Para o ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal
precisa rever sua posição sobre a impossibilidade de terceiros questionarem
acordos de delação premiada. Para ele, em casos de manifesta ilegalidade no
acordo, os atingidos por ele devem poder ir ao Judiciário, que deve agir para
garantir os respeitos a direitos fundamentais e ao princípio da segurança
jurídica.
Proteção jurisprudencial a acordos de
delação premiada
serviu para blindar
ilegalidades, afirma Gilmar Mendes
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As ponderações foram feitas na 2ª Turma, em julgamento de
dois Habeas Corpus impetrados em que o pedido é para revisão de aditivos a
acordos de delação entre o Ministério Público do Paraná, o ex-auditor Luiz
Antônio de Souza e sua irmã Rosângela de Souza Semprebom. Gilmar é relator do
processo. Depois de sua fala, o ministro Luiz Edson Fachin pediu vista. O caso
será retomado dia 11 de junho.
Os investigados são delatores em inquéritos sobre pagamento
de suborno para que auditores fiscais do Paraná deixassem de autuar
sonegadores.
Diversas provas dessa investigação, chamada de operação
publicano, já foram anuladas pelo Supremo por ilegalidade. Durante seu
pronunciamento nesta terça, o ministro Gilmar disse que ficou evidente "um
cenário de abusos e desconfiança na atuação das partes envolvidas no acordo de
colaboração premiada". Para ele, é um exemplo que justifica a revisitação
da posição.
Em agosto de 2015, o Plenário do Supremo definiu que
terceiros não podem questionar acordos de delação. A tese foi a de que os
acordos são "negócios jurídicos processuais" que são "meios de
obtenção de prova", e não "meios de prova". Isso significa que
eles produzem efeitos apenas sobre os signatários, e não sobre os delatados —
já que a delação, por si só, não pode produzir efeitos. A tese foi levada ao
Pleno pelo ministro Dias Toffoli, no mesmo Habeas Corpus em se definiu que cabe
HC contra atos de ministros do Supremo.
No entendimento de Gilmar, a definição é típica dos negócios
jurídicos privados, como os contratos. "Contudo, tal lógica civilista deve
ser lida com cautelas na esfera penal", afirma o ministro.
"O acordo de colaboração premiada é um meio de obtenção
de provas, de investigação, em que o Estado se compromete a conceder benefícios
a imputado por um fato criminoso, com o objetivo de incentivar a sua cooperação
à persecução penal", disse o ministro.
Ou seja, continuou, seria inquestionável que terceiros
delatados são afetados pela homologação de acordos “ilegais e ilegítimos”.
Portanto, seria o momento de olhar com atenção a abusos dos órgãos de
investigação e acusação e pensar sobre os limites do poder negocial no sistema
penal brasileiro.
Filhos da "lava jato"
O HC em que se discutiu a natureza da delação foi levado ao
Supremo pelo advogado José Luís de Oliveira Lima em nome Erton Medeiros
Fonseca, ex-diretor da empreiteira Galvão Engenharia e um dos investigados na
“lava jato”. O pedido era contra a delação do doleiro Alberto Youssef, um dos
pilares da investigação.
Foi uma das primeiras discussões jurídicas relevantes
ligadas à operação feitas pelo STF. A tese da defesa era de que ele não poderia
ter o acordo homologado pelo Justiça, pois descumprira outro, homologado pelo
mesmo juiz, Sergio Moro. E porque estava preso quando topou delatar, o que seria
ilegal por denotar coação.
Mas o Supremo decidiu que a delação é instrumento de defesa,
e não de investigação. Portanto, restringi-la seria também restringir o direito
à ampla defesa, um princípio constitucional dos mais caros à cidadania, votou,
então o ministro Dias Toffoli.
Nesta terça, o ministro Gilmar propôs uma revisão desse
engessamento dos acordos. Para ele, a tese definida pelo Plenário vem servindo
de escudo para acordos ilegais de efeitos irreversíveis.
HC 143.427 e HC 142.205
Doleiro Alberto Youssef é absolvido da acusação de lavagemde dinheiro do tráfico de drogas
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