Temos assistido à falta de dinheiro para áreas essenciais
como educação e saúde; também sob alegação de falta de recursos o auxílio
emergencial destinado a milhões de brasileiros e brasileiras que estão vivendo
o drama da miséria, do desemprego e desespero em plena pandemia foi rebaixado
para míseros R$300 ao mês; patrimônio público essencial e lucrativo está sendo
privatizado sob a alegação de que precisaríamos de recursos advindos dessa
entrega; a PEC 32, que destrói a estrutura de Estado se baseia na necessidade
de reduzir gastos públicos.
Porém, em meio a toda essa escassez, o Senado anunciou
terça-feira, 20/10/2020, que irá votar nesta quarta, 22/10/2020, projetos
para “legalizar” a doação de dinheiro público para bancos, através da
remuneração parasita de centenas de bilhões de reais anuais aos bancos e,
adicionalmente, tornar o Banco Central um ente à parte, autônomo, livre para
obedecer aos mandamentos do mercado financeiro.
Tudo isso está acontecendo em plena pandemia, quando as
mobilizações sociais e as visitas aos gabinetes de parlamentares
estão prejudicadas.
O PL 3877/2020, do Senador Rogério Carvalho – PT/SE, cria a
figura do “depósito voluntário remunerado” pelo Banco Central aos bancos,
“legalizando” a remuneração da sobra de caixa dos bancos que tem sido feita
mediante o abuso na utilização das chamadas “operações compromissadas”.
Em agosto/2020 o volume dessas operações, que se equiparam
ao antigo overnight, atingiram R$ 1,6 trilhão, quase 23% do PIB, e
geram falsa escassez de moeda na economia, empurrando os juros de mercado para
os patamares altíssimos praticados no Brasil.
Assim, ao mesmo tempo, essas “operações compromissadas”
provocam o crescimento do estoque da dívida pública, pois usam títulos públicos
para justificar a remuneração aos bancos; representam um rombo ao orçamento
público de centenas de bilhões todo ano; além de causarem danos também a toda a
economia do país, pois provocam aumento dos juros de mercado que impedem a
circulação do crédito em patamares saudáveis, conforme explicamos vídeo
recente.
O projeto do senador Rogério Carvalho propõe que, em vez
de usar títulos da dívida pública para justificar a remuneração diária aos
bancos, essa remuneração se torne LEI, de tal forma que não mais sejam
utilizados os títulos da dívida pública, e a remuneração diária parasita
continue sendo paga aos bancos!
A justificação do referido PL 3877/2020 está repleta de
erros, cabendo ressaltar que ao contrário de servir para mitigar efeitos da
crise econômica que vivemos desde 2014 no Brasil, a remuneração da sobra de
caixa dos bancos foi a principal causa da fabricação dessa crise, como temos
denunciado há anos, conforme artigo publicado em janeiro de 2016.
Erra feio o senador Rogério Carvalho ao dizer que em 2020 a
elevação das operações compromissadas teria se dado “em razão da necessidade de
enxugar a liquidez criada pela utilização dos recursos da Conta Única para
enfrentamento da pandemia”, ignorando que o Banco Central injetou R$ 1,2
trilhão de liquidez nos bancos em 23/3/2020, conforme amplamente noticiado.
O senador Rogério Carvalho deveria pedir a sua
assessoria para estudar os documentos que embasaram a injeção de R$ 1,2 trilhão
nos bancos, conforme disponível no site do Banco Central, detalhadas em relatório
do próprio Banco Central, as quais demonstram que tal injeção de liquidez nos
bancos não tem absolutamente nada a ver com recursos da Conta Única do Tesouro,
como constou erradamente no relatório que embasa o PL 3877/2020.
A justificativa para o pacote de ajuda de R$ 1,2 trilhão aos
bancos foi a necessidade de aumentar a liquidez dos bancos (volume de dinheiro
disponível) para que estes pudessem ampliar as linhas de crédito para empresas
e reduzir os juros. No entanto, o que se verificou na prática foi o contrário:
os empréstimos para as empresas se tornaram ainda mais difíceis e os juros
dobraram, conforme diversas notícias nesse sentido, o que levou milhões de
empresas, principalmente as pequenas e médias empresas à demissão de seus
empregados e até a falência.
Em vez de serem punidos por terem recebido o pacote de
liquidez e não terem emprestado às empresas, aprofundando a crise já
suficientemente desastrosa por si só, os bancos acabaram sendo premiados, pois
segundo o próprio ministro Paulo Guedes, o dinheiro ficou empoçado nos bancos,
e aumentou o volume das chamadas “operações compromissadas”, que passaram a aumentar
exponencialmente e alcançaram o patamar de R$ 1,6 trilhão em agosto de 2020!
Esse dinheiro decorrente da liquidez injetada pelo Banco
Central a partir de 23/3/2020, conforme amplamente noticiado e documentado no
próprio site do BC, é que foi responsável pela elevação exponencial das
“operações compromissadas” e não os gastos com a pandemia, como constou no
relatório do senador Rogério Carvalho. Só se engana quem quer, pois está
tudo documentado e publicamente divulgado até pela grande mídia!
Além desse rombo, outro projeto também altamente nocivo ao
país está na pauta de votação do Senado: PLP 19/2019, que visa dar liberdade
total ao Banco Central para continuar praticando essa política monetária
suicida.
O PLP 19/2019 recebeu parecer do relator senador Temário
Mota (Pros/RR) em 19/10/2020 e transforma o Banco Central em um ente autônomo,
independente dos demais poderes, pois seu presidente e diretores não poderão
sequer ser demitidos pelo presidente da República e deverão “assegurar a
estabilidade de preços”.
Por outro lado, ficou como mera intenção “na medida do
possível” o objetivo de “fomentar o pleno emprego”. Ou seja, ocorrerá a total
blindagem da atual política monetária suicida, como temos denunciado desde
janeiro de 2016 https://auditoriacidada.org.br/conteudo/o-banco-central-esta-suicidando-o-brasil/ (Veja
também o texto https://auditoriacidada.org.br/conteudo/nao-a-autonomia-do-banco-central-e-a-remuneracao-da-sobra-de-caixa-dos-bancos/).
O PLP 112/2019 ainda “legaliza” as escandalosas operações de
swap, que garantem aos bancos e grandes investidores a variação do dólar, às
custas de mais dívida pública ilegítima que tem sido paga pelo povo através de
contrarreformas e privatizações aviltantes.
Não podemos aceitar tanto privilégio à banca, que segue
lucrando muito em plena pandemia, não por “eficiência”, mas devido a esses
mecanismos perversos que, em vez de serem corrigidos, o Senado irá dar um
jeitinho e anuncia que “legalizar” de vez!
Senadores(as), barrem essa farra! #ÉHORAdeVIRARoJOGO
Maria Lucia Fattorelli
Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e
membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.
Fonte: Monitor Mercantil