Supremo Tribunal Federal reconheceu na tarde desta terça-feira que consumo da droga é um ilícito administrativo, e não penal. Ou seja, está sujeito a sanções socioeducativas. Ministros não definiram a quantidade que diferencia usuário de traficante, o que deve acontecer nesta quarta-feira
Por oito votos a três, o Supremo Tribunal
Federal (STF) definiu, em sessão na tarde desta terça-feira (25), que porte de
maconha para consumo pessoal não é crime. O julgamento sobre o assunto teve
início em 2015 e estendeu-se por quase uma década.
A Lei de Drogas, aprovada em 2006, não pune o porte com pena
de prisão. Com isso, os ministros declararam que esse não é um delito
criminal, mas um ilícito administrativo. Prevaleceu a posição de que a
dependência é um problema de saúde pública.
O detalhamento da conclusão do plenário deve ser
anunciado nesta quarta-feira (26). Os ministros vão fixar uma tese com
repercussão geral, ou seja, que será usada para julgar casos
semelhantes em instâncias inferiores.
O que isso significa?
Com a decisão, a posse
ou o porte de maconha não deixam de ser um ato ilícito, ou seja,
contrário à lei. Contudo,
a conduta não representa um crime, desde que seja para uso
pessoal. A partir desta quarta-feira, os ministros começam a definir
a quantidade que diferencia consumidores de traficantes.
O consumo de maconha não foi legalizado, ou seja,
continua proibido na legislação. Com isso, quem porta a substância,
mesmo que na condição de usuário, está sujeito a sanções administrativas e socioeducativas,
como advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo.
Uma das consequências práticas da decisão é que quem
for enquadrado como usuário não terá antecedentes criminais.
— O que acho mais nefasto é a pecha de criminoso que se
coloca no usuário e que o inibe de buscar ajuda nos casos de dependência —
defendeu o ministro Dias Toffoli.
De acordo com a decisão dos ministros, a tese de
consumo pessoal somente será válida em ambiente privativo. O uso em locais
públicos prossegue proibido e está sujeito a sanções penais. Produção, compra,
venda e tráfico continuam sendo crimes.
Quais os próximos passos?
A segunda etapa do julgamento gira em torno da
quantidade de droga que deve ser usada como parâmetro para distinguir o
consumidor do traficante. As propostas apresentadas até o momento vão de 25
a 60 gramas. Os ministros vêm conversando para aprovar uma quantidade
intermediária, de 40 gramas.
Esse é um ponto central porque, na avaliação dos
ministros, vai ajudar a uniformizar sentenças e evitar abordagens
preconceituosas. Estudos citados no plenário mostram que negros são
condenados como traficantes com quantidades menores do que brancos. O grau de
escolaridade também gera distorções nas condenações — a tolerância é maior com
os mais escolarizados.
— A quantidade vem sendo utilizada, lamentavelmente, como
uma forma de discriminação social — criticou Alexandre de Moraes.
A quantidade, no entanto, não será um parâmetro soberano,
mas circunstancial. Outros elementos podem ser usados para analisar cada
caso. Se uma pessoa for flagrada com uma balança de precisão, por
exemplo, ela pode ser denunciada como traficante, mesmo que tenha consigo
uma quantidade de droga abaixo do limite.
A decisão já está valendo?
O julgamento deve ser concluído nesta quarta-feira (26). A decisão
só passa a ter efeitos práticos quando o julgamento for encerrado e o
acórdão, publicado.
O STF é a favor da maconha?
O relator Gilmar Mendes pediu a palavra antes de a sessão
desta terça-feira terminar para destacar que a descriminalização da
maconha não se trata de "liberou geral", segundo ele. É sim,
conforme destacou, um problema de saúde pública:
— A premissa é de que a droga causa danos e que as pessoas
precisam ser tratadas quando são viciadas.
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, se
manifestou no mesmo sentido:
— É preciso deixar claro: o entendimento desta Corte
é que o consumo de drogas é algo ruim e que o papel do Estado é evitar
o consumo, combater o tráfico e tratar os dependentes. Estamos apenas
debatendo a melhor forma de combater essa epidemia. Droga é ruim, nós
a condenamos — declarou Barroso, ao final da sessão.
O presidente do STF pontuou que a decisão deverá
indicar a necessidade da destinação de recursos do Fundo Nacional Antidrogas
para campanhas informativas esclarecedoras sobre malefícios, a exemplo do
que ocorre com o tabaco.
Em sua fala antes de encerrar os debates, Barroso
sustentou que a questão das drogas deve ser compreendida também como um
problema da saúde pública e defendeu que a distinção de usuários e
traficantes contribui para evitar o "hiperencarceramento de jovens pobres
e primários".
Como votaram os ministros do Supremo?
Posicionaram-se pela descriminalização os ministros:
- Gilmar
Mendes
- Luis
Roberto Barroso
- Alexandre
de Moraes
- Edson
Fachin
- Rosa
Weber
- Dias
Toffoli
- Luiz
Fux
- Cármen
Lúcia
Votaram contra:
- Cristiano
Zanin
- André
Mendonça
- Nunes
Marques
Flávio Dino não votou, pois sucedeu a ministra Rosa Weber
(aposentada), que já havia se posicionado sobre este assunto.
Dias Toffoli, que havia votado na sessão da última
quinta-feira e tinha sido interpretado como divergente das teses dominantes —
ser crime ou não ser —, complementou seu posicionamento no começo da sessão
desta terça, consolidando
a maioria pela descriminalização da maconha para uso pessoal.
— O meu voto se soma ao voto da descriminalização.
Hoje (terça-feira) pela manhã Vossa Excelência (Barroso,
presidente do STF) me perguntou como meu voto era para ser proclamado.
Por isso, entendi por bem fazer essa complementação. Se eu não fui
claro o suficiente, o erro é meu, de comunicador — explicou Toffoli.
Votaram na sessão desta terça-feira Luiz Fux e Cármen Lúcia,
os dois pela descriminalização.
Quais são os argumentos favoráveis à descriminalização?
Os ministros favoráveis à descriminalização
argumentaram que o uso de pequena quantidade de maconha é um direito de
cada pessoa, com consequências individuais à saúde dos usuários.
Também consideraram que o fato de o porte ser crime aumenta o encarceramento de
pessoas vulneráveis.
Quais são os argumentos contrários à descriminalização?
Os ministros contrários avaliaram que a
descriminalização do porte de maconha para consumo próprio pode estimular o
vício e agravar o combate às drogas no país. Além disso, alegaram que a
decisão do Supremo de tornar o ilícito administrativo pode criar uma lacuna
sobre o tipo de punição e o responsável por aplicá-la.
O que motivou o julgamento no STF?
O julgamento foi motivado por um caso ocorrido em
São Paulo, em que a Defensoria Pública questionou a condenação de um homem a
dois meses de serviços comunitários pelo porte de três gramas de maconha. A
defesa argumentou que o fato não implicaria em danos a bens jurídicos alheios
ou à saúde pública, e pediu que o porte de maconha para uso próprio
fosse deixado de ser considerado crime.
A ação questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei
de Drogas, de 2006, que estabelece ser crime "adquirir, guardar, ter em
depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
O Congresso está debatendo o mesmo assunto?
A decisão do STF não termina os debates sobre o assunto. No
último dia 12, a Comissão
de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados
aprovou, por 47 a 17, a
proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse e o porte de
entorpecentes.
O texto, que já foi aprovado no Senado, ainda
precisa passar por uma comissão especial e, depois, pelo plenário, em dois
turnos de votação, para tornar-se um dispositivo constitucional. Segundo
a proposta, será crime a posse e o porte de qualquer quantidade de droga
ilícita, como maconha, cocaína ou ecstasy.
De acordo com o texto de autoria do senador Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), caberá ao juiz definir, de acordo com as provas, se a pessoa flagrada
com droga responderá por tráfico ou será enquadrada como usuário.
No caso de ser enquadrado como consumidor, o ato ilícito
continuaria representando crime e seria punido com as penas alternativas
à prisão já definidas na Lei Antidrogas.
O que pensa a Polícia Civil do RS?
Fixar quantidade como principal parâmetro de
diferenciação entre consumidores e traficantes pode ser um grande erro na
visão do diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico
(Denarc), delegado Carlos Wendt.
— A lei vigente é clara sobre o tema. O que define é
a conduta da pessoa. Vejo esta mudança com grande preocupação, pois pode
gerar injustiças. Um usuário pode estar com quantidade maior e ser considerado
traficante. Um criminoso pode manter em sua posse quantidades menores para não
ser enquadrado — explica Wendt.
O delegado argumenta que a descriminalização também pode ser
negativa para a sociedade, pois, em seu entendimento, derruba uma
barreira que impede pessoas de aventurarem-se com a ilicitude dos
entorpecentes. Há, segundo ele, um "pudor" em usar drogas
sendo este ato um crime.
— O tráfico, que nós combatemos com muito empenho no Denarc,
é o crime-mãe. Dele, derivam diversas formas de violência, desde crimes
patrimoniais até homicídios. Além disso, consideramos a maconha, que é
a droga que está em discussão, como uma porta de entrada para vícios mais
nocivos à saúde — sustenta.
Para Wendt, não corresponde a ideia de que o uso de
drogas produz malefícios restritos ao usuário. Ele analisa que a
cadeia de violência que cerca o comércio ilegal traz impactos negativos para a
segurança de toda a sociedade.
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