Redução recorde de áreas de conservação premia invasores e ameaça biodiversidade
Dias antes da abertura da Cúpula do Clima, quando aumentaria
a pressão internacional sobre o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), a
Assembleia Legislativa de Rondônia “passou a boiada” e promoveu a maior redução
de unidades de conservação já aprovada por um parlamento estadual.
Os deputados decidiram na terça-feira (20) praticamente
extinguir a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, uma das mais desmatadas
do país, em benefício da pecuária ilegal. Dos 193 mil hectares, sobrarão apenas
22 mil, pouco mais de 10% do território original.
Já o Parque Estadual de Guajará-Mirim perderá 55 mil dos 216
mil hectares e terá a própria sede excluída da área de conservação. A área
total desafetada ultrapassa os 200 mil hectares, equivalente a quase 300 mil
campos de futebol.
Caso seja sancionada pelo governador bolsonarista coronel
Marcos Rocha (sem partido), o projeto vai permitir a legalização de terras
griladas, além de comprometer seringueiros, extrativistas, povos em isolamento
e indígenas cuja população ainda se recupera de ataques inciados na época da
extração da borracha.
O presidente da Ação Ecológica Guaporé – Ecoporé,
organização com 33 anos de atuação em prol da conservação de áreas protegidas
em Rondônia, classifica a medida como um estímulo a crimes ambientais.
“Mesmo que as invasões sejam de 15 ou 20 anos atrás, o
recado é que em algum momento esses invasores serão regularizados. Essa é a
mensagem que está sendo passada para esses grupos organizados que invadem áreas
de conservação e terras indígenas”, alerta Paulo Bonavigo.
Povos ameaçados
Da órbita terrestre, é possível visualizar a olho nu uma
imensa massa de floresta amazônica preservada a oeste de Rondônia. Cercados
pelo desmatamento, moradores da imensidão verde, cada vez mais encolhida,
articulam-se para sobreviver.
É o caso dos karipuna, autodenominados ahé (“gente
verdadeira”) e quase exterminados no século passado por epidemias e conflitos.
Segundo o Instituto Sócio Ambiental (ISA), em 2004 restavam 14 deles.
Por segurança, Adriano Karipuna, ativista e liderança do
povo, prefere não divulgar em quantos são atualmente. Especialmente agora, com a
iminência da desafetação – perda de vínculo jurídico - das unidades de
conservação que formam um “cinturão” de proteção em volta da Terra Indígena
(TI) Karipuna, homologada em 1998 e alvo de violações constantes.
“Estamos muitos preocupados porque as Unidades de
Conservação e a Reserva Extrativista estão todas no entorno da TI, em um raio
de 10 km. Para os invasores, essa distância é fichinha, é a coisa mais fácil do
mundo adentrar na terra Indigena”, afirma Adriano.
“Nós estamos na luta contra esse projeto genocida dos povos
indígenas. Vai haver uma facilidade imensa para aumentar a invasão nos
territórios indígenas e loteamentos, como já vinha ocorrendo”, preocupa-se.
A desafetação ameaça também indígenas em situação de
isolamento voluntário.“Eles são nômades, não têm as fronteiras definidas, então
transitam com muita frequência na área que envolve o parque Guajará-Mirim e a
Terra Indígena Uru-eu-wau-wau”, explica Edjales Benício de Brito, da Associação
de Defesa Etnoambiental Kanindé.
“As Unidades de Conservação (UCs), junto com as terras
indígenas, formam verdadeiros corredores etnoambientais. No momento que você
desafeta uma unidade que integra um corredor ecológico, você retira uma
barreira de proteção, você impacta tanto esses povos, como a biodiveridade”,
completa.
Divida entre os municípios de Porto Velho, Buritis e Nova
Mamoré, a TI Karipuna é alvo constante da exploração ilegal de madeira.
Conforme Adriano, madeireiras localizadas nos distritos de União de
Bandeirantes, Jacinópolis e Nova Dimensão funcionam a todo vapor com matéria
prima retirada da TI.
“Nesses municípios há um surto muito grande de serrarias que
roubam madeira do território Karipuna. Por aí a gente vê que toda essa madeira
que está abastecendo esses três distritos está saindo da Terra Indigena, da
Unidade de Conservação Jaci Paraná e de parques naturais”, conclui.
Grilagem premiada
“A desafetação da Reserva Extrativista Jaci-Paraná
automaticamente afeta também a Terra Indígena que está do lado”, explica Joadir
Luiz de Lima, assessor da Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR),
solidarizando-se com o povo Karipuna.
O geógrafo relembra um momento de calmaria na história da
Jaci-Paraná, criada em 1996, quando mais de 50 famílias de seringueiros já
viviam na beira do rio Jaci, com base na pesca e extração de castanha e
borracha.
Principalmente a partir de 2005, um exército de grileiros
foi tomando a área protegida, expulsando de forma violenta a população local,
hoje substituída por 120 mil cabeças de gado, conforme apontam lideranças
locais.
“Agora não tem nenhuma dessas famílias lá, o impacto foi
muito grande. Em 96 não tinha invasão. E o governo usa justamente essas
invasões como desculpa para desafetar a área”, diz o assessor da OSR.
“Existem duas reservas do lado de Jaci que já estão todas
devastadas, que juntas somam 140 mil hectares. Estão numa situação pior que a
dela”, completa.
Legislando em causa própria
Na Assembleia Legislativa, os danos irreversíveis à
sociobiodiversidade brasileira foram justificados por um fim aparentemente
nobre: a proteção a pequenos agricultores que ocupam as áreas preservadas.
“Nós reconhecemos que o esteio da economia de Rondônia é o
homem e a mulher da roça, o povo da mão calejada, e é pra esses que nós devemos
a obrigação de apoiar em todas as ações necessárias (...)”, bradou o líder do
governo, deputado Luizinho Goebel (PV).
“Na verdade esse discurso é mentiroso porque a grande
maioria não é de pequenos produtores. Existem, de fato, produtores que vivem
daquela terra, mas são minoria”, rebate Paulo Bonavigo, da Ecoporé.
Ele atuou como coordenador das unidades de conservação de
Rondônia pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia
(Sedam) entre 2011 e 2013 e conhece de perto a Resex Jaci-Paraná.
“Quando eu andava por lá, o pessoal falava: ‘essa
propriedade aqui é de um senador, essa de um deputado, essa é do prefeito, essa
aqui é o dono da casa agropecuária”, narra.
“Tem gente grande, muito laranja. É difícil você provar quem
é o dono da terra. Mas uma reserva que tem mais de 100 mil cabeças de gado em
área de invasão, não é de pequeno produtor rural”, diz Bonavigo.
Na Assembleia Legislativa, durante a sessão que aprovou o
Projeto de Lei Complementar em duas votações, o deputado Ezequiel Neiva (PTB)
buscou conscientizar os colegas da importância de agilizar a votação.
“Uma das últimas oportunidades [de aprovar o projeto]
estamos tendo hoje, haja vista que em muitos poucos dias acontecerá a grande
cúpula do clima lá nos Estados Unidos", afirmou no plenário.
Contrapartida contestada
Ciente dos impactos negativos, os parlamentares incluíram na
proposta a criação de seis Unidades de Conservação (UCs) que, juntas, somam 120
mil hectares. A contrapartida, no entanto, pode não surtir efeito.
Segundo a Ecoporé, algumas das UCs já haviam sido
formalmente criadas no governo anterior, mas a implementação foi travada por
contestações judiciais.
“A inclusão dessas unidades acabou sendo moeda de barganha
em troca das áreas invadidas da Jaci-Paraná e do Parque Estadual de
Guajará-Mirim. Barganharam unidades que já haviam sido criadas por eles
mesmos”, analisa o presidente da Ong.
O Ministério Público do Estado de Rondônia (MP-RO)
encaminhou à Procuradoria-Geral de Justiça um pedido de Ação Direta de
Inconstitucionalidade contra a alteração dos limites das áreas de conservação.
Para o MP-RO, os espaços territoriais protegidos não podem
ser reduzidos por legisladores infraconstitucionais, como os deputados de
Rondônia.
Entidades que representam extrativistas e indígenas também
se articulam para barrar judicialmente a iniciativa.
“A gente teme que esses ataques estejam só começando. Nós
temos outras florestas estaduais invadidas e outras unidades de conservação que
a gente já recebeu denúncia que estão sendo invadidas”, prevê o presidente da
Ecoporé.
Fonte: Brasil de Fato
Greenpeace Brasil
Amazônia Explicada - A Amazônia pode acabar algum dia? #4
A floresta amazônica é tão grandiosa, que é difícil imaginar
o mundo sem ela. Mas estudos vêm mostrando que se o desmatamento atingir um
ponto limite, é possível que ela nunca mais consiga se recuperar por completo,
o que mudaria o planeta como conhecemos.