O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou Breno Altman
pelo crime de difamação. O jornalista garante que recorrerá da decisão às
autoridades superiores
O jornalista Breno Altman é uma voz reconhecida na denúncia
dos crimes e violações da lei cometidos pelo regime israelense contra o povo
palestino. Foto: @brealt
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) condenou o
jornalista Breno Altman, fundador do portal Opera Mundi, ao pagamento
de multa por comentário nas redes sociais considerado insultuoso.
A sentença foi definida como punição às declarações de
Altman sobre os economistas Alexandre Schwartsman e André Lajst, ambos
defensores do sionismo , a quem acusou de agirem como “covardes” numa
publicação.
A decisão, proferida em 26 de agosto de 2024, estabelece
que Altman deverá pagar 15 salários mínimos ao Fundo Municipal
da Criança e do Adolescente (FUMCAD) de São Paulo.
A defesa de Altman argumentou que o jornalista não se
referia pessoalmente a Schwartsman e Lajst, mas às posições que adotaram em
relação ao conflito na Faixa de Gaza.
Por seu lado, o jornalista afirma que os denunciantes o
ofenderam anteriormente e se recusaram a discutir as suas diferenças, o que
motivou o seu comentário nas redes sociais.
O juiz Fabrício Reali Zia, responsável pelo caso,
considerou que Altman cometeu o crime de difamação, previsto no artigo
140 do Código Penal Brasileiro.
Embora a pena original fosse de três meses de prisão, esta
foi substituída pela multa acima mencionada. Enquanto isso, o jornalista poderá
recorrer da sentença e libertá-lo.
Em resposta à decisão judicial, Altman declarou que
a condenação, embora a considere injusta, é motivo de orgulho e que recorrerá
nos tribunais superiores para defender a sua liberdade de expressão.
Além disso, a sua defesa anunciou que irá apresentar uma
queixa criminal contra Schwartsman, que alegadamente utilizou termos ofensivos
como “kapo”, uma das piores ofensas dirigidas a um judeu.
Até agora, Lajst e Schwartsman não deram declarações formais
sobre a sentença.
Esta não é a primeira vez que Altman enfrenta uma ação
judicial pelas suas críticas ao sionismo. O jornalista tem sido alvo
de diversas decisões judiciais que resultaram na remoção de mensagens nas redes
sociais que criticavam o Estado de Israel e as suas políticas.
Apesar disso, o comunicador prometeu continuar a sua luta na
Justiça para defender os seus direitos e a liberdade de expressão.
‼️Ele foi condenado pela Justiça de SP em três meses de prisão em regime aberto por injúria, após chamar Alexandre Schwartsman, presidente da entidade sionista StandWithUs Brasil, André Lajst, de "covardes e desqualificados" nas redes sociais.
Chanceler brasileiro criticou ofensiva israelense e a comunidade internacional pela carência de ajuda humanitária
Reprodução / @ ItamaratyGovBr Mauro Vieira e o presidente da
Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira,
desembarcou neste domingo (17/03) em Ramallah, na Cisjordânia. A convite das
autoridades palestinas, ele participou da cerimônia que concedeu ao presidente
Luiz Inácio Lula da Silva o título de Membro Honorário do Conselho de Curadores
da Fundação Yasser Arafat.
A honraria foi entregue ao chanceler pelo premiê Mohammad
Shtayyeh, que louvou a “coragem de Lula na defesa da Palestina”, segundo o
Itamaraty.
Vieira discursou criticando a reação de Israel à ofensiva do
grupo palestino Hamas e a comunidade internacional pela carência de ajuda
humanitária. Ele definiu como “ilegal e imoral” negar comida, água e
medicamentos a civis, e fez um balanço dos apoios oferecidos pelo Brasil.
Vieira ainda se reuniu com o presidente da Autoridade
Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, sobre o conflito e a crise
humanitária.
A visita ocorre em meio a uma crise diplomática entre Brasil
e Israel, após declarações do presidente Lula comparando a crise humanitária
palestina com o Holocausto.
Campanha para um Estado palestino
O Brasil vai se juntar a outros Estados na campanha para
conseguir que a Palestina seja admitida como membro pleno das Nações Unidas.
A criação e reconhecimento de um Estado palestino fará com
que a Palestina tenha voz, uma vez que desde 2012 os palestinos têm status de
observador — o que permite que seus diplomatas participem dos debates, mas sem
direito a voto.
O maior obstáculo, no entanto, ainda é o poder de veto dos
EUA no Conselho de Segurança da ONU (CSNU).
Expectativa é que um pedido formal para a adesão completa às
Nações Unidas seja realizado ainda em 2024, principalmente diante do risco de
que a guerra em Gaza abra caminho para novas invasões de terras por parte de
israelenses, segundo a apuração do UOL
Para o Itamaraty, a adesão da Palestina como membro pleno é
um passo importante na direção da garantia de que um acordo de paz seja
estabelecido de forma explícita junto à criação de dois Estados — palestino e
israelense —, com suas fronteiras internacionalmente reconhecidas.
"Eu estou com tanto medo, juro por Deus. Não aguento mais isso. Por favor, nos ajude!"
O desespero de uma criança palestina em fuga do hospital Al-Shifa em meio a invasão israelense ao hospital e aos bombardeios hoje na Cidade de Gaza. pic.twitter.com/U0rTnxsoZx
— FEPAL - Federação Árabe Palestina do Brasil (@FepalB) March 18, 2024
Em discurso contrário aos EUA, Pequim considera um ‘direito
inalienável e legítimo’ do povo palestino para combater a dominação de ‘forças
estrangeiras’
Reprodução/UN News: Embaixador chinês na ONU, Zhang Jun define resistência
palestina armada contra o colonialismo como 'legítima'
No quarto dia de audiências públicas realizadas pela Corte
Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, nesta quinta-feira (22/02), a China
apoiou o “direito inalienável” do povo palestino de usar a força armada para
combater a ocupação israelense em suas terras, e que tal ação estaria
contemplada pelo direito internacional.
O posicionamento foi dado pelo embaixador chinês na
Organização das Nações Unidas (ONU), Zhang Jun, que definiu a resistência
armada contra o colonialismo como “legítima”, e não como um “ato de
terrorismo”:
“A luta travada pelos povos pela libertação, pelo direito à
autodeterminação, incluindo a luta armada contra o colonialismo, a ocupação, a
agressão, a dominação contra forças estrangeiras, não deve ser considerada ato
de terror”, declarou Zhang Jun.
Ainda em seu discurso, o enviado de Pequim criticou as
políticas de Israel ao caracterizá-las como uma “opressão que minou e impediu
gravemente os exercícios e a plena realização do direito do povo palestino à
autodeterminação”.
China contrapõe EUA
A China também contrapôs os posicionamentos
defendidos pelos Estados Unidos, no dia anterior, e afirmou que o país
asiático “tem apoiado consistentemente a justa causa do povo palestino na
restauração de seu direito legítimo”, referindo-se ao estabelecimento de um
Estado palestino independente.
Ao tribunal, o consultor jurídico do Ministério das Relações
Exteriores, Ma Xinmin, mencionou o presidente chinês Xi Jinping para argumentar
que, em várias ocasiões, Pequim pediu um cessar-fogo abrangente e a solução
imediata para a questão palestina “com base em uma solução de dois
Estados”.
Na quarta-feira (21/02), os Estados Unidos recomendaram o
distanciamento da ONU e da CIJ em relação ao que considerou como “uma questão
bilateral entre Israel e Palestina”. No entanto, a China entende que se trata
de um assunto no qual a ONU tem papel fundamental para a “autodeterminação do
povo palestino”, já que o órgão internacional poderá guiar “negociações
futuras”.
Com base no “direito da autodefesa”, Washington também havia
defendido a não retirada de Israel das terras palestinas sem que haja garantias
de segurança, motivo pelo qual expressou que a ocupação deveria continuar. Por
outro lado, Xinmin rebateu a tese norte-americana e explicou que, pelo
contrário, Israel é “uma nação estrangeira que ocupa a Palestina, então o direito
à autodefesa está mais com os palestinos do que com os israelenses”.
Semana de audiências
As audiências públicas do CIJ que começaram nesta
segunda-feira (19/02) acontecem após uma resolução da Assembleia Geral da ONU,
na qual se solicitou um parecer consultivo do tribunal em relação à legalidade
da ocupação israelense no território palestino. Ao todo, 52 países deverão se
posicionar sobre a guerra até a próxima segunda-feira (26/02).
No primeiro dia das sessões, as autoridades palestinas
reservaram três horas para apresentarem depoimentos que acusaram Israel de
administrar um sistema de "colonialismo e apartheid".
Na ocasião, o ministro das Relações Exteriores palestino,
Riyad al-Maliki, apelou aos juízes que peçam o fim da ocupação
"imediatamente, total e incondicionalmente".
Ao tribunal, o embaixador da África do Sul na Holanda
considerou as políticas de Tel Aviv "mais extremas" do que o
apartheid que os sul-africanos negros sofriam antes de 1994.
🇨🇳🇺🇳 Discurso histórico de Zhang Jun, que representa a China na presidência do Conselho de Segurança da ONU.
Trechos:
China diz ao Conselho de Segurança da ONU que os recentes ataques aéreos dos EUA no Oriente Médio "constituem uma grave violação da soberania, independência e… pic.twitter.com/fPYa8JMAs8
The outcome of today's vote clearly shows that on the issue of a ceasefire to halt the fight in Gaza, it is not that the Security Council does not have an overwhelming consensus, but rather it is the exercise of veto by the United States that stifles the Council consensus. The US… https://t.co/5vXPWXdd8i
Software israelense FirstMile, alvo de escândalo na Abin,
também foi adquirido pelo Exército, que, questionado em 2019, dizia não ter
acesso à ferramenta que já utilizava
Exército Brasileiro / Flickr: Exército Brasileiro participa de operações de apoio durante
as Olimpíadas no Brasil, em 2016
No dia 20 de outubro de 2023, por determinação do Supremo
Tribunal Federal, a Polícia Federal deflagrou a Operação Última Milha, que
investiga o uso ilegal de um software espião, o First Mile, por servidores da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Jair Bolsonaro.
Comercializado pela empresa Cognyte, subsidiária
da israelense Verint, o aplicativo First Mile tem capacidade de acessar
a localização em tempo real de telefones celulares captando os metadados
trocados entre o aparelho e torres de telecomunicação.
Além disso, possibilita o armazenamento do histórico da
geolocalização do aparelho e a criação de alertas sobre a presença do telefone
móvel em uma determinada área. Para que os dados fossem monitorados, bastava
que se digitasse o número do celular escolhido como alvo.
A investigação da Polícia Federal apontou que a ferramenta
foi usada pela Abin mais de 60 mil vezes, 1,8 mil das quais para monitorar
políticos, jornalistas, juízes e adversários do governo Bolsonaro.
Na última quinta-feira (25), o STF autorizou a Operação
Vigilância Aproximada, com ações de busca e apreensão contra 12 alvos – dentre
os quais o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-dirigente da Abin. Na
última segunda-feira (29), houve também operações de busca e apreensão contra o
vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do ex-presidente, e o
militar Giancarlo Gomes Rodrigues, apontado como um dos operadores da FirstMile
enquanto estava lotado no Centro de Inteligência Nacional (CIN) da Abin, criado
em julho de 2020 por Bolsonaro e Augusto Heleno para “enfrentar
ameaças à segurança e à estabilidade do Estado”.
A PF passou a investigar o que considera uma organização
criminosa, dividida em vários núcleos, que fez uso do FirstMile em benefício da
família Bolsonaro e para atacar seus inimigos. Dentre os espionados pela
"Abin paralela" estariam o então governador do Ceará e atual ministro
da Educação, Camilo Santana, os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar
Mendes, além do então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e a
deputada federal Joice Hasselmann – a lista completa dos espionados continua
desconhecida.
Além da Abin, a PF também encontrou evidências, durante as
ações de busca e apreensão de 20 de outubro, de que o software FirstMile foi
adquirido pelo Exército Brasileiro. Em agosto de 2023, a Agência
Pública já havia apurado que o Exército tinha contratos
com a fabricante do software. Mas foi a investigação da Polícia Federal que
encontrou evidências de que a ferramenta fora comprada durante a intervenção
federal na segurança pública do Rio de Janeiro, ainda em 2018.
Com o avanço das investigações, Caio Santos Cruz, filho do
general Santos Cruz, relatou à PF que a compra da ferramenta foi intermediada
pelo general Luiz Roberto Peret, que havia sido contratado pela Verint Systems,
fabricante da FirstMile e proprietária da Cognyte, criada em 2021 como um braço
separado voltado especificamente à inteligência e defesa. Peret, que passou
para a reserva em 2007, teria sido membro da organização de extrema-direita
militar TERNUMA (Terrorismo Nunca Mais), e é um dos conselheiros fundadores do
Instituto General Villas Bôas, general que ocupava o cargo de comandante do
Exército na época em que o software espião foi adquirido.
O contrato do Exército com a Verint, fechado em outubro de
2018, teria o valor de 10,8 milhões de dólares (52 milhões de reais), pagos com
parte dos 1,2 bilhões de reais que compunham o orçamento da intervenção federal
no Rio de Janeiro.
Segundo
a Folha de São Paulo, “apesar de a compra ter sido
realizada no âmbito da intervenção, o software não foi utilizado somente para o
combate ao crime organizado no Rio de Janeiro. Ele ficou sob a administração do
Exército”. O Gabinete de Intervenção Federal confirmou ao jornal que “[...]
softwares de inteligência ficaram sob a propriedade das Forças Armadas, mas com
a possibilidade de utilização em prol dos órgãos de segurança pública do Rio de
Janeiro mediante necessidade e acordo com a União, caso fosse de interesse do
Governo do Estado do Rio de Janeiro”.
O compartilhamento do software com autoridades estaduais e o
eventual desvio de finalidade dos recursos da intervenção federal – como conclui
um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) –, no entanto, não
são os únicos possíveis problemas envolvendo o Exército e o aplicativo
FirstMile. Em 27 de agosto de 2019, quatro anos antes da operação da PF,
a Revista Opera enviou ao Centro de Comunicação Social
do Exército (CComSEx) uma série de questionamentos acerca do uso de ferramentas
de vigilância como a FirstMile. As questões, formuladas pelo então jornalista
da Revista Opera André Ortega, que investigava o uso
dessas tecnologias no Brasil, foram então encaminhadas ao Comando de
Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército, que no dia 11 de setembro de 2019
deu respostas contraditórias com o que viria a ser apontado pela PF quatro anos
depois.
Os questionamentos chegavam a citar nominalmente a empresa
Verint Systems, que também teria fornecido ferramentas de vigilância similares
à FirstMile para o Exército do Peru. Mas, de acordo com o DCT, o Exército “não
possuía capacidades semelhantes” a uma ferramenta que “seria capaz de
identificar a localização precisa de telefones”. Perguntado se possuía
capacidades similares ou próximas das ostentadas pelo Exército do Peru graças a
seu contrato com a Verint em 2015, o Exército respondeu somente que “possui
capacidades de monitoramento rádio”.
O Departamento também informou que o Exército “não possui
nenhum produto (malware) capaz de infectar, monitorar e coletar informações de
telefones móveis.”
À luz do que revelou a PF, a única explicação plausível para
a resposta dada pelo Exército à época seria se a ferramenta, adquirida em 2018,
não estivesse com sua licença de uso ativa entre agosto e setembro de 2019,
quando o questionamento foi feito. Em 2019, o Comando
do Exército destinou 40 milhões de reais à Verint, proprietária do
FirstMile, por meio de três contratos. Os três contratos, classificados como de
“aquisição de serviços de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) de
caráter secreto ou reservado" ou de “aquisição de material permanente de
caráter secreto ou reservado", disponíveis no Portal da Transparência,
foram pagos no dia 12 de agosto. Os questionamentos da Revista Opera foram
feitos no dia 27 de agosto, e as respostas do Exército foram enviadas no dia 11
de setembro.
Outro lado: Exército se recusa a dar informações
A reportagem voltou a entrar em contato com o Exército,
questionando quais foram os períodos durante os quais a organização teve acesso
ao FirstMile, bem como as razões pelas quais respondeu negativamente às
perguntas feitas pela Revista Opera há quatro anos.
Desta vez, o Centro de Comunicação Social do Exército disse somente que “em
função de previsão legal (Lei n.º 12.527 de 18 de novembro de 2011, em seu
artigo 23, incisos V e VIII) não poderá atender à solicitação apresentada.”
A legislação a que o Exército se refere é a Lei de Acesso à
Informação (LAI), e o artigo 23 diz respeito às informações consideradas
imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado. Os incisos mencionados
pelo Exército dizem respeito a informações que possam “prejudicar ou causar
risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas” (V) e “comprometer
atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em
andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações" (VIII).
Não foi explicado porque, em 2019, o Exército pôde responder aos
questionamentos da Revista Opera negativamente, mas
agora não pode explicar as respostas que deu, à luz da investigação da Polícia
Federal.
Mas a LAI prevê também, no seu artigo 32, as condutas
ilícitas que ensejam responsabilidade de agente público ou militar: “I -
recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar
deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma
incorreta, incompleta ou imprecisa”; “III - agir com dolo ou má-fé na análise
das solicitações de acesso à informação”; “V - impor sigilo à informação para
obter proveito pessoal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal
cometido por si ou por outrem”.
Para o diretor da associação Data Privacy Brasil e mestre em
direito Rafael Zanatta, o uso de tecnologias para atividades de inteligência no
Brasil conta com a ausência de jurisdição específica. “A legislação, a
cobertura legal e jurídica que temos para Inteligência já é bastante reduzida;
porque constitucionalmente não temos. Temos a cobertura de segurança pública,
mas não se fala de Inteligência na Constituição Brasileira. E temos a lei que
reorganizou a Abin, no governo FHC, que determina as competências e depois as
normas que criam a CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência), que seria o órgão de controle. Mas elas não dizem nada sobre
softwares, ou seja, não parametrizam em que condições é legítima a utilização
de um software com essas capacidades, softwares espiões”, diz. “E o que foi
feito na construção de raciocínios sobre a utilização desses softwares, que
acho que tem uma certa perversidade jurídica, é que também encontraram
fundamentação jurídica dentro de pareceres que vinham da Advocacia Geral da
União (AGU) e da própria Procuradoria Geral da República (PGR) e órgãos
especializados para olhar juridicamente a licitude dessas operações, onde se
cravou uma tese de zona cinzenta. Ou seja: 'não se aplica aqui o Código de
Processo Penal, não estamos falando de interceptação telefônica, estamos
operando numa outra situação fática'. E essa outra situação fática não aplica,
não traz, não puxa, essas regras de devido processo que estão na Constituição e
no código de processo. Que é você ter o crivo judicial, autorização judicial; e
ter a delimitação de finalidade específica, de operação dentro de um espaço de
tempo, e de uma razoabilidade.”
Zanatta chama atenção, no entanto, a uma especificidade
jurídica do FirstMile. Ele cita ferramentas que são usadas para extrair
informações de celulares em posse de autoridades policiais, ou ainda softwares
que extraem informações em massa da internet e criam relatórios, como casos
diferentes ao FirstMile: “o FirstMile é diferente, porque ele explora uma
vulnerabilidade de infraestrutura de comunicações que é per se ilícita.
Esse 'spoofing', que é o atacante que está na unidade celular explorando
informação, está explorando uma vulnerabilidade que as empresas de
telecomunicações não querem que ele explore. E está explorando uma capacidade
de obtenção de informações de centenas, milhares de pessoas. E ele é feito por
uma empresa prestadora de serviço, não é uma autoridade policial que está em
posse de um dispositivo”, analisa. “Então eu acho que o FirstMile é
indefensável na nossa concepção jurídica; porque a premissa dele é uma
ilicitude. A dinâmica de funcionamento, para ele poder funcionar, ele está em
ilicitude. Porque está explorando a vulnerabilidade de um protocolo de
comunicações de um setor que é considerado de interesse nacional e que é
amplamente regulado, pela ANATEL, pelas normas de telecomunicações, etc.”
Para retirar o uso das ferramentas espiãs dessa zona
cinzenta, opina Zanatta, seria fundamental estabelecer uma classificação
jurídica clara sobre os diferentes tipos de software – malwares, spywares,
aplicativos de extração de dados, etc. –, e estabelecer uma legislação
específica sobre o tema. “Precisaria de um enfrentamento constitucional mesmo,
ou seja, inaugurar por meio de uma emenda constitucional um capítulo específico
sobre Inteligência na Constituição. E parametrizar esses elementos básicos de
necessidade, finalidade específica, razoabilidade, proporcionalidade, e criar
algum arranjo democrático de supervisão.”
Uso interno do Exército aumenta risco de autoritarismo,
diz pesquisadora
Para Julia Almeida, professora de Direito na Universidade
Anhembi Morumbi, integrante do Núcleo de Estudos da Violência da USP e autora
do livro “A militarização da política no Brasil” (Alameda, 2023), o uso
das Forças Armadas em missões de ordem interna, como a Intervenção Federal do
Rio de Janeiro, por meio da qual o FirstMile foi adquirido ou readquirido pelo
Exército, aumenta significativamente o risco de construção de governos
autoritários.
“A intervenção federal na Segurança Pública do Rio de
Janeiro foi um exemplo emblemático dessa atuação. Essa forma de intervenção é
uma forma política que ajuda a construir a intervenção de militares e membros
das Forças Armadas em projetos políticos, inclusive de natureza eleitoral.
Então o que esse escândalo do FirstMile revela é isso; como essas ferramentas
(como a GLO) não deveriam existir, e como seu uso desenfreado e intensificado é
um risco imenso à democracia no Brasil. O fato dos sistemas de inteligência
contarem com órgãos militares e terem a Abin sob o GSI também são determinantes
para essa atuação. É fundamental apontar, por último, que essa sempre foi a
tarefa da inteligência no Brasil, que tem nos militares sua efetivação:
controlar opositores, a pobreza e os que de alguma forma ameaçavam o status
quo no Brasil”, diz ela, que diz ainda que ferramentas como o
FirstMile “possuem inúmeros problemas de utilização.
Por si só, é um potencial violador de direitos fundamentais.
Tendo em vista o desenho atual da inteligência no Brasil e falta de controle
civil da atuação das Forças Armadas, acredito que esse tipo de ferramenta não
deveria ser controlada e utilizada diretamente pelas Forças Armadas, mesmo que
direcionada para as suas atribuições de Defesa.”
Para a professora, seria essencial a uma perspectiva
democrática que houvesse uma efetiva subordinação das Forças Armadas à
presidência e ao Congresso, e um efetivo controle civil delas. “Atualmente,
embora previstas na própria Constituição e na legislação da Abin e do SISBIN
(Sistema Brasileiro de Inteligência), não contamos com nenhuma efetivação de
mecanismo de controle dessas atividades [de inteligência] pelo Congresso
Nacional, com audiências e acariações.
E, no caso dos militares, embora devendo prestar contas ao
Ministério da Defesa, a que estão subordinados, o acúmulo de poder deles nos
últimos anos e o padrão de militarização do Estado impedem que essa relação
entre Executivo e Forças Armadas se dê dentro dos marcos republicanos. É o jogo
da correlação de forças, e os militares já deram sinais (como no 8 de janeiro e
seus desdobramentos) de que a mediação só é possível se alguns de seus
interesses forem atendidos, em especial o da anistia e da manutenção de
privilégios corporativos. No mais, a subordinação da Abin ao GSI sob o comando
de um militar (que tem sido a regra), também dificulta esse tipo de controle
pelos mecanismos do SISBIN.”
Resposta do Exército Brasileiro a questionamentos da Revista
Opera, dada em setembro de 2019.
Coletivo Vozes Judaicas por Libertação denuncia ataques e
censura promovidos pela Confederação Israelita do Brasil, afirmando que
organização não os representa
Coletivo Vozes Judaicas por Libertação
Para coletivo, sionismo da Conib é o maior responsável pelo
aumento do antissemitismo nos últimos meses
O Coletivo
Vozes Judaicas por Libertação lançou uma nota classificando as
ações da Confederação Israelita do Brasil (Conib) na Justiça contra críticos do
sionismo como "antidemocráticos e desonestos pois confundem antissionismo
[oposição ao movimento político que defende a autodeterminação do povo judeu e
a existência de um Estado Judaico, não apenas um Estado de Israel] com o antissemitismo
[propagação de ódio e discriminação contra judeus]".
O manifesto, que defende um judaísmo "livre do
sionismo", havia sido publicado em 19 de janeiro, mas foi atualizado
recentemente, acrescentando argumentos em repúdio aos ataques que tentam
"calar e deslegitimar as vozes que se levantam contra o apartheid
sionista" e "criam uma cortina de fumaça sobre o que realmente
importa ser levado ao debate público: o cessar-fogo imediato em Gaza e a
condenação do Estado de Israel pelos crimes cometidos contra o povo
palestino".
"Independente de nossas concordâncias ou não com as
posições de Altman, temos convicção de que as acusações são excessivas e os
processos judiciais injustificados", declarou a nota do Coletivo Vozes
Judaicas por Libertação.
"Justamente pelas histórias judaicas serem repletas de
perseguições, fugas e imigrações forçadas, nos assusta perceber como a
narrativa sionista tem sido tão hipócrita. Não deveríamos ser nós, os judeus e
judias, os que mais se solidarizaram com qualquer tipo de opressão, sobretudo
àquelas de teor étnico-racial?", disse o coletivo a Opera Mundi.
Os integrantes da organização formada por ativistas judeus
pela libertação da Palestina expressaram repúdio ao fato de que "a Conib
siga associando indiscriminadamente antissionismo a antissemitismo e que, em
casos onde ocorre confusão entre esses termos, siga optando pela criminalização
como primeira opção, ao invés do caminho educativo".
O documento aponta o sionismo como "maior responsável
por essas confusões ´[de termos] e pelo aumento do antissemitismo nos últimos
meses", e defende que a história do sionismo e do antissionismo deve ser
melhor esclarecida para o grande público.
"Diante de um genocídio que está sendo televisionado ao
vivo, como nunca antes, é necessário que entendamos a conjuntura para nos
posicionarmos corretamente", explicou a organização.
Segundo o coletivo, esta educação tem se tornado cada vez
mais difícil justamente por causa da "luta discursiva e ideológica em
curso".
O Coletivo Vozes Judaicas por Libertação ainda denuncia que
a Conib, juntamente com a organização sionista StandWithUs, agem para
"deslegitimar a decisão da Presidência da República em apoiar [a denúncia
da] África do Sul na Corte Internacional de Justiça em Haia, que acusa Israel
de cometer genocídio em Gaza".
O coletivo afirma que a comunidade judaica no Brasil é
"plural" e, por isso, a Conib expressa "somente a posição de uma
parcela ultrassionista que defende de forma incondicional as ações militares de
Israel em Gaza, mesmo que tenham violado diversas clausulas dos direitos
humanos".
"O sionismo é um projeto colonial da burguesia europeia
e nunca representou todos os judeus. É necessário que façamos essa separação. O
posicionamento de judeus e judias antissionistas é essencial, pois quebra a
narrativa de que toda crítica ao Estado de Israel seria antissemita",
ressaltou a Opera Mundi o coletivo.
Além disso, o coletivo também lembrou que a Conib "faz
parte do lobby sionista e representa os interesses do Estado de Israel,
instrumentalizando a luta contra o antissemitismo pela máquina de propaganda
israelense e por seus agentes locais no Brasil".
Com isso, para a organização, criticar o Estado de Israel
por seus crimes e perseguições não é antissemitismo, "é apenas lógico e
ético".
Em conclusão, o documento ainda expressa solidariedade a
Altman e todos os alvos de perseguição da Conib por se posicionarem contra o
genocídio em curso na Palestina.
Leia a íntegra do manifesto publicado pelo coletivo Vozes
Judaicas por Libertação:
"A CONIB não nos representa!
Judias e judeus antissionistas contra a censura às críticas
a Israel
A CONIB (Confederação Israelita do Brasil) tem investido em
ações de censura sobre figuras públicas que se posicionam contra o governo
sionista de Israel. Além de antidemocráticos, esses ataques são desonestos pois
confundem antissionismo com antissemitismo na tentativa de calar e deslegitimar
as vozes que se levantam contra o apartheid sionista. Abordamos o assunto neste artigo.
É o caso da perseguição do jornalista Breno Altman, que tem
sido alvo de mais de uma ação criminal movida pela CONIB. Independente de
nossas concordâncias ou não com as posições de Altman, temos convicção de que
as acusações são excessivas e os processos judiciais injustificados. Como
judias e judeus antissionistas não admitimos que a CONIB siga associando
indiscriminadamente antissionismo a antissemitismo e que, em casos onde ocorre
confusão entre esses termos (intencional ou não, como ocorreu com José Genoino),
siga optando pela criminalização como primeira opção, ao invés do caminho
educativo. O sionismo que a CONIB defende é o maior responsável por essas
confusões e pelo aumento do antissemitismo nos últimos meses.
Os processos judiciais abertos pela CONIB criam uma cortina
de fumaça sobre o que realmente importa ser levado ao debate público: o
cessar-fogo imediato em Gaza e a
condenação do Estado de Israel pelos crimes cometidos contra o povo palestino.
Além disso, destacamos que essa mesma organização, ao lado
da Stand With Us, inaugurou uma cruzada na sociedade brasileira
para deslegitimar a decisão da presidência da República de apoiar o pleito da
África do Sul na Corte Internacional de Justiça de Haia, que acusa Israel de
cometer genocídio em Gaza.
Nós, do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, dizemos que
a CONIB não nos representa! A comunidade judaica brasileira é plural e a CONIB,
que se diz sua representante, expressa somente a posição de uma parcela
ultrassionista que defende de forma incondicional as ações militares de Israel
em Gaza, mesmo que tenham violado diversas clausulas dos direitos humanos.
Somos um coletivo de judeus antissionistas defensores da
liberdade de expressão, da libertação do povo palestino, do cessar-fogo
imediato para interromper o genocídio em Gaza e do apoio concedido pelo governo
brasileiro ao pleito da África do Sul em Haia.
Repudiamos as tentativas de censura da CONIB e expressamos
nossa solidariedade a Breno Altman e todas e todos aqueles que têm sido alvo de
perseguição por se posicionarem contra o genocídio em curso na Palestina."
A CONIB é o retrato da natureza fascista do sionismo. Uma ameaça à democracia e à sociedade brasileira.
Querem prender um judeu antissionista por crítica legitimas à "israel". Tudo isso pra defender o genocídio palestino. pic.twitter.com/FkeCVGATe0
— FEPAL - Federação Árabe Palestina do Brasil (@FepalB) January 31, 2024
Parabéns @brealt pela coragem de disponibilizar em livro esta importante contribuição à compreensão histórica da questão Palestina, do sionismo, objetivos, práticas e métodos da política colonial racista de Israel. Toda minha solidariedade contra a aviltante perseguição sionista. pic.twitter.com/b4ruA1v440
Em cerca de três meses, o Esquerda compra da Esquerda (ECDE)
faz sucesso na rede social e já extrapola os limites da plataforma
Na última semana, o grupo Esquerda compra da Esquerda
(ECDE), ultrapassou a marca de 100 mil membros no Facebook. A iniciativa,
lançada em outubro de 2020, faz sucesso entre pessoas identificadas com o campo
progressista e promove uma experiência virtual de economia solidária.
Com 105 mil pessoas, o ECDE extrapolou
os limites da plataforma e criou um site próprio. No portal há um fórum
virtual, anúncios dos membros, mensagens de figuras da esquerda e citações de
intelectuais progressistas.
Entre as mensagens que aparecem na aba “Nossa Gente”, uma é
da fundadora do grupo, Erica Caminha. “Uma plataforma digital para servir de
guia de compras e serviços de progressistas para progressistas é até uma
questão de amor próprio, quiçá sobrevivência. Como gastar nosso dinheiro com
quem apoia quem disse que quer nos metralhar”, diz Erica na mensagem.
Outra pessoa que aparece na aba é a professora universitária
e blogueira Lola Aronovich. “Seu projeto é muito bom, não deixe ninguém
destruí-lo”, afirma ela
Em entrevista ao Opera
Mundi, Caminha conta que nunca imaginou “que um projeto, que começou como
algo pessoal, pudesse ajudar tantas pessoas”. “As pessoas estão conseguindo
pagar suas contas, colocar comida na mesa e estão se sentindo reconhecidas pelo
seu trabalho. E isso é muito importante. Tem que continuar a crescer e virar
uma sociedade alternativa. Eu pelo menos vejo assim, como um bloco econômico”,
celebra.
Dentro da comunidade virtual, os anúncios são separados em
produtos, serviços, alimentos e bebidas, vestuários e acessórios, arte, saúde,
turismo e outras categorias. Além disso, há um trabalho intenso de moderação
para evitar “infiltrados que possam prejudicar o movimento”. Cerca de 30 mil
pessoas estariam “na fila” para se juntar ao grupo.
Segundo Caminha, em breve o ECDE deve lançar um canal no
YouTube para veicular os anúncios, a ECDEtv.