“Empresa criminosa é vista como parceira”, diz integrante do MAB, que critica transferência do caso para 2ª instância
O rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), que matou 272 pessoas, completa dois anos nesta segunda-feira (25) sem que a mineradora Vale aceite pagar a indenização estipulada pelo Estado. As audiências para negociação do principal acordo de reparação terminaram sem consenso na última quinta-feira (21).
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seguem destruídas, mas Vale volta a lucrar ::
O Ministério Público de Minas Gerais pediu, inicialmente,
uma indenização de R$ 54 bilhões. Desse montante, R$ 28 bilhões seriam
destinados a cobrir danos morais sociais e coletivos. Os R$ 26 bilhões
restantes se referiam às perdas econômicas do estado, conforme estudo da Fundação João Pinheiro,
instituição de pesquisa e ensino vinculada ao estado de Minas Gerais.
O governo estadual fixou a data de 29 de janeiro como limite
para apresentação de uma última contraproposta da Vale.
Além de representantes da empresa e do governo de Minas
Gerais, as negociações envolveram o Ministério Público de Minas Gerais, o
Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e a
Defensoria Pública estadual.
“O impacto da morte de 272 pessoas e toda a comoção que isso
gerou requer uma punição exemplar para que a empresa não permita que isso
ocorra novamente”, afirma José Geraldo Martins, membro da coordenação estadual
do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
A organização critica a transferência dos processos da 1ª instância, na 2ª Vara da
Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, para a 2ª instância,
no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais (CEJUSC-TJMG).
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entre Vale e governo de Minas ::
Para Martins, a mudança afastou os atingidos e as
assessorias técnicas do processo de avaliação dos danos e foi
realizada para favorecer a Vale.
“A reparação integral não pode ser baseada nos estudos
pagos, promovidos ou realizados por empresas parceiras da Vale, como hoje está
acontecendo”, alerta o militante do MAB. “É uma situação surreal: a criminosa
vai definir o que foi o estrago e o que ela está disposta a pagar para
corrigir. A empresa criminosa é tratada como parceira. Isso é inaceitável.”
As rodadas de negociação ocorrem desde outubro de
2020. O valor da última contraproposta da Vale, rejeitado pelo governo
estadual no dia 21, não foi divulgado.
- o telefone de contato que eles distribuem para os atingidos, para dúvidas e reclamações, é o 0800 da Vale. É uma situação surreal: a criminosa vai definir o que foi o estrago e o que ela está disposta a pagar para corrigir.
“A Vale reconhece, desde o dia do rompimento, sua
responsabilidade pela reparação integral dos danos causados”, afirma a empresa
em nota. “Até o momento foram pagas cerca de 8.700 indenizações individuais.
(...) A Vale continuará a cumprir integralmente sua obrigação de reparar e
indenizar as pessoas, bem como de promover a reparação do meio ambiente,
independentemente de haver condenação ou acordo. Até o momento, a empresa
destinou cerca de R$10 bilhões para estes fins.”
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Em entrevista ao Brasil de Fato, José
Geraldo Martins fez um balanço das negociações e expôs as
expectativas do MAB sobre a continuidade do processo. Confira os melhores
momentos:
Brasil de Fato: A Vale já deixou claro que não pretende
pagar o valor de R$ 54 bilhões como reparação pelo rompimento da barragem do
Córrego do Feijão, em Brumadinho. Qual foi a contraproposta apresentada por
eles na quinta-feira (21), e que outras informações você considera relevantes
sobre essa audiência final?
José Geraldo Martins: Não sabemos. Essas
informações, quando saem, a gente obtém pela mídia mesmo, infelizmente. E
também vemos isso com certa reserva, porque nunca sabemos se o que sai na mídia
é uma jogada de pressão, no âmbito da negociação, ou corresponde à realidade.
O processo está correndo a portas fechadas, sem a
participação de atingidos ou de assessoria técnica. Quase não temos informações
internas. Só soubemos que houve um impasse nas negociações, por conta dos
valores – embora tudo que saiu na mídia até então dava a entender que o governo
estava disposto a aceitar uma contraproposta da Vale. Mas, não temos acesso a
quais foram esses valores.
Esse impasse nos dá um fôlego maior para tentar garantir a
participação dos atingidos nesse processo.
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da mineração em Brumadinho ::
O governo de Minas Gerais chegou a ameaçar retornar o
processo novamente para a 1ª instância. Como vocês encaram essa possibilidade?
A possibilidade de volta do processo para 1ª instância, se
por um lado pode representar uma demora na resolução dos problemas por conta
dos vários recursos que a Justiça permite, por outro lado garantiria que os
atingidos assistissem às audiências, de forma mais democrática.
Tanto que houve vários avanços naquele tribunal, como o
auxílio emergencial para boa parte da população, o cadastro dos atingidos ser
feito de forma coletiva pelas comissões de atingidos, e a própria entrada em
campo das assessorias técnicas. Tudo isso foi conquistado na 1ª instância.
Na 2ª instância, a participação dos atingidos foi negada,
mesmo como ouvintes. Então, nesse momento, nossa expectativa é que o acordo
seja revisto do ponto de vista de que o pagamento dos R$ 28 milhões, pleiteados
na ação civil pública referente aos danos morais coletivos, seja decidido com
participação dos moradores da bacia do Rio Paraopeba, que foram os maiores
atingidos.
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O juiz Elton Pupo Nogueira foi responsável pela primeira
condenação da Vale no caso Brumadinho, em 2019. Como vocês avaliam a atuação
desse juiz? Além de restringir a participação dos atingidos, é possível dizer
que um dos objetivos dessa transferência de instâncias foi tirar o processo das
mãos dele?
Quando o processo estava sob cuidado do juiz Elton,
conseguimos avanços significativos. Além dos que eu citei, houve também o
reconhecimento da auto-organização dos atingidos, enquanto coletivos, em suas
comissões.
O doutor Elton não só homologou o início dos trabalhos das
assessorias técnicas, como nomeou a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
como perita, para contrapor aos estudos que a Vale vem fazendo. Quando o acordo
passou a ser discutido no Tribunal de Justiça, tudo isso caiu por terra.
O escopo do trabalho das assessorias técnicas diminuiu, e
agora querem extinguir as perícias do juiz. Isso foi ventilado em reuniões,
algumas das quais tivemos informação, e muito nos preocupa. Porque a reparação
integral não pode ser baseada nos estudos pagos, promovidos ou realizados por
empresas parceiras da Vale, como hoje está acontecendo.
Quem está executando os estudos de avaliação de risco à
saúde humana na bacia do Paraopeba é o Grupo EPA [Engenharia de Proteção
Ambiental Ltda], parceiro da Vale. Inclusive, o telefone de contato que
eles distribuem para os atingidos, para dúvidas e reclamações, é o 0800 da
Vale. É uma situação surreal: a criminosa vai definir o que foi o estrago e o
que ela está disposta a pagar para corrigir.
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Inicialmente, o governo estipulou o valor de R$ 54
bilhões. Porém, é muito provável que haja uma margem de negociação. Qual seria
uma margem aceitável para o MAB? Vocês definiram, internamente, qual seria o
valor mínimo de uma reparação justa?
Esse valor de R$ 54 bilhões é fruto de uma investigação
detalhada da Fundação João Pinheiro, que estimou os prejuízos financeiros do
estado de Minas Gerais, desde a perda de valor de imagem do estado até a perda
na arrecadação de impostos, devido ao rompimento. Ou seja, é o conjunto dos
danos socioeconômicos.
Dentro desse valor, os R$ 28 bilhões, que correspondem aos
danos morais coletivo, foram estimados com base no lucro líquido da companhia
no trimestre anterior ao estudo. Se esse estudo fosse feito hoje, o valor seria
ainda maior.
O MAB entende que as indenizações por dano moral coletivo
têm um duplo objetivo. O primeiro é ressarcir a parte ofendida de seus
prejuízos, e o segundo é o caráter educativo, para que a Vale seja
desestimulada a deixar que outros crimes como esse aconteçam.
Não podemos esquecer que o crime em Brumadinho ocorre três
anos depois do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), que matou 750
km do Rio Doce. Então, em seguida, a mesma empresa deixa acontecer outra
tragédia semelhante – e temos provas cabais, de sobra, para afirmar isso.
Se a tragédia de Brumadinho, geograficamente, foi menor, o
impacto da morte de 272 pessoas e toda a comoção que isso gerou requer uma
punição exemplar para que a empresa não permita que isso ocorra novamente.
:: Ailton Krenak: “A mineração não tem dignidade,
se pudesse continuaria escravizando” ::
Por isso, o MAB não estabelece o que seria um valor
aceitável. A gente se baseia nos cálculos da Fundação João Pinheiro. Se existe
uma margem de negociação, isso não cabe a nós. O que queremos é que os
atingidos sejam o centro dos processos de reparação, e que o rio seja devolvido
a condições mínimas, em relação ao que era antes do rompimento.
Os atingidos precisam ser os protagonistas desse processo.
Hoje, o que acontece é que a Vale domina os territórios, utilizando a
distribuição de água, o pagamento de auxílio emergencial e a atuação de suas
terceirizadas para provocar divisões, colocar atingido contra atingido. Tudo
isso visa ao enfraquecimento das lutas dos atingidos, enquanto a empresa
criminosa é tratada como parceira. Isso é inaceitável.
O MAB vem denunciando que o governo Romeu Zema (NOVO), de
Minas Gerais, é conivente com as manobras da Vale para não pagar uma reparação
justa. Porém, logo após a última audiência, o secretário-geral da administração
estadual Mateus Simões fez declarações duras, chamando a Vale de criminosa e dizendo
que o estado não vai aceitar migalhas. O que essa mudança de tom significa?
Nós avaliamos que ainda é cedo para interpretar isso como
uma sinalização de mudança de postura do estado. Até aqui, o estado vem sendo
conivente, subserviente às ações que a Vale tem realizado, com uma dificuldade
extrema de fazer qualquer tipo de punição.
A própria definição dos R$ 54 bilhões veio após uma
tentativa frustrada de acordo. Então, nós realmente esperamos que esteja
havendo uma mudança na postura do Estado, para que ele seja mais assertivo na
defesa da população e do erário público.
Não se trata de um recurso que pertence ao governador ou ao
governo. É um prejuízo que foi imposto à população mineira e aos atingidos da
bacia do rio Paraopeba. Estes são os legítimos destinatários desse recurso.
Então, não cabe ao governador escolher que obras fazer com esse recurso.
Dentro dos territórios, o que a gente vê é o contrário dessa
declaração mais recente do secretário. Vemos órgãos do Estado fazendo um papel
de defesa da empresa, dizendo que não há contaminação, mesmo sem mostrar
documentos.
Esperamos sinceramente que o Estado assuma, de uma vez por
todas, sua responsabilidade de cuidar e defender os cidadãos. Vemos essa
sinalização com bons olhos, com a esperança de que não seja só mais uma jogada
midiática ou de pressão negocial.
Edição: Lucas Weber
Fonte: Brasil de Fato
Band Jornalismo
Para falar sobre os dois anos da Tragédia em Brumadinho, conversamos com o tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, Pedro Aihara, que acompanhou todo o processo à época.
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Hoje completam 2 anos do rompimento da barragem mina em Brumadinho. O crime da Vale que é o maior na área ambiental no país e tem dimensão de tragédias humanitárias deixou mais de 272 vítimas fatais e uma série de danos à natureza que são sentidos até hoje. #Brumadinho2anos pic.twitter.com/SMKAmsIeKv
— Mídia NINJA (@MidiaNINJA) January 25, 2021
A VALE MATA RIO, MATA PEIXE, MATA GENTE! #Brumadinho2anos pic.twitter.com/lyMKQJ9zlF
— MAB (@MAB_Brasil) January 25, 2021
Não é só #Brumadinho que ficou arrasada após o rompimento da barragem da Vale, há 2 anos. Esta reportagem de @Tatapml mostra que moradores de outras 4 cidades do entorno ainda sofrem até hoje com falta de renda e de acesso a água potável. Leia no #G1Minashttps://t.co/3AFkpwgT6j
— G1 MG (@g1mg) January 25, 2021
Tragédia de Brumadinho: Petistas criticam a Vale pela demora no pagamento das indenizações https://t.co/RAhlxAgcyS
— Rogério Correia (@RogerioCorreia_) January 25, 2021
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