"É fundamental que o Congresso Nacional discuta novo
arcabouço fiscal, em linha com a experiência internacional", defende a
deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do PT, que alerta que o cenário
econômico e social no País "tende a se tornar ainda mais grave" no
próximo ano
O negacionismo e o fanatismo fiscal que marcam o governo
Bolsonaro são os maiores responsáveis pela situação social e sanitária do país,
aproximando o Brasil das 200 mil mortes decorrentes da Covid-19.
O cenário tende a se tornar ainda mais grave em 2021, com a retomada do teto de gastos, que reduzirá a despesa do governo federal em 8% do PIB, na contramão do que fazem diversos países, que estão aprovando pacotes de estímulos à economia, transferência de renda e investimentos em saúde. Diante da crise, o aumento da dívida pública é um fenômeno mundial.
No atual contexto, o programa austericidade Guedes não encontra justificativa na situação fiscal do pais, sendo ainda mais nocivo do ponto de vista social. Com a volta do teto de gasto, o auxílio emergencial será extinto, retirando renda de 40% dos domicílios brasileiros, que recebem auxílio emergencial, segundo a Pnad COVID19 (no Nordeste, este percentual é superior a 50%). Cerca de 10 milhões de pessoas saíram da força de trabalho entre 2019 e 2020, segundo os dados da Pnadc para o terceiro trimestre. Com o fim do auxílio, o aumento da procura por trabalho elevará ainda mais o desemprego, que já afeta mais de 14 milhões de brasileiros.
A retirada da renda do auxílio sem recuperação dos rendimentos do trabalho implicará aumento da desigualdade e da pobreza. Os mais vulneráveis, sem a renda garantida pelo Estado, buscarão sua sobrevivência material e ampliarão o risco de contágio pelo vírus, pressionando ainda mais a rede pública de saúde, que também sofrerá o impacto da austeridade em 2021.
Há diversas fontes de pressão sobre o SUS para o ano que
vem. Entre elas, vale citar: o crescente patamar de casos de Covid; a
necessidade de aquisição de produtos de saúde (equipamentos de proteção
individual aos trabalhadores, medicamentos de UTI, vacina, entre outros) e de
manutenção de leitos; as demandas represadas em 2020; e a redução da clientela
dos planos de saúde, diante do elevado desemprego, fazendo com que cerca de 80%
da população só tenha acesso à saúde por meio do SUS. Mesmo assim, o SUS
perderá cerca de R$ 40 bilhões entre 2020 e 2021 se o orçamento ficar no piso
congelado da EC 95, conforme proposta do governo.
No caso brasileiro, a dívida é emitida na moeda que o país
emite, não havendo risco de inadimplência, e os juros estão extraordinariamente
baixos, reduzindo o custo da dívida. Por fim, as reservas internacionais
acumuladas nos governos do PT constituem ativos do setor público que funcionam
como um colchão de proteção da economia e reduzem nossa dívida líquida.
A combinação de ampliação da demanda e redução abrupta de orçamento pode levar ao colapso do sistema em 2021, em função das restrições de oferta de serviços e do “desfinanciamento” da saúde, com impactos, por exemplo, sobre a disponibilidade de leitos de UTI, que já estão sendo desativados. Convém lembrar que, em meio à crise, é reduzida a capacidade de estados e municípios ampliarem suas despesas, pois, diferente da União, não emitem dívida soberana.
A Medida Provisória recentemente editada, com R$ 20 bilhões para a vacina, demonstra como, para o atual governo, a crença no fiscalismo está acima da defesa da vida. O crédito extraordinário, não contabilizado no teto, foi editado com o propósito de ser reaberto em 2021. No entanto, créditos extraordinários só podem ser abertos se, entre outros requisitos, houver imprevisibilidade, o que não é o caso, diante da expectativa de registro de vacinas contra a Covid. Inclusive, o governo ajustou a meta de resultado primário em 2021, prevendo a execução dos recursos da vacina e explicitando que não se trata de gasto imprevisível.
Como o orçamento de 2021 ainda não foi aprovado, seria
suficiente incluir os valores na programação do Ministério da Saúde. No
entanto, o teto de gasto não permite ampliação dos recursos. Deste modo, o
governo se vale de um truque fiscal, autorizando crédito extraordinário dentro
do estado de calamidade para acomodar o gasto com vacina no orçamento e
manter/burlar o teto de gasto. No entanto, não há qualquer demonstração que os
R$ 20 bilhões sejam suficientes para vacinar toda a população. Nesta hipótese,
manifestando a cruel hierarquia entre controle de gasto e defesa da vida,
restará escolher quem poderá se vacinar e quem ficará à espera de nova brecha
fiscal.
Conforme lembrou Marcos Nobre, Bolsonaro e Guedes estão unidos na tarefa de desconstrução das instituições erigidas na Constituição de 1988. A austeridade não é apenas um equívoco econômico. O liberalismo primitivo do governo vislumbra uma sociedade regida pelo individualismo selvagem em que cada um é responsável por si e não há instituições de garantia de direitos.
É contra esta visão que precisamos lutar, em defesa da adoção de medidas emergenciais que atendam ao interesse da população, especialmente os trabalhadores e os mais vulneráveis. Ainda há tempo de evitar o caos sanitário e social em 2021. Basta a prorrogação do estado de calamidade, o que suspenderá as regras fiscais e viabilizará gastos emergenciais para combate à pandemia.
Estruturalmente, é fundamental que o Congresso Nacional discuta novo arcabouço fiscal, em linha com a experiência internacional. O congelamento de despesas com elevado efeito multiplicador e redistributivo, combinado a um sistema tributário regressivo, implica um regime fiscal duplamente concentrador de renda. Para o Brasil reencontrar o caminho do crescimento com inclusão social, é preciso tributar a renda e o patrimônio dos mais ricos e revogar o teto de gastos, permitindo canalizar os ganhos de arrecadação, especialmente, para o financiamento de políticas sociais que garantam direitos universais.
NOBRE, Marcos. Ponto final - a guerra de Bolsonaro conta a democracia. São Paulo: Todavia, 2020.
Gleisi Hoffmann, deputada federal (PR) e presidenta nacional do PT; Bruno Moretti, assessor no Senado Federal; Francisco Funcia, Consultor do CNS e Carlos Ocké, pesquisador do Ipea.
UOL
Fim do auxílio emergencial: Mães que sustentam o lar relatam
preocupação
Chefes de família de diversas regiões do país contam como usaram o auxílio para sustentar os filhos durante o isolamento social e a crise econômica, e o que farão sem a ajuda do governo.
Em abril de 2020, com a crise do coronavírus, o governo começou a pagar um auxílio de R$ 600 a pessoas de baixa renda sem emprego formal. Mulheres que sustentam o lar sozinhas e têm algum dependente menor de idade receberam o pagamento em dobro --foram cinco parcelas de R$ 1.200.
O governo prorrogou o auxílio até o final do ano, com no
máximo quatro parcelas extras. Mas o valor caiu pela metade, e as chefes de
família passaram a receber R$ 600. Agora, com o final do auxílio e a economia
ainda em crise, as mães-solo temem passar por dificuldades ainda maiores.
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O fim do auxilio emergencial representa o abandono de Bolsonaro ao povo mais sofrido https://t.co/KcabR1fSn1
— Paulo Pimenta (@DeputadoFederal) December 29, 2020
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