Deflagrada nesta quinta (11), operação apura uso irregular
da Inteligência brasileira para favorecer filhos de Bolsonaro
Ministros do STF teriam sido monitorados pela chamada
"Abin Paralela" - Antônio Cruz/Agência Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter a
prisão de cinco investigados na quarta fase da Operação Última Milha,
deflagrada nesta quinta-feira (11), que apura o uso irregular da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) para favorecer filhos do ex-presidente Jair
Bolsonaro, monitorar ilegalmente ministros do STF e políticos opositores.
Com a decisão, vão continuar presos Mateus de Carvalho Sposito, ex-funcionário da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, o empresário Richards Dyer Pozzer, o influenciador digital Rogério Beraldo de Almeida, Marcelo Araújo Bormevet, policial federal, e Giancarlo Gomes Rodrigues, militar do Exército.
As prisões foram mantidas após audiência de custódia
realizada por um juiz instrutor do gabinete do ministro Alexandre de Moraes. A
justificativa para manutenção das prisões ainda não foi divulgada.
Segundo a investigação da Polícia Federal (PF), os cinco acusados
participaram do trabalho de monitoramento ilegal, que teria sido realizado com
o conhecimento do ex-diretor da Abin e atual deputado federal Alexandre Ramagem
(PL-RJ).
A Agência Brasil não conseguiu localizar as
defesas dos cinco acusados. Em nota, Alexandre Ramagem negou ter atuado
ilegalmente durante sua gestão no órgão.
Ramagem disse que não houve monitoramento ilegal de
autoridades. Segundo ele, os nomes que aparecem na investigação foram citados
em mensagens de WhatsApp e conversas de outros investigados na operação.
"Trazem lista de autoridades judiciais e legislativas
para criar alvoroço. Dizem monitoradas, mas na verdade não. Não se encontram em
First Mile ou interceptação alguma. Estão em conversas de WhatsApp, informações
alheias, impressões pessoais de outros investigados, mas nunca em relatório
oficial contrário à legalidade", afirmou.
O parlamentar também negou que tenha favorecido o senador
Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Segundo a PF, as ações clandestinas de monitoramento
também ocorreram contra três auditores da Receita Federal responsáveis pela
investigação sobre "rachadinha" no gabinete de Flávio quando ele
ocupava do cargo de deputado estadual.
"Não há interferência ou influência em processo
vinculado ao senador Flávio Bolsonaro. A demanda se resolveu exclusivamente em
instância judicial", concluiu.
Ontem (11), o senador negou qualquer favorecimento e disse
que a divulgação do relatório de investigação da PF foi feita para prejudicar a
candidatura de Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro.
"Simplesmente não existia nenhuma relação minha com
Abin. Minha defesa atacava questões processuais, portanto, nenhuma utilidade
que a Abin pudesse ter. A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das
eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura do delegado Ramagem
à prefeitura do Rio de Janeiro", afirmou.
Software israelense FirstMile, alvo de escândalo na Abin,
também foi adquirido pelo Exército, que, questionado em 2019, dizia não ter
acesso à ferramenta que já utilizava
Exército Brasileiro / Flickr: Exército Brasileiro participa de operações de apoio durante
as Olimpíadas no Brasil, em 2016
No dia 20 de outubro de 2023, por determinação do Supremo
Tribunal Federal, a Polícia Federal deflagrou a Operação Última Milha, que
investiga o uso ilegal de um software espião, o First Mile, por servidores da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Jair Bolsonaro.
Comercializado pela empresa Cognyte, subsidiária
da israelense Verint, o aplicativo First Mile tem capacidade de acessar
a localização em tempo real de telefones celulares captando os metadados
trocados entre o aparelho e torres de telecomunicação.
Além disso, possibilita o armazenamento do histórico da
geolocalização do aparelho e a criação de alertas sobre a presença do telefone
móvel em uma determinada área. Para que os dados fossem monitorados, bastava
que se digitasse o número do celular escolhido como alvo.
A investigação da Polícia Federal apontou que a ferramenta
foi usada pela Abin mais de 60 mil vezes, 1,8 mil das quais para monitorar
políticos, jornalistas, juízes e adversários do governo Bolsonaro.
Na última quinta-feira (25), o STF autorizou a Operação
Vigilância Aproximada, com ações de busca e apreensão contra 12 alvos – dentre
os quais o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-dirigente da Abin. Na
última segunda-feira (29), houve também operações de busca e apreensão contra o
vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do ex-presidente, e o
militar Giancarlo Gomes Rodrigues, apontado como um dos operadores da FirstMile
enquanto estava lotado no Centro de Inteligência Nacional (CIN) da Abin, criado
em julho de 2020 por Bolsonaro e Augusto Heleno para “enfrentar
ameaças à segurança e à estabilidade do Estado”.
A PF passou a investigar o que considera uma organização
criminosa, dividida em vários núcleos, que fez uso do FirstMile em benefício da
família Bolsonaro e para atacar seus inimigos. Dentre os espionados pela
"Abin paralela" estariam o então governador do Ceará e atual ministro
da Educação, Camilo Santana, os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar
Mendes, além do então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e a
deputada federal Joice Hasselmann – a lista completa dos espionados continua
desconhecida.
Além da Abin, a PF também encontrou evidências, durante as
ações de busca e apreensão de 20 de outubro, de que o software FirstMile foi
adquirido pelo Exército Brasileiro. Em agosto de 2023, a Agência
Pública já havia apurado que o Exército tinha contratos
com a fabricante do software. Mas foi a investigação da Polícia Federal que
encontrou evidências de que a ferramenta fora comprada durante a intervenção
federal na segurança pública do Rio de Janeiro, ainda em 2018.
Com o avanço das investigações, Caio Santos Cruz, filho do
general Santos Cruz, relatou à PF que a compra da ferramenta foi intermediada
pelo general Luiz Roberto Peret, que havia sido contratado pela Verint Systems,
fabricante da FirstMile e proprietária da Cognyte, criada em 2021 como um braço
separado voltado especificamente à inteligência e defesa. Peret, que passou
para a reserva em 2007, teria sido membro da organização de extrema-direita
militar TERNUMA (Terrorismo Nunca Mais), e é um dos conselheiros fundadores do
Instituto General Villas Bôas, general que ocupava o cargo de comandante do
Exército na época em que o software espião foi adquirido.
O contrato do Exército com a Verint, fechado em outubro de
2018, teria o valor de 10,8 milhões de dólares (52 milhões de reais), pagos com
parte dos 1,2 bilhões de reais que compunham o orçamento da intervenção federal
no Rio de Janeiro.
Segundo
a Folha de São Paulo, “apesar de a compra ter sido
realizada no âmbito da intervenção, o software não foi utilizado somente para o
combate ao crime organizado no Rio de Janeiro. Ele ficou sob a administração do
Exército”. O Gabinete de Intervenção Federal confirmou ao jornal que “[...]
softwares de inteligência ficaram sob a propriedade das Forças Armadas, mas com
a possibilidade de utilização em prol dos órgãos de segurança pública do Rio de
Janeiro mediante necessidade e acordo com a União, caso fosse de interesse do
Governo do Estado do Rio de Janeiro”.
O compartilhamento do software com autoridades estaduais e o
eventual desvio de finalidade dos recursos da intervenção federal – como conclui
um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) –, no entanto, não
são os únicos possíveis problemas envolvendo o Exército e o aplicativo
FirstMile. Em 27 de agosto de 2019, quatro anos antes da operação da PF,
a Revista Opera enviou ao Centro de Comunicação Social
do Exército (CComSEx) uma série de questionamentos acerca do uso de ferramentas
de vigilância como a FirstMile. As questões, formuladas pelo então jornalista
da Revista Opera André Ortega, que investigava o uso
dessas tecnologias no Brasil, foram então encaminhadas ao Comando de
Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército, que no dia 11 de setembro de 2019
deu respostas contraditórias com o que viria a ser apontado pela PF quatro anos
depois.
Os questionamentos chegavam a citar nominalmente a empresa
Verint Systems, que também teria fornecido ferramentas de vigilância similares
à FirstMile para o Exército do Peru. Mas, de acordo com o DCT, o Exército “não
possuía capacidades semelhantes” a uma ferramenta que “seria capaz de
identificar a localização precisa de telefones”. Perguntado se possuía
capacidades similares ou próximas das ostentadas pelo Exército do Peru graças a
seu contrato com a Verint em 2015, o Exército respondeu somente que “possui
capacidades de monitoramento rádio”.
O Departamento também informou que o Exército “não possui
nenhum produto (malware) capaz de infectar, monitorar e coletar informações de
telefones móveis.”
À luz do que revelou a PF, a única explicação plausível para
a resposta dada pelo Exército à época seria se a ferramenta, adquirida em 2018,
não estivesse com sua licença de uso ativa entre agosto e setembro de 2019,
quando o questionamento foi feito. Em 2019, o Comando
do Exército destinou 40 milhões de reais à Verint, proprietária do
FirstMile, por meio de três contratos. Os três contratos, classificados como de
“aquisição de serviços de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) de
caráter secreto ou reservado" ou de “aquisição de material permanente de
caráter secreto ou reservado", disponíveis no Portal da Transparência,
foram pagos no dia 12 de agosto. Os questionamentos da Revista Opera foram
feitos no dia 27 de agosto, e as respostas do Exército foram enviadas no dia 11
de setembro.
Outro lado: Exército se recusa a dar informações
A reportagem voltou a entrar em contato com o Exército,
questionando quais foram os períodos durante os quais a organização teve acesso
ao FirstMile, bem como as razões pelas quais respondeu negativamente às
perguntas feitas pela Revista Opera há quatro anos.
Desta vez, o Centro de Comunicação Social do Exército disse somente que “em
função de previsão legal (Lei n.º 12.527 de 18 de novembro de 2011, em seu
artigo 23, incisos V e VIII) não poderá atender à solicitação apresentada.”
A legislação a que o Exército se refere é a Lei de Acesso à
Informação (LAI), e o artigo 23 diz respeito às informações consideradas
imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado. Os incisos mencionados
pelo Exército dizem respeito a informações que possam “prejudicar ou causar
risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas” (V) e “comprometer
atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em
andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações" (VIII).
Não foi explicado porque, em 2019, o Exército pôde responder aos
questionamentos da Revista Opera negativamente, mas
agora não pode explicar as respostas que deu, à luz da investigação da Polícia
Federal.
Mas a LAI prevê também, no seu artigo 32, as condutas
ilícitas que ensejam responsabilidade de agente público ou militar: “I -
recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar
deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma
incorreta, incompleta ou imprecisa”; “III - agir com dolo ou má-fé na análise
das solicitações de acesso à informação”; “V - impor sigilo à informação para
obter proveito pessoal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal
cometido por si ou por outrem”.
Para o diretor da associação Data Privacy Brasil e mestre em
direito Rafael Zanatta, o uso de tecnologias para atividades de inteligência no
Brasil conta com a ausência de jurisdição específica. “A legislação, a
cobertura legal e jurídica que temos para Inteligência já é bastante reduzida;
porque constitucionalmente não temos. Temos a cobertura de segurança pública,
mas não se fala de Inteligência na Constituição Brasileira. E temos a lei que
reorganizou a Abin, no governo FHC, que determina as competências e depois as
normas que criam a CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência), que seria o órgão de controle. Mas elas não dizem nada sobre
softwares, ou seja, não parametrizam em que condições é legítima a utilização
de um software com essas capacidades, softwares espiões”, diz. “E o que foi
feito na construção de raciocínios sobre a utilização desses softwares, que
acho que tem uma certa perversidade jurídica, é que também encontraram
fundamentação jurídica dentro de pareceres que vinham da Advocacia Geral da
União (AGU) e da própria Procuradoria Geral da República (PGR) e órgãos
especializados para olhar juridicamente a licitude dessas operações, onde se
cravou uma tese de zona cinzenta. Ou seja: 'não se aplica aqui o Código de
Processo Penal, não estamos falando de interceptação telefônica, estamos
operando numa outra situação fática'. E essa outra situação fática não aplica,
não traz, não puxa, essas regras de devido processo que estão na Constituição e
no código de processo. Que é você ter o crivo judicial, autorização judicial; e
ter a delimitação de finalidade específica, de operação dentro de um espaço de
tempo, e de uma razoabilidade.”
Zanatta chama atenção, no entanto, a uma especificidade
jurídica do FirstMile. Ele cita ferramentas que são usadas para extrair
informações de celulares em posse de autoridades policiais, ou ainda softwares
que extraem informações em massa da internet e criam relatórios, como casos
diferentes ao FirstMile: “o FirstMile é diferente, porque ele explora uma
vulnerabilidade de infraestrutura de comunicações que é per se ilícita.
Esse 'spoofing', que é o atacante que está na unidade celular explorando
informação, está explorando uma vulnerabilidade que as empresas de
telecomunicações não querem que ele explore. E está explorando uma capacidade
de obtenção de informações de centenas, milhares de pessoas. E ele é feito por
uma empresa prestadora de serviço, não é uma autoridade policial que está em
posse de um dispositivo”, analisa. “Então eu acho que o FirstMile é
indefensável na nossa concepção jurídica; porque a premissa dele é uma
ilicitude. A dinâmica de funcionamento, para ele poder funcionar, ele está em
ilicitude. Porque está explorando a vulnerabilidade de um protocolo de
comunicações de um setor que é considerado de interesse nacional e que é
amplamente regulado, pela ANATEL, pelas normas de telecomunicações, etc.”
Para retirar o uso das ferramentas espiãs dessa zona
cinzenta, opina Zanatta, seria fundamental estabelecer uma classificação
jurídica clara sobre os diferentes tipos de software – malwares, spywares,
aplicativos de extração de dados, etc. –, e estabelecer uma legislação
específica sobre o tema. “Precisaria de um enfrentamento constitucional mesmo,
ou seja, inaugurar por meio de uma emenda constitucional um capítulo específico
sobre Inteligência na Constituição. E parametrizar esses elementos básicos de
necessidade, finalidade específica, razoabilidade, proporcionalidade, e criar
algum arranjo democrático de supervisão.”
Uso interno do Exército aumenta risco de autoritarismo,
diz pesquisadora
Para Julia Almeida, professora de Direito na Universidade
Anhembi Morumbi, integrante do Núcleo de Estudos da Violência da USP e autora
do livro “A militarização da política no Brasil” (Alameda, 2023), o uso
das Forças Armadas em missões de ordem interna, como a Intervenção Federal do
Rio de Janeiro, por meio da qual o FirstMile foi adquirido ou readquirido pelo
Exército, aumenta significativamente o risco de construção de governos
autoritários.
“A intervenção federal na Segurança Pública do Rio de
Janeiro foi um exemplo emblemático dessa atuação. Essa forma de intervenção é
uma forma política que ajuda a construir a intervenção de militares e membros
das Forças Armadas em projetos políticos, inclusive de natureza eleitoral.
Então o que esse escândalo do FirstMile revela é isso; como essas ferramentas
(como a GLO) não deveriam existir, e como seu uso desenfreado e intensificado é
um risco imenso à democracia no Brasil. O fato dos sistemas de inteligência
contarem com órgãos militares e terem a Abin sob o GSI também são determinantes
para essa atuação. É fundamental apontar, por último, que essa sempre foi a
tarefa da inteligência no Brasil, que tem nos militares sua efetivação:
controlar opositores, a pobreza e os que de alguma forma ameaçavam o status
quo no Brasil”, diz ela, que diz ainda que ferramentas como o
FirstMile “possuem inúmeros problemas de utilização.
Por si só, é um potencial violador de direitos fundamentais.
Tendo em vista o desenho atual da inteligência no Brasil e falta de controle
civil da atuação das Forças Armadas, acredito que esse tipo de ferramenta não
deveria ser controlada e utilizada diretamente pelas Forças Armadas, mesmo que
direcionada para as suas atribuições de Defesa.”
Para a professora, seria essencial a uma perspectiva
democrática que houvesse uma efetiva subordinação das Forças Armadas à
presidência e ao Congresso, e um efetivo controle civil delas. “Atualmente,
embora previstas na própria Constituição e na legislação da Abin e do SISBIN
(Sistema Brasileiro de Inteligência), não contamos com nenhuma efetivação de
mecanismo de controle dessas atividades [de inteligência] pelo Congresso
Nacional, com audiências e acariações.
E, no caso dos militares, embora devendo prestar contas ao
Ministério da Defesa, a que estão subordinados, o acúmulo de poder deles nos
últimos anos e o padrão de militarização do Estado impedem que essa relação
entre Executivo e Forças Armadas se dê dentro dos marcos republicanos. É o jogo
da correlação de forças, e os militares já deram sinais (como no 8 de janeiro e
seus desdobramentos) de que a mediação só é possível se alguns de seus
interesses forem atendidos, em especial o da anistia e da manutenção de
privilégios corporativos. No mais, a subordinação da Abin ao GSI sob o comando
de um militar (que tem sido a regra), também dificulta esse tipo de controle
pelos mecanismos do SISBIN.”
Resposta do Exército Brasileiro a questionamentos da Revista
Opera, dada em setembro de 2019.
No último dia 20 de outubro, a operação Última Milha da Polícia Federal (PF) reforçou uma suspeita que há meses circulava nos corredores da política na capital federal: de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) do governo Bolsonaro teria usado contra seus opositores um programa espião capaz de monitorar a localização
No último dia 20 de outubro, a operação Última Milha da
Polícia Federal (PF) reforçou uma suspeita que há meses circulava nos
corredores da política na capital federal: de que a Agência Brasileira
de Inteligência (Abin) do governo Bolsonaro teria usado contra seus opositores
um programa espião capaz de monitorar a localização, em tempo real, de
até 10 mil celulares por ano no Brasil e exterior. O caso ficou conhecido pelo
nome do programa supostamente usado de forma ilegal, o First Mile –
desenvolvido e negociado pela Cognyt e, companhia israelense do setor de
inteligência.
Ciente de que algo estava prestes a acontecer no caso, a equipe da Agência
Pública em Brasília (DF) decidiu mergulhar na história nos últimos meses.
Descobrimos, então, que as incógnitas em torno da espionagem estatal
vão muito além da Abin. Assim, no mesmo dia da operação da PF, revelamos
com exclusividade que Aeronáutica, Exército, a Polícia Rodoviária Federal (PRF)
na gestão do bolsonarista Silvinei Vasques, e governos de pelo menos 9 estados,
a maioria do campo da direita bolsonarista, também adquiriram produtos do grupo
israelense nos últimos 6 anos.
Até sua primeira venda para o governo federal, em dezembro de 2017, a Cognyte
somava R$ 2 milhões em contratos com órgãos públicos brasileiros. Dali em
diante, a companhia israelense vendeu o equivalente a pelo menos R$ 57 milhões
em ferramentas de espionagem, cujo uso – e controle – seguem
completamente desconhecidos da população brasileira até o momento.
A descoberta veio apesar de alguns entes públicos se negarem a dar explicações
à Pública. No caso dos militares, por exemplo, nos deparamos com uma negativa
insustentável de acesso à informação, já relatada na coluna Entrelinhas do
Poder.
Além disso, em dois dos casos identificados há contextos nebulosos por trás dos
compradores:as gestões do governador Ronaldo Caiado em Goiás e a
do governador Mauro Mendes no Mato Grosso, ambos reeleitos ano passado pelo
partido União Brasil.
Apesar de tentativas do governo goiano de esconder informações, descobrimos que
a gestão Caiado adquiriu o First Mile em 2021, assinando um contrato que lhe
permitia 10 mil buscas por meio do programa num período de dois anos. Chama
atenção que o governo de Goiás decretou sigilo sobre a execução do
contrato na mesma data em que respondeu ao pedido inicial de informações
enviado pela Pública.
Já o governador Mauro Mendes foi tema de uma reportagem da Pública ainda no
início de 2023,em que revelamos gravações que o colocam sob suspeita
de envolvimento num esquema de arapongagem contra jornalistas e críticos à sua
gestão. No mesmo período do caso denunciado pela Pública, seu governo
operou um programa da Cognyte chamado GI2-S, capaz de forçar “atividade secreta
e uso dissimulado” de qualquer aparelho celular em seu raio de alcance.
As descobertas chamam atenção porque, a um primeiro olhar da imprensa, a
operação da Polícia Federal dava a impressão de que somente a Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) tinha usado o First Mile ou quaisquer outros
produtos da Cognyte. Não quer dizer que a Abin não mereça um olhar jornalístico
criterioso, afinal, por anos o órgão foi controlado por um dos aliados
mais fiéis do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-delegado da PF e
atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Sob o comando de Ramagem, a Abin fichou líderes caminhoneiros de acordo
com seu grau de “ameaça” ao governo Bolsonaro durante a pandemia de
Covid-19, além de ter aumentado significativamente suas compras secretas. Ambos
os casos, vale dizer, foram revelados pela equipe da Pública neste ano dentro
do especial "Caixa-Preta do governo Bolsonaro", que
investigou documentos sigilosos da gestão passada.
Casos em que o aparato estatal é usado para espionagem, com eventuais abusos e
perseguições, estão longe de se esgotar. Considerando apenas o First
Mile, uma série de perguntas ainda segue sem resposta: Quem foi alvo de
monitoramento e por quê? A quem tais informações foram passadas? Qual foi o
papel das empresas de telefonia nesses casos?
Flávio Bolsonaro, denunciado pelo MP, contou com a atuação
do governo do pai na busca de documentos para sua defesa. Foto: Pablo Jacob /
Agência O Globo
Abin produziu pelo menos dois relatórios de orientação para
Flávio Bolsonaro e seus advogados sobre o que deveria ser feito para obter os
documentos que permitissem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu pelo
menos dois relatórios de orientação para Flávio Bolsonaro e seus advogados
sobre o que deveria ser feito para obter os documentos que permitissem embasar
um pedido de anulação do caso Queiroz. Nos dois documentos, obtidos pela coluna
e cuja autenticidade e procedência foram confirmadas pela defesa do senador, a
Abin detalha o funcionamento da suposta organização criminosa em atuação na
Receita Federal (RFB), que, segundo suspeita dos advogados de Flávio, teria
feito um escrutínio ilegal em seus dados fiscais para fornecer o relatório que
gerou o inquérito das rachadinhas. Enviados em setembro para Flávio e repassados
por ele para seus advogados, os documentos contrastam com uma versão do general
Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que
afirmou publicamente que não teria ocorrido atuação da Inteligência do governo
após a defesa do senador levar a denúncia a Bolsonaro, a ele e a Alexandre
Ramagem, diretor da Abin, em 25 de agosto.
Um dos documentos é autoexplicativo ao definir a razão
daquele trabalho. Em um campo intitulado “Finalidade”, cita: “Defender FB no
caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados
aos dados fiscais de FB”. Os dois documentos foram enviados por WhatsApp para
Flávio e por ele repassados para sua advogada Luciana Pires.
O primeiro contato de Alexandre Ramagem com o caso foi numa
reunião no gabinete de Bolsonaro, em 25 de agosto, quando recebeu das mãos das
advogadas de Flávio uma petição, solicitando uma apuração especial para obter
os documentos que embasassem a suspeita de que ele havia sido alvo da Receita.
Ramagem ficou com o material, fez cópia e devolveu no dia seguinte a Luciana
Pires, que voltou ao Palácio do Planalto para pegar o documento, recebendo a
orientação de que o protocolasse na Receita Federal. A participação da Abin, a
partir daí, seguiria por meio desses relatórios, enviados a Flávio Bolsonaro,
com orientações sobre o que a defesa deveria fazer.
No primeiro relatório, o que especifica a finalidade de
“defender FB no caso Alerj”, a Abin classifica como uma “linha de ação” para
cumprir a missão: “Obtenção, via Serpro, de ‘apuração especial’, demonstrando
acessos imotivados anteriores (arapongagem)”. O texto discorre
então sobre a dificuldade para a obtenção dos dados pedidos à Receita e, num
padrão que permanece ao longo do texto, faz imputações a servidores da Receita
e a ex-secretários, a exemplo de Everardo Maciel.
“A dificuldade de obtenção da apuração especial (Tostes) e
diretamente no Serpro é descabida porque a norma citada é interna da RFB da
época do responsável pela instalação da atual estrutura criminosa — Everardo
Maciel. Existe possibilidade de que os registros sejam ou já estejam sendo
adulterados, agora que os envolvidos da RFB já sabem da linha que está sendo
seguida”, diz o relatório, referindo-se a José Tostes Neto, chefe da Receita.
O relatório sugere a substituição dos “postos”, em provável
referência a servidores da Receita, e, sem dar mais detalhes, afirma que essa
recomendação já havia sido feita em 2019.
“Permanece o entendimento de que a melhor linha de ação para
tratar o assunto FB e principalmente o interesse público é substituir os postos
conforme relatório anterior. Se a sugestão de 2019 tivesse sido adotada, nada
disso estaria acontecendo, todos os envolvidos teriam sido trocados com pouca
repercussão em processo interno na RFB!”, explica o texto.
A agência traça em seguida outra “alternativa de
prosseguimento”, que envolveria a Controladoria-Geral da União (CGU), o Serviço
Federal de Processamento de Dados (Serpro) e a Advocacia-Geral da União (AGU).
“Com base na representação de FB protocolada na RFB
(Tostes), CGU instaura sindicância para apurar os fatos no âmbito da
Corregedoria e Inteligência da Receita Federal; Comissão de Sindicância
requisita a Apuração Especial ao Serpro para instrução dos trabalhos. Em caso
de recusa do Serpro (invocando sigilo profissional), CGU requisita
judicialização da matéria pela AGU. (...) FB peticiona acesso à CGU aos autos
da apuração especial, visando instruir Representação ao PGR Aras, ajuizamento
de ação penal e defesa no processo que se defende no RJ”, recomenda o texto,
resumindo qual é a estratégia: “Em resumo, ao invés da advogada ajuizar ação
privada, será a União que assim o fará, através da AGU e CGU — ambos órgãos sob
comando do Executivo”.
Ainda nesse primeiro documento, outros dois servidores
federais são acusados pela Abin, o corregedor-geral da União, Gilberto Waller
Júnior, e o corregedor da Receita, José Barros Neto.
“Existem fortes razões para crer que o atual CGU (Gilberto
Waller Júnior) não executar(ia) seu dever de ofício, pois é PARTE do problema e
tem laços com o Grupo, em especial os desmandos que deveria escrutinar no
âmbito da Corregedoria (amizade e parceria com BARROS NETO)”, disse o texto.
Um parêntese curioso. Neste trecho, já no fim do documento,
a Abin, comandada pelo delegado da PF Alexandre Ramagem, sugere que Bolsonaro
demita Waller Júnior da Corregedoria-Geral e coloque no lugar dele um policial
federal: “Neste caso, basta ao 01 (Bolsonaro) comandar a troca de WALLER por
outro CGU isento. Por exemplo, um ex-PF, de preferência um ex-corregedor da PF
de sua confiança”.
O outro documento enviado pela Abin a Flávio e repassado por
ele a sua advogada traça uma “manobra tripla” para tentar conseguir os
documentos que a defesa espera.
As orientações da agência aqui se tornam bem específicas.
“A dra. Juliet (provável referência à advogada Juliana
Bierrenbach, também da defesa de Flávio) deve visitar o Tostes, tomar um
cafezinho e informar que ajuizará a ação demandando o acesso agora exigido”,
diz a primeira das três ações, chamadas pela Abin de “diversionária”.
Em seguida, o texto sugere que a defesa peticione ao chefe
do Serpro o fornecimento de uma apuração especial sobre os dados da Receita,
baseando-se na Lei de Acesso à Informação — o que de fato a defesa de Flávio
Bolsonaro faria. A Abin ressalta que o pedido deve ser por escrito. “O e-sic
(sistema eletrônico da Lei de Acesso) deve ser evitado pois circula no sistema
da CGU e GILBERTO WALLER integra a rede da RFB”, explicou a Abin.
E, por fim, o relatório sugere “neutralização da estrutura
de apoio”, a demissão de “três elementos-chave dentro do grupo criminoso da
RF”, que “devem ser afastados in continenti”. “Este afastamento se resume a uma
canetada do Executivo, pois ocupam cargos DAS. Sobre estes elementos pesam
condutas incompatíveis com os cargos que ocupam, sendo protagonistas de
diversas fraudes fartamente documentadas”, afirma o texto, sem especificar que
condutas seriam essas. E cita os nomes de três servidores: novamente o
corregedor José Barros Neto; o chefe do Escritório de Inteligência da Receita
no Rio de Janeiro, Cléber Homem; e o chefe do Escritório da Corregedoria da
Receita no Rio, Christiano Paes. Num indicativo de que Bolsonaro talvez esteja
seguindo a recomendação da Abin contra os servidores, Paes pediu exoneração do
cargo na semana passada.
Procurado, o GSI negou a existência dos documentos, mesmo
informado que a autenticidade de ambos havia sido confirmada pela defesa de
Flávio Bolsonaro, e manteve a versão de que não se envolveu no tema. Procurada,
a advogada Luciana Pires confirmou a autenticidade dos documentos e sua
procedência da Abin, mas recusou-se a comentar seu conteúdo.
A Abin não respondeu aos questionamentos sobre a origem das
acusações feitas nos relatórios nem se produziu mais documentos além dos dois
obtidos pela coluna. Alexandre Ramagem, diretor da agência, atualmente voltou a
ser cotado para comandar a Polícia Federal, caso Bolsonaro seja inocentado no
inquérito que investiga se ele queria controlar a corporação ao nomear Ramagem,
amigo de seus filhos, para a direção da PF.
Quando todos os órgãos de controle são aparelhados, seus arapongas negam até o fim as devassas e interferências, deixando aos demais despachantes do poder de turno a tarefa de engavetar o caso por “falta” de (coleta de) provas, mesmo quando elas vêm a público pela imprensa.
Total de gastos sigilosos vinculados ao presidente e sua
família foi de R$ 3,76 mi neste ano, um salto em relação a períodos anteriores
Os gastos com cartão corporativo da Presidência da
República, usado para bancar despesas sigilosas do presidente Jair Bolsonaro,
dobraram nos quatro primeiros meses de 2020, na comparação com a média dos
últimos cinco anos. A fatura no período foi de R$ 3,76 milhões, valor que é
lançado mensalmente no Portal da Transparência do governo, mas cujo
detalhamento é trancado a sete chaves pelo Palácio do Planalto.
Jair Bolsonaro fez campanha contra os altos gastos com
cartão da Presidência
Foto: Gabriela Biló / Estadão Conteúdo
Em dezembro do ano passado, o Estadão revelou que o governo
passou a ignorar uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e se recusa a
explicar como tem usado o dinheiro público via cartões corporativos. A
Presidência tem justificado, nos pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação,
que a abertura dos dados e notas fiscais poderiam colocar em risco a segurança
do presidente.
O fato é que, neste início de ano, essas despesas deram um
salto e fugiram do padrão do que gastaram os ex-presidentes Dilma Rousseff e
Michel Temer no mesmo período. Foge do padrão, inclusive, do que gastou o
próprio Bolsonaro no seu primeiro ano de mandato, quando apresentou uma despesa
de R$ 1,98 milhão de janeiro a abril.
O cálculo leva em consideração os pagamentos vinculados à
Secretaria de Administração da Presidência da República. Além de eventuais
despesas em favor de Bolsonaro, a secretaria é responsável por gastos de
familiares do presidente e das residências oficiais. Responde ainda por
pagamentos corriqueiros da Presidência.
Mas não foi só a fatura dos cartões ligados diretamente a
Bolsonaro que explodiu neste início do ano. O total de despesas sigilosas da
Presidência, que inclui também gastos do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) aumentaram na mesma
proporção. Foram R$ 7,55 milhões em despesas sigilosas da Presidência da
República de janeiro a abril, 122% a mais do gasto no mesmo período do último
ano do governo Temer. Em cinco anos, o mais próximo disso foram os R$ 4,69
milhões (em valores corrigidos pela inflação) despendidos em 2015, na gestão de
Dilma.
É um dinheiro que, a não ser alguns integrantes do próprio
governo, ninguém mais sabe para onde foi. Nem mesmo a data em que a transação
foi realizada é conhecida.
Antes de ser eleito, Bolsonaro foi um crítico ferrenho dos
gastos com cartões corporativos e, principalmente, do possível sigilo dos
extratos. Em 2008, em discurso na Câmara dos Deputados, ainda como parlamentar
(na época filiado ao PP) desafiou o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva
a "abrir os gastos" com o cartão.
No último 24 de abril, dia em que o então ministro Sérgio
Moro pediu demissão, Bolsonaro fez um longo discurso no Palácio do Planalto
para responder o novo desafeto. Entre diversos assuntos abordados - que foi do
aquecedor da piscina do Palácio da Alvorada à vida amorosa do filho mais novo -
afirmou que tem sido econômico no uso do cartão. "Na vida de presidente da
República eu tenho três cartões corporativos, dois são usados para despesas, as
mais variadas possíveis, afinal de contas mais de 100 pessoas estão na minha
segurança diariamente, despesas de casa, normal", disse. "E um
terceiro cartão que eu posso sacar R$ 24 mil por mês sem prestar contas. Eu
posso sacar R$ 24 mil e gastar onde bem entender. Quanto eu gastei dessa verba
desde o ano passado? Zero", disse. Bolsonaro não mencionou, no entanto,
que os gastos totais dos cartões corporativos da Presidência sob sigilo
superaram os R$ 14 milhões no ano passado.
Supremo
Na semana passada, o deputado Federal Elias Vaz (PSB-GO),
que integra a Comissão de Fiscalização da Câmara, ingressou com um mandado de
segurança no Supremo cobrando do Palácio do Planalto a divulgação dos gastos
com cartão corporativo. A ministra Cármen Lúcia é a relatora do caso.
O parlamentar invoca a decisão da Corte de dezembro e
argumenta que nem tudo o que é comprado pela Presidência está abarcado nas
regras que permitem sigilo. "A gente espera uma austeridade do poder
público, mas o presidente quase triplica os gastos com cartão corporativo no
mês de março, que é onde começa as consequências na economia da covid-19. Devia
conter seus gastos, mas não contém, gasta muito e ainda quer esconder os
motivos", afirmou o deputado.
Na ação, Vaz afirma que, entre os gastos secretos da
Presidência da República, há em 2020 pelo menos 104 situações em que foram
desembolsados valores acima de R$ 17,6 mil. Em uma única oportunidade, houve um
gasto de R$ 79.372,41 no cartão, diz o deputado na ação, lembrando que todos
esses valores estão em sigilo e, para serem fiscalizados, parlamentares e a
sociedade precisam ter acesso ao detalhamento.
No processo, Vaz diz ter identificado situações ainda mais
"gritantes". "Há uma série de indicativos de saques que vão de
R$800 até R$20 mil sem que possa ser identificado onde este dinheiro foi gasto,
com quem, com o que", afirma. "O presidente, que em outras
administrações criticava os gastos com cartão corporativo, depois que assume
adota outra postura", conclui o deputado.
Para o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil
Castello Branco, quanto menores forem esses gastos secretos com os cartões
corporativos, melhor. "A transparência deve ser a regra e o sigilo a
exceção. O governo está na contramão", afirmou ele. "Em nome da
segurança do Estado, frequentemente, as autoridades escondem despesas banais.
Muitas vezes para ocultar o óbvio. Todos os gastos da Presidência são pagos
pelos brasileiros. Se essa relação de compras fosse disponibilizada as despesas
seriam, certamente, objeto de crítica", disse.
Maioria dos gastos foi em viagens, afirma Planalto
Sem dar detalhes, o Palácio do Planalto afirmou que a maior
parcela de gastos efetuados com os cartões corporativos do governo federal foi
realizada em apoio às viagens presidenciais em território nacional e viagens
internacionais. Neste ano, o presidente Jair Bolsonaro esteve na Índia em
janeiro, participou da posse da presidente do Uruguai, no início de março e, no
mesmo mês, viajou com uma comitiva de 31 pessoas aos Estados Unidos.
O governo alega ainda que houve um aumento nos gastos totais
da Presidência, em março deste ano, pois os cartões vinculados ao Gabinete da
Segurança Institucional (GSI) foram utilizados para o pagamento dos
"serviços de apoio de solo e comissaria aérea na viagem para a China,
realizada em fevereiro de 2020, para o resgate de 34 brasileiros isolados em
Wuhan, em razão do surto epidemiológico inicial da covid-19".
Coordenada pelo Ministério da Defesa, a Operação Regresso à
Pátria Amada Brasil ocorreu entre 5 e 9 de fevereiro, fase do envio e retorno
dos aviões, e seguiu com mais 14 dias de confinamento dos resgatados na Base
Aérea de Anápolis (GO). Documentos do Comando da Aeronáutica revelados pelo
Estadão mostraram que a operação custou R$ 4,6 milhões aos cofres públicos -
valor que não incluía os gastos citados pelo GSI.
Sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal, o Palácio do
Planalto disse que a Lei de Acesso à Informação (LAI), de 2011, permite manter
sob sigilo informações que possam colocar em risco a segurança do presidente da
República e de seus familiares. Para isso, se baseia em um parecer da
Advocacia-Geral da União para manter em segredo boa parte dos gastos com cartão
corporativo.
No pronunciamento em que rebateu acusações do ex-ministro
Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro disse que tomou medidas de economia no
Palácio da Alvorada e que um cartão corporativo que está à sua disposição nunca
foi usado. Dados do Portal da Transparência mostram que as despesas sigilosas
de Bolsonaro com cartões aumentaram 34% em relação ao antecessor Michel Temer e
12% na comparação com o último ano de Dilma Rousseff como presidente.
EL PAÍS - Levantamento da Pública mostra que outros cinco assessores prestaram serviços de campanha enquanto estavam contratados pelo atual presidente ou seus três filhos
A “rachadinha” – apropriação de salários de assessores nomeados por parlamentares – voltou à baila no final de 2018, quando o Conselhode Controle de Atividades Financeiras (COAF) identificou movimentações financeiras suspeitas na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro(ALERJ), envolvendo inclusive o atual senador Flávio Bolsonaro. Porém, quando se trata de doações eleitorais, os assessores responsáveis pelos maiores repasses à família do presidente foram aqueles ligados diretamente a Jair Bolsonaro. É o que revela um levantamento da Pública, que identificou transferências de recursos totalizando mais de 109 mil reais em repasses financeiros e outros 5 mil reais em serviços, em valores atualizados.
O COAF, órgão que investiga lavagem de dinheiro, considerou os depósitos feitos na conta de Flávio Bolsonaro suspeitos WILSON DIAS AGÊNCIA BRASIL
Ao todo, foram 13 doações de sete assessores da família entre 2004 e 2018. Mas as únicas transferências de recursos financeiros vieram de apenas duas pessoas, homens de confiança de Jair Bolsonaro, por meio de cheques, depósitos e transferências eletrônicas. O capitão do exército Jorge Francisco e Telmo Broetto, ex-agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), fizeram juntos repasses de mais de 109 mil reais ao longo de 14 anos. Outros cinco assessores fizeram doações menores, através de prestação de serviços às candidaturas da família Bolsonaro – esse tipo de trabalho também possui um valor que a Justiça Eleitoral considera como “doação estimada”.
“Não existe nada na lei eleitoral com restrições de doações de pessoas físicas, nem assessores. Ou seja, não há impeditivo legal, mas isso revela um vício do sistema político”, comenta Bruno Carazza, autor do livro ‘Dinheiro, eleições e poder: as engrenagens do sistema político brasileiro’. Segundo ele, esta prática é chamada de patronagem. “Cria-se um incentivo para contratar alguém que é próximo, correligionário ou não, e aquela pessoa tem o compromisso de compartilhar o que ganhou, retornando para o partido ou para o político que o nomeou”, explica Carazza.
A Pública tentou contato com Jair Bolsonaro, por meio da Secretaria Geral da Presidência da República. Também buscamos os mandatos de Eduardo, Flávio e Carlos Bolsonaro para esclarecimentos sobre as doações. Por email, o Palácio do Planalto afirmou que não se pronunciaria.
O maior doador foi Jorge Francisco, que trabalhou quase duas décadas como assessor parlamentar de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados e faleceu com 69 anos por conta de um infarto em 2018. Na ocasião, Bolsonaro o descreveu como um “leal amigo de 20 anos”.
Ele foi um dos principais financiadores das candidaturas da família. Sozinho, em quatro eleições entre 2004 e 2016, o ex-assessor Jorge Francisco repassou ao todo 81 mil reais para Jair e sua prole, os filhos-candidatos Eduardo, Flávio e Carlos Bolsonaro, segundo registros do Tribunal Superior Eleitoral. Para totalizar as doações, os valores de cada ano foram atualizados de acordo com a inflação no período.
Em valores nominais, a maior doação identificada foi feita por Jorge Francisco, em agosto de 2012. Enquanto seguia atuando como secretário parlamentar de Jair Bolsonaro, ele fez uma transferência eletrônica de 15 mil reais beneficiando o filho do chefe, Carlos, que se reelegeu vereador. Naquele mês, a folha de pagamento de Jorge na Câmara registra 6,7 mil reais de remuneração líquida. Ou seja, sua doação equivale a mais de dois meses de salário.
O segundo principal assessor-doador foi Telmo Broetto, que trabalhou como secretário parlamentar de Jair Bolsonaro entre 2005 e 2018 e atualmente exerce o mesmo cargo no gabinete de Eduardo Bolsonaro, na Câmara dos Deputados. Em 2006, por meio de cheque e depósito em espécie, Telmo apoiou a candidatura do filho do patrão, Flávio Bolsonaro, na corrida para a Assembleia Legislativa do Rio, pelo PP. O valor foi de 9 mil reais – o equivalente a mais de 17 mil reais em valores atualizados.
Em 2014, Telmo Broetto e Jorge Francisco também apoiaram a candidatura de Eduardo Bolsonaro à Câmara dos Deputados pelo PSC. O primeiro repassou 11 mil reais, enquanto Telmo aportou 7 mil reais, em valores nominais. Ambos trabalhavam como assessores de Bolsonaro.
À época, Telmo recebia 10 mil rais de salário na Câmara dos Deputados, já descontados os abatimentos obrigatórios. Jorge Francisco ganhava pouco mais de 5 mil reais.
Irmã de milicianos presos
Na terceira posição, entre os assessores que mais fizeram doações de campanha para a família Bolsonaro, está Valdenice de Oliveira Meliga, irmã de dois milicianos presos em 2018. De maio de 2018 até fevereiro deste ano, ela exercia um cargo de confiança no gabinente da liderança do PSL na ALERJ, sob comando de Flávio Bolsonaro. A IstoÉ mostrou que, durante a campanha, Valdenice chegou a assinar cheques em nome de Flávio.
De acordo com as declarações de Flávio Bolsonaro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Valdenice prestou serviços de administração financeira para sua candidatura ao Senado em 2018. O valor foi estimado em 5 mil reais.
A doação de Valdenice foi registrada no dia 15 de setembro de 2018. Um dia depois constam doações de outros três assessores de Flávio Bolsonaro para sua campanha, por meio de prestações de serviços envolvendo carreatas, todas com valor estimado de 200 reais.
Os três assessores foram Miguel Ângelo Braga Grillo, coronel da Aeronáutica e advogado, nomeado por Flávio na ALERJ em 2007, que hoje é seuchefe de gabinete no Senado Federal; Fernando Nascimento Pessoa, que foi inicialmente contratado por Jair na Câmara em 2009 e migrou para o gabinete de Flávio na ALERJ em 2014, assessorando-o hoje no Senado, com remuneração bruta de 22,9 mil reais; e Alessandra Cristina Ferreira de Oliveira, que foi funcionária de Flávio na ALERJ entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019, exercendo ainda funções de tesoureira do PSL no Rio de Janeiro e prestadora de serviço a outras campanhas do partido.
Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro com Valdenice de Oliveira e os irmãos gêmeos milicianos, presos na Operação Quarto Elemento. INSTAGRAM/FLÁVIO BOLSONARO
Há proximidade de datas nos registros dos repasses de assessores também em 2016, quando foram feitas prestações de serviços de assessores, registradas em setembro. Nos dias 7 e 8, existem registros de serviços prestados por Alessandra Ramos Cunha (assessora de Jair Bolsonaro na Câmara entre 2014 e 2018) e o falecido homem de confiança do presidente, Jorge Francisco, em prol da candidatura do vereador Carlos Bolsonaro pelo PSC, totalizando 4 mil reais, em valores nominais.
Troca-troca de assessores
O levantamento feito pela Pública com dezenas de nomes de assessores revela que é comum assessores passarem de um mandato para outro da família Bolsonaro. Pelo menos, 15 pessoas passaram pelo gabinete de mais de um membro da família. Outros acompanharam os Bolsonaro entre diferentes casas legislativas.
O levantamento se baseou na prestação de contas eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde 2002, dados obtidos via Lei deAcesso à Informação e em pesquisas no Diário Oficial. Foram considerados 53 assessores dos mandatos de Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro na Câmara dos Deputados em Brasília, além de 34 empregados de Flávio Bolsonaro na ALERJ.
A listagem de assessores na Câmara dos Deputados em Brasília foi obtida pela Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI). A ALERJ negou a solicitação feita via LAI a respeito dos assessores de Flávio Bolsonaro. Neste caso, os assessores foram identificados através de buscas no Diário Oficial. Já a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro ignorou o pedido via LAI sobre assessores de Carlos Bolsonaro – o que viola a lei – passado mais de um mês do prazo estipulado para respostas.
Outras doações
No caso dos assessores Helen Cristina Gomes Vieira e Jorge Antônio de Oliveira Francisco foram encontradas doações, mas elas foram registradas em anos sem evidências de vínculo empregatício com a família Bolsonaro. Portanto, os repasses não foram levados em conta no levantamento geral.
No dia 16 de setembro de 2016, há um apoio de Helen Cristina por meio de “distribuição de panfletos” para Carlos, com valor estimado à época em 600 reais. Helen foi assessora de seu pai, Jair Bolsonaro, na Câmara entre 2013 e 2014, assumindo novamente um posto no ano seguinte à doação, entre 2017 e 2018. Hoje, ela trabalha como oficial de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro no Rio de Janeiro.
Em 2004, há um cheque para Carlos Bolsonaro de 1 mil reais, em nome de Jorge Antonio de Oliveira Francisco, que era assessor parlamentar da Polícia Militar do Distrito Federal e depois passou pelos gabinetes de Jair Bolsonaro (2013-2015) e seu filho Eduardo (2015-2018). Em 2006, ele fez outra transferência, com valor nominal de 4 mil reais, desta vez para Flávio. Agora, comanda a subchefia jurídica da Casa Civil da Presidência da República.
O mesmo caso se deu com uma doação de 2002 feita por Jorge Francisco para Flávio Bolsonaro de quase 6 mil reais. O valor atualizado seria 16.903 reais. Jorge foi nomeado em março de 2003 como assessor de Jair. Até a publicação da reportagem, a Câmara não informou se o assessor já trabalhava lá antes disso.
Assessor de Flávio Bolsonaro sob investigação
Suspeitas sobre a apropriação do salário de assessores por parte de parlamentares ganharam destaque com a Operação Furna da Onça, deflagrada pela Polícia Federal em novembro de 2018 para investigar casos de corrupção na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro (ALERJ). A Operação atingiu a família do presidente quando um relatório financeiro identificou movimentações bancárias atípicas de assessores de Flávio Bolsonaro, em especial Fabrício Queiroz.
Ao Ministério Público, Queiroz afirmou que gerenciava salários dos assessores para expandir a atuação parlamentar de FlávioBolsonaro, por meio da subcontratação de outros funcionários com o soldo de seus colegas, sem o conhecimento do patrão. A prática não é autorizada pela ALERJ.
“Nos gabinetes, o deputado é o gestor de sua equipe, sendo responsável por determinar horários de trabalho, fiscalizar a frequência e atestar as folhas de ponto. Não é permitido aos servidores ou aos gestores fazer qualquer tipo de negociação sobre sua carga horária envolvendo pagamentos em dinheiro. Também não é permitida a contratação de qualquer funcionário sem sua nomeação, que é publicada no Diário Oficial do Legislativo, e a apresentação de documentos para formalização do vínculo”, informou a Assembleia, em nota.
Segundo COAF, Queiroz movimentou aproximadamente 7 milhões de reais ao longo de três anos. Ao contrário daqueles identificados no levantamento da Pública, estes repasses investigados pelas autoridades não foram registrados oficialmente como doações em campanhas eleitorais. Os repasses ainda estão sendo investigados.
Apesar de serem comuns nos parlamentos, a “rachadinha” raramente é punida por juízes e sua tipificação não é consenso entre especialistas. Em janeiro, a revista Época identificou que, entre 12 recentes casos que ganharam repercussão, só 2 parlamentares foram condenados, podendo ainda recorrer em instâncias superiores. Já o site Consultor Jurídico consultou 10 pesquisadores sobre o tema. Enquanto alguns afirmam que a prática configura crime de peculato e desvio, outros a consideram corrupção passiva ou improbidade administrativa e há quem diga que o ato sequer é passível de punições.
Poucos doadores até 2018
Durante muito tempo, a família Bolsonaro teve poucos doadores registrados no TSE. Em 2018, foi a primeira vez que uma candidatura do grupo conseguiu superar a marca de 10 apoiadores. Até então, o dinheiro vinha principalmente do partido, autofinanciamento e de recursos injetados por assessores.
Jair Bolsonaro também foi apoiado por caciques da velha política fluminense, como o ex-vice-governador Francisco Dornelles (PP) e o Jorge Picciani (MDB), que encontra-se em prisão domiciliar por crimes de corrupção investigados em um desdobramento da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Em valores nominais, Dornelles apoiou o atual presidente com uma “doação estimada” de mais de 6 mil reais, em 2002, enquanto Picciani possui doações assim para Flávio Bolsonaro em 2010, quando o apoiou por meio da prestação de serviços de materiais de campanha e impressão de santinhos.
Abin e comandos militares relataram articulação de cardeais para o Sínodo sobre Amazônia, reunião no Vaticano que governo trata como parte da ‘agenda da esquerda’
BRASÍLIA - O Palácio do Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo JairBolsonaro, no vácuo da derrota e perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias.
Durante 23 dias, o Vaticano vai discutir a situação da Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo brasileiro como uma “agenda da esquerda”.
O debate irá abordar a situação de povos indígenas, mudanças climáticas provocadas por desmatamento e quilombolas. “Estamos preocupados e queremos neutralizar isso aí”, disse o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que comanda a contraofensiva.
Se a informação for comprovada, a espionagem na CNBB é gravíssima! Põe o Governo do lado daqueles que menosprezam o direito à liberdade, privacidade e de organização. Não podemos ignorar essa ação. Queremos respostas!https://t.co/RNogDn5Uy2
Com base em documentos que circularam no Planalto, militares do GSI avaliaram que os setores da Igreja aliados a movimentos sociais e partidos de esquerda, integrantes do chamado “clero progressista”, pretenderiam aproveitar o Sínodo para criticar o governo Bolsonaro e obter impacto internacional. “Achamos que isso é interferência em assunto interno do Brasil”, disse Heleno.
Escritórios da Abin em Manaus, Belém, Marabá, no sudoeste paraense (epicentro de conflitos agrários), e Boa Vista (que monitoram a presença de estrangeiros nas terras indígenas ianomâmi e Raposa Serra do Sol) estão sendo mobilizados para acompanhar reuniões preparatórias para o Sínodo em paróquias e dioceses.
O GSI também obteve informações do Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e do Comando Militar do Norte, em Belém. Com base nos relatórios de inteligência, o governo federal vai procurar governadores, prefeitos e até autoridades eclesiásticas que mantêm boas relações com os quartéis, especialmente nas regiões de fronteira, para reforçar sua tentativa de neutralizar o Sínodo.
O Estado apurou que o GSI planeja envolver ainda o Itamaraty, para monitorar discussões no exterior, e o Ministério do MeioAmbiente, para detectar a eventual participação de ONGs e ambientalistas. Com pedido de reserva, outro militar da equipe de Bolsonaro afirmou que o Sínodo é contra “toda” a política do governo para a Amazônia – que prega a defesa da “soberania” da região. “O encontro vai servir para recrudescer o discurso ideológico da esquerda”, avaliou ele.
Conexão. Assim que os primeiros comunicados da Abin chegaram ao Planalto, os generais logo fizeram uma conexão com as críticas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Órgãos ligados à CNBB, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), não economizaram ataques, que continuaram após a eleição e a posse de Bolsonaro na Presidência. Todos eles são aliados históricos do PT. A Pastoral Carcerária, por exemplo, distribuiu nota na semana passada em que critica o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, como juiz, condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato.
Na campanha, a Pastoral da Terra divulgou relato do bispo André de Witte, da Bahia, que apontou Bolsonaro como um “perigo real”. As redes de apoio a Bolsonaro contra-atacaram espalhando na internet que o papa Francisco era “comunista”. Como resultado, Bolsonaro desistiu de vez da CNBB e investiu incessantemente no apoio dos evangélicos. A princípio, ele queria que o ex-senador e cantor gospel Magno Malta (PR-ES) fosse seu candidato a vice. Eleito, nomeou a pastora Damares Alves, assessora de Malta, para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Histórico. A relação tensa entre militares e Igreja Católica começou ainda em 1964 e se manteve mesmo nos governos de “distensão” dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, último presidente do ciclo da ditadura. A CNBB manteve relações amistosas com governos democráticos, mas foi classificada pela gestão Fernando Henrique Cardoso como um braço do PT. A entidade criticou a política agrária do governo FHC e a decisão dos tucanos de acabar com o ensino religioso nas escolas públicas.
O governo do ex-presidente Lula, que era próximo de d. Cláudio Hummes, ex-cardeal de São Paulo, foi surpreendido, em 2005, pela greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. O religioso se opôs à transposição do Rio São Francisco.
Com a chegada de Dilma Rousseff, a relação entre a CNBB e o PT sofreu abalos. A entidade fez uma série de eventos para criticar a presidente, especialmente por questões como aborto e reforma agrária. A CNBB, porém, se opôs ao processo de impeachment, alegando que “enfraqueceria” as instituições.
'Vamos entrar a fundo nisso', afirma Heleno
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno Ribeiro, afirmou que há uma “preocupação” do Planalto com as reuniões e os encontros preparatórios do Sínodo sobre a Amazônia, que ocorrem nos Estados. “Há muito tempo existe influência da Igreja e ONGs na floresta”, disse.
Mais próximo conselheiro do presidente Jair Bolsonaro, Heleno criticou a atuação da Igreja, mas relativizou sua capacidade de causar problemas para o governo. “Não vai trazer problema. O trabalho do governo de neutralizar impactos do encontro vai apenas fortalecer a soberania brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo na Amazônia”, afirmou. “A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI. Vamos entrar a fundo nisso.”
Tanto o ministro Augusto Heleno quanto o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, hoje na assessoria do GSI e no comando do monitoramento do Sínodo, foram comandantes militares em Manaus. O vice-presidente Hamilton Mourão também atuou na região, à frente da 2.ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira.
SÍNODO
O que é?
É o encontro global de bispos no Vaticano para discutir a realidade de índios, ribeirinhos e demais povos da Amazônia, políticas de desenvolvimento dos governos da região, mudanças climáticas e conflitos de terra.
Participantes
Participam 250 bispos.
Cronograma do Sínodo
19 de janeiro de 2019: início simbólico com a visita do papa Francisco a Puerto Maldonado, na selva peruana;
7 a 9 de março: seminário preparatório na Arquidiocese de Manaus;
6 a 29 de outubro: fase final no Vaticano, com missas na Basílica de São Pedro celebradas por Francisco.
Tema do encontro
Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
As três diretrizes do evento
“Ver” o clamor dos povos amazônicos;
“Discernir” o Evangelho na floresta. O grito dos índios é semelhante ao grito do povo de Deus no Egito;
“Agir” para a defesa de uma Igreja com “rosto amazônico”
Espionar cardeais e bispos para saber o que eles e o Papa conversaram, eleger a Igreja Católica como o maior adversário do governo do capitão e dos seus generais, isso tudo cheira a um Estado policial, repressor. É um filme que já vimos e que fez muito mal ao país. pic.twitter.com/Kk62KT2R9s