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domingo, 14 de março de 2021

‘PQP. MATÉRIAS FURADAS NA INTERNET." Como a Lava Jato caiu numa mentira de internet e esperava prender em flagrante o ex-presidente Lula por roubar um objeto que era dele mesmo


Parte 32
Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo.



Esta reportagem foi originalmente publicada no livro “Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil”. Compre aqui.

O procurador da República Deltan Dallagnol estava esfuziante naquele fim de tarde de quarta-feira. Havia alguns dias que ele só pensava em uma figura de um Cristo agonizante. Era 9 de março de 2016 e, poucos dias antes, a operação Lava Jato — que ele comandava no Ministério Público Federal do Paraná — jogara seu lance mais ousado até então: a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Evangélicos como o procurador não costumam ter apreço por imagens e figuras de santos ou profetas. Mas aquele Cristo era diferente: com 1,5 metro de altura, ganhara fama por aparecer pendurado na parede do gabinete presidencial em dezenas de fotos tiradas durante a administração de Lula. Além disso, o procurador acreditava que a peça em madeira de tília havia sido esculpida por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

Com a saída do político da Presidência, o crucifixo também deixou Brasília. Para Dallagnol, seus colegas procuradores e vários delegados da Polícia Federal, a conclusão era óbvia: Lula havia roubado o objeto. Aquela seria a melhor chance de prender o ex-presidente em flagrante. O impacto na imprensa, os procuradores já comentavam, seria explosivo.

Apesar de não ser o objeto inicial dos pedidos de busca e apreensão contra Lula, a caça ao crucifixo mobilizou procuradores, policiais federais e o então juiz Sergio Moro durante a 24ª fase da Lava Jato. Pomposamente batizada de Aletheia, uma expressão grega para a “verdade”, a ação mobilizou 200 policiais federais e 30 auditores da Receita Federal para o cumprimento de 33 mandados de busca e apreensão e 11 de condução coercitiva. Um show feito para a televisão: desde muito cedo que equipes andavam de um lado para o outro enquanto helicópteros sobrevoavam os endereços do político em São Paulo. Policiais e procuradores vasculharam o apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo, a sede do Instituto Lula, na capital paulista, e o sítio que ele usava em Atibaia. Casas e empresas de familiares do petista também foram alvo.

Na operação, em 4 de março, documentos e recibos que serviriam para acusar e condenar Lula haviam sido encontrados. Um deles fazia referência a um cofre em uma agência do Banco do Brasil no Centro de São Paulo. Além da então mulher do ex-presidente, Marisa Letícia, o cofre também estaria em nome de Fábio Luis, o Lulinha, seu filho mais velho. Policiais federais foram à agência naquele dia 9 e se depararam com 132 itens acondicionados em 23 caixas lacradas. Os bens eram desejados pela Lava Jato havia muito tempo, e a caça ao tesouro terminou quando os policiais federais confirmaram: o cofre guardava o crucifixo.

A Vaza Jato, investigação jornalística sem precedentes na história do Brasil, agora virou livro. Dividido em duas partes, a primeiraconta com uma extensa reportagem da jornalista Letícia Duarte – que não integraa equipe do Intercept Brasil – sobre os bastidores do trabalho realizado pelo TIB durante a Vaza Jato


Foi essa a notícia que fez Dallagnol exultar junto aos colegas no Telegram. Para ele, a conclusão era óbvia: ao meter as mãos no crucifixo que seria patrimônio da União, Lula havia cometido crime de peculato (roubo de patrimônio público cometido por servidor público) e ocultação de bens. Por isso, seria preso em flagrante. Frisson em Curitiba.

“Orlando, parece que acharam o Cristo do alejadinho no cofre do BB… se for isso, será nosso primeiro respiro”, escreveu Dallagnol pelo aplicativo de mensagens ao colega Orlando Martello. Eram 16h56.

Martello respondeu vinte minutos depois, com uma pergunta:



A prisão de Lula em flagrante por roubo de um simbólico Jesus Cristo crucificado seria uma das cenas mais fortes da história da Lava Jato. Era tudo o que os procuradores precisavam para destruir o ex-presidente.


Igor Romario de Paula, delegado da Polícia Federal. Foto: Paulo Lisboa/Folhapress

‘Nosssa. Se achar isso’

Durante a operação nos imóveis de Lula, os procuradores salivavam com os relatos dos policiais enviados pelo celular. O que mais chamava a atenção dos investigadores, inclusive pelo tamanho, eram as caixas com o acervo de objetos que Lula trouxera de sua estada no Palácio do Planalto. Ao ver as caixas, os agentes ficaram ainda mais convictos de que o ex-presidente surrupiara o patrimônio público e que a OAS bancava a estada dos bens num depósito usando dinheiro desviado da Petrobras.

Responsável por buscar Lula em casa para levá-lo ao aeroporto de Congonhas, o delegado Luciano Flores (depois promovido quando Sergio Moro se tornou ministro da Justiça da extrema direita) mandava mensagens de áudio contando como Lula o recebera e orientava os colegas sobre as buscas que viriam a seguir.

Clique no play para ouvir os áudios:



Os agentes de campo já estavam familiarizados com o desejo dos procuradores pelo Cristo. A primeira menção ao objeto havia aparecido em uma conversa no Telegram um mês antes da abertura do cofre custodiado no Banco do Brasil. Em fevereiro de 2016, uma foto foi compartilhada pelo procurador Januário Paludo, um dos veteranos da Lava Jato. Pela reação do delegado Márcio Anselmo — um sujeito que serviu de inspiração a um dos personagens centrais do filme Polícia Federal — A lei é para todos —, a notícia de que Lula havia roubado a obra já corria solta entre os investigadores.



Em outro grupo, no dia seguinte, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima também estava interessado na história do crucifixo. Ele pedia a colegas e policiais que iriam conduzir Lula coercitivamente e realizar buscas para que ficassem de olho na peça.



No dia da operação, já em São Bernardo do Campo, o delegado Igor Romário de Paula mandava fotos do resultado da busca enquanto seu colega Márcio Anselmo pedia prisão em flagrante com base em fotos de caixas de papelão.



Empolgados, os agentes se depararam com um problema: não havia mandado judicial para recolher aquilo tudo. Seguiu-se, então, um debate sobre o que fazer. Aqui aparecem novos personagens, entre eles o delegado Maurício Moscardi, que um ano depois iria comandar uma outra operação famosa que se revelou um fiasco: a Carne Fraca. Nela, Moscardi diria a jornalistas que frigoríficos misturavam carne estragada com produtos químicos para mascarar o aspecto do produto e vendê-lo normalmente, o que não foi comprovado.



Mas Moro negou a apreensão dos bens — o ex-juiz alegou que seria desproporcional apreender todo o acervo e que, se os investigadores tivessem suspeitas específicas, fizessem pedidos específicos para cada caixa. No dia seguinte, a solução viria pelas mãos do procurador Januário Paludo, amigo pessoal de Sergio Moro e muito respeitado pelos jovens da Lava Jato — é a ele que os vários grupos intitulados Filhos do Januario fazem referência.



O museu a que Paludo se refere é uma ala do Museu Oscar Niemeyer, mais conhecido como Museu do Olho, em Curitiba, cedida à Lava Jato para exibição de obras de arte usadas para lavar dinheiro apreendidas pela operação. À época, o Paraná era governado por Beto Richa, do PSDB. Anos depois, Richa seria ele mesmo alvo da operação e acabaria preso.

A conversa terminou assim:



A solução veio na forma de uma nova ordem de busca e apreensão, dessa vez no Banco do Brasil, cumprida quatro dias depois.


O procurador Deltan Dallagnol, que fazia a ponte da força-tarefa da Lava Jato com o então juiz Sergio Moro. Foto: Rodolfo Buhrer/La Imagem/Fotoarena/Folhapress


‘Seria top… duas repercussões’

As centenas de caixas de papelão encontradas no sindicato guardavam, como a força-tarefa viria a descobrir, muitos documentos e fotos, além de objetos como obras de arte, maquetes, um gongo e até duas esculturas de urso polar do Canadá. Mas foi só no dia 9 de março, do meio para o fim da tarde, que a Lava Jato finalmente recebeu a notícia que esperava, pelo teclado do celular do delegado Igor Romário de Paula. Às 16h34, ele disparou uma mensagem: “Jesus Cristo encontrado no BB em São Paulo”.

A mensagem causou um pico de ansiedade nos grupos da Lava Jato. A sonhada prisão em flagrante de Lula, afinal, parecia à vista.



Enquanto o papo corria no grupo, Dallagnol, ansioso, comunicava Sergio Moro a respeito da descoberta.



De pronto, o procurador-chefe da Lava Jato também acionou diretamente o delegado Romário de Paula atrás da confirmação. Preocupado em convencer a população de que a Lava Jato fazia avanços, ele queria planejar a repercussão midiática da impressionante descoberta sobre o crime do “9” :



A alegria do procurador não durou uma hora.



A Lava Jato, que havia focado todas as atenções no Cristo depois de receber uma fotomontagem que sugeria que a obra de arte estaria no Palácio do Planalto desde os tempos do ex-presidente Itamar Franco, não tinha se dado ao trabalho de procurar a história no Google. Cinco anos antes, a revista Época já desmentira a história do roubo.

Claudio Soares, diretor da documentação histórica da Presidência, reafirmou que o crucifixo “foi presente pessoal de um amigo ao Presidente Lula” e disse que a imagem de Itamar que circula na internet “trata-se de edição grosseira”, publicou a revista ainda em 2011. A própria reportagem aponta que a foto é real, porém foi feita em outro contexto: durante uma visita de Itamar ao Planalto em 2006. O Cristo também não havia sido esculpido por Aleijadinho. A autointitulada maior operação anticorrupção de todos os tempos estava perseguindo uma fake news.

Frustrado, Dallagnol lamentou em uma conversa privada com o procurador Orlando Martello. Ele chegou a proferir um raro palavrão:



Dallagnol também foi se explicar a Moro, que lhe deu um pito.



A inacreditável e grotesca comédia de erros da força-tarefa teria, ainda, mais um capítulo. Foi só na noite daquela quarta-feira, cinco dias após ter pedido a apreensão de bens levados de Brasília por Lula e julgar que havia encontrado ali o motivo para uma prisão em flagrante, que a Lava Jato resolveu espiar o que diz a legislação a respeito de bens de ex-presidentes da República:



Enquanto o procurador Galvão fazia observações tardias sobre o que diz a lei a respeito de presentes a ex-presidentes, a revista Época já exibia em seu site uma reportagem sobre os bens apreendidos do ex-presidente. Santos Lima se penitenciou com Deltan — e acusou a Polícia Federal pela divulgação com tom de vazamento. “Já está na época. Foi a PF. Ilusão ficar cheio de dedos. Poderíamos ter capitalizado melhor”, escreveu Santos Lima.

A estratégia funcionou. Mesmo sendo legais, os presentes de Lula foram vistos pela população como uma espécie de benefício imoral do ex-presidente. Dias depois, um grampo ilegal de uma conversa entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff — sugerindo a ideia de ambos de que Lula poderia assumir um ministério e, assim, garantir foro especial — seria divulgado pela GloboNews depois do levantamento de sigilo feito por Sergio Moro.

O caldo acabou impedindo Lula de assumir o Ministério da Casa Civil por uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Em 2019, uma reportagem da Vaza Jato em parceria com a Folha de S.Paulo revelou que, além de dar publicidade apenas ao grampo ilegal, Moro ainda escondera da população outros 21 áudios. As conversas gravadas pela Polícia Federal em 2016 enfraquecem a tese usada por Moro para justificar a decisão de publicar o áudio.


Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo.


Os diálogos, que incluem conversas de Lula com outros atores políticos, entre eles o então vice-presidente Michel Temer, revelam que o ex-presidente relutou em aceitar o convite para ser ministro e só o aceitou após sofrer pressões de aliados. Lula, nos áudios que até hoje não vieram a público, só menciona as investigações em curso uma vez.

Sergio Moro absolveria Lula e Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, da acusação feita pela Lava Jato de que a guarda dos bens presidenciais se tratou de “contraprestação” de contratos da empreiteira com a Petrobras.

Já o acervo no Banco do Brasil, aquele que a Lava Jato acreditou ser a chave para prender Lula em flagrante e proceder uma via sacra de humilhações ao petista, nunca foi usado para embasar denúncias à justiça.


Outro lado

Lava Jato


É importante registrar que o Intercept, distante das melhores práticas de jornalismo, não encaminhou as supostas mensagens em que se baseia a reportagem, o que prejudica a compreensão das questões enviadas, o direito de resposta e a qualidade das informações a que o leitor tem acesso.

Registra-se ainda que tais mensagens, obtidas de forma criminosa, foram descontextualizadas ou alteradas ao longo dos últimos meses para produzir falsas acusações, que não correspondem à realidade, no contexto de um jornalismo de militância ou de teses que busca atacar a operação e seus integrantes.

De todo modo, em relação aos questionamentos apresentados, cumpre informar que o ex-presidente Lula está sendo investigado pelos crimes de peculato e lavagem de ativos, em razão da apropriação e ocultação de diversos bens públicos da Presidência da República que foram encontrados em cofre particular em banco, mantido em nome de Fabio Luis Lula da Silva e Marisa Letícia Lula da Silva, dentre os quais se encontravam, por exemplo, coroa, espadas e esculturas.

Em consequência da busca e apreensão e subsequente ação da Justiça e órgãos oficiais, 21 itens mantidos no cofre foram incorporados ao Patrimônio da Presidência da República.

A apuração é objeto dos autos 1.25.000.000119/2017-12 (convertido em procedimento eletrônico sob o nº: 1.25.000.001206/2020-84), que se encontram sob responsabilidade da Procuradoria da República em São Paulo, à qual devem ser direcionados os questionamentos.



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segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Bolsonaro inicia desmonte no BB: fechamento de 361 unidades e demissão “voluntária” de 5 mil funcionários


Jair Bolsonaro e o Banco do Brasil (Montagem)

Em comunicado ao mercado, Banco do Brasil anunciou "reestruturação" com a pretensão de demitir 5 mil funcionários até fevereiro, em plena pandemia do coronavírus


Eleito com o neoliberal Paulo Guedes à tiracolo para cumprir as promessas ao sistema financeiro, Jair Bolsonaro iniciou nesta segunda-feira (11) o processo de desmonte do Banco do Brasil.

Em comunicado ao mercado, assinado pelo vice-Presidente de Gestão Financeira e Relações com Investidores, Carlos José da Costa André, a instituição diz que vai fechar “361 unidades, sendo 112 agências, 7 escritórios e 242 Postos de Atendimento (PA)”.

Leia também: “Guedes entrega aquilo que prometeu ao mercado”, diz ex-ministro Ricardo Berzoini sobre desmonte do BB

Além disso, o BB lançou dois planos de “demissão voluntária”, com estimativa de demissão de 5 mil funcionários que se encontram na ativa.

“A estimativa do BB é que cerca de 5 mil funcionários venham a aderir aos dois programas de desligamento. O número final de adesões, assim como o respectivo impacto financeiro, serão informados ao mercado após o encerramento dos períodos de adesão que ocorrerá até 5 de fevereiro”, diz a nota.

Segundo o BB, o fechamento das unidades vai resultar em uma redução de gastos de R$ 353 milhões em 2021 e R$ 2,7 bilhões até 2025.

Leia o comunicado na íntegra

Fonte: Revista Fórum


sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Planalto: repasse de R$ 7,5 milhões a programa de Michelle Bolsonaro foi feito porque Saúde não precisava mais de testes para Covid


Jair e Michelle Bolsonaro - Foto: Carolina Antunes/PR

Nota da Secom, que diz que partiu da própria Marfrig procurar o Pátria Voluntária, contraria informações da empresa, que diz ter sido orientada pela Casa Civil a destinar o dinheiro para programa de Michelle Bolsonaro


Em nota divulgada na noite desta quinta-feira (2), a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto (Secom) afirma que o repasse de R$ 7,5 milhões doados pelo frigorífico Marfrig ao programa Pátria Voluntária, presidido por Michelle Bolsonaro, se deu porque o Ministério da Saúde não precisava, em maio, de mais de testes para detectar os infectados pela Covid-19.

Leia também: Michelle Bolsonaro repassou dinheiro a ONG enviada em missão “institucional” para tentar impedir aborto de menina no ES

“A empresa Marfrig teve a intenção de doar para o Ministério da Saúde R$ 7,5 (sete e meio milhões de reais) para compra de testes rápidos para a Covid-19, em março do corrente ano. A legislação em vigor impede que o referido ministério receba recursos privados e, em maio, o órgão declinou da doação porque não precisava mais dos equipamentos”, diz a nota.

Segundo a Secom, partiu da própria Marfrig a iniciativa de procurar “o Pátria Voluntária e optou por repassar a doação ao programa para atender às necessidades de entidades sociais a elas vinculadas”.

Reportagem desta sexta-feira (2) da Folha de S.Paulo, diz, no entanto, que em nota a Marfrig afirma que no dia 20 de maio, dois meses após o anúncio de sua doação para os testes de Covid-19, a Casa Civil enviou “comunicação oficial” com detalhes sobre o programa de voluntariado e informando que os valores doados deveriam ser depositados numa conta da Fundação do Banco do Brasil, gestora dos recursos do Pátria, “com fim específico de aquisição e aplicação de testes de Covid-19”.

“Dias depois, a Marfrig realizou a transferência bancária do valor proposto, de acordo com as orientações da Casa Civil”, relatou a empresa à Folha, contrariando a nota da Secom.

Fonte: Revista Fórum


No Fórum Café :

Além de repasses de Queiroz na conta pessoa física, Michelle Bolsonaro pessoa jurídica recebeu R$ 7,5 milhões para usar através do programa Pátria Voluntária. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a quantia repassada por Bolsonaro à primeira dama foi doada, em março, pelo frigorífico Marfrig para compra de 100 mil testes da Covid. Entretanto, em julho, o presidente teria consultado a empresa sobre o uso do dinheiro em outras ações e despachado a verba para o projeto Arrecadação Solidária, vinculado ao Pátria Voluntária, que já repassou cerca de R$ 240 mil  à  instituições missionárias evangélicas aliadas da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Os repasses de doações privadas foram realizados sem edital de concorrência.

Mesmo pressionado pela descoberta de cheques no valor de R$ 89 mil de Fabrício Queiroz nas contas Michelle, Bolsonaro omite explicações.

Esse e outros assuntos você acompanha no Fórum Café que hoje terá também a participação da correspondente do Fórum em Nova Iorque, Heloisa Villela. Assista ao vídeo:


sábado, 15 de agosto de 2020

BOLSONARO ENTREGA R$ 7,5 MILHÕES PARA GOOGLE DISTRIBUIR – INCLUSIVE A SITES DE FAKE NEWS



Ajustes do sistema de anúncios online permitem irrigar sites bolsonaristas sem despertar a atenção dos órgãos de controle.


O GOVERNO Jair Bolsonaro entregou mais de R$ 11 milhões ao Google, entre maio de 2019 e julho de 2020, para que o gigante da internet distribua anúncios do governo de extrema direita pela internet. Parte considerável desse dinheiro – até 68%, segundo o próprio Google – vai parar no bolso dos editores dos sites que os veiculam pelo sistema AdSense.

Esse tipo de anúncio é um dos principais meios de financiamento de sites de fake news de extrema direita que proliferaram e ganharam musculatura na internet após a eleição de Bolsonaro. A CPMI das fake news já identificou dois milhões de anúncios publicitários do governo que foram parar em site de “conteúdo inadequado” por meio do AdSense. Dezenas de sites de fake news foram beneficiados com esse dinheiro.

Mesmo antes de chegar a essa conclusão, a comissão já havia convidado, em 2019, executivos do Google a prestar esclarecimentos – o que ainda não ocorreu, porque os trabalhos estão parados por causa da pandemia de coronavírus.

Agora, fica claro que o bolsonarismo foi ainda mais generoso. Numa conta simplista, o Planalto colocou R$ 7,5 milhões (já excluída do montante a fatia abocanhada pelo próprio Google) à disposição de todo tipo de site, inclusive propagadores de mentiras como o Jornal da Cidade Online e o Conexão Política, primeiros alvos do movimento Sleeping Giants Brasil.

Os dados foram compilados pelo Intercept a partir de um pacote de contratos, termos aditivos e relatórios de despesas com publicidade oficial enviado pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, em resposta a requerimento feito pelo deputado federal David Miranda, do Psol fluminense.

Com os mais de R$ 11 milhões que recebeu, o Google só fica atrás de dois outros veículos de comunicação, a Record e o SBT, aliados de primeira hora do bolsonarismo, e de uma empresa que fornece mídia out of home, jargão do mercado publicitário para todo tipo de anúncio em ambiente externo, de painéis eletrônicos em grandes avenidas a anúncios em pontos de ônibus.

A rede de televisão da Igreja Universal do Reino de Deus embolsou mais de R$ 17,3 milhões para propagandear o governo Bolsonaro. O canal de Sílvio Santos, segundo colocado, outros R$ 15,4 milhões. Em seguida, está uma fornecedora de mídia outdoor a quem o bolsonarismo entregou quase R$ 11,2 milhões, R$ 70 mil a mais do que recebeu o Google.

Fabio Wajngarten, responsável pela comunicação do governo Bolsonaro: ele prometeu ajudar sites de fakes news a manterem anúncios e está na mira do Ministério Público Federal. Foto: Anderson Riedel/PR


Driblando a lei

Em maio, o Sleeping Giants Brasil alertou que o Banco do Brasil era um dos anunciantes que usava o Google AdSense para patrocinar sites de fake news. “É realmente triste assistir o aparelho governamental interferir e fazer uso do dinheiro do povo para empregá-lo em discursos odiosos e na disseminação de notícia falsas”, disse à revista Veja o criador do movimento, que prefere permanecer anônimo por temer represálias.

O relatório de despesas de publicidade oficial permite ver quanto dinheiro o bolsonarismo colocou à disposição dos sites de fake news. Os R$ 11 milhões pagos ao Google representam 6,5% do total gasto no período coberto pelo relatório – R$ 168,5 milhões, pulverizados entre mais de 1.600 fornecedores de todo tipo, de grandes emissoras de televisão e redes sociais a jornais e emissoras de rádio dos rincões do país.

Mas o Google alega sigilo comercial para não revelar os destinatários finais do dinheiro. Num leilão, a empresa distribui os anúncios com base no público que acessa os sites. A remuneração é por cliques: se o usuário clicar no anúncio, o Google e o site dividem a grana. A audiência é uma das variáveis que torna sites mais lucrativos, assim como a afinidade do público com os anúncios.

O Google não revela quais são os anunciantes de sites específicos. Mas nós já mostramos que, desde 2016, a extrema direita criou uma rede de sites lucrativa para receber esse dinheiro, e recebeu inclusive treinamento do próprio Google para bombar a audiência e lucrar mais com anúncios.



É uma corrida, portanto: quem atrair mais gente ganha mais dinheiro. E, para atrair a audiência da extrema direita, vale mentir e inventar – e falar bem de Bolsonaro, claro. Afinal, é bastante provável que um fã do presidente que chegou a um site de fake news atrás de matérias que confirmem sua fé no presidente clique num anúncio que fala bem de seu governo. É uma relação em que todos saem ganhando – a não ser os fatos e a democracia.

Concentrando parte considerável de sua verba publicitária nesse sistema, o governo escapa das críticas (e possíveis processos por improbidade) de que seria alvo se escolhesse entregar diretamente dinheiro público a sites que defendem o presidente, a cura da covid-19 pela cloroquina (descartada pela ciência), culpam adversários de Bolsonaro pelas mortes causadas pelo coronavírus ou simplesmente negam que ele seja a causa.

Em português claro, Bolsonaro encontrou no sistema de anúncios do Google uma maneira de entregar dinheiro público a seu exército de difusores de mentiras e teorias da conspiração sem ser alvo dos órgãos que controlam os gastos do governo. Já admitiu isso publicamente e passou recibo quando sua tropa de choque esperneou em reação ao surgimento do Sleeping Giants Brasil.

O movimento, que conseguiu retirar os anúncios do Google de dois dos principais sites de fake news, foi alvo de ataques do secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fabio Wajngarten, e dos filhos 02 e 03 do presidente, Carlos e Eduardo Bolsonaro.

Wajngarten falou, inclusive, que iria “contornar a situação”. Em seguida, o Banco do Brasil, um dos grandes anunciantes do governo, retomou a veiculação de propaganda via Google AdSense em um dos sites de fake news – até ser proibido de fazê-lo por decisão do Tribunal de Contas da União.

Para se defender, o governo tenta jogar a culpa no Google. “Não há, nem é possível, qualquer direcionamento para sites ou blogs impróprios porque a Secom não compra, não investe. Não existe nem blacklist nem whitelist”, tentou se esquivar o secretário de Publicidade de Bolsonaro, Glen Valente, numa entrevista à imprensa concedida em junho.

Só que não é assim. O sistema de anúncios do Google permite que o cliente (no caso, o próprio governo, representado pelas agências de publicidade que contrata) direcione seus anúncios a partir de um cardápio de 180 filtros disponíveis diretamente no sistema. Por eles, o anunciante pode escolher o perfil do público (incluir ou não crianças, aparecer ou não em sites que veiculam conteúdos violentos), segundo uma fonte que conhece profundamente o sistema e que conversou com o Intercept sob sigilo.

Além dessas opções, ainda há inúmeras possibilidades de ajustes finos, a partir do que se chama, no jargão do mercado, de listas de positivação e de exclusão – em que se pode incluir de endereços de sites a palavras-chave. Por exemplo: é possível pedir ao sistema para não exibir os anúncios em sites em que apareça a expressão “direito ao aborto” e privilegiar os que falam em “proteção à família tradicional” e “defesa da vida”. “Isso sinaliza ao algoritmo que estou disposto a pagar mais para veicular meu anúncio nesse tipo de site”, disse a fonte.

Em português claro, quem sabe usar esses ajustes pode multiplicar as chances de um anúncio do governo Bolsonaro ser exibido num site de fake news e eliminar as de que ele vá parar no de um jornal que critica o presidente de extrema direita. Tudo isso, claro, deixa rastros, ou logs, nome de registros de históricos de alterações feitas em sistemas de tecnologia da informação. O próprio Google confirma a existência dessas opções.

“Nossas plataformas oferecem aos anunciantes e agências controles robustos que permitem o bloqueio de categorias, palavras-chave e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos. Isso é importante, pois entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando estes não violam nossas políticas”, disse, em nota enviada como resposta a perguntas sobre os destinatários finais da verba de publicidade e o controle exercido pelos anunciantes.

Esses logs podem ser pedidos ao comprador dos anúncios – o governo – pela CPMI e pelos órgãos de controle – o Tribunal de Contas da União ou o Ministério Público Federal, por exemplo.

O MPF já está na história. Em maio, foi aberto inquérito para investigar Fabio Wajngarten pela suspeita de direcionar verba do governo a sites de fake news que apoiam o governo Bolsonaro. Os procuradores veem “impacto na liberdade de expressão e de imprensa de uma forma geral, pela potencialidade de inibição de reportagens investigativas e críticas sobre a atual administração, o que significa censura, ainda que por outros métodos”.


Correção: 14 de agosto, 11h20

Uma versão anterior desse texto afirmava que executivos do Google haviam sido convidados a prestar esclarecimentos para a CPMI das fake news após a descoberta de que R$ 2 milhões de propaganda oficial foram parar em sites de “conteúdo inadequado”. Na verdade, o convite já havia sido feito antes disso. O texto foi corrigido. 






Programa Fantástico faz um raio X de como funciona a Rede Fake News de Jair Bolsonaro.



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