Balanços das empresas públicas desmentem principal argumento utilizado em favor da privatização
O pressuposto básico daqueles que defendem a privatização é
que as estatais seriam ineficientes, causando prejuízo aos cofres públicos. Em
última instância, esses custos seriam repassados para o bolso do contribuinte.
Mas um olhar atento sobre os balanços apresentados por empresas públicas como a
Eletrobras, os Correios e a Caixa Econômica Federal (CEF), desmentem esse
argumento. As três empresas, que estão na mira do governo Bolsonaro,
registraram lucros que somam R$ 21 bilhões somente no ano passado.
A bola da vez é a Eletrobras. A Medida Provisória (MP) 1.031/2021, que amplia a participação
do capital privado na estatal do sistema elétrico, foi aprovada na
Câmara dos Deputados, no mês passado. Atualmente no Senado, a MP publicada em
em 23 de fevereiro tem prazo de 60 dias (prorrogável por igual período) para
ser votada, antes de perder a validade. A partir do 45º dia, toda MP passa a
trancar a pauta de votações da Casa Legislativa onde está tramitando.
A estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia tem
capacidade instalada de 42.080 megawatts e 164 usinas, sendo 48 hidrelétricas,
duas termonucleares e dezenas de outras fontes, como gás natural, eólicas ou a
carvão e óleo. Tem também mais de 58 mil quilômetros de linhas de transmissão,
o que corresponde a 57% do total nacional.
De acordo com balanço financeiro divulgado em março, a
Eletrobras registrou lucro de R$ 6,387 bilhões em 2020. A própria direção da
estatal afirma que esse resultado demonstra “a robustez e a liquidez da
companhia mesmo em um ano marcado pela pandemia de covid-19”. No ano anterior,
os resultados foram ainda maiores, totalizando R$ 11,133 bilhões.
Correios
Ocupando o segundo lugar na fila das privatizações, os Correios tiveram
lucro líquido de R$ 1,53 bilhão em 2020. Os números, que não foram divulgados
oficialmente, constam de uma comunicação enviada pelo presidente da estatal,
Floriano Peixoto Vieira Neto, ao Ministério da Economia. As receitas com
encomendas, por exemplo, tiveram crescimento de 9% em relação ao ano anterior,
por conta do aumento do comércio eletrônico em decorrência da pandemia. Desde
2017, a empresa fecha no azul.
Apesar dessa trajetória de alta – ou justamente em função
disso –, o governo Bolsonaro apresentou, em fevereiro, o Projeto de Lei (PL)
591/2021, que inclui a empresa pública mais antiga do Brasil, fundada há 358
anos, no Programa Nacional de Desestatização. Os Correios estão presentes nos
5.570 municípios, entregando em média, 15,2 milhões de objetos postais por dia,
serviço realizado por cerca de 100 mil trabalhadores.
Além da sua capilaridade, a estatal oferece sempre as
menores tarifas, quando comparado com os valores cobrados pelas empresas
privadas de logística. Por outro lado, de acordo com auditoria realizada pelo
Tribunal de Contas da União (TCU), o Índice de Entrega no Prazo (IEP) subiu de
87%, em 2015, para 97% em 2019.
Caixa
Outro alvo da sanha privatista, a Caixa Econômica Federal
(CEF) registrou lucro líquido de R$ 13,17 bilhões em 2020. Só no ano passado, o
banco público pagou auxílio emergencial no total de R$ 293,1 bilhões para 67,9
milhões de pessoas. Também foi responsável pela liberação de R$ 36,5 bilhões do
Saque Emergencial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), valor pago a
51,1 milhões de pessoas. Além disso, a Caixa detém a liderança do mercado
habitacional com 68,8% de participação no financiamento da casa própria.
Dado o seu papel estratégico, e a inviabilidade política de
propor a privatização na íntegra, o governo Bolsonaro tem adotado a estratégia de fazer a
venda fatiada da Caixa. Essa estratégia foi tentada no ano passado, com
a publicação da MP 995/2020. Contudo, graças à mobilização dos trabalhadores,
essa medida acabou caducando. Ainda assim, a direção do banco conseguiu manobrar
para realizar a abertura de capitais da Caixa Seguridade, concluída no mês
passado.
Motivos e riscos
Se essas empresas públicas estão dando lucro, quais seriam
então os reais motivos para a privatização? “De maneira muito simples, eles
querem que esses lucros sejam apropriados pelo setor privado”, afirma o
economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp). Além disso, há a “crença” de que essa lucratividade pode ser ainda
maior nas mãos da iniciativa privada.
“Em tese, o setor privado seria um melhor gestor. Teria mais
visão de mercado e maior flexibilidade. O que traria lucros ainda maiores. Na
visão deles, isso seria gerar riquezas pra toda a sociedade. Porque eles
confundem sociedade com os acionistas das empresas, o que é uma metonímia (a
parte pelo todo) bastante simbólica dessa visão de sociedade.”
::A política econômica de Bolsonaro: entre o nacionalismo de
fachada e o neoliberalismo::
Para Roncaglia, a privatização “é sempre uma promessa”.
Contudo, alguns dados da realidade contrariam esse desejo. Ele cita, por
exemplo, o próprio sistema elétrico, que foi parcialmente privatizado (em
especial, as antigas empresas estaduais de distribuição de energia). Ainda
assim, o Brasil detêm hoje a segunda maior tarifa de energia do mundo. “De
maneira bem clara, não consigo dizer que o setor privado vai ser mais produtivo
e oferecer melhores serviços. Não tem absolutamente nada que garanta isso”.
Outro complicador, segundo ele, é a questão da regulação. A
privatização de serviços públicos exige a existência de agências reguladoras
atuantes. Contudo, devido à dimensão bilionária desses negócios, é sempre
latente o risco dos reguladores serem “capturados” pelos interesses privados.
No final, quem vai pagar essa conta é o cidadão.
Fonte: Brasil de Fato
TV GGN
O consultor em energia e ex-ministro interino de Minas e
Energia do governo Lula, Nelson Hubner, explica as consequências e interesses
por trás da privatização da Eletrobras.
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