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sábado, 10 de abril de 2021

Jornal francês mostra como os EUA usaram a "lava jato" para seus próprios fins


O que começou como a "maior operação contra a corrupção do mundo" e degenerou no "maior escândalo judicial do planeta" na verdade não passou de uma estratégia bem-sucedida dos Estados Unidos para minar a autonomia geopolítica brasileira e acabar com a ameaça representada pelo crescimento de empresas que colocariam em risco seus próprios interesses.



 

A história foi resgatada em uma reportagem do jornal francês Le Monde Diplomatique deste sábado (10/4), assinada por Nicolas Bourcier e Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (Opalc) da universidade Sciences Po de Paris.

Tudo começou em 2007, durante o governo de George W. Bush. As autoridades norte-americanas estavam incomodadas pela falta de cooperação dos diplomatas brasileiros com seu programa de combate ao terrorismo. O Itamaraty, na época, não estava disposto a embarcar na histeria dos EUA com o assunto.

Para contornar o desinteresse oficial, a embaixada dos EUA no Brasil passou a investir na tentativa de criar um grupo de experts locais, simpáticos aos seus interesses e dispostos a aprender seus métodos, "sem parecer peões" num jogo, segundo constava em um telegrama do embaixador Clifford Sobel a que o Le Monde teve acesso.

Sergio Moro aprendeu os métodos 
norte-americanos de defender 
os interesses norte-americanos
 fora dos EUA

Assim, naquele ano, Sergio Moro foi convidado a participar de um encontro, financiado pelo departamento de estado dos EUA, seu órgão de relações exteriores. O convite foi aceito. Na ocasião, fez contato com diversos representantes do FBI, do Departament of Justice (DOJ) e do próprio Departamento de Estado dos EUA (equivalente ao Itamaraty).

Para aproveitar a dianteira obtida, os EUA foram além e criaram um posto de "conselheiro jurídico" na embaixada brasileira, que ficou a cargo de Karine Moreno-Taxman, especialista em combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.

Por meio do "projeto Pontes", os EUA garantiram a disseminação de seus métodos, que consistem na criação de grupos de trabalho anticorrupção, aplicação de sua doutrina jurídica (principalmente o sistema de recompensa para as delações), e o compartilhamento "informal" de informações sobre os processos, ou seja, fora dos canais oficiais. Qualquer semelhança com a "lava jato" não é mera coincidência.

Em 2009, dois anos depois, Moreno-Taxman foi convidada a falar na conferência anual dos agentes da Polícia Federal brasileira, em Fortaleza. Diante de mais de 500 profissionais, a norte-americana ensinou os brasileiros a fazer o que os EUA queriam: "Em casos de corrupção, é preciso ir atrás do 'rei' de maneira sistemática e constante, para derrubá-lo."

"Para que o Judiciário possa condenar alguém por corrupção, é preciso que o povo odeie essa pessoa", afirmou depois, sendo mais explícita. "A sociedade deve sentir que ele realmente abusou de seu cargo e exigir sua condenação", completou, para não deixar dúvidas.

O nome do então presidente Lula não foi citado nenhuma vez, mas, segundo os autores da reportagem, estava na cabeça de todos os presentes: na época, o escândalo do "Mensalão" ocupava os noticiários do país.


Semente plantada 


O PT não viu o monstro que estava sendo criado, prosseguem os autores. As autoridades estrangeiras, com destaque para um grupo anticorrupção da OCDE, amplamente influenciado pelos EUA, começaram a pressionar o país por leis mais duras de combate à corrupção.

Nesse contexto, Moro foi nomeado, em 2012, para integrar o gabinete de Rosa Weber, recém indicada para o Supremo Tribunal Federal. Oriunda da Justiça do Trabalho, a ministra precisava de auxiliares com expertise criminal para auxiliá-la no julgamento. Moro, então, foi um dos responsáveis pelo polêmico voto defendendo "flexibilizar" a necessidade de provas em casos de corrupção.

"Nos delitos de poder, quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito. Esquemas velados, distribuição de documentos, aliciamento de testemunhas. Disso decorre a maior elasticidade na admissão da prova de acusação", afirmou a ministra em seu voto.

O precedente foi levado ao pé da letra pelo juiz e pelos procuradores da "lava jato" anos depois, para acusar e condenar o ex-presidente Lula no caso do tríplex.

Em 2013, a pressão internacional fez efeito, e o Congresso brasileiro começou a votar a lei anticorrupção. Para não fazer feio diante da comunidade internacional, os parlamentares acabaram incorporando mecanismos previstos no Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), uma lei que permite que os EUA investiguem e punam fatos ocorridos em outros países. Para especialistas, ela é instrumento de exercício de poder econômico e político dos norte-americanos no mundo.

Em novembro daquele mesmo ano, o procurador geral adjunto do DOJ norte-americano, James Cole, anunciou que o chefe da unidade do FCPA viria imediatamente para o Brasil, com o intuito de "instruir procuradores brasileiros" sobre as aplicações do FCPA.

Sem apoio parlamentar e castigada 
pela opinião pública, Dilma Rousseff deu
 aval a medidas que acabariam 
com os planos do PT

A nova norma preocupou juristas já na época. O Le Monde cita uma nota de Jones Day prevendo que a lei anticorrupção traria efeitos deletérios para a Justiça brasileira. Ele destacou o caráter "imprevisível e contraditório" da lei e a ausência de procedimentos de controle. Segundo o documento, "qualquer membro do Ministério Público pode abrir uma investigação em função de suas próprias convicções, com reduzidas possibilidades de ser impedido por uma autoridade superior".

Dilma Rousseff, já presidente à época, preferiu não dar razões para mais críticas ao seu governo, que só aumentavam, e sancionou a lei, apesar dos alertas. 

Em 29 de janeiro de 2014, a lei entrou em vigor. Em 17 de março, o procurador-geral da República da época, Rodrigo Janot, chancelou a criação da "força-tarefa" da "lava jato". Desde seu surgimento, o grupo atraiu a atenção da imprensa, narra o jornal. "A orquestração das prisões e o ritmo da atuação do Ministério Público e de Moro transformaram a operação em uma verdadeira novela político-judicial sem precedentes", afirmam Bourcier e Estrada.


Lição aprendida


No mesmo momento, a administração de Barack Obama nos EUA dava mostras de seu trabalho para ampliar a aplicação do FCPA e aumentar a jurisdição dos EUA no mundo. Leslie Caldwell, procuradora-adjunta do DOJ, afirmou em uma palestra em novembro de 2014: "A luta contra a corrupção estrangeira não é um serviço que nós prestamos à comunidade internacional, mas sim uma medida de fiscalização necessária para proteger nossos próprios interesses em questões de segurança nacional e o das nossas empresas, para que sejam competitivas globalmente."

O que mais preocupava os EUA era a autonomia da política externa brasileira e a ascensão do país como uma potência econômica e geopolítica regional na América do Sul e na África, para onde as empreiteiras brasileiras Odebrecht, Camargo Corrêa e OAS começavam a expandir seus negócios (impulsionadas pelo plano de criação dos "campeões nacionais" patrocinado pelo BNDES, banco estatal de fomento empresarial).

"Se acrescentarmos a isso as relações entre Obama e Lula, que se deterioravam, e um aparelho do PT que desconfiava do vizinho norte-americano, podemos dizer que tivemos muito trabalho para endireitar os rumos", afirmou ao Le Monde um ex-membro do DOJ encarregado da relação com os latino-americanos.

A tarefa ficou ainda mais difícil depois que Edward Snowden mostrou que a NSA (agência de segurança dos EUA) espionava a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras, o que esfriou ainda mais a relação entre Brasília e Washington.

Vários dispositivos de influência foram então ativados. Em 2015, os procuradores brasileiros, para dar mostras de boa vontade para com os norte-americanos, organizaram uma reunião secreta para colocá-los a par das investigações da "lava jato" no país. 

Eles entregaram tudo o que os americanos precisavam para detonar os planos de autonomia geopolítica brasileiros, cobrando um preço vergonhoso: que parte do dinheiro recuperado pela aplicação do FCPA voltasse para o Brasil, especificamente para um fundo gerido pela própria "lava jato". Os americanos, obviamente, aceitaram a proposta.

Dilma empossa Lula como ministro da 
Casa Civil, antes da divulgação ilegal 
de grampo ilegal de 
telefonema entre os dois

 A crise perfeita

Vendo seu apoio parlamentar derreter, em 2015 Dilma decidiu chamar Lula para compor seu governo, uma manobra derradeira para tentar salvar sua coalizão de governo, conforme classificou o jornal. Foi quando o escândalo explodiu: Moro autorizou a divulgação ilegal da interceptação ilegal de um telefonema entre Lula e Dilma, informando a Globo, no que veio a cimentar o clima político para a posterior deposição da presidente em um processo de impeachment. Moro, depois, pediu escusas pela série de ilegalidades, e o caso ficou por isso mesmo.

Os EUA estavam de olho nas turbulências. Leslie Backshies, chefe da unidade internacional do FBI e encarregada, a partir de 2014, de ajudar a "lava jato" no país, afirmou que "os agentes devem estar cientes de todas as ramificações políticas potenciais desses casos, de como casos de corrupção internacional podem ter efeitos importantes e influenciar as eleições e cenário econômico". "Além de conversas regulares de negócios, os supervisores do FBI se reúnem trimestralmente com os advogados do DoJ para revisar possíveis processos judiciais e
as possíveis consequências."

Assim, foi com conhecimento de causa que as autoridades norte-americanas celebraram acordo de "colaboração" com a Odebrecht, em 2016. O documento previa o reconhecimento de atos de corrupção não apenas no Brasil, mas em outros países nos quais a empresa tivesse negócios. Caso recusasse, a Odebrecht teria suas contas sequestradas, situação que excluiria o conglomerado do sistema financeiro internacional e poderia levar à falência. A Odebrecht aceitou a "colaboração".

A "lava jato" estava confiante de sua vantagem, apesar de ter ascendido sem a menor consideração pelas normas do Direito. "Quando Lula foi condenado por 'corrupção passiva e lavagem de dinheiro', em 12 de julho de 2017, poucos relatos jornalísticos explicaram que a condeação teve base em 'fatos indeterminados'", destacou o jornal.

Depois de condenar Lula e tirá-lo de jogo nas eleições de 2018, Sergio Moro colheu os louros de seu trabalho ao aceitar ser ministro da Justiça do novo presidente Jair Bolsonaro. Enquanto isso, os norte-americanos puderam se gabar de pôr fim aos esquemas de corrupção da Petrobras e da Odebrecht, junto com a capacidade de influência e projeção político-econômica brasileiras na América Latina e na África. Os procuradores da "lava jato" ficaram com o prêmio de administrar parte da multa imposta pelos EUA à Petrobras e à Odebrecht, na forma de fundações de Direito privado dirigida por eles próprios em parceria com a Transparência Internacional.

Conversão lucrativa
A recompensa que Sergio Moro escolheu para si também foi o início do fim de seu processo de canonização. Depois da eleição de Bolsonaro, veio à tona o escândalo da criação do fundo da Petrobras. O ministro Alexandre de Moraes frustrou os planos dos procuradores ao determinar a dissolução do fundo e direcionar o dinheiro para outras finalidades.

Em maio de 2019, o The Intercept Brasil começou a divulgar conversas de Telegram entre procuradores e Moro, hackeadas por Walter Delgatti e apreendidas pela Polícia Federal sob o comando do próprio Moro, enquanto ministro da Justiça. Elas mostram, entre outros escândalos, como Moro orientou os procuradores, e como estes últimos informaram os EUA e a Suíça sobre as investigações e combinaram a divisão do dinheiro.

Depois de pedir demissão do Ministério, Moro seguiu o mesmo caminho lucrativo de outros ex-agentes do DOJ e passou a trabalhar para o setor privado, valendo-se de seu conhecimento privilegiado sobre o sistema judiciário brasileiro em casos célebres para emitir consultorias, um posto normalmente bastante lucrativo. A Alvarez e Marsal, que o contratou, é administradora da recuperação judicial da Odebrecht.

Fonte: Conjur


Neste documentário financiado pela comunidade da TV 247, o repórter Joaquim de Carvalho e o cinegrafista Thiago Monteiro revelam como o hacker Walter Delgatti Neto interceptou mensagens dos procuradores da Lava Jato e obteve mensagens que comprovam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alvo de perseguição judicial, num processo internacional de lawfare. Joaquim de Carvalho deixa um questionamento para os que zelam pelo estado de direito: os crimes da Lava Jato ficarão impunes?


No Twitter



 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Mais mensagens aparecem: cooperação da Lava Jato com EUA foi permanente e ilegal; Deltan e Moro esconderam tudo do STF


Em nova petição ao STF, defesa de Lula prova nesta quarta que a cooperação ilegal da Lava Jato com FBI, Departamento de Justiça e outras instituições dos EUA era intensa e permanente. Ela foi propositadamente escondida do STF e da defesa do ex-presidente


Sergio Moro, Deltan Dallagnol e o símbolo do FBI (Foto: Reprodução)

247Um novo pacote de mensagens da Lava Jato foi enviado pela defesa do ex-presidente Lula numa petição ao STF nesta quarta-feira (17) e comprova que a cooperação ilegal entre a Lava Jato, o FBI, o Departamento de Justiça dos EUA e outros órgãos aconteceu de maneira intensa e permanente. Ilegal, a cooperação foi escondida do STF e da defesa de Lula.

Num trecho da petição, a defesa de Lula esclarece a razão de Moro vetar perguntas dos advogados nas audiências. O motivo é chocante: “(...) quantas vezes a Defesa Técnica do aqui Reclamante fez perguntas em audiências sobre essas ‘entrevistas’ e sobre a cooperação da ‘Lava Jato’ com autoridades norte-americanas e as perguntas foram indeferidas pelo então juiz SERGIO MORO? Aqui está o real motivo: a cooperação era ilegal e clandestina”.

O conjunto de mensagens caracteriza, segundo a defesa de Lula, uma “cooperação selvagem, fora da lei”, dos procuradores da Lava Jato “com a ciência e a anuência do então juiz SERGIO MORO”.

Em explicações ao STF e órgãos de controle do Ministério Público e do Judiciário, a Lava Jato mentiu de maneira sistemática, negando a existência de relações de ações comuns com autoridades estrangeiras, como nesta peça, de 2016, citada pela defesa de Lula: 

“Conforme já informado anteriormente, no Brasil, o acordo de leniência com a Odebrecht S.A. foi firmado em 01/12/2016 exclusivamente com autoridades brasileiras, inicialmente com o Ministério Público Federal, sendo signatários membros integrantes desta força-tarefa e do grupo de trabalho junto ao gabinete do Procurador Geral da República. 

Inexiste, portanto, acordo de leniência ou ato conjunto semelhante neste caso que tenha sido firmado ou conte com a participação de autoridades estrangeiras, sejam estadunidenses ou de outra nacionalidade. 

(...)

Não há, portanto, registros de tratativas realizadas pelo MPF de Curitiba com autoridades e instituições estrangeiras, já que o acordo de leniência celebrado pelo MPF não é ato decorrente ou dependente de cooperação internacional”. 

Na petição, a defesa de Lula apresenta diversos diálogos que comprovam a cooperação ilegal. Uma troca de mensagens de 7 de abril de 2016:

“Deltan: Caros, os americanos, a nosso pedido pretérito, estão desenvolvendo o caso da Ode.

Carol PGR: Deltan, os Advs que estão negociando o acordo aí nos EUA são americanos ou é um escritório brasileiro?

Deltan: Americano, caso me equivoque”

Outra troca de mensagens, de 26 de setembro de 2016 fala refere-se diretamente à colaboração clandestina com o FBI:

“Carlos Bruno: PG, houve alguma resposta do FBI no caso do servidor (computador) com senha?

Paulo: só aquela do email”

Sobre essa troca de mensagens, a defesa de Lula observa que o citado email foi sonegado pela operação: “Note-se bem a referência feita nesta mensagem a informações recebidas pela Lava Jato do FBI: ‘só aquela do e-mail’. Onde está esse e-mail encaminhado pelo FBI? Nos autos de origem, definitivamente não está, e nem foi exibido a esta Defesa Técnica, a despeito da expressa determinação do e. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI”.

 Outras mensagens reforçam o contato permanente da Lava Jato com o FBI “sem que isto esteja documentado nos autos ou, ainda, sem a observância dos canais oficiais e do procedimento previsto em lei”, afirma a defesa de Lula. Uma mensagem de 27 de setembro de 2016 deixa patente:

“Paulo: (...) falei com a June do FBI, ela vai cobrar a questão da cripto”.

A defesa de Lula apresenta uma sequência de trocas de mensagens entre os procuraodres que atestam a dimensão da colaboração clandestina: “Na mensagem abaixo, por exemplo, existe a indicação de documentos que foram firmados entre a ‘Lava Jato de Curitiba’ e o DOJ [Departamento de Justiça dos Estados Unidos] que jamais foram levados aos autos de origem — mesmo após esse Supremo Tribunal Federal ter instado a ‘Lava Jato’ para essa finalidade”. 

A seguir, a mensagem, de 20 de maio de 2016: 

“Paulo, conversei com o DOJ sobre esse acordo (eles ligam toda semana querendo saber novidades)”.

Na mesma ação, a defesa de Lula aponta que os procuradores da Lava Jato faziam pressão escancarada a ministros do STF. Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes eram alguns de seus alvos, segundo os diálogos. Além disso, a força-tarefa constrangia ministros do STJ com vazamentos planejados de delações ‘vazias’ à imprensa, depois de ter levantado o patrimônio dos ministros da Corte junto à Receita Federal..

Leia a íntegra da petição da defesa de Lula:




Bob Fernandes

Os EUA espionavam o Brasil e o FBI investigava para a Lava Jato de Moro... Uma História de sabujos. Quinta-feira, 2 de julho de 2020

Assista ao VÍDEO


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