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terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Dois anos após crime de Brumadinho, Vale se recusa a pagar valor definido pelo Estado


“Empresa criminosa é vista como parceira”, diz integrante do MAB, que critica transferência do caso para 2ª instância


London Mining Network: Muito obrigado a Flávio Duarte (@estudioumcacto) para ilustrar esta peça poderosa e comovente que descreve as ações da Vale em #Brumadinho .


 O rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), que matou 272 pessoas, completa dois anos nesta segunda-feira (25) sem que a mineradora Vale aceite pagar a indenização estipulada pelo Estado. As audiências para negociação do principal acordo de reparação terminaram sem consenso na última quinta-feira (21).

:: Relembre: Um ano do crime de Brumadinho: vidas seguem destruídas, mas Vale volta a lucrar ::

O Ministério Público de Minas Gerais pediu, inicialmente, uma indenização de R$ 54 bilhões. Desse montante, R$ 28 bilhões seriam destinados a cobrir danos morais sociais e coletivos. Os R$ 26 bilhões restantes se referiam às perdas econômicas do estado, conforme estudo da Fundação João Pinheiro, instituição de pesquisa e ensino vinculada ao estado de Minas Gerais.

O governo estadual fixou a data de 29 de janeiro como limite para apresentação de uma última contraproposta da Vale.

Além de representantes da empresa e do governo de Minas Gerais, as negociações envolveram o Ministério Público de Minas Gerais, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública estadual.

“O impacto da morte de 272 pessoas e toda a comoção que isso gerou requer uma punição exemplar para que a empresa não permita que isso ocorra novamente”, afirma José Geraldo Martins, membro da coordenação estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

A organização critica a transferência dos processos da 1ª instância, na 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, para a 2ª instância, no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (CEJUSC-TJMG).

:: Manobra jurídica pode dar maior garantia de acordo entre Vale e governo de Minas ::

Para Martins, a mudança afastou os atingidos e as assessorias técnicas do processo de avaliação dos danos e foi realizada para favorecer a Vale.

“A reparação integral não pode ser baseada nos estudos pagos, promovidos ou realizados por empresas parceiras da Vale, como hoje está acontecendo”, alerta o militante do MAB. “É uma situação surreal: a criminosa vai definir o que foi o estrago e o que ela está disposta a pagar para corrigir. A empresa criminosa é tratada como parceira. Isso é inaceitável.”

As rodadas de negociação ocorrem desde outubro de 2020. O valor da última contraproposta da Vale, rejeitado pelo governo estadual no dia 21, não foi divulgado.

 

  • o telefone de contato que eles distribuem para os atingidos, para dúvidas e reclamações, é o 0800 da Vale. É uma situação surreal: a criminosa vai definir o que foi o estrago e o que ela está disposta a pagar para corrigir.

 

“A Vale reconhece, desde o dia do rompimento, sua responsabilidade pela reparação integral dos danos causados”, afirma a empresa em nota. “Até o momento foram pagas cerca de 8.700 indenizações individuais. (...) A Vale continuará a cumprir integralmente sua obrigação de reparar e indenizar as pessoas, bem como de promover a reparação do meio ambiente, independentemente de haver condenação ou acordo. Até o momento, a empresa destinou cerca de R$10 bilhões para estes fins.”

:: Autorizada por prefeitura, Vale ameaça desapropriar comunidade em Brumadinho ::

Em entrevista ao Brasil de Fato, José Geraldo Martins fez um balanço das negociações e expôs as expectativas do MAB sobre a continuidade do processo. Confira os melhores momentos:

Brasil de Fato: A Vale já deixou claro que não pretende pagar o valor de R$ 54 bilhões como reparação pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Qual foi a contraproposta apresentada por eles na quinta-feira (21), e que outras informações você considera relevantes sobre essa audiência final?

José Geraldo Martins: Não sabemos. Essas informações, quando saem, a gente obtém pela mídia mesmo, infelizmente. E também vemos isso com certa reserva, porque nunca sabemos se o que sai na mídia é uma jogada de pressão, no âmbito da negociação, ou corresponde à realidade.

O processo está correndo a portas fechadas, sem a participação de atingidos ou de assessoria técnica. Quase não temos informações internas. Só soubemos que houve um impasse nas negociações, por conta dos valores – embora tudo que saiu na mídia até então dava a entender que o governo estava disposto a aceitar uma contraproposta da Vale. Mas, não temos acesso a quais foram esses valores.

Esse impasse nos dá um fôlego maior para tentar garantir a participação dos atingidos nesse processo.

:: Desabamento em obra da Vale atrasa busca por vítimas da mineração em Brumadinho ::

O governo de Minas Gerais chegou a ameaçar retornar o processo novamente para a 1ª instância. Como vocês encaram essa possibilidade?

A possibilidade de volta do processo para 1ª instância, se por um lado pode representar uma demora na resolução dos problemas por conta dos vários recursos que a Justiça permite, por outro lado garantiria que os atingidos assistissem às audiências, de forma mais democrática.

Tanto que houve vários avanços naquele tribunal, como o auxílio emergencial para boa parte da população, o cadastro dos atingidos ser feito de forma coletiva pelas comissões de atingidos, e a própria entrada em campo das assessorias técnicas. Tudo isso foi conquistado na 1ª instância.

Na 2ª instância, a participação dos atingidos foi negada, mesmo como ouvintes. Então, nesse momento, nossa expectativa é que o acordo seja revisto do ponto de vista de que o pagamento dos R$ 28 milhões, pleiteados na ação civil pública referente aos danos morais coletivos, seja decidido com participação dos moradores da bacia do Rio Paraopeba, que foram os maiores atingidos.

:: Brumadinho: sem acordo com a Vale, auxílio emergencial é prorrogado até janeiro ::

O juiz Elton Pupo Nogueira foi responsável pela primeira condenação da Vale no caso Brumadinho, em 2019. Como vocês avaliam a atuação desse juiz? Além de restringir a participação dos atingidos, é possível dizer que um dos objetivos dessa transferência de instâncias foi tirar o processo das mãos dele?

Quando o processo estava sob cuidado do juiz Elton, conseguimos avanços significativos. Além dos que eu citei, houve também o reconhecimento da auto-organização dos atingidos, enquanto coletivos, em suas comissões.

O doutor Elton não só homologou o início dos trabalhos das assessorias técnicas, como nomeou a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como perita, para contrapor aos estudos que a Vale vem fazendo. Quando o acordo passou a ser discutido no Tribunal de Justiça, tudo isso caiu por terra.

O escopo do trabalho das assessorias técnicas diminuiu, e agora querem extinguir as perícias do juiz. Isso foi ventilado em reuniões, algumas das quais tivemos informação, e muito nos preocupa. Porque a reparação integral não pode ser baseada nos estudos pagos, promovidos ou realizados por empresas parceiras da Vale, como hoje está acontecendo.

Quem está executando os estudos de avaliação de risco à saúde humana na bacia do Paraopeba é o Grupo EPA [Engenharia de Proteção Ambiental Ltda], parceiro da Vale. Inclusive, o telefone de contato que eles distribuem para os atingidos, para dúvidas e reclamações, é o 0800 da Vale. É uma situação surreal: a criminosa vai definir o que foi o estrago e o que ela está disposta a pagar para corrigir.

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Inicialmente, o governo estipulou o valor de R$ 54 bilhões. Porém, é muito provável que haja uma margem de negociação. Qual seria uma margem aceitável para o MAB? Vocês definiram, internamente, qual seria o valor mínimo de uma reparação justa?

Esse valor de R$ 54 bilhões é fruto de uma investigação detalhada da Fundação João Pinheiro, que estimou os prejuízos financeiros do estado de Minas Gerais, desde a perda de valor de imagem do estado até a perda na arrecadação de impostos, devido ao rompimento. Ou seja, é o conjunto dos danos socioeconômicos.

Dentro desse valor, os R$ 28 bilhões, que correspondem aos danos morais coletivo, foram estimados com base no lucro líquido da companhia no trimestre anterior ao estudo. Se esse estudo fosse feito hoje, o valor seria ainda maior.


Bombeiro chora em meio aos resgates no Córrego do Feijão, em janeiro de 2019. (Foto: Reprodução)

O MAB entende que as indenizações por dano moral coletivo têm um duplo objetivo. O primeiro é ressarcir a parte ofendida de seus prejuízos, e o segundo é o caráter educativo, para que a Vale seja desestimulada a deixar que outros crimes como esse aconteçam.

Não podemos esquecer que o crime em Brumadinho ocorre três anos depois do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), que matou 750 km do Rio Doce. Então, em seguida, a mesma empresa deixa acontecer outra tragédia semelhante – e temos provas cabais, de sobra, para afirmar isso.

Se a tragédia de Brumadinho, geograficamente, foi menor, o impacto da morte de 272 pessoas e toda a comoção que isso gerou requer uma punição exemplar para que a empresa não permita que isso ocorra novamente.

:: Ailton Krenak: “A mineração não tem dignidade, se pudesse continuaria escravizando” ::

Por isso, o MAB não estabelece o que seria um valor aceitável. A gente se baseia nos cálculos da Fundação João Pinheiro. Se existe uma margem de negociação, isso não cabe a nós. O que queremos é que os atingidos sejam o centro dos processos de reparação, e que o rio seja devolvido a condições mínimas, em relação ao que era antes do rompimento.

Os atingidos precisam ser os protagonistas desse processo. Hoje, o que acontece é que a Vale domina os territórios, utilizando a distribuição de água, o pagamento de auxílio emergencial e a atuação de suas terceirizadas para provocar divisões, colocar atingido contra atingido. Tudo isso visa ao enfraquecimento das lutas dos atingidos, enquanto a empresa criminosa é tratada como parceira. Isso é inaceitável.

O MAB vem denunciando que o governo Romeu Zema (NOVO), de Minas Gerais, é conivente com as manobras da Vale para não pagar uma reparação justa. Porém, logo após a última audiência, o secretário-geral da administração estadual Mateus Simões fez declarações duras, chamando a Vale de criminosa e dizendo que o estado não vai aceitar migalhas. O que essa mudança de tom significa?

Nós avaliamos que ainda é cedo para interpretar isso como uma sinalização de mudança de postura do estado. Até aqui, o estado vem sendo conivente, subserviente às ações que a Vale tem realizado, com uma dificuldade extrema de fazer qualquer tipo de punição.

A própria definição dos R$ 54 bilhões veio após uma tentativa frustrada de acordo. Então, nós realmente esperamos que esteja havendo uma mudança na postura do Estado, para que ele seja mais assertivo na defesa da população e do erário público.

Não se trata de um recurso que pertence ao governador ou ao governo. É um prejuízo que foi imposto à população mineira e aos atingidos da bacia do rio Paraopeba. Estes são os legítimos destinatários desse recurso. Então, não cabe ao governador escolher que obras fazer com esse recurso.

Dentro dos territórios, o que a gente vê é o contrário dessa declaração mais recente do secretário. Vemos órgãos do Estado fazendo um papel de defesa da empresa, dizendo que não há contaminação, mesmo sem mostrar documentos.

Esperamos sinceramente que o Estado assuma, de uma vez por todas, sua responsabilidade de cuidar e defender os cidadãos. Vemos essa sinalização com bons olhos, com a esperança de que não seja só mais uma jogada midiática ou de pressão negocial.

Edição: Lucas Weber

Fonte: Brasil de Fato



Band Jornalismo


Tragédia de Brumadinho completa dois anos hoje

Para falar sobre os dois anos da Tragédia em Brumadinho, conversamos com o tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, Pedro Aihara, que acompanhou todo o processo à época.





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segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Rio Doce: mais um ano se inicia sem suas águas recuperadas

 



  • Em 5 de novembro de 2015, a barragem de rejeitos de mineração Fundão rompe, derramando 50 milhões de toneladas de lama e resíduos tóxicos no Rio Doce, matando 19 pessoas, contaminando plantações, devastando a vida aquática e poluindo a água com lodo tóxico ao longo de 650 quilômetros do rio.

  • Passados mais de cinco anos, a limpeza realizada pela companhia não conseguiu restaurar o rio e a bacia hidrográfica. De acordo com moradores, a pesca e as plantações continuam envenenadas e menos produtivas. O acesso à água limpa ainda é difícil, e problemas de saúde sem razão aparente aumentaram.

  • Os habitantes do vale do Rio Doce estão frustrados com o que consideram uma resposta lenta ao desastre ambiental por parte da proprietária da barragem, a Samarco – um empreendimento conjunto da Vale e da BHP Billiton, duas das maiores mineradoras do mundo – e também por parte do governo federal.

  • Em torno de 1,6 milhão de pessoas sofreram o impacto inicial do desastre, mas o total de pessoas afetadas segue desconhecido. Relatos de complicações de saúde relacionadas a metais pesados continuam frequentes.

Mongabay Brasil / Assista ao VÍDEO


As águas do Rio Doce ainda apresentam uma cor marrom-avermelhada e turva a poucos metros da casa de Adomilson Costa de Souza. Até novembro de 2015, o rio era fonte de alimento e renda para ele. Agora, é uma lembrança diária do desastre que mudou sua vida. “Eu sempre vivi do Rio Doce. Qualquer peixe que eu pescava, vendia na porta de casa.”

Na maior parte do ano, Adomilson pescava em torno de 100 quilos de peixe por mês, vendendo-os a clientes que vinham de todos os cantos, alguns até mesmo percorrendo centenas de quilômetros em busca do produto fresco. Às margens do rio, ele criava animais e tinha uma plantação de bananas. A maioria de seus vizinhos no distrito de Pedra Corrida, em Minas Gerais, vivia da mesma forma. “Para nós, que nascemos aqui, o rio era tudo. Mas então veio a tragédia.”

A tragédia é o vazamento de milhões de toneladas de lama tóxica de uma barragem de rejeitos de mineração que se rompeu 300 quilômetros rio acima de Pedra Corrida. O desastre matou 19 pessoas soterradas no subdistrito de Bento Rodrigues e teve um impacto negativo em 39 municípios de dois estados. Os rejeitos da mineradora se espalharam por mais de 650 quilômetros desde sua fonte até o Oceano Atlântico.

Hoje, a calamidade é considerada o pior desastre ambiental do Brasil, e a responsabilidade pelo rompimento da barragem é atribuída diretamente à mineradora Samarco, um empreendimento conjunto entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton – duas das maiores mineradoras do mundo – e às falhas de regulação do governo brasileiro.

A força assombrosa da onda de lama tóxica que atingiu Bento Rodrigues (MG) fez com que um carro atravessasse uma casa. A Samarco e alguns de seus executivos foram acusados de homicídio, mas o caso ainda não foi concluído. Foto: Romerito Pontes, sob licença Creative Commons / Attribution 2.0 Generic license.

As cicatrizes na paisagem ribeirinha

Nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a lama vermelha arrasou vilarejos, destruiu casas e contaminou o Rio Doce, o mais importante da região. Após a catástrofe, 11 toneladas de peixes mortos foram retirados do rio. Estima-se que 1,6 milhão de pessoas na bacia do Rio Doce tenham sofrido o impacto do desastre que destruiu a economia regional e os meios de subsistência das populações ribeirinhas.

Os impactos adversos permanecem e, mesmo hoje, uma camada espessa de lama tóxica cobre o leito do Rio Doce e as plantações e pomares às suas margens, deixando a água e a terra ao redor pintadas de marrom-avermelhado, fruto da mistura de rejeito de mineração e metais pesados.

“Foi um choque imenso para a região e a recuperação dos impactos ambientais e sociais tem sido lenta”, diz Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador do PoEMAS, um grupo de pesquisa que estuda o impacto político, econômico, social e ambiental da mineração.

Em Pedra Corrida, as pessoas dizem que não ousam comer peixes que vêm do rio e suas plantações não produzem tanto quanto antes. Muitos dos 2.500 moradores do distrito estão sobrevivendo com um cheque mensal de assistência da Samarco, a proprietária da barragem.

O rompimento da barragem de rejeitos foi um golpe duro para Adomilson Costa de Souza. Suas bananeiras, que cresciam perto da margem do rio, diminuíram de mil para apenas 150. Gradativamente, o número de peixes no Rio Doce foi aumentando nos anos seguintes ao desastre – mas Souza e seus vizinhos não pescam mais lá. “Sempre que pegamos algum peixe do rio, está todo manchado”, diz ele. “Às vezes, você abre o peixe e ele está podre por dentro. As pessoas têm medo de comprar. Não tem mais compradores para o nosso peixe.”

Pessoas, animais silvestres e domésticos, além de peixes, morreram quando a lama tóxica destruiu Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e outras comunidades. Foto: Romerito Pontes, sob licença Creative Commons / Attribution 2.0 Generic license.


O novo distrito de Bento Rodrigues ainda está sendo construído pela Samarco, mais de cinco anos após o desastre. Foto: Ana Ionova.


Recuperação paralisada

Ainda não está claro o que exatamente causou o desastre, mas as autoridades mostraram, a partir de documentos internos, que a Samarco e seus proprietários sabiam que a barragem poderia romper e arrasar a região. A companhia – ainda hoje sob propriedade da Vale e da BHP Billiton – foi obrigada a pagar bilhões em limpeza ambiental e indenizações às vítimas. Vinte e uma pessoas, incluindo o CEO da Samarco, Ricardo Vescovi, também foram acusadas de crimes, inclusive de homicídio, mas os processos judiciais ainda estão correndo. No entanto, parece que a Vale não aprendeu muito com o acidente, uma vez que não preveniu o rompimento semelhante da barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019, no qual centenas de pessoas morreram.

Enquanto isso, as indenizações demoram a chegar às vítimas do Rio Doce. A Fundação Renova, criada pela Samarco para administrar as reivindicações relacionadas ao desastre, diz que até agora destinou R$ 10 bilhões para reparações e compensações pelos danos causados pelo rompimento da barragem. Mas um relatório recente da ONU revela que a companhia estava por trás de todos os 42 projetos destinados a combater as consequências do acidente.

Marino D’Angelo Junior está entre os milhares que ainda esperam por uma indenização, passados mais de cinco anos em que a onda de lama tóxica varreu a maior parte de Paracatu de Baixo, o distrito no qual ele viveu toda sua vida. A casa de Mariano foi uma das poucas que não acabou destruída pela onda de lama, mas suas terras foram submersas pelo lodo e suas plantações destruídas. “Quando olhei pela janela da sala, parecia que eu estava na lua: a paisagem era só lama. Nós sempre vivemos da terra. O desastre acabou com tudo.”

Antes do colapso da barragem, D’Angelo ganhava a vida criando vacas leiteiras. Ele vendia o leite por meio de uma associação de produtores que ele mesmo liderava e os negócios iam muito bem: a produção do grupo tinha aumentado de 400 litros por dia para 10 mil litros por dia em pouco mais de uma década. “Nós conseguíamos ganhar mais, colocar mais dinheiro no bolso”, diz D’Angelo. “Então o rompimento da barragem destruiu metade das propriedades de nossos produtores. Acabou com tudo.”

Marta de Jesus Arcanjo Peixoto mostra foto do neto, que ficou doente três anos depois que o rompimento da barragem despejou 90 milhões de toneladas de rejeitos tóxicos de mineração. Sua casa, em Paracatu de Baixo, foi destruída quando a barragem da Samarco se rompeu. As vítimas do distrito ainda não foram acomodadas em novas moradias. Foto: Ana Ionova.

Riscos de longo prazo

Com o passar dos anos, aumentam os temores dos moradores sobre os impactos de longo prazo à saúde causados pelo lodo de resíduos da mineração que ainda polui o Rio Doce e cobre terras antes férteis. A Fundação Renova alega que a água e o solo da região não estão mais contaminados, mas os moradores nas comunidades afetadas dizem que sua saúde está se deteriorando e que estão ficando doentes desde o desastre.

Estudos parecem corroborar essas alegações. No distrito de Barra Longa (MG), que foi bastante atingido, 77,9% dos moradores relataram problemas de saúde sem razão aparente desde o desastre, incluindo dores de cabeça, tosse, dor nas pernas e reações alérgicas. “Quem mora aqui não bebe essa água e não come nada que seja produzido na região”, diz Adomilson, referindo-se à comunidade de Pedra Corrida. “Então não adianta dizer que está tudo bem, eles não vão convencer a comunidade.”

Em Paracatu de Baixo, o rompimento da barragem foi um golpe duplo para Maria de Jesus Arcanjo Peixoto. A onda de lama varreu o bairro onde ela e sua família moravam há gerações, reduzindo sua casa a escombros e cobrindo com uma espessa camada de rejeito de mineração as terras onde ela criava vacas leiteiras. “As plantações não crescem mais como antes”, aponta, enquanto caminha em meio à lama vermelha que ainda cerca a carcaça de concreto que antes era sua casa. “A terra foi arruinada. É tudo lama agora.”

Dois anos atrás, um segundo desastre atingiu sua família: uma doença misteriosa atacou os pulmões de seu neto e o deixou preso a uma cadeira de rodas. “Até agora, os médicos não encontraram nada”, diz Maria de Jesus. “Ele tinha três meses quando a barragem rompeu. E toda a comida, o leite, o alimento das vacas – tudo vinha da lama.”

O neto de Marta de Jesus Arcanjo Peixoto não consegue caminhar, vítima de uma doença ainda não diagnosticada que se manifestou três anos depois que a onda de lama tóxica inundou o vilarejo onde a família reside. Foto: Ana Ionova.

A Fundação Renova diz que o tratamento extensivo do Rio Doce ajudou a restaurar a qualidade da água, que agora é “similar a antes do rompimento da barragem”. A fundação diz que coleta três milhões de unidades de dados em 92 estações de monitoramento ao longo do rio, e que esses dados não mostram traços de metais pesados ou elementos tóxicos na água.

Contudo, um relatório recente de uma agência ambiental do governo, que ainda não foi publicado, mas ao qual a Mongabay obteve acesso a partir de uma fonte anônima, revela níveis elevados de uma série de metais no Rio Doce e em suas margens, e pede mais monitoramento da água e do solo da região.

Embora a Renova tenha gastado dinheiro para tratar da contaminação do Rio Doce, a maior parte das ações da fundação financiada pela indústria tem sido de “esforços paliativos” focados em monitorar a qualidade da água em vez de tratar o rio, de acordo com Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora.

“Eles estão colocando muito dinheiro nessas medições”, diz o pesquisador. “Mas, no fim das contas, as pessoas ainda estão expostas e os peixes ainda estão contaminados. Pode estar melhorando, mas é seguro? Esta é a grande questão.”

O Rio Gualaxo do Norte, afluente do Rio Doce, no distrito de Mariana (MG), é o palco de um projeto piloto que utiliza vegetação nativa para o tratamento de suas águas. Foto: Ana Ionova.


Novo caminho e nova esperança

As águas marrons do Rio Gualaxo do Norte atravessam suavemente os escombros de Bento Rodrigues – o distrito que ficava logo abaixo da barragem de rejeitos. O lugar foi totalmente destruído pelo rompimento da barragem, que matou 19 moradores e fez o restante fugir para terras mais altas pouco antes da torrente de lama avançar. A Samarco realojou todos os moradores sobreviventes, embora as memórias traumatizantes que eles carregam do dia 5 de novembro de 2015 permaneçam.

Agora, uma startup local decidiu limpar o Rio Gualaxo do Norte, alimentando a esperança de que pelo menos alguns danos ambientais locais possam ser revertidos.

Um projeto piloto financiado pela Renova está usando vegetação nativa e naturalizada para tratar a água e regenerar a vida aquática no Gualaxo, um dos maiores afluentes do Rio Doce. A mesma tecnologia já foi implementada com sucesso em outros lugares, inclusive em Londres, onde ajudou a limpar o Rio Tâmisa. Agora, ela está sendo testada em Mariana com a esperança de que possa ser usada para limpar a bacia do Rio Doce.

“O impacto [do rompimento da barragem] foi gigantesco sobre todo o ambiente aquático”, diz William Pessôa, diretor-executivo e fundador da LiaMarinha, a startup que desenvolveu a tecnologia de limpeza e que vem tocando o projeto desde agosto de 2020. “Mas a natureza tem essa capacidade de se regenerar. Nosso objetivo é ajudar a natureza a passar por esse processo mais rapidamente.”

O projeto ainda está no início, mas já há sinais de que as plantas estão ajudando a reduzir as partículas de metais pesados e a turbidez das águas, tornando-as mais claras e menos poluídas. “Hoje, a água já melhorou bastante”, diz Pessôa. “E vemos que tem potencial para melhorar muito mais.”

As comunidades estão encontrando outros caminhos inovadores para a recuperação. Em Pedra Corrida, Adomilson tem atuado em um pequeno projeto de aquicultura nos últimos três anos. Ele e outros pescadores, que antes tiravam o sustento do Rio Doce, agora criam alevinos em piscinas despoluídas até que os peixes cresçam o suficiente para serem vendidos.

“Hoje estamos criando nossos próprios peixes e vivemos com a renda da venda”, diz. “E soltamos alguns peixes no rio. Agora podemos devolver à natureza, em vez de tirar dela”. Por meio do programa socioeconômico, Adomilson conseguiu repor sua antiga renda, dizimada pelo rompimento da barragem. Agora, ganha cerca de R$ 2 mil por mês com o trabalho na aquicultura.

A Fundação Renova também lidera um projeto maior de pesca, com o objetivo de replicar esses resultados e ampliar o acesso da comunidade à aquicultura – ação bem recebida pelos moradores, que ainda sentem os terríveis impactos do desastre ambiental. Para Adomilson, que está ajudando a expandir o projeto de aquicultura, a esperança é que ele atinja mais pessoas em sua comunidade, dando-lhes a mesma chance de reconstruir suas vidas.

Imagem no Banner: O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale e a anglo-australiana BHP, causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais. Foto: Rogério Alves / TV Senado.

Marta de Jesus Arcanjo Peixoto segura das únicas fotos de casamento que conseguiu salvar antes que sua casa fosse varrida pelo lodo tóxico da mineração. Foto: Ana Ionova.


DW Brasil

Mariana, cinco anos depois

Há cinco anos, a barragem de rejeitos de Fundão, de propriedade das empresas Samarco, Vale e BHP, rompeu. Para desabrigados, a tragédia continua: nenhum dos três reassentamentos sob responsabilidade da Fundação Renova ficou pronto. 5 de nov. de 2020

Assista ao VÍDEO


Jornal Hoje em Dia

Assista os vídeos mais impactantes da tragédia em Mariana. 8 de nov. de 2015

Assista ao VÍDEO



Portal UAI

Vídeo inédito mostra desespero durante rompimento de barragem em Mariana. 18 de mar. de 2016

Em um vídeo inédito postado por uma das testemunhas da tragédia em uma rede social é possível ver a força da avalanche marrom que desceu montanhas, atingindo e destruindo comunidades e tudo que estava pela frente. O desespero são de pelo menos três pessoas que estavam próximas a Bento Rodrigues, distrito de Mariana, na Região Central de Minas Gerais, que foi devastado pela lama de rejeitos que desceu da barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015

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Fonte: Mongabay Brasil


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