Abin produziu pelo menos dois relatórios de orientação para
Flávio Bolsonaro e seus advogados sobre o que deveria ser feito para obter os
documentos que permitissem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz
Um dos documentos é autoexplicativo ao definir a razão
daquele trabalho. Em um campo intitulado “Finalidade”, cita: “Defender FB no
caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados
aos dados fiscais de FB”. Os dois documentos foram enviados por WhatsApp para
Flávio e por ele repassados para sua advogada Luciana Pires.
O primeiro contato de Alexandre Ramagem com o caso foi numa
reunião no gabinete de Bolsonaro, em 25 de agosto, quando recebeu das mãos das
advogadas de Flávio uma petição, solicitando uma apuração especial para obter
os documentos que embasassem a suspeita de que ele havia sido alvo da Receita.
Ramagem ficou com o material, fez cópia e devolveu no dia seguinte a Luciana
Pires, que voltou ao Palácio do Planalto para pegar o documento, recebendo a
orientação de que o protocolasse na Receita Federal. A participação da Abin, a
partir daí, seguiria por meio desses relatórios, enviados a Flávio Bolsonaro,
com orientações sobre o que a defesa deveria fazer.
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No primeiro relatório, o que especifica a finalidade de
“defender FB no caso Alerj”, a Abin classifica como uma “linha de ação” para
cumprir a missão: “Obtenção, via Serpro, de ‘apuração especial’, demonstrando
acessos imotivados anteriores (arapongagem)”. O texto discorre
então sobre a dificuldade para a obtenção dos dados pedidos à Receita e, num
padrão que permanece ao longo do texto, faz imputações a servidores da Receita
e a ex-secretários, a exemplo de Everardo Maciel.
Leia: PGR
instaura apuração preliminar sobre envolvimento do governo Bolsonaro na defesa
de Flávio
“A dificuldade de obtenção da apuração especial (Tostes) e
diretamente no Serpro é descabida porque a norma citada é interna da RFB da
época do responsável pela instalação da atual estrutura criminosa — Everardo
Maciel. Existe possibilidade de que os registros sejam ou já estejam sendo
adulterados, agora que os envolvidos da RFB já sabem da linha que está sendo
seguida”, diz o relatório, referindo-se a José Tostes Neto, chefe da Receita.
O relatório sugere a substituição dos “postos”, em provável
referência a servidores da Receita, e, sem dar mais detalhes, afirma que essa
recomendação já havia sido feita em 2019.
“Permanece o entendimento de que a melhor linha de ação para
tratar o assunto FB e principalmente o interesse público é substituir os postos
conforme relatório anterior. Se a sugestão de 2019 tivesse sido adotada, nada
disso estaria acontecendo, todos os envolvidos teriam sido trocados com pouca
repercussão em processo interno na RFB!”, explica o texto.
A agência traça em seguida outra “alternativa de
prosseguimento”, que envolveria a Controladoria-Geral da União (CGU), o Serviço
Federal de Processamento de Dados (Serpro) e a Advocacia-Geral da União (AGU).
“Com base na representação de FB protocolada na RFB (Tostes), CGU instaura sindicância para apurar os fatos no âmbito da Corregedoria e Inteligência da Receita Federal; Comissão de Sindicância requisita a Apuração Especial ao Serpro para instrução dos trabalhos. Em caso de recusa do Serpro (invocando sigilo profissional), CGU requisita judicialização da matéria pela AGU. (...) FB peticiona acesso à CGU aos autos da apuração especial, visando instruir Representação ao PGR Aras, ajuizamento de ação penal e defesa no processo que se defende no RJ”, recomenda o texto, resumindo qual é a estratégia: “Em resumo, ao invés da advogada ajuizar ação privada, será a União que assim o fará, através da AGU e CGU — ambos órgãos sob comando do Executivo”.
Ainda nesse primeiro documento, outros dois servidores federais são acusados pela Abin, o corregedor-geral da União, Gilberto Waller Júnior, e o corregedor da Receita, José Barros Neto.
“Existem fortes razões para crer que o atual CGU (Gilberto
Waller Júnior) não executar(ia) seu dever de ofício, pois é PARTE do problema e
tem laços com o Grupo, em especial os desmandos que deveria escrutinar no
âmbito da Corregedoria (amizade e parceria com BARROS NETO)”, disse o texto.
Um parêntese curioso. Neste trecho, já no fim do documento, a Abin, comandada pelo delegado da PF Alexandre Ramagem, sugere que Bolsonaro demita Waller Júnior da Corregedoria-Geral e coloque no lugar dele um policial federal: “Neste caso, basta ao 01 (Bolsonaro) comandar a troca de WALLER por outro CGU isento. Por exemplo, um ex-PF, de preferência um ex-corregedor da PF de sua confiança”.
O outro documento enviado pela Abin a Flávio e repassado por ele a sua advogada traça uma “manobra tripla” para tentar conseguir os documentos que a defesa espera.
As orientações da agência aqui se tornam bem específicas.
“A dra. Juliet (provável referência à advogada Juliana Bierrenbach, também da defesa de Flávio) deve visitar o Tostes, tomar um cafezinho e informar que ajuizará a ação demandando o acesso agora exigido”, diz a primeira das três ações, chamadas pela Abin de “diversionária”.
Em seguida, o texto sugere que a defesa peticione ao chefe
do Serpro o fornecimento de uma apuração especial sobre os dados da Receita,
baseando-se na Lei de Acesso à Informação — o que de fato a defesa de Flávio
Bolsonaro faria. A Abin ressalta que o pedido deve ser por escrito. “O e-sic
(sistema eletrônico da Lei de Acesso) deve ser evitado pois circula no sistema
da CGU e GILBERTO WALLER integra a rede da RFB”, explicou a Abin.
E, por fim, o relatório sugere “neutralização da estrutura de apoio”, a demissão de “três elementos-chave dentro do grupo criminoso da RF”, que “devem ser afastados in continenti”. “Este afastamento se resume a uma canetada do Executivo, pois ocupam cargos DAS. Sobre estes elementos pesam condutas incompatíveis com os cargos que ocupam, sendo protagonistas de diversas fraudes fartamente documentadas”, afirma o texto, sem especificar que condutas seriam essas. E cita os nomes de três servidores: novamente o corregedor José Barros Neto; o chefe do Escritório de Inteligência da Receita no Rio de Janeiro, Cléber Homem; e o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio, Christiano Paes. Num indicativo de que Bolsonaro talvez esteja seguindo a recomendação da Abin contra os servidores, Paes pediu exoneração do cargo na semana passada.
Procurado, o GSI negou a existência dos documentos, mesmo informado que a autenticidade de ambos havia sido confirmada pela defesa de Flávio Bolsonaro, e manteve a versão de que não se envolveu no tema. Procurada, a advogada Luciana Pires confirmou a autenticidade dos documentos e sua procedência da Abin, mas recusou-se a comentar seu conteúdo.
A Abin não respondeu aos questionamentos sobre a origem das
acusações feitas nos relatórios nem se produziu mais documentos além dos dois
obtidos pela coluna. Alexandre Ramagem, diretor da agência, atualmente voltou a
ser cotado para comandar a Polícia Federal, caso Bolsonaro seja inocentado no
inquérito que investiga se ele queria controlar a corporação ao nomear Ramagem,
amigo de seus filhos, para a direção da PF.
UOL
Uso da Abin mostra como Bolsonaro trata o governo como
negócio familiar | Kennedy Alencar
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#ForaBolsonaro #Corrupção #ABIN #Queiroz pic.twitter.com/hdQzc3T9dp
— Paulo Pimenta (@DeputadoFederal) December 11, 2020
“Caso o PGR não se mostre a altura da responsabilidade que seu cargo exige, caberá ao Congresso tomar as providências cabíveis.”
— Felipe Moura Brasil (@FMouraBrasil) December 11, 2020
O problema é, também, o resto do Congresso estar à altura. https://t.co/AQBRllyhxq
Quando todos os órgãos de controle são aparelhados, seus arapongas negam até o fim as devassas e interferências, deixando aos demais despachantes do poder de turno a tarefa de engavetar o caso por “falta” de (coleta de) provas, mesmo quando elas vêm a público pela imprensa.
— Felipe Moura Brasil (@FMouraBrasil) December 11, 2020
A Abin e a operação para ‘defender FB’ e enterrar o caso Queiroz impressionante ,o Governo trabalhando particularmente para a canalhada. Esse cara não tem vergonha nessa cara. @FlavioBolsonaro @joicehasselmann @jairbolsonaro @guilherme_amado https://t.co/37ERLq8Ce6
— Alexandre Frota 77 (@77_frota) December 11, 2020