o Vavá, em janeiro passado --quando o ex-presidente já
se encontrava preso. As conversas revelam que integrantes da Lava Jato temiam
manifestações políticas em favor de Lula. O ex-presidente também foi alvo de
crítica na despedida do neto Arthur Araújo Lula da Silva, morto aos 7 anos em
março passado.
As mudanças nos termos de uso do WhatsApp repercutiram muito
mal. Para tentar reverter a situação, o mensageiro divulgou nesta terça-feira
(12) uma página de perguntas frequentes e um infográfico para explicar melhor o
que vai mudar no app, mas, adivinha só, até esse esclarecimento tem problemas.
O WhatsApp mudou seus termos de uso e agora os usuários
precisam autorizar o compartilhamento de dados com o Facebook,
dono do mensageiro. Como você pode imaginar, ninguém gostou muito da ideia. Até
mesmo Elon Musk, CEO da Tesla, recomendou o Signal, app focado em privacidade —
o número de downloads do concorrente disparou. Advogados
brasileiros dizem, inclusive, que o novo texto fere a LGPD, legislação nacional que trata
da proteção de dados pessoais.
Para conter a crise, a empresa publicou uma página de FAQ (perguntas frequentemente feitas) e um infográfico para
explicar melhor o que muda. A companhia diz que mensagens e chamadas continuam
privadas, assim como registro de ligações e contatos, e destaca recursos como
as mensagens temporárias e o download de dados.
Como observa o site Manual do Usuário, o
problema é que a página e o infográfico só contam metade da história. Em outra página de sua seção de ajuda, o WhatsApp detalha o
que é compartilhado com o Facebook e outras empresas do grupo. Entre as
informações, estão dados de conta (como número de telefone), interações com
pessoas e empresas, IP e informações do aparelho móvel.
E não é só isso. Na política
de privacidade atualizada também há outros dados coletados, como
nomes, imagens de exibição e descrições de grupos, status e último horário
online e informações de operadora e conexão. O Pocketnowtambém lembra que a nova política de
privacidade também contraria o infográfico: ela diz que a localização é rastreada,
sim, e mesmo que o usuário não use recursos deste tipo, ela é estimada pelo IP.
Pelo jeito, Signal e Telegram vão continuar um bom tempo na
lista dos mais baixados.
Entenda o que muda nas regras do WhatsApp e por que isso é
controverso
A notícia viralizou e gerou reação em todo mundo – incluindo
do homem mais rico do mundo, Elon Musk: o WhatsApp vai compartilhar seus dados
com o Facebook, que é seu dono. E não aceita não como resposta.
Mas será que é isso mesmo? E o que significa? Neste vídeo, o
repórter Ricardo Senra explica o que de fato ocorreu e mostra que, na verdade,
esse compartilhamento já existe há muito tempo e para muita gente.
WhatsApp fica para trás e Signal se torna o mensageiro mais
baixado da Play Store
Depois de o WhatsApp anunciar sua nova política de
privacidade na semana passada, era esperado que, em pouco tempo, outro
mensageiro fosse escolhido como seu substituto por muitos usuários. Foi o que
aconteceu com o Signal, app de mensagens que preza pela segurança e privacidade
dos usuários.
O aplicativo deixou o WhatsApp para trás, se tornando o
mensageiro mais baixado da Play Store. Na segunda posição do ranking de
programas gratuitos mais baixados da loja do Android, o Signal está atrás
apenas do aplicativo da loja Magazine Luiza.
Além disso, o aplicativo favorito de figuras como Jack
Dorsey, CEO do Twitter, fisgou a segunda posição na lista ‘Em alta’ da loja do
Google, ficando atrás apenas do Peoople, app que permite visualizar
recomendações de amigos e influenciadores sobre locais e produtos favoritos.
No caso do iOS, o aplicativo ainda não conquistou o topo,
mas alcançou a terceira posição dos mais baixados para iPhone, e sexta
colocação para iPad.
Já em outros países como Índia, Alemanha, França, Áustria,
Finlândia, Hong Kong e Suíça, o Signal está em primeiro lugar no ranking de
aplicativos mais baixados.
Elogiado por especialistas e pesquisadores em segurança da
informação, e detestado por órgãos governamentais, o Signal foi criado por
Matthew Rosenfeld, mais conhecido por Moxie Marlinspike, que há anos defende a
privacidade online. No currículo, o empreendedor coleciona a criação de
sistemas de segurança para o Twitter, Skype e para o próprio Facebook.
Segundo ele, a missão da Signal sempre foi tornar a
criptografia ponta a ponta o mais onipresente possível, em vez de um mero
sucesso comercial. A criptografia criada por Marlinspike é tão segura que só as
pessoas nas duas pontas da conversa podem compreender o conteúdo da mensagem –
nem mesmo autoridades conseguem quebrar o código que dá segurança à
comunicação.
Lava Jato recebeu inquérito antes de fazer pedido formal,
revelam conversas pelo Telegram. Procuradores também admitem investigações em
excesso, autos esquecidos, prazos vencidos e sala em Porto Alegre abarrotada de
documentos. Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Getty Images
A força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba recebeu uma
investigação sigilosa sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de
fazer um pedido formal para o compartilhamento dela. O caso ocorreu durante os
preparativos para a operação que obrigou o petista a prestar depoimento, em
2016. Semanas antes da condução coercitiva de Lula, os procuradores de Curitiba
obtiveram a cópia de uma apuração que, oficialmente, só seria compartilhada um
mês depois por colegas do Ministério Público Federal no Distrito Federal.
A apuração sigilosa era um Procedimento Investigatório
Criminal, ou PIC, instrumento usado pelo Ministério Público Federal para
iniciar investigações preliminares sem precisar de autorização da justiça. Os
PICs estão no centro da disputa entre o atual procurador-geral da República,
Augusto Aras, e a força-tarefa de Curitiba.
Desde que foi obrigada a entregar seu banco de dados à
Procuradoria-Geral da República, no início de julho, a força-tarefa afirma que o compartilhamento de PICs é indevido e que
deveria ser pontual, feito apenas mediante justificativa cabível e pedido
formal. O compartilhamento atualmente está suspenso por decisão do
ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.
Quando lhe foi conveniente, porém, a equipe liderada por
Deltan Dallagnol se aproveitou da falta de normas claras sobre compartilhamento
de provas no Ministério Público para “dar uma olhadinha” em investigações de
colegas, mostram conversas de Telegram entregues ao Intercept. Na
prática, isso quer dizer que os procuradores de Curitiba não julgaram
necessários os ritos e formalidades que agora exigem da PGR.
As mensagens também sugerem que a Lava Jato chegou a se
perder – mais de uma vez – em meio aos procedimentos de investigação
que tinha em andamento. Aras tem alegado que a Lava Jato acumula dados de 38 mil pessoas e sugere que boa parte
deles se originam de um excesso de investigações paralelas abertas em Curitiba.
Não é uma crítica inédita – já foi feita, em 2017, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.
Pois ainda em 2015, no segundo ano da operação, tal excesso
foi notado pelos próprios procuradores, revelam as conversas no Telegram.
Em momentos críticos, como nas investigações que desaguaram
na operação contra Lula em 2016, isso foi percebido até na Receita Federal. Num
grupo de Telegram que reunia procuradores e policiais federais, os
participantes se deram conta de que vinham fazendo pedidos idênticos ao fisco
para alimentar as respectivas investigações, que corriam em paralelo.
A ‘PERNINHA’ INFORMAL DA LAVA JATO
Lula fala em congresso de industriais no Rio, em 2016.
Quando obrigou o ex-presidente a depor, a Lava Jato tinha em mãos um inquérito
sigiloso contra ele obtido por fora dos meios formais de compartilhamento de
provas. Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP via Getty Images
Um PIC pode ser prorrogado se o MPF achar necessário e
não passa pelo controle do Judiciário. Por meio deles, procuradores podem fazer
inspeções, vistorias e pedidos de documentos, inclusive sigilosos, e
terceirizar tomadas de depoimento de testemunhas para polícias e até guardas
municipais.
Os PICs em regra são públicos, mas procuradores podem
decretar sigilo (também sem precisar de aval da justiça) e mantê-los em segredo
pelo tempo que bem entenderem. A investigação sobre Lula à qual a Lava Jato
teve acesso antecipado, por exemplo, está em sigilo até hoje, cinco anos
após ter sido aberta.
Em um desses PICs, aberto por procuradores do MPF em
Brasília, apurava-se um possível tráfico de influência de Lula para ajudar a
empreiteira Odebrecht a fechar contratos com financiamento do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, no exterior.
Um dos documentos do PIC é um relatório que listava correspondências trocadas
entre o Itamaraty, de 2011 a 2014, e autoridades de cinco países onde a
construtora tinha interesses. Ele já circulava no grupo de Telegram exclusivo
dos procuradores de Curitiba em 12 de fevereiro de 2016, mas a Lava Jato só
teve acesso formal à investigação quase um mês depois, em 10 de março, como mostra um ofício emitido naquele dia pelo MPF do Distrito
Federal.
Ou seja, o documento foi obtido por fora dos canais
oficiais.
A ideia da força-tarefa era juntar essas informações ao
material que já tinha sobre Lula. Os procuradores sonhavam em compor um caso
forte que servisse para reforçar a competência deles nos processos contra o
petista. É algo que a defesa do ex-presidente sempre contestou, alegando
que os casos deveriam ser concentrados na Justiça Federal de São Paulo, onde
ele mora e estão o triplex (Guarujá) e o sítio (Atibaia). Sergio Moro e a Lava
Jato, porém, sustentavam que havia conexão entre esses casos e a corrupção na
Petrobras, tese que acabou prevalecendo, não sem críticas.
Naquele momento, porém, os procuradores queriam colocar “a
perninha da Lava Jato” nessas investigações, nas palavras de Roberson Pozzobon.
As discussões dos procuradores indicam que o material foi
recebido de duas formas: primeiro por meio de cópias digitalizadas e, dias
depois, pelo correio. Ambos os envios foram articulados via Telegram antes do
ofício que regularizou o acesso.
No início de fevereiro de 2016, quando a Lava Jato já
preparava a condução coercitiva de Lula, o procurador Paulo Galvão consultou o
chat FT MPF Curitiba 3, de uso exclusivo dos membros da força-tarefa, sobre a
possibilidade de receberem investigações contra o ex-presidente que corriam em
Brasília.
Em mensagem no dia 2 de fevereiro, Galvão avaliou que a
equipe do Paraná já conhecia os fatos que vinham sendo apurados na capital
federal, exceto por “telegramas do itamaraty que mencionam benefícios às
empreiteiras e o uso do 9 para lobby”. Era uma referência a Lula, assim apelidado por causa do dedo amputado num
acidente de trabalho.
Os tais telegramas eram um conjunto de correspondências
trocadas de 2011 a 2014 entre o governo brasileiro e autoridades de Angola,
Cuba, Panamá, República Dominicana e Venezuela. Eles foram reunidos pelo MPF de
Brasília de forma sigilosa, em outubro de 2015, numa investigação aberta três
meses antes para apurar se Lula havia favorecido a Odebrecht em obras
financiadas pelo BNDES.
Ninguém respondeu à mensagem de Galvão naquele momento, mas
o assunto voltou à tona quatro dias depois num grupo de Telegram criado
especialmente para discutir as investigações em andamento contra Lula:
Em outro trecho do mesmo chat, no dia seguinte, ficaria
claro por que a Lava Jato desejava assumir aquela investigação. Primeiro, o
procurador Júlio Noronha reforçou a importância de a força-tarefa receber
“aqueles documentos do Itamarati que podemos usar para cruzar com convites para
palestras no exterior”. Em resposta a essa sugestão, houve a seguinte conversa:
Pozzobon fez duas confissões: sobre a intenção de dar “uma olhadinha”
informal na investigação sigilosa de Brasília e a ânsia de manter no Paraná as
investigações contra o ex-presidente.
Logo em seguida a essa conversa, Dallagnol já combinava com
Galvão, num chat privado, como botar as mãos naqueles autos. Quatro dias
depois, em 11 de fevereiro, Dallagnol passou aos colegas um relato das
investigações em andamento em Brasília “sobre o nono elemento” (outra
referência ao dedo amputado de Lula) e avisou que o MPF de Brasília iria
“mandar tudo digitalizado amanhã”.
Em 12 de fevereiro, dia seguinte ao anúncio de Dallagnol, o
procurador Diogo Castor de Mattos usou o mesmo chat para narrar descobertas que
vinha fazendo no relatório do MPF de Brasília sobre as correspondências do
Itamaraty, o mesmo documento que os procuradores já vinham cobiçando.
As informações sobre o BNDES que Castor citou no início da
conversa foram retiradas do arquivo em pdf que ele dividiu com os colegas no
mesmo chat minutos depois, às 19h05. O documento, que faz parte do PIC que a
equipe de Curitiba vinha discutindo, só poderia estar naquele inquérito. O
problema é que a Lava Jato foi autorizada oficialmente a acessá-lo somente em
10 de março. Até aquela data, portanto, o compartilhamento havia sido feito por
baixo dos panos.
O documento, enviado por baixo dos panos à Lava Jato, faz
parte do conjunto de anexos e arquivos das conversas de Telegram entregues ao
Intercept por uma fonte.
‘NÃO VAMOS DEIXAR TRANSPARECER Q TIVEMOS ACESSO’
Com o passar dos dias, ficou evidente que a Lava Jato queria
manter em segredo que havia consultado aqueles autos. A primeira menção a isso
foi em 20 de fevereiro, um dia após a investigação ter vazado para a revista Época. O procurador Paulo
Galvão enviou o link da reportagem aos colegas de equipe e, logo em seguida,
fez um pedido:
O diálogo revela que a Lava Jato pretendia estudar o caso
furtivamente para poder, eventualmente, “esquentar” o material numa nova
investigação ou denúncia. Nesse caso, segundo Galvão, a força-tarefa produziria
novamente as provas, sem deixar à mostra de onde surgiram as informações.
Mais tarde, no mesmo dia, a equipe comenta uma manifestação
da defesa de Lula, que protestava porque tentava conseguir uma cópia daquele
caso, sem sucesso, desde dezembro de 2015. Desta vez é Noronha quem alerta os
parceiros para manterem a manobra em segredo: “Pessoal, por favor, lembrem de
não dizer que tivemos.acesso a esses autos! Só confusão que vem de lá”.
O assunto voltou no dia 4 de março, data da condução
coercitiva de Lula, quando a força-tarefa voltou a discutir o que fazer com as
investigações que corriam contra o ex-presidente em Brasília. Na ocasião,
decidiram marcar uma videoconferência com os colegas, na semana seguinte, para
tratar do assunto. A reunião, aparentemente, ocorreu no dia 9 daquele mês.
Horas antes, Paulo Galvão voltou a pedir discrição. Sua intenção era esconder
dos próprios colegas de Brasília que os procuradores de Curitiba tiveram acesso
PIC:
No dia seguinte a essa conversa, depois de passar quase um
mês em posse da investigação, a Lava Jato finalmente regularizou o
compartilhamento, graças a um ofício do procurador Anselmo Cordeiro Lopes.
O conteúdo da investigação, segundo o pedido oficial,
serviria para auxiliar Curitiba na condução de um PIC muito mais abrangente,
que havia sido aberto em 2015 para apurar os pagamentos a Lula pela empreiteira
OAS por meio da reserva ou reforma de imóveis. Foi o procedimento que iniciou
as investigações sobre o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia.
Mas o material sobre o BNDES, colhido com o MPF de Brasília,
não chegou a ser usado nos procedimentos da força-tarefa que vieram a público.
Até hoje, a Lava Jato do Paraná não fez contra o ex-presidente nenhuma denúncia
ligada às obras financiadas no exterior pelo banco estatal.
A investigação em que a Lava Jato deu uma “olhadinha”
gerou uma denúncia feita pelo MPF de Brasília em outubro de
2016. Taiguara dos Santos, sobrinho da primeira mulher de Lula, foi acusado de
ganhar indevidamente um contrato com a Odebrecht em Angola, financiado pelo
BNDES. Em junho de 2020, porém, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região decidiu trancar a ação contra Taiguara e outro acusado.
O TRF1 viu “inépcia da denúncia”. Lula segue respondendo ao processo.
‘VOCAÇÃO PARA A CLANDESTINIDADE’
O procurador da República Roberson Pozzobon, um dos
integrantes da força-tarefa mais próximos a Deltan Dallagnol: ansioso para
manter os processos contra Lula em Curitiba. Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4
A espiada na investigação de Brasília sobre o BNDES foi a
única a deixar um rastro no Telegram, mas as conversas no aplicativo sugerem
que outros quatro procedimentos contra Lula também chegaram às mãos da
força-tarefa naquele momento.
A norma mais recente do MPF sobre os PICs
determina, em um de seus artigos, que o procedimento precisa ser
compartilhado por meio de “expedição de certidão, mediante requerimento” de qualquer
interessado, inclusive do próprio Ministério Público. Não há nada, porém,
proibição expressa ao repasse das informações da maneira adotada pela Lava Jato
de Curitiba.
Procurada, a PGR reconheceu que o ofício é o caminho
correto para a troca de informações dentro da procuradoria, mas não vê uma
violação flagrante no procedimento informal. “Provas pertencem à instituição
Ministério Público Federal, e não a determinados membros ou grupos. Foi nesse
contexto que a PGR solicitou, por meio de ofícios, o compartilhamento de dados
das forças-tarefas em 13 de maio”, afirmou o órgão, em nota que aproveita para
defender a tese do atual chefe do órgão, Augusto Aras.
A falta de um enquadramento legal não impede, porém, que
a conduta da Lava Jato seja considerada reprovável. “Uma coisa é você fazer a
cooperação dentro do canal legal, deixando tudo registrado por escrito. Outra
coisa é combinar isso pelo Telegram, onde não há nenhum tipo de controle. É
algo muito grave e que mostra, digamos, uma vocação para a clandestinidade”,
avalia o jurista Cristiano Maronna, doutor em Direito pela USP e conselheiro do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IBCCrim, a quem apresentamos o
caso.
Perguntamos à Lava Jato no Paraná se reconhecia ter
acessado os autos por antecipação, se esse expediente era comum e se os
procuradores consideram o procedimento adequado.
Em nota, a força-tarefa não negou o recebimento informal dos
autos e nem o fato de que eles estavam sob sigilo, mas eximiu-se de culpa.
Segundo a resposta do grupo, “cabe ao próprio procurador que é titular da
investigação conferir acesso às informações quando e da forma que entender
pertinente, não sendo necessárias formalidades especiais para tanto”.
É uma alegação que não resiste ao confronto com o
procedimento adotado pela própria Lava Jato em seguida. Mesmo considerando que
a troca de informações sigilosas entre procuradores não depende de
“formalidades especiais”, a força-tarefa as adotou após receber os autos de
maneira informal, emitindo um ofício a Brasília.
Já o MPF do Distrito Federal se recusou a comentar o caso.
Perguntamos ainda ao Conselho Nacional do Ministério Público se o órgão vê
problema no procedimento. O CNMP limitou-se, no entanto, a citar as normas que
tratam dos PICs e informou não poder comentar o caso concreto, porque pode
eventualmente ser chamado para julgá-lo.
A PGR está investigando as manobras da Lava Jato para se
apropriar de investigações, como no caso de Lula. No último dia 30, a
corregedora-geral da instituição, Elizeta de Paiva Ramos, mandou abrir uma sindicância sobre o trabalho das forças-tarefa
devido à suspeita de que a equipe de São Paulo ignorava a distribuição regular dos casos para assumir
aqueles de seu interesse, algo que os procuradores negam.
Em julho de 2017, o atual regulamento do Ministério Público
Federal sobre os PICs foi alterado, permitindo ao órgão delegar tomadas de
depoimento de testemunhas para polícias e até guardas municipais. A mudança foi
duramente criticada pela advogada Janaina Paschoal, atual deputada estadual
pelo PSL de São Paulo e na época já famosa por ter sido uma das autoras do
pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Em texto que publicou num site jurídico um mês após a
edição da norma, Paschoal argumentou que a mudança deu aos procuradores
“poderes não contemplados nem pela Constituição Federal, nem pela legislação
ordinária”, e, na prática, transformou o MPF “em polícia paralela com
ascendência sobre as demais”.
‘LEVOU TUDO PRA UMA SALA DE POA’
O procurador da República Deltan Dallagnol: pelo
Telegram, ele avisou que o colega Januário Paludo havia levado a Porto Alegre
inquéritos da força-tarefa de Curitiba, para ‘enterrar com devidas honras as
centenas de esqueletos’. AgFoto: Felipe Rau/Agência Estado via AP Images
Em Curitiba, mostram as conversas via Telegram, o excesso de
procedimentos era notado especialmente na hora de prestar contas à corregedoria
do MPF. Trata-se da única instância à qual os procuradores precisam dar
satisfações sobre investigações paradas ou deixadas pelo caminho.
Em maio de 2016, por exemplo, o veterano procurador Januário
Paludo estava incumbido de sanear a papelada. Pelo aplicativo, ele avisou que
havia levado a Porto Alegre, de onde também despacha, todos os documentos do
gabinete de Dallagnol e “zerado” suas pendências. Em resposta, o coordenador da
Lava Jato fez uma piada: “Zerado pq levou tudo pra uma sala de POA que tá com a
porta que não fecha de tanta coisa? Kkkk”.
As mensagens mostram que a Lava Jato também deixava acumular
denúncias externas, recebidas de terceiros. Numa tarde em novembro de 2017,
Dallagnol anunciou aos colegas que Paludo faria uma triagem dessas informações
para “enterrar com devidas honras as centenas de esqueletos” da força-tarefa.
De tempos em tempos, Paludo chamava a atenção do grupo para
o estoque de PICs que mofavam nas gavetas dos colegas por períodos superiores a
seis meses – e que chegavam a dois anos. As informações recebidas de outros
órgãos, como a Receita Federal, também se amontoavam às centenas.
Questionamos a força-tarefa sobre o aparente descontrole sobre as investigações, tanto as abertas pelos procuradores como as informações recebidas de terceiros.
Em resposta, o MPF do Paraná argumenta que o trabalho da equipe “cresceu exponencialmente ao longo do tempo”, e que os procedimentos são auditados anualmente pela corregedoria, “inclusive no tocante à regularidade formal dos procedimentos e eventuais atrasos”. Ainda segundo a Lava Jato, “casos são arquivados quando não há linhas de investigação ou por outras causas como atipicidade e prescrição”.
Também questionamos perguntamos se era comum que o MPF de Curitiba abrisse PICs sobre assuntos já vinham sendo apurados pela Polícia Federal, ou vice-versa. A Lava Jato confirmou que isso era uma ocorrência comum, “dado que ambos os órgãos têm poderes investigatórios”.
A jornalista Dayane Santos conversa com o professor Pedro
Serrano sobre as novas revelações da Vaza Jato publicada no Intercept, que mostra
como o Ministério Público do Distrito Federal vazou investigação sigilosa
contra o ex-presidente Lula à força-tarefa de Curitiba.
Procuradores teriam demonstrado preocupação com o fato de
Moro marcar encontros com Bolsonaro após o resultado das eleições
Em nota divulgada no final da tarde deste sábado (29/6), a
Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) "alerta a
sociedade sobre a impossibilidade de considerar como verdadeiras"
mensagens divulgadas pelo site The Intercept em que procuradores da República
fazem críticas ao ministro Sérgio Moro. Ouvido pelo Correio Braziliense, um procurador,
porém, confirma, que as mensagens sobre Moro são verdadeiras.
Integrantes da força-tarefa da Lava-Jato revelam
preocupações com a possibilidade de que o então juiz Sérgio Moro aceitasse
convite para compor a equipe de ministros do presidente Jair Bolsonaro.
Nas mensagens publicadas, a procuradora Monique Cheker
critica a condução dos processos da Lava-Jato pelo ministro na época em que ele
era juiz no Paraná. "Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado
por seus resultados", teria dito Monique. Em um grupo no aplicativo
Telegram, os procuradores teriam demonstrado preocupação com o fato de Moro
marcar encontros com o presidente Jair Bolsonaro após o resultado das eleições
do ano passado.
Um dos que participam do diálogo é o procurador Alan Mansur,
coordenador da Lava-Jato no Pará. Ele revela temor com a ida de Moro para o
Ministério da Justiça. "Tem toda a técnica e conhecimento para ser um
excelente ministro da Justiça. E tentar colocar em prática tudo que ele
acredita. Porém, o fato de ter aceitado, neste momento, entrar na política e
desta forma, é muito ruim pra imagem de imparcialidade do sistema de justiça e
MP em geral”, disse.
Minutos antes da reportagem entrar no ar, o jornalista Glenn
Greenwald, do The Intercept, apresentou a reprodução de uma conversa, citando o
procurador Ângelo Goulart Villela. A matéria publicada, porém, citou na verdade
Ângelo Augusto Costa, um homônimo. Pelo Twitter, Sérgio Moro afirmou que as
controvérsias da publicação revelam que as mensagens não ocorreram. "Isso
só reforça que as mensagens não são autênticas e que são passíveis de
adulteração. O que se tem é um balão vazio, cheio de nada. Até quando a honra e
a privacidade de agentes da lei vão ser violadas com o propósito de anular
condenações e impedir investigações contra corrupção?", disse.
No posicionamento divulgado, a ANPR ressaltou a "preocupação
quanto à divulgação de mensagens atribuídas a integrantes do Ministério Publico
Federal com indícios de terem sido adulteradas e de serem oriundas de crime
cibernético". A entidade destacou ainda que se "manterá implacável na
defesa das prerrogativas funcionais dos procuradores da República, garantidas
pela Constituição para que eles possam defender, com independência e autonomia,
a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais
indisponíveis".
Veracidade
Ao Correio, um dos procuradores que estava no grupo em que
ocorreram as conversas, disse, sob a condição de anonimato, que os trechos
divulgados são verdadeiros. “Me recordo dos diálogos com os procuradores
apontados pelo site. O grupo não existe mais. No entanto, me lembro do debate
em torno do resultado das eleições e da expectativa sobre a ida de Moro para o
Ministério da Justiça", disse.
O integrante do Ministério Público Federal (MPF) também
declarou que conseguiu recuperar parte do conteúdo. "Consegui recuperar
alguns arquivos no celular. Percebi que os trechos divulgados não são de
diálogos completos. Tem mensagens anteriores e posteriores às que foram
publicadas. No entanto, realmente ocorreram. Não posso atestar que tudo que foi
publicado até agora é real e não sofreu alterações. No entanto, aquelas
mensagens que foram publicadas ontem (sexta) são autênticas”, completou.
DESDE QUE OINTERCEPTcomeçou a publicar a série de reportagens demonstrando conduta irregular da força-tarefa da Lava Jato e do
então juiz – agora ministro – Sergio Moro, os defensores da operação vêm
adotando uma postura de criminalização do jornalismo, tendo o próprio ministro
se referido ao Intercept como “site aliado a hackers criminosos”.
Essa tentativa de nos colar a criminosos foi denunciada por
diversos grupos de defesa da liberdade de imprensa – como o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, Repórteres sem Fronteiras e a Abraji –, que emitiram
comunicados condenando a estratégia de Moro e das autoridades brasileiras de
usar intimidação e ameaças para impedir a realização de nosso trabalho
jornalístico.
Hoje, nós decidimos publicar na nossa newsletter alguns
trechos inéditos do arquivo da #VazaJato para mostrar como, antes de serem
alvos de vazamentos, os procuradores da força-tarefa enfatizavam – em chats
privados com seus colegas – que jornalistas têm o direito de publicar materiais
obtidos por vias ilegais, e que a publicação desses materiais fortalece a
democracia.
Deltan Dallagnol, nominalmente o coordenador da
força-tarefa, era com frequência o maior entusiasta dessas garantias. O apreço
de Deltan pela liberdade de imprensa se deve, possivelmente, ao fato de que a
Lava Jato se valeu, por anos, de vazamentos de trechos de delações premiadas e
outros materiais confidenciais contidos nos autos das investigações como
ferramenta de pressão contra políticos e empresários alvos da força-tarefa.
As Mensagens secretas da Lava Jato
Vejam essa conversa revelada agora pelo TIB: em novembro de
2015, num chat chamado PF-MPF Lava Jato 2, enquanto discutiam medidas para
coibir vazamentos de informações da força-tarefa (“alguns vazamentos tem sido
muito prejudiciais”), Deltan alertou seus colegas que utilizar o poder
processual para investigar jornalistas que tenham publicado material vazado não
seria apenas difícil mas “praticamente impossível”, porque “jornalista que vaza
não comete crime”.
Deltan estava certo. A decisão judicial da 2ª Turma do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região diz claramente: “o jornalista que
divulga trechos de investigação policial que corre em sigilo não comete nenhum
crime.” A decisão diz ainda que “Não se trata, por certo, de pretender punir a
pena e a boca que, no exercício de nobre profissão, revelam, mas a mão de quem,
detentor de dever de preservação do sigilo de informações, a usa para reduzir a
nada a autoridade da decisão judicial e as garantias constitucionais.” Ou seja:
cometem crime os funcionários públicos que vazam informações que deveriam eles
mesmos proteger – policiais, procuradores, juízes… – e não os jornalistas que
as publicam.
Há cerca de um ano, em maio de 2018, Deltan e seu time
redigiram e publicaram um manifesto em defesa das virtudes da liberdade de
expressão – elaborado para proteger um dos procuradores. Ele estava sendo
ameaçado de punição por ter publicado um artigo com duras críticas à Justiça
Eleitoral. Os procuradores criaram um grupo de chat no Telegram – até agora
inédito – chamado Liberdade de expressão CF. Durante a redação do manifesto,
Deltan ressaltou um ponto crucial para eles à época, e que é central ao
trabalho jornalístico que nós estamos realizando sobre as condutas da
força-tarefa e de Moro:
O argumento de Deltan é precisamente correto – ainda que
para o procurador ele deixe de valer quando a autoridade pública em questão é
ele próprio. Curiosamente, o ministro do STF Luiz Fux discorda do Deltan dehoje.
Fux já se pronunciou sobre isso no próprio Supremo: “Esta
Corte entendeu que o cidadão que decide ingressar no serviço público adere ao
regime jurídico próprio da Administração Púbica, que prevê a publicidade de
todas as informações de interesse da coletividade, dentre elas o valor pago a
título de remuneração aos seus servidores. Desse modo, não há falar em violação
ao direito líquido e certo do servidor de ter asseguradas a intimidade e a
privacidade.” In Fux We Trust.
Cidadãos privados têm direito à privacidade absoluta. Mas
aquelas pessoas que detém o poder – como juizes, procuradores e ministros –
“estão sujeitas a críticas e tem uma esfera de privacidade menor.” Esse é um
princípio no qual acreditamos enfaticamente e que vem norteando nossa
reportagem desde que começamos a trabalhar nesse arquivo.
Deltan ofereceu argumento similar em 2016, quando defendeu a
decisão de Moro de tornar públicas gravações telefônicas do ex-presidente Lula.
Em defesa do então juiz, Deltan argumentou corretamente que o direito à
privacidade das autoridades não se sobrepõe ao interesse do público de saber o
que aqueles que detém o poder fazem e dizem em situações privadas – isso que
ele estava defendendo um juiz que divulgou um grampo ilegal, algo muito mais
sério do que a atitude de whistleblowers.
Outros membros da força-tarefa, antes da publicação das
reportagens pelo Intercept, compartilhavam do entusiasmo de Deltan pelo
vazamento de documentos governamentais secretos que expõem o comportamento das
autoridades. Os procuradores expressaram também sua admiração pelos
whistleblowers, como Daniel Ellsberg e Edward Snowden, que tornam públicos
documentos secretos comprovando irregularidades ou corrupção por parte das
autoridades.
P/ Dotti, no conflito entre direito à informação sobre crime grave e direito à privacidade, ganha interesse público https://t.co/qcautwJury
Em Janeiro de 2017, os procuradores lamentaram o fato do
Brasil ter perdido posições no ranking de percepção da corrupção publicado pela
Transparência Internacional, e expressaram admiração pela Dinamarca, que lidera
o ranking. Após publicar um link para o ranking num chat no Telegram chamado
“BD”, a procuradora Monique Cheker (que não pertence à Lava Jato em Curitiba)
explicou que o sucesso dos esforços de combate a corrupção na Dinamarca se
devem porque o país – ao contrário do Brasil – valoriza e protege as fontes que
expõe corrupção (os whistleblowers).
“Na Dinamarca nós temos uma cultura política muito
inclusiva, e tanto nossas instituições públicas quanto privadas são altamente
transparentes, o que faz com que seja fácil, por exemplo, responsabilizar
políticos e empresas por irregularidades cometidas.
A mídia tem um papel fundamental no sistema de integridade
na Dinamarca, e é muitas vezes chamada de ‘o quarto poder do estado’, que tem o
papel de fiscalizar os outros três, garantindo que eles se comportem da forma
correta… Muitas empresas também empregam os chamados “sistemas de
whistle-blower“, cada vez mais populares na Dinamarca. Isso significa que, se
uma pessoa tem conhecimento de algum tipo de corrupção ou desvios éticos que
acredita que devem ser tornados públicos, essa pessoa pode denunciar isso –
inclusive de forma anônima.”
Nós concordamos em absoluto com os princípios defendidos, em
ambientes privados no Telegram, por Deltan e seus colegas: jornalistas não
cometem crimes ao apurar e publicar reportagens baseadas em informações obtidas
ilegalmente, mas sim contribuem para o fortalecimento das instituições e da
cultura democrática; aqueles que detêm poder público sacrificam sua privacidade
em nome da transparência; e a ação dos whistleblowers (o vazamento ilegal de
informações demonstrando corrupção por parte de autoridades) é de importância
vital para o bom funcionamento das instituições. São esses os princípios que
norteiam o trabalho do Intercept e nossas reportagens sobre esse arquivo (leianosso editorial e entenda).
Procurada por nós, a força tarefa disse que “não teve acesso
aos materiais citados pelo site e, por isso, tem prejudicada sua possibilidade
de avaliar a veracidade e o contexto dos supostos diálogos. Os integrantes da
Força Tarefa pautam suas ações pessoais e profissionais pela ética e pela
legalidade.”
Não importa o que Deltan, Moro e seus colegas digam sobre
isso hoje. Eles estão apenas virando a mesa para defender seus próprios
interesses. Isso não anula ou diminui a validade dos princípios fundamentais
nos quais acreditamos – os mesmos defendidos por eles no passado e que, hoje,
querem destruir.