Cristina Serra na Folha de SP: Sergio Moro no lixo da
história
O Supremo consagrou a vitória do devido processo legal, do Estado de Direito e da justiça
Na sessão do STF que examinou a equivalência entre turmas e
plenário como fóruns de decisão da corte, uma rápida discussão entre os
ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandovski resumiu o cerne do que
estava em jogo: se vale tudo no Judiciário para perseguir e prender inimigos
políticos ou se ainda podemos acreditar na prevalência do devido processo
legal.
A Vaza Jato mostrou que o ex-juiz Sergio Moro sugeriu
pistas, informantes e estratégias aos procuradores da Lava Jato, ou seja,
tramou fora dos autos como chefe da investigação. Violou o direito básico do
réu a um juiz imparcial e desprezou o código de ética da magistratura.
O ministro Barroso considerou que a Vaza Jato revelou apenas
“pecadilhos”, “fragilidades humanas”, “maledicências”. A complacência não
passou em branco para Lewandovski, que lembrou outros excessos de Moro muito
antes da entrada em cena do hacker e do site The Intercept, como conduções
coercitivas e prisões preventivas excessivas.
Acrescento aqui a interceptação telefônica de advogados de
defesa e o vazamento do grampo ilegal de conversa entre Lula e a presidente
Dilma Rousseff. À época, a ilicitude mereceu apenas leve reprimenda do então
relator da Lava Jato, Teori Zavascki, morto em 2017, e o assunto foi encerrado
com pedido de “escusas” de Moro. Lewandovski assinalou também que as críticas
ao modus operandi do ex-juiz não podem ser confundidas com defesa da corrupção.
É uma distorção costumeira e que desqualifica esse debate.
Como o ministro Marco Aurélio Mello se aposentará em breve,
espera-se que seja rápido na devolução do caso ao plenário. O Brasil precisa
virar essa página. O que importa, porém, já está decidido. O Supremo consagrou
a vitória do devido processo legal, do Estado democrático de Direito e da
justiça. O ex-presidente Lula, impedido por Moro de concorrer em 2018, está
livre para disputar em 2022. E Moro irá para o lugar reservado aos canalhas: a
lata de lixo da história.
—
*Cristina Serra é paraense, jornalista e escritora. É autora dos livros
“Tragédia em Mariana – a história do maior desastre ambiental do Brasil” e “A
Mata Atlântica e o Mico-Leão-Dourado – uma história de conservação”.
Acompanhe a sessão do STF que
discute decisão da segunda turma que declarou suspeição de Sergio Moro no
julgamento de Lula na Lava Jato. 22 de abr. de 2021
Durante a sessão, vamos ter comentário e análise de
especialistas sobre a discussão no STF.
O desonrado juiz Lava Jato e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Sérgio Moro, em uma reunião privada bilateral EUA-Brasil sobre a floresta amazônica é motivo de preocupação. Sem cargo divulgado junto ao governo dos Estados Unidos ou do Brasil, quais interesses ele representa?
As negociações a portas fechadas entre a administração de
Joe Biden e o regime de Bolsonaro estão enfrentando oposição feroz; uma
nova campanha insta Biden a encerrar as negociações secretas sobre o futuro da
Amazônia, depois
que uma coalizão de 199 grupos da sociedade civil entregou uma carta
ao governo dos Estados Unidos exigindo que qualquer discussão sobre o futuro da
floresta tropical inclua o povo brasileiro.
No encontro virtual, com políticos, economistas, diplomatas
e empresários brasileiros, o
embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, insistiu que a cúpula dos
líderes climáticos de Joe Biden na próxima semana seria “a última chance do
Brasil de mostrar sua preocupação ambiental, restaurar a confiança americana e
expandir relações com a Casa Branca. ”
A presença de Moro nessas reuniões da Amazon é, no mínimo,
incongruente. Ele não é mais membro do governo brasileiro e não possui
cargo divulgado junto ao governo dos Estados Unidos ou suas agências. Para
quem ele está trabalhando? Quem ele está representando?
A linha do tempo conhecida das conexões de Moro com os
Estados Unidos remonta a quase 25 anos. Muito antes de ser retratado
heroicamente no New York Times e na revista Time, que o nomeou entre as 100
pessoas do ano em 2016.
De um programa de intercâmbio na Harvard Law School em 1998,
Moro então participou do Programa
de Liderança de Visitantes Internacionais do Departamento de Estado
dos EUA , “visitando agências e instituições dos EUA responsáveis pela
prevenção e combate à lavagem de dinheiro”.
A partir de 2009, nós o vemos vinculado ao Projeto Bridges,
um esforço secreto dos EUA para estimular os funcionários públicos brasileiros
a cumprir os objetivos geopolíticos revelados em telegramas
vazados do Departamento de Estado . A “ colaboração
informal ” do DOJ / FBI com a Operação Lava Jato surgiu do
Projeto Pontes ou Pontes , e a investigação anticorrupção
estava efetivamente operando como agência dos EUA, proporcionando tanto o
cenário político para o impeachment de Dilma Rousseff, quanto a prevenção do
retorno de Lula ao presidência dois anos depois.
Ao entrar no governo em janeiro de 2019, Moro
acompanhou Bolsonaro à sede da CIA em Langley , a primeira visita de
um presidente brasileiro na história. Como chefe do novo ministério da
justiça e segurança, Moro supervisionou a
grande expansão da jurisdição do FBI e alcance dentro do território
soberano brasileiro, incluindo o estabelecimento dos chamados centros de
coleta de inteligência Fusion . Em conversas que vazaram,
o promotor-chefe de Lava Jato, Deltan Dellagnol, chamou a prisão de Lula de
“ um
presente da CIA ”.
Então, em que posição e em nome de quem Sérgio Moro está
participando de negociações confidenciais entre os Estados Unidos e o Brasil
sobre política ambiental? E para qual país?
Uma pista pode estar no que dizem que ele disse na reunião e
em sua conversa com o embaixador dos EUA, Chapman. De acordo com o relato
anônimo da reunião:
“Moro, por sua vez, perguntou se havia algo que o setor
privado pudesse fazer se o governo brasileiro não cooperasse com o meio
ambiente e ouviu de Chapman que muitas empresas americanas estão exigindo uma
resposta mais agressiva ao meio ambiente, porque não o fazem querem pagar em
nome dos envolvidos em ilegalidades e desmatamento. ”
Independentemente da administração, republicana ou
democrata, sempre que os Estados Unidos negociarem pela Amazônia será sempre em
nome desses interesses corporativos arraigados, ao lado de quaisquer novas
preocupações ambientais que possam ocupar as manchetes.
Nesse sentido, a participação de Moro nesta reunião talvez
não seja surpreendente ...
A relação íntima da Lava-Jato com os Estados Unidos - 20 de mar. de 2020
As recentes descobertas da Vaza-Jato relacionadas ao
envolvimento dos Estados Unidos com a Lava-Jato são muito importantes na medida
em que revelam a íntima relação entre os agentes públicos brasileiros, na
figura de juízes e promotores, e o Departamento de Estado norte-americano.
Essas informações comprovam por fim o que já intuíamos: o envolvimento direto
dos Estados Unidos com os desdobramentos históricos ocorridos no Brasil nos
últimos seis anos, indo desde ao desmonte de empresas como Petrobras e
Odebrecht, passando pelo impeachment de Dilma, o governo Temer, a prisão de
Lula e a eleição de Bolsonaro, o representante político de uma verdadeira
quadrilha.
Dessa forma, os Estados Unidos adotaram a estratégia de
fazer uso de suas leis internas de combate à corrupção, aplicáveis apenas
dentro do território norte-americano, e buscaram expandí-las para além de suas
fronteiras, de modo a favorecer seus interesses particulares. Tudo isso é parte
do DNA do imperialismo dos Estados Unidos, tema que discuto em profundidade no
meu novo livro “A guerra contra o Brasil”. O discurso de defesa da democracia,
do combate à corrupção e da defesa dos direitos humanos oculta os reais
objetivos desse conluio: beneficiar as grandes corporações dos Estados Unidos e
enfraquecer a competitividade das empresas brasileiras. Os encontros ocorridos
entre juízes e promotores da Lava-Jato com autoridades norte-americanas foram
realizados sem o conhecimento do Ministério da Justiça brasileiro e do à época
ministro da Justiça, o que evidencia a sua ilegalidade e falta de
transparência. Estamos, portanto, falando de um crime grave, constituído em
encontros ilegais e no fornecimento de informações brasileiras estratégicas
para o governo norte-americano.
Thanks to Lava Jato, Brazil dropped from 6th to 12th largest economy in the World and is now governed by a sub-fascist whose genocidal Covid 19 polices have resulted in 360,000 deaths. Now that the farce has been exposed, will the media apologize for its witch hunt against PT? pic.twitter.com/NUQXLED58P
Even John Oliver made a joke about Dilma Rousseff and Petrobras corruption. It wasn't based on facts, but helped his liberal US audience feel comfortable about the illegal impeachment of Brazil's first woman President and subsequent US corporate oil grab. pic.twitter.com/K7sn9RbE7r
Parte 32 Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um
olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que
transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo.
Esta reportagem foi originalmente publicada no livro
“Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil”. Compre aqui.
O procurador da República Deltan Dallagnol estava esfuziante
naquele fim de tarde de quarta-feira. Havia alguns dias que ele só pensava em
uma figura de um Cristo agonizante. Era 9 de março de 2016 e, poucos dias
antes, a operação Lava Jato — que ele comandava no Ministério Público Federal
do Paraná — jogara seu lance mais ousado até então: a condução coercitiva do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Evangélicos como o procurador não costumam ter apreço por imagens e figuras de santos ou profetas.
Mas aquele Cristo era diferente: com 1,5 metro de altura, ganhara fama por
aparecer pendurado na parede do gabinete presidencial em
dezenas de fotos tiradas durante a administração de Lula. Além disso, o
procurador acreditava que a peça em madeira de tília havia sido esculpida por
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
Com a saída do político da Presidência, o crucifixo também
deixou Brasília. Para Dallagnol, seus colegas procuradores e vários delegados
da Polícia Federal, a conclusão era óbvia: Lula havia roubado o objeto. Aquela
seria a melhor chance de prender o ex-presidente em flagrante. O impacto na
imprensa, os procuradores já comentavam, seria explosivo.
Apesar de não ser o objeto inicial dos pedidos de busca e
apreensão contra Lula, a caça ao crucifixo mobilizou procuradores, policiais
federais e o então juiz Sergio Moro durante a 24ª fase da Lava Jato.
Pomposamente batizada de Aletheia, uma expressão grega para a “verdade”, a ação mobilizou 200 policiais federais e 30 auditores
da Receita Federal para o cumprimento de 33 mandados de busca e apreensão e 11
de condução coercitiva. Um show feito para a televisão: desde muito cedo que
equipes andavam de um lado para o outro enquanto helicópteros sobrevoavam os
endereços do político em São Paulo. Policiais e procuradores vasculharam o
apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo, a sede do Instituto
Lula, na capital paulista, e o sítio que ele usava em Atibaia. Casas e empresas
de familiares do petista também foram alvo.
Na operação, em 4 de março, documentos e recibos que
serviriam para acusar e condenar Lula haviam sido encontrados. Um deles fazia
referência a um cofre em uma agência do Banco do Brasil no Centro de São Paulo.
Além da então mulher do ex-presidente, Marisa Letícia, o cofre também estaria
em nome de Fábio Luis, o Lulinha, seu filho mais velho. Policiais
federais foram à agência naquele dia 9 e se depararam com 132
itens acondicionados em 23 caixas lacradas. Os bens eram desejados pela Lava
Jato havia muito tempo, e a caça ao tesouro terminou quando os policiais
federais confirmaram: o cofre guardava o crucifixo.
Foi essa a notícia que fez Dallagnol exultar junto aos
colegas no Telegram. Para ele, a conclusão era óbvia: ao meter as mãos no
crucifixo que seria patrimônio da União, Lula havia cometido crime de peculato
(roubo de patrimônio público cometido por servidor público) e ocultação de
bens. Por isso, seria preso em flagrante. Frisson em Curitiba.
“Orlando, parece que acharam o Cristo do alejadinho no cofre
do BB… se for isso, será nosso primeiro respiro”, escreveu Dallagnol pelo
aplicativo de mensagens ao colega Orlando Martello. Eram 16h56.
Martello respondeu vinte minutos depois, com uma pergunta:
A prisão de Lula em flagrante por roubo de um simbólico
Jesus Cristo crucificado seria uma das cenas mais fortes da história da Lava
Jato. Era tudo o que os procuradores precisavam para destruir o ex-presidente.
Igor Romario de Paula, delegado da Polícia Federal. Foto:
Paulo Lisboa/Folhapress
‘Nosssa. Se achar isso’
Durante a operação nos imóveis de Lula, os procuradores
salivavam com os relatos dos policiais enviados pelo celular. O que mais
chamava a atenção dos investigadores, inclusive pelo tamanho, eram as caixas
com o acervo de objetos que Lula trouxera de sua estada no Palácio do Planalto.
Ao ver as caixas, os agentes ficaram ainda mais convictos de que o
ex-presidente surrupiara o patrimônio público e que a OAS bancava a estada dos
bens num depósito usando dinheiro desviado da Petrobras.
Responsável por buscar Lula em casa para levá-lo ao
aeroporto de Congonhas, o delegado Luciano Flores (depois promovido quando Sergio Moro se tornou ministro da
Justiça da extrema direita) mandava mensagens de áudio contando como Lula o
recebera e orientava os colegas sobre as buscas que viriam a seguir.
Clique no play para ouvir os áudios:
Os agentes de campo já estavam familiarizados com o desejo
dos procuradores pelo Cristo. A primeira menção ao objeto havia aparecido em
uma conversa no Telegram um mês antes da abertura do cofre custodiado no Banco
do Brasil. Em fevereiro de 2016, uma foto foi compartilhada pelo procurador
Januário Paludo, um dos veteranos da Lava Jato. Pela reação do delegado Márcio
Anselmo — um sujeito que serviu de inspiração a um dos personagens centrais do
filme Polícia Federal — A lei é para todos —, a notícia de
que Lula havia roubado a obra já corria solta entre os investigadores.
Em outro grupo, no dia seguinte, o procurador Carlos
Fernando dos Santos Lima também estava interessado na história do crucifixo.
Ele pedia a colegas e policiais que iriam conduzir Lula coercitivamente e
realizar buscas para que ficassem de olho na peça.
No dia da operação, já em São Bernardo do Campo, o delegado
Igor Romário de Paula mandava fotos do resultado da busca enquanto seu colega
Márcio Anselmo pedia prisão em flagrante com base em fotos de caixas de
papelão.
Empolgados, os agentes se depararam com um problema: não
havia mandado judicial para recolher aquilo tudo. Seguiu-se, então, um debate
sobre o que fazer. Aqui aparecem novos personagens, entre eles o delegado
Maurício Moscardi, que um ano depois iria comandar uma outra operação famosa
que se revelou um fiasco: a Carne Fraca. Nela, Moscardi diria a jornalistas que
frigoríficos misturavam carne estragada com produtos químicos para mascarar o
aspecto do produto e vendê-lo normalmente, o que não foi comprovado.
Mas Moro negou a apreensão dos bens — o ex-juiz alegou que
seria desproporcional apreender todo o acervo e que, se os investigadores
tivessem suspeitas específicas, fizessem pedidos específicos para cada caixa.
No dia seguinte, a solução viria pelas mãos do procurador Januário Paludo,
amigo pessoal de Sergio Moro e muito respeitado pelos jovens da Lava Jato — é a
ele que os vários grupos intitulados Filhos do Januario fazem referência.
O museu a que Paludo se refere é uma ala do Museu Oscar
Niemeyer, mais conhecido como Museu do Olho, em Curitiba, cedida à Lava Jato
para exibição de obras de arte usadas para lavar dinheiro apreendidas pela
operação. À época, o Paraná era governado por Beto Richa, do PSDB. Anos depois,
Richa seria ele mesmo alvo da operação e acabaria preso.
A conversa terminou assim:
A solução veio na forma de uma nova ordem de busca e
apreensão, dessa vez no Banco do Brasil, cumprida quatro dias depois.
O procurador Deltan Dallagnol, que fazia a ponte da
força-tarefa da Lava Jato com o então juiz Sergio Moro. Foto: Rodolfo Buhrer/La
Imagem/Fotoarena/Folhapress
‘Seria top… duas repercussões’
As centenas de caixas de papelão encontradas no sindicato
guardavam, como a força-tarefa viria a descobrir, muitos documentos e fotos,
além de objetos como obras de arte, maquetes, um gongo e até duas esculturas de
urso polar do Canadá. Mas foi só no dia 9 de março, do meio para o fim da
tarde, que a Lava Jato finalmente recebeu a notícia que esperava, pelo teclado
do celular do delegado Igor Romário de Paula. Às 16h34, ele disparou uma
mensagem: “Jesus Cristo encontrado no BB em São Paulo”.
A mensagem causou um pico de ansiedade nos grupos da Lava
Jato. A sonhada prisão em flagrante de Lula, afinal, parecia à vista.
Enquanto o papo corria no grupo, Dallagnol, ansioso,
comunicava Sergio Moro a respeito da descoberta.
De pronto, o procurador-chefe da Lava Jato também acionou
diretamente o delegado Romário de Paula atrás da confirmação. Preocupado em
convencer a população de que a Lava Jato fazia avanços, ele queria planejar a
repercussão midiática da impressionante descoberta sobre o crime do “9” :
A alegria do procurador não durou uma hora.
A Lava Jato, que havia focado todas as atenções no Cristo
depois de receber uma fotomontagem que sugeria que a obra de arte estaria no
Palácio do Planalto desde os tempos do ex-presidente Itamar Franco, não tinha
se dado ao trabalho de procurar a história no Google. Cinco anos antes, a
revista Época já desmentira a história do roubo.
Claudio Soares, diretor da documentação histórica da
Presidência, reafirmou que o crucifixo “foi presente pessoal de um amigo ao
Presidente Lula” e disse que a imagem de Itamar que circula na internet
“trata-se de edição grosseira”, publicou a revista ainda em 2011. A própria reportagem aponta que a foto é real, porém foi feita
em outro contexto: durante uma visita de Itamar ao Planalto em 2006. O Cristo
também não havia sido esculpido por Aleijadinho. A autointitulada maior
operação anticorrupção de todos os tempos estava perseguindo uma fake news.
Frustrado, Dallagnol lamentou em uma conversa privada com o
procurador Orlando Martello. Ele chegou a proferir um raro palavrão:
Dallagnol também foi se explicar a Moro, que lhe deu um
pito.
A inacreditável e grotesca comédia de erros da força-tarefa
teria, ainda, mais um capítulo. Foi só na noite daquela quarta-feira, cinco
dias após ter pedido a apreensão de bens levados de Brasília por Lula e julgar
que havia encontrado ali o motivo para uma prisão em flagrante, que a Lava Jato
resolveu espiar o que diz a legislação a respeito de bens de ex-presidentes da
República:
Enquanto o procurador Galvão fazia observações tardias sobre
o que diz a lei a respeito de presentes a ex-presidentes, a revista Época já
exibia em seu site uma reportagem sobre os bens apreendidos do ex-presidente.
Santos Lima se penitenciou com Deltan — e acusou a Polícia Federal pela
divulgação com tom de vazamento. “Já está na época. Foi a PF. Ilusão ficar
cheio de dedos. Poderíamos ter capitalizado melhor”, escreveu Santos Lima.
A estratégia funcionou. Mesmo sendo legais, os presentes de
Lula foram vistos pela população como uma espécie de benefício imoral do ex-presidente.
Dias depois, um grampo ilegal de uma conversa entre Lula e a então presidente
Dilma Rousseff — sugerindo a ideia de ambos de que Lula poderia assumir um
ministério e, assim, garantir foro especial — seria divulgado pela GloboNews
depois do levantamento de sigilo feito por Sergio Moro.
O caldo acabou impedindo Lula de assumir o Ministério da
Casa Civil por uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal. Em 2019, uma reportagem da Vaza Jato em parceria com a Folha de
S.Paulo revelou que, além de dar publicidade apenas ao grampo ilegal, Moro
ainda escondera da população outros 21 áudios. As conversas gravadas pela
Polícia Federal em 2016 enfraquecem a tese usada por Moro para justificar a
decisão de publicar o áudio.
Os diálogos, que incluem conversas de Lula com outros atores políticos, entre eles o então vice-presidente Michel Temer, revelam que o ex-presidente relutou em aceitar o convite para ser ministro e só o aceitou após sofrer pressões de aliados. Lula, nos áudios que até hoje não vieram a público, só menciona as investigações em curso uma vez.
Sergio Moro absolveria Lula e Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, da acusação feita pela Lava Jato de que a guarda dos bens presidenciais se tratou de “contraprestação” de contratos da empreiteira com a Petrobras.
Já o acervo no Banco do Brasil, aquele que a Lava Jato acreditou ser a chave para prender Lula em flagrante e proceder uma via sacra de humilhações ao petista, nunca foi usado para embasar denúncias à justiça.
Outro lado
Lava Jato
É importante registrar que o Intercept, distante das melhores práticas de jornalismo, não encaminhou as supostas mensagens em que se baseia a reportagem, o que prejudica a compreensão das questões enviadas, o direito de resposta e a qualidade das informações a que o leitor tem acesso.
Registra-se ainda que tais mensagens, obtidas de forma criminosa, foram descontextualizadas ou alteradas ao longo dos últimos meses para produzir falsas acusações, que não correspondem à realidade, no contexto de um jornalismo de militância ou de teses que busca atacar a operação e seus integrantes.
De todo modo, em relação aos questionamentos apresentados, cumpre informar que o ex-presidente Lula está sendo investigado pelos crimes de peculato e lavagem de ativos, em razão da apropriação e ocultação de diversos bens públicos da Presidência da República que foram encontrados em cofre particular em banco, mantido em nome de Fabio Luis Lula da Silva e Marisa Letícia Lula da Silva, dentre os quais se encontravam, por exemplo, coroa, espadas e esculturas.
Em consequência da busca e apreensão e subsequente ação da Justiça e órgãos oficiais, 21 itens mantidos no cofre foram incorporados ao Patrimônio da Presidência da República.
A apuração é objeto dos autos 1.25.000.000119/2017-12 (convertido em procedimento eletrônico sob o nº: 1.25.000.001206/2020-84), que se encontram sob responsabilidade da Procuradoria da República em São Paulo, à qual devem ser direcionados os questionamentos.
"Em vez de erradicar a corrupção, a agora notória
Operação Lava Jato abriu o caminho para Jair Bolsonaro chegar ao poder após
eliminar seu principal rival, Lula, da corrida presidencial. Isso contribuiu
para o caos que o Brasil vive hoje", aponta o maior jornal do mundo
247 – O jornal The New York Times, o mais
influente do mundo, diz que o ex-juiz Sérgio Moro é responsável direto pelo
caos no Brasil, por ter corrompido o sistema de justiça no País. "O Brasil
vive várias crises ao mesmo tempo – a situação catastrófica da saúde, a
economia frágil e a polarização política extrema. Agora podemos adicionar a
corrupção do sistema judicial à lista. Não precisava ser assim. Os brasileiros
tinham grandes esperanças há sete anos, quando um jovem magistrado chamado
Sérgio Moro lançou uma operação anticorrupção chamada Lava Jato, ou Operação
Lava Jato", diz o artigo assinado pelo cientista político e
diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe
(Opalc) da universidade Sciences Po de Paris, Gaspard Estrada.
"A Operação Lava Jato provou que a justiça poderia
acabar com a corrupção endêmica no Brasil ou foi apenas um conto de fadas que
velou outros interesses políticos? Nas últimas semanas, o lado negro do Lava
Jato foi desnudado, e um sentimento de profundo desencanto com a chamada
justiça curitibana, que leva o nome da capital do estado do Paraná, onde a
força-tarefa estava sediada, se espalhou por todo o país. A Operação Lava Jato
foi considerada a maior investigação anticorrupção do mundo, mas se tornou o
maior escândalo judicial da história do Brasil. Quando a força-tarefa foi
dissolvida em 1º de fevereiro, quase ninguém saiu às ruas ou às redes sociais
para lamentar seu fim", apontou ainda Estrada.
O cientista político também responsabiliza Moro diretamente
pela destruição do Brasil. "Em vez de erradicar a corrupção, obter maior
transparência na política e fortalecer a democracia, a agora notória Operação
Lava Jato abriu o caminho para Jair Bolsonaro chegar ao poder após eliminar seu
principal rival, Lula, da corrida presidencial. Isso contribuiu para o caos que
o Brasil vive hoje", escreveu.
“É EVIDENTE QUE SE MORO É SUSPEITO NO PROCESSO DO DUPLEX, É
TAMBÉM NO DO SÍTIO” | Cortes 247
Nas páginas do jornal internacional New York Times, a Lava Jato ganhou destaque como "a maior escândalo judicial da história", em artigo que defende a devolução dos direitos políticos de Lula.#JustiçaParaLula
Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um
olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que
transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo.
'JANUÁRIO. VOCÊ SABE ALGUMA COISA SOBRE ISSO?'
O doleiro Dario Messer mudou sua versão sobre o alegado
pagamento de propina ao procurador Januário Paludo, ex-integrante da
força-tarefa da Lava Jato no Paraná, após conseguir uma delação premiada que o
livrou temporariamente da cadeia e lhe garantiu ao menos R$ 10 milhões em bens,
segundo conta do próprio Ministério Público Federal.
A suspeita de que Paludo recebeu propina para proteger
Messer a partir de 2005, no caso Banestado, está na primeira proposta de
delação premiada do doleiro. A colaboração dele foi assinada pela Lava Jato e
homologada pela justiça – mas sem o trecho que levanta suspeitas contra um dos
principais integrantes da força-tarefa paranaense.
O caso Banestado investigou o envio de dinheiro do Brasil
para contas no exterior usando contas no hoje extinto banco estatal paranaense.
Como na Lava Jato, uma força-tarefa foi criada no MPF do Paraná para apurar e
processar envolvidos. Paludo fez parte do grupo, assim como Deltan Dallagnol.
Messer foi um dos investigados, mas nunca foi punido. Na
primeira versão de sua delação, ele disse que escapou dos investigadores graças
a propinas. Depois, com os benefícios do acordo de delação garantidos, disse
ter se enganado a respeito de Paludo.
Graças à delação, Messer manteve R$ 3,5 milhões que tinha
numa conta nas Bahamas, um apartamento avaliado em R$ 3 milhões no Rio,
desbloqueou a herança da mãe e ainda deixou a prisão. Atualmente, ele cumpre
prisão domiciliar em Copacabana, bairro nobre da capital fluminense.
Já a suspeita contra Paludo jamais foi investigada pelos
colegas dele no MPF. Para a cúpula do órgão, bastou a explicação do procurador.
Mas ela contradiz o que o próprio Paludo disse à justiça, anos antes, e em
conversas mantidas com colegas pelo Telegram, a respeito do doleiro.
A equipe da Lava Jato na Procuradoria Geral da República, a
PGR, arquivou o relato de Messer sobre os alegados pagamentos a Paludo sem
investigá-lo, por considerá-lo inconsistente. Já a segunda versão contada pelo
doleiro sobre o caso, tomada como verdade pelos procuradores, baseou uma
denúncia encaminhada pela força-tarefa da Lava Jato do Rio à justiça em
dezembro passado.
Em vez de pagador de propinas, a denúncia transformou Messer
em vítima de um esquema de extorsão criado por seu ex-advogado e seu ex-sócio,
que vendiam ao doleiro uma “proteção” que jamais existiu quando disseram pagar
propina a Paludo. O advogado é Antonio Figueiredo Basto, negociador de várias
delações com Curitiba – entre elas, a do também doleiro Alberto Youssef,
crucial para o desenrolar da Lava Jato.
Dario Messer (de boné), o ‘doleiro dos doleiros’, no dia em
que foi preso pela Polícia Federal nos Jardins, região nobre de São Paulo.
Foto: Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Folhapress
Na mira desde os anos 1980, Messer só foi preso em 2019
Messer atualmente é conhecido como o “doleiro dos doleiros”,
graças à Lava Jato do Rio. Ele é acusado pela força-tarefa de liderar uma rede
ilegal de câmbio que movimentou mais de 1,6 bilhão de dólares entre 2011 e 2017
– R$ 8,5 bilhões, na cotação atual. Trata-se, segundo a força-tarefa, de
uma quantia inédita.
Mas a atuação dele é mapeada pelas autoridades desde 1980,
quando já era investigado pela suspeita de atuar em
esquemas de lavagem de dinheiro. Primeiro, para bicheiros ligados a escolas de
samba. Depois, no caso Banestado, que teve como personagens o então juiz Sergio
Moro, Paludo e outros procuradores da Lava Jato. Mais tarde, ele apareceu no
mensalão petista e foi citado até em documentos do Swissleaks, que revelou uma
rede de evasão fiscal existente numa agência do HSBC na Suíça em 2006 e 2007.
Messer, no entanto, jamais havia sido preso até julho de
2019. Não que as autoridades não tenham tentado. Ao menos duas vezes, a justiça
brasileira decretou sua prisão. Mas o “doleiro dos doleiros” sempre arrumou um
jeito de escapar antes que a polícia tivesse tempo de encontrá-lo.
Na cadeia – e tentando sair dela o quanto antes –,
Messer resolveu confessar crimes. Na proposta de delação, ele assumiu a
investigadores da Lava Jato que só não foi detido por ordem da operação, em
2018, porque soube com antecedência da ação policial para pegá-lo.
Também confessou ter cometido os crimes investigados no caso Banestado, pelos
quais não havia sido punido. E, num relato específico, explicou como acredita
ter se livrado de suspeitas que pairavam sobre ele desde 2005.
É justamente nesse relato que Messer conta que nada disso
foi por acaso. “Dario sempre acreditou na efetividade da compra da ‘proteção’”,
resumiram seus defensores na primeira proposta de delação. Em outras palavras,
ele afirmou ter comprado proteção do Ministério Público Federal do Paraná, e
que parte dos pagamentos eram feitos a Paludo, um dos procuradores do caso
Banestado.
Messer relatou que, de 2005 a 2013, pagou 50 mil dólares
todo mês para que fosse blindado em investigações. Disse que entregava o
dinheiro ao ex-sócio Enrico Machado e a Figueiredo Basto, na época seu advogado.
Segundo o relato redigido pela defesa de Messer, Machado e
Basto diziam que parte desse dinheiro era entregue a Paludo. Messer admitiu que
nunca esteve com o procurador, mas afirmou acreditar que contava com a ajuda
dele. E apontou dois fatos que o fizeram acreditar em tal proteção.
Em 2005, Paludo trabalhou no acordo de delação premiada do
doleiro Clark Setton, conhecido como Kiko, sócio de Messer investigado no caso
Banestado. Kiko também era defendido por Figueiredo Basto. Confessou crimes,
mas não envolveu Messer em nenhum deles. O relato seletivo, ainda assim, lhe
garantiu benefícios penais.
Já em 2011, Paludo testemunhou a pedido de Figueiredo Basto
em um processo criminal contra Messer, relacionado ao caso Banestado. O
procurador disse à justiça que investigou Messer, mas não encontrou nenhuma
prova que o ligasse às irregularidades que, anos mais tarde, o próprio doleiro
viria a confessar.
Messer já havia dito que pagava propina a Paludo. Foi em agosto de
2018, em mensagens trocadas por celular com a namorada – um ambiente mais
privativo e confortável que a cadeira de candidato a delator premiado. “Sendo
que esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos
meninos todo mês”, ele escreveu, em conversa interceptada pela Polícia Federal.
Por citar Paludo, que tem direito a foro privilegiado por
ser procurador, esse trecho do depoimento do candidato a delator foi remetido a
Brasília, para ser avaliado pela equipe da Lava Jato da PGR. E a PGR descartou
investigar um colega. O órgão entendeu que o relato de Messer não tinha provas
para que fosse incluído em seu acordo de colaboração e baseasse uma apuração.
Enquanto isso, a delação de Messer – sem a parte que
complicava Paludo – andava. Foi homologada, em agosto de 2020, por duas
varas judiciais de primeira instância do Rio. Uma delas, a sétima, a do juiz
Marcelo Bretas.
O acordo garantiu que Messer cumprirá pena máxima de 18 anos
e nove meses de prisão, não importa quantas vezes seja condenado em processos
da Lava Jato. Em troca, os procuradores afirmam que o doleiro abriu mão de
cerca de 99% de seu patrimônio, que estimam – sem explicar como chegaram
ao valor – em R$ 1 bilhão. O que significa que, se o cálculo da Lava Jato
estiver correto, Messer manteve R$ 10 milhões no bolso. Nada mau.
Foi nesse ponto que a Lava Jato do Rio chamou Messer para
depor novamente sobre a alegada taxa de proteção paga a Paludo. Aí, o doleiro
– que já tivera a delação aprovada e seguia milionário – contou uma outra
história.
Ao contrário do que havia afirmado antes, Messer dessa vez
falou não acreditar que fosse protegido. Disse mais: que acreditava ter sido enganado por Figueiredo Basto e o ex-sócio
Machado, que embolsavam, nessa nova versão, os 50 mil dólares mensais que
ele enviava para comprar autoridades.
“[Messer afirmou] Que Enrico falava em proteção junto à
Procuradoria da República e à Polícia Federal; que Enrico [Machado] falava no
nome do Dr. (sic) Januário Paludo e pessoas na Polícia Federal; que hoje tem a
percepção de que Figueiredo [Basto] e Enrico ficavam com esse dinheiro”, lê-se
no novo depoimento.
Foi essa nova versão a usada pela Lava Jato do Rio de
Janeiro para denunciar Figueiredo Basto, Enrico Machado e um outro advogado
pelos crimes de exploração de prestígio qualificada, tráfico de influência
qualificado e associação criminosa.
O novo depoimento de Messer fundamenta a tese segundo a qual
os três réus venderam um falso esquema de proteção ao doleiro. Sobre Paludo,
tudo que a Lava Jato do Rio diz é que ele teve o nome indevidamente usado na
falsa venda de proteção.
Januário Paludo, o “pai” dos grupos de Telegram da
força-tarefa da Lava Jato: um veterano da operação Banestado.
As versões conflitantes de Paludo
A decisão da PGR de arquivar o trecho da delação de Messer
que citava Paludo, no segundo semestre de 2020, não foi a primeira. Antes, em
novembro de 2019, a cúpula do Ministério Público Federal em Brasília já havia
sido provocada a investigar a alegada proteção ao doleiro.
Meses após a prisão de Messer, a Polícia Federal encontrou
no celular dele a mensagem na qual ele conversava com a namorada sobre o
“esquema com Januário Paludo e Figueiredo”.
Essa mensagem foi encaminhada à PGR, que chegou a convocar
Messer a dar explicações. Na época, ele ainda não era delator premiado. Assim,
se calou sobre o caso.
A PGR, então, pediu informações a Paludo. O procurador da
República enviou um documento ao órgão informando que era inocente e que
não fazia sentido pensar que teria protegido Messer.
Primeiro, argumentou Paludo, porque ele deixou a
força-tarefa do caso Banestado em 2005. Àquela época de 2019, as investigações
apontavam que os pagamentos da suposta proteção teriam começado em 2006
– ainda que Messer tenha dito que que começaram em 2005.
Segundo, porque as investigações contra Messer corriam no
Rio. Paludo, a partir de 2014, trabalhava na Lava Jato do Paraná. Antes, havia
atuado no Rio Grande do Sul.
Por último, o procurador argumentou que relatou indícios de
que Messer usou contas de titulares ocultos no exterior (conhecidas como contas
offshore) quando foi chamado a testemunhar a favor do doleiro pela defesa dele,
em 2011. Ou seja, Paludo nega tê-lo protegido.
Foi o bastante para a PGR, que arquivou o caso sem
aprofundar a investigação.
Acontece que, quando testemunhou para a defesa de Messer, em
2011, Paludo disse outra coisa à justiça. Na ocasião, o procurador afirmou que
não encontrou nenhuma ligação de Messer ou de membro da família dele com contas
offshore. “Até a parte onde eu fui, nós não identificamos, em princípio,
nenhuma ligação da família Messer”, disse, em documento que é público.
Paludo foi além. Afirmou que as investigações apontaram que
Clark Setton, o Kiko, aparecia como o responsável por contas investigadas. E
que a apuração não revelou nenhuma relação da família Messer com ele. “Na parte
que eu investiguei, a conclusão que eu tive, na época, é que haveria apenas
[indícios] em relação ao Clark Setton [sobre] a administração dessas contas”,
falou.
Já nos diálogos que manteve com colegas procuradores pelo
Telegram, Paludo dá mostras de estar bem informado sobre Messer e sua relação
com Setton. A outros procuradores, Paludo chega a dizer que Setton era uma
espécie de laranja, de “boi de piranha” dos Messer.
Paludo fez o comentário quando surgiram as primeiras
notícias de que Messer poderia ter sido protegido graças ao pagamento de
propina. Um dia antes, ele já falava da relação antiga entre o doleiro e
Figueiredo Basto.
Nos chats, também fica claro que Paludo é tido por colegas
de Lava Jato no Paraná como alguém bem informado sobre o que envolve Messer. Em
2017, quando o doleiro ainda não era um alvo oficial da força-tarefa do Rio de
Janeiro, um repórter procurou o então procurador Carlos Fernando dos Santos
Lima para tratar de suspeitas envolvendo o doleiro. Lima encaminhou as
mensagens e buscou informações com Paludo.
Ouviu, do colega, que a Lava Jato havia acessado uma
investigação sobre Messer que estava a cargo do procurador da República
Alexandre Nardes, do Paraná. Mas, curiosamente, a força-tarefa paranaense
resolveu mandar o caso para o Rio de Janeiro. Segundo o chat, a remessa da
investigação aos colegas fluminenses se deu em 2014, logo no início da operação
no Paraná. No Rio, uma força-tarefa da Lava Jato só seria criada em junho de
2016.
Paludo respondeu horas depois:
Membros da Lava Jato, aliás, assumiram nos diálogos privados
que nunca priorizaram investigações sobre doleiros envolvidos em casos de
corrupção apurados na operação. Procuradores do Rio chegaram a perguntar por
que eles nunca “deram bola” para isso.
Deltan Dallagnol, à época o coordenador da força-tarefa,
entrou na conversa pouco depois:
Procurado, Januário Paludo respondeu que não reconhece a
autenticidade das mensagens e não quis comentá-las. Em nota, o procurador
afirmou apenas que a força-tarefa da Lava Jato do Paraná sempre investigou
crimes relacionados à Petrobras, “estando as conexões de doleiros sendo
investigadas em outros órgãos e unidades”.
“Investigações que não tem conexão com os fatos investigados
na Lava Jato são declinadas para outras unidades do MP por decisão própria ou
judicial, como ocorreram em inúmeros casos”, complementou, quando questionado
por que enviou a investigação sobre Messer ao Rio, em 2014.
Paludo disse que não teve acesso às duas versões do doleiro
Dario Messer a respeito do pagamento da taxa de proteção e, por isso, não tem
como falar a respeito delas. Ressaltou que “se a PGR arquivou uma notícia de
fato que não tinha qualquer fundamento para abrir uma investigação, o fez por
livre convicção”.
“Investigações para serem instauradas têm que ter elementos
indiciários mínimos, não bastando a mera opinião, achismos, suspeitas ou
conjecturas. A instauração de uma ação penal para ser viável exige, além da
competência do juízo, prova da materialidade do delito e elementos suficientes
de autoria (acima de qualquer dúvida razoável), sob pena de ser temerária e
sujeitar indevidamente alguém a processo penal”, declarou.
Sobre o depoimento prestado em 2011 em processo contra
Messer, Paludo disse que “testemunhar em processos é uma obrigação de todos, o
que não quer dizer que seja contra ou a favor da defesa, pois são relatados
fatos”.
Ele não respondeu a questionamentos sobre a ligação de
Messer com Clark Setton.
Dario Messer também foi perguntado sobre as duas versões a
respeito da taxa de proteção apresentadas às autoridades. O advogado Átila
Machado, que hoje representa o doleiro, disse que o procedimento de colaboração
premiada é sigiloso. Por isso, “Dario Messer está impedido de falar sobre o
conteúdo da matéria”.
O advogado Antonio Figueiredo Basto não quis se pronunciar.
Em entrevistas concedidas a outros veículos de imprensa, ele sempre negou ter
recebido qualquer pagamento para garantir a Messer ou a outros clientes
proteção em investigações.
A força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro, que usou a
segunda versão de Messer sobre a taxa de proteção em denúncia contra Figueiredo
Basto, disse que o doleiro não alterou seu relato sobre os fatos. Segundo ela,
Messer soube do arquivamento das investigações contra Paludo na PGR e de
transações financeiras que Basto teria realizado para embolsar ele próprio a
tal taxa. Isso mudou sua percepção.
A PGR disse que a apuração preliminar sobre as suspeitas
contra Paludo e a negociação do acordo de delação premiada de Dario Messer são
sigilosos.
Novas mensagens apreendidas na operação spoofing indicam que
procuradores da "lava jato" tinham consciência de que os
americanos poderiam quebrar a Odebrecht, mas, mesmo assim, deram
continuidade às tratativas com as autoridades dos Estados Unidos para a aplicação
de penalidades, fornecendo até mesmo dados informais, a título de
"informações de inteligência".
"Lava jato" discutiu percentuais da partilha do
dinheiro extraído da Odebrecht
Os diálogos mostram que os membros da autoproclamada
força-tarefa não tinham limites em sua missão de transformar o idealismo de um
suposto combate à corrupção em dinheiro que seria depois administrado por eles
próprios.
Em uma troca de mensagens, em 17 de maio de 2016, o
procurador Deltan Dallagnol, então chefe da autointitulada força-tarefa da
"lava jato", discutiu com o colega Orlando Martello o envio de
informações à Suíça e aos Estados Unidos sobre a Odebrecht. Martello chega a
dizer que tem plena consciência de que "os americanos quebram a
empresa" e Deltan responde com uma risada. As mensagens constam em
petição da defesa do ex-presidente Lula enviada ao Supremo Tribunal Federal.
"O procurador da República Deltan Dallagnol tinha plena
ciência de que a atuação de autoridades estadunidenses contra empresas
brasileiras — notadamente por meio da aplicação do FCPA (que busca expandir sobremaneira a jurisdição norte-americana) —
poderia quebra-las. A despeito disso, cooperou para que tais penalidades fossem
aplicadas, inclusive por meio de envio informal de dados", diz o
documento.
O FCPA permite que autoridades norte-americanas
investiguem e punam fatos ocorridos em outros países. Para especialistas, ela
é instrumento de exercício de poder econômico e político dos
norte-americanos no mundo — os novos diálogos mostram a concordância dos
procuradores com esse tipo de entreguismo.
O novo material também reforça que sempre permearam as
conversas com autoridades estrangeiras os percentuais que ficariam à
disposição da "lava jato" sobre o valor das
penalidades aplicadas no exterior contra empresas brasileiras, como a
própria Odebrecht. O acordo de leniência da empreiteira, inclusive, foi
amplamente debatido entre os procuradores da "lava jato" e
autoridades suíças e norte-americanas.
As mensagens indicam que houve diversas reuniões e
trocas de documentos, inclusive por e-mail, entre os membros da força tarefa e
autoridades da Suíça e dos Estados Unidos, conforme a petição dos advogados de
Lula: "Um ponto sempre relevante é do 'asset sharing', ou seja, o
percentual da penalidade que ficaria com cada um dos envolvidos".
Em conversa em 8 de dezembro de 2016, um procurador
pede aos demais colegas o e-mail de um membro do MP suíço que estava
em uma reunião em Curitiba que discutiu justamente os percentuais de 'asset
sharing' que iriam para os EUA e para a Suíça no caso Odebrecht.
"Como pode a 'lava jato' ocultar esse material da defesa técnica do
reclamante ou dizer a esse Supremo Tribunal Federal que nada disso
ocorreu?", questiona a defesa de Lula.
Em um determinado momento, os próprios procuradores tratam a
negociação como um "acordo trilateral", envolvendo Brasil, EUA e
Suíça. As mensagens mostram "atuação dos procuradores da República da
'lava jato' nessa frente, o que foi indevidamente negado a esse Supremo
Tribunal Federal", sustenta a petição.
Todas essas informações foram apresentadas pela defesa do
ex-presidente Lula, patrocinada por Cristiano Zanin, Valeska
Martins, Maria de Lourdes Lopes e Eliakin Tatsuo,
ao ministro Ricardo Lewandowski, relator de uma reclamação sobre a investigação
de hackers que invadiram celulares de autoridades.
Acordo
O acordo de leniência que a Odebrecht assinou com o Ministério
Público Federal em dezembro de 2016 previa a criação de uma conta judicial, sob responsabilidade da 13ª
Vara Federal de Curitiba. O dinheiro ficaria à disposição do MPF, que
daria aos recursos a destinação que quisesse.
A construtora se comprometeu a pagar R$ 8,5 bilhões
como multa por seus malfeitos. O dinheiro seria dividido pelo MPF entre ele
mesmo, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) e a
Procuradoria-Geral da Suíça.
Em nova petição ao STF, defesa de Lula anexa diálogos que
rebatem nota da ex-lava jato com alegações infundadas e confirmam o uso de
termos de depoimento forjados na PF, com o conhecimento de Sergio Moro
(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado e Luis Macedo/Câmara
dos Deputados)
No novo documento, a defesa de Lula explica que, diante da
repercussão que chegou a por em dúvida a declaração da delegada da PF, foi
solicitada uma nova perícia no trecho das conversas para destacar o contexto do
diálogo no qual Marena é citada.
"Com efeito, nos novos diálogos, 'Érika' esclarece que
o 'depoimento' mencionado no diálogo anteriormente trazido aos autos não foi
'tomado'; a partir de um 'acordo' que teria sido negociado com os procuradores
da 'lava jato', o 'depoimento' consistiu simplesmente na impressão, na Polícia
Federal, de 'termos prontos'. O novo material também reforça que os
procuradores da 'lava jato', após terem conhecimento da situação, entenderam
que precisavam 'proteger Erika'”, escreve a defesa de Lula.
Os advogados do ex-presidente mostram também que o ex-juiz
Sérgio Moro tomou conhecimento dos questionamentos do delator sobre o
“depoimento” supostamente ocorrido na Polícia Federal. O delator chegou a
dizer: “Assinei isso?, devem ter preenchido um pouquinho a mais do que eu
tinha falado”, disse ele em audiência presidida por Moro.
Nos diálogos apresentados na petição, os procuradores falam
sobre “terceirização de depoimentos”, expressão utilizada para designar
depoimentos que teriam ocorrido perante autoridades, mas que, em realidade, não
existiram.
"Para além disso, o novo material coletado reforça que
a 'lava jato' transformava em depoimentos perante autoridades textos que eram
produzidos unilateralmente por alguns advogados que participavam de processos
de delação premiada, sem qualquer leitura ou conferência", afirma a defesa
de Lula.