Os procuradores das forças-tarefa da autodenominada "operação lava jato" criaram um grupo de mensagens no Telegram para articular medidas contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Isso porque o magistrado vinha tomando medidas que contrariavam os interesses da operação, como a revogação de prisões preventivas. O resultado dos esforços foi um artigo criticando liminares do magistrado.
"Prezados, criei este grupo para adotarmos medidas
contra o Gilmar Mendes", disse o procurador Diogo Castor de Mattos em 30
de outubro de 2018. "Tô dentro!!! faço o que for preciso", respondeu
Thaméa Danelon, procuradora do Ministério Público Federal em São Paulo.
Em seguida, Castor perguntou quantos investigados pela
franquia paulista haviam sido soltos. Ele explicou que era preciso saber o
número dos libertados em todos estados em que a "lava
jato" atuava e apontou que, no Paraná, 26 acusados tinham tido a sua
prisão revogada em duas semanas.
"De cabeça", Thámea informou que Laurence
Casagrande, Pedro da Silva e Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto,
tinham sido soltos — este por duas vezes. Com as informações, Castor
informou que iria "escrever um artigo forte". Em seguida, enviou
minuta do texto ao grupo.
José Augusto Vagos, da força-tarefa da "lava
jato" no Rio de Janeiro, gostou do artigo. "Muito bom, Diogo, a
semelhança com a Itália é impressionante... certamente o GM [Gilmar Mendes] vai
espumar..." Mas ele ressaltou que, diferentemente do que apontou
Castor, algumas das liminares em Habeas Corpus concedidas por Gilmar foram
submetidas — e confirmadas — pela 2ª Turma do STF.
Em 5 de novembro, Diogo Castor perguntou: "Alguém
conseguiu os numeros e nomes de presos soltos por gilmar em SP e RJ e quais
desses casos houve julgamento do agravo?" Thámea respondeu que
conseguiu e iria pedir para um assessor lhe enviar os dados de São Paulo.
Quanto aos do Rio, a procuradora Mônica Campos de Ré enviou levantamento do
site Jota que informou que Gilmar Mendes já havia libertado 37 investigados da
"lava jato" no estado.
Castor então disse que iria mandar publicar o artigo no
jornal O Globo e afirmou que "seria legal que colegas do
RJ e SP tb assinassem". "Quem se voluntaria?", questionou.
Thámea Danelon e José Augusto Vagos se prontificaram.
O artigo acabou sendo publicado em 14 de dezembro de 2018 no jornal O
Estado de S. Paulo. No texto, Castor, Thámea e Vagos retomaram a comparação
entre o cenário de corrupção da Itália nos anos 1980 e 1990 e o do Brasil
atual. Os procuradores citaram que, em 1991, um juiz da Suprema Corte italiana,
Corrado Carnevale, que era conhecido por "anular processos contra mafiosos
por vícios formais", começou a libertar diversos chefes de máfias que
estavam presos preventivamente, sob a alegação de demora no julgamento de
recursos. Posteriormente, foi revelado que o magistrado tinha ligações com
mafiosos.
Conforme os integrantes do MPF, até novembro de 2018, a
"lava jato" no Paraná havia gerado 226 condenações por corrupção
e lavagem de dinheiro, "levando à prisão altas autoridades da República,
incluindo um ex-presidente [Lula] que somente foi detido após um difícil
julgamento na Suprema Corte brasileira". "Parecia uma grande vitória,
mas foi o início de mais uma guerra contra o sistema de compadrio que se
instalou no país", ressalvaram, passando a atacar Gilmar Mendes.
"Nos meses seguintes à prisão de Lula, o ministro
Gilmar Mendes do STF começou a soltar quase todos os presos provisórios da
operação 'lava jato' do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Curitiba. Em
casos de São Paulo e Curitiba os pleitos de liberdade foram endereçados
diretamente ao magistrado, sem sorteio, com as defesas alegando esdrúxulas
prevenções com outros casos totalmente diferentes. Desta forma, em pouco tempo
e com decisões genéricas foram soltos pelo menos 60 presos por corrupção e
lavagem de dinheiro nesses Estados."
Os procuradores concluíram o texto destacando que Gilmar deveria levar a julgamento os recursos de suas decisões de soltura, "que claramente violam regras básicas de distribuição de processos e afrontam princípios do devido processo legal como do juiz natural". "Como diria Luther King, 'o que nos preocupa não é o grito dos maus e sim o silêncio dos bons'", encerraram Castor, Thámea e Vagos.
Inimigo da "lava jato"
Procuradores do MPF no Paraná buscaram atacar os ministros Gilmar Mendes e Dias
Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, e enfraquecer Ribeiro Dantas, do Superior
Tribunal de Justiça, para retirá-lo da relatoria da "lava
jato". "Toffoli e Gilmar todo mundo quer pegar. Mas é difícil fazer
algo", afirmou Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa da
"lava jato" no Paraná, em 13 de julho de 2016. O ministro Alexandre
de Moraes também era alvo do MPF.
"Acho que podemos alimentar os movimentos para
direcionarem atenção para Alexandre de Moraes. Se pegar sem a nossa cara,
melhor, pq fico penando [pensando] em possível efeito contrário em nós
querermos colcoar [colocar] o STF contra a parede. Até postei hj sobre o
Alexandre de Moraes, e se quiser postar o que quiser manda ver, mas acho que a
estratégia de usarmos os movimentos será melhor, se funcionar", prossegue
o procurador.
Em maio de 2017, Deltan afirmou que cogitou pedir o impeachment de
Gilmar caso a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal soltasse o ex-ministro
Antonio Palocci. Porém, ele desistiu da ideia após saber que o advogado
Modesto Carvalhosa iria pedir a destituição do magistrado. Thaméa Danelon colaborou com o advogado na redação do pedido de impeachment de
Gilmar Mendes.
Um ano depois, Dallagnol, irritado por causa de um
Habeas Corpus concedido por Gilmar Mendes a Paulo Preto, passou a arquitetar uma investida contra o
ministro. "Precisamos reagir ao GM [Gilmar Mendes]. Vou articular com
SP e RJ algo. Caros precisamos fazer algo em relação a GM", disse
Dallagnol, se referindo às ramificações da "lava jato" no Rio de
Janeiro e em São Paulo.
O chefe da força-tarefa da "lava jato" no Paraná,
Deltan Dallagnol, articulou em 2018 um manifesto pela suspeição do
ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, nos casos envolvendo a
"lava jato". Eduardo El Hage, líder da operação no Rio, também
participou da conversa.
"Caros precisamos fazer algo em relação a GM [Gilmar
Mendes]. Acho que um bom começo seria alguém fazer um estudo das decisões deles
que mantiveram prisões antes da Lava Jato e DIRANTE [durante] a LJ em outros
casos e mostramos INCOERÊNCIA. Assinamos todos os procuradores da LJ
[...] Das três FTS [forças-tarefa]", disse Dallagnol, em referências
às franquias de Curitiba, Rio e SP.
"Alguém depois joga online, uma entidade, e faz abaixo
assinado pela suspeição dele noss casos da LJ", prossegue o chefe da
"lava jato" em Curitiba.
El Hage responde: "Eu acho ótimo! Já tinha pensado
nisso também. O problema é a falta de tempo para a pesquisa. Estamos mega
atolados aqui no Rio".
Investigação contra Gilmar
Em agosto de 2019, o El País, em parceria com o The
Intercept Brasil, revelou outro episódio envolvendo investidas contra
Gilmar. A reportagem divulgou conversas em que os integrantes do MPF no
Paraná planejaram usar a investigação contra Paulo Preto para tentar emparedar
o ministro do Supremo.
Dallagnol sugeriu pedir que autoridades da Suíça procurassem
menções específicas ao nome do ministro para saber se havia relação entre ele e
Paulo Preto.
As conversas também revelam que a "lava
jato" em Curitiba cogitou pedir o impeachment de Gilmar ao Senado.
Desistiram quando a procuradora Laura Tessler disse ter ficado sabendo que o
advogado Modesto Carvalhosa protocolaria uma solicitação dessa natureza.
"Nós não podemos dar a entender que investigamos GM.
Caso se confirme essa unha e carne, será um escândalo", disse Dallagnol ao
grupo. Logo em seguida, ele sugeriu que fossem apuradas ligações de Paulo Preto
para telefones do Supremo. "Mas não é novidade que Gilmar veio do psdb e
de dentro do governo fhc!!! Cuidado com isso", acrescentou o procurador
Paulo Galvão.
Procuradores da República que oficiam em primeiro grau não
podem investigar ministros do Supremo. Roberson Pozzobon tentou ser a voz
da razão, mas também sugeriu ignorar a competência do MPF. "Acho que
temos que confirmar minimamente isso antes de passar pra alguém investigar mais
a fundo, Delta".
Articulação com partido
Outra reportagem, dessa vez publicada pelo UOL, também em
parceria com o Intercept, revelou que Dallagnol articulou com o
partido Rede Sustentabilidade para que uma ação fosse ajuizada contra
Gilmar.
De acordo com as conversas, a "lava jato" queria
manter o ministro do STF longe de julgamentos envolvendo a
"operação". A iniciativa começou depois que Gilmar determinou a soltura de Beto Richa (PSDB),
ex-governador do Paraná.
"Resumo reunião de hoje: Gilmar provavelmente vai
expandir decisões da Integração pra Piloto. Melhor solução alcançada: ADPF da
Rede para preservar juiz natural", disse Dallagnol em grupo de
procuradores no Telegram no dia 9 de outubro de 2018.
Duas horas depois, ele voltou para contar que o senador
Randolfe Rodrigues (Rede) "super topou" propor uma arguição de
descumprimento de preceito fundamental. No dia seguinte, 10 de outubro, o
procurador Diogo Castor falou que enviou uma sugestão de ADPF para assessor de
Randolfe.
Já no dia 11, a Rede protocolou a ADPF que pedia que Gilmar Mendes
fosse impedido de "liberar indiscriminadamente" presos na
operação. No pedido, os advogados afirmaram que o ministro concedeu
"extravagantes liminares" e Habeas Corpus de ofício a pelo menos 26
investigados em crimes de corrupção.
Fonte: Consultor Jurídico
UOL
Gilmar Mendes vota no STF pela suspeição de Sergio Moro -
Julgamento da suspeição de Moro: o ministro Gilmar Mendes,
da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (9)
a favor da suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro na condução dos processos
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato. "Não podemos
aceitar que o combate à corrupção se dê sem limites", disse ele, que ainda
defendeu que Moro "seja condenado ao pagamento das custas processuais da
ação penal"