Ilustração: The Intercept Brasil
O cerco se fechou contra as fake news nesta semana. Depois
que diversas páginas e contas foram derrubadas no Facebook ligadas ao
bolsonarismo, o Ministério Público de São Paulo prendeu homens ligados ao MBL,
sendo um deles um famoso propagador de mentiras. Essa indústria de fake news,
que forneceu a base para ascensão da extrema direita no Brasil, parece estar
com os dias contados.
Na manhã de sexta-feira, a Polícia Civil prendeu dois
empresários ligados ao MBL. Eles são acusados pelo Ministério Público de
participar de um esquema de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. O
MBL nega que os empresários tenham ligação com o grupo e tenta a todo custo
descolar sua imagem dessa investigação. Mas o fato é que a polícia também
cumpriu um mandado de busca na sede do movimento e investiga empresas ligadas a
ele. Não é possível afirmar que a sede do MBL não é ligada ao MBL, não é mesmo?
Motivos para o grupo estar na mira da investigação não
faltam. Além da ligação estreita que mantém com os empresários presos, está
sendo investigada a relação financeira obscura entre o MBL e uma das empresas
da família de Renan dos Santos, um dos líderes do movimento. Há a suspeita de
que essa relação seja para a prática do crime de lavagem de dinheiro.
Segundo nota do
MP-SP, as evidências obtidas indicam que os envolvidos “construíram efetiva
blindagem patrimonial composta por um número significativo de pessoas
jurídicas, tornando o fluxo de recursos extremamente difícil de ser rastreado”.
Os procuradores afirmam que a família de Renan comprou e
abriu duas dezenas de empresas que hoje se encontram inoperantes — outro forte
indicativo de lavagem de dinheiro. Essas empresas devem juntas à União cerca de R$ 400
milhões em impostos. Uma bagatela de quase meio bilhão teria deixado de
entrar nos cofres públicos!
O Intercept teve acesso ao procedimento de
investigação criminal, que está disponível na íntegra ao final desse texto. O
MP estranha o fato do “MBL/MRL” ter se negado publicamente a “prestar contas
acerca dos valores que vêm angariando ao longo de sua existência, e que vêm
financiando a manutenção do “Movimento””. Na investigação consta também
que o juiz acatou o pedido do MP para quebrar o sigilo bancário e fiscal de
Renan Santos. Agora a estranha relação entre o MBL e a empresa da sua família
finalmente deverá ser esclarecida.
A cara de pau em negar a estreita relação do grupo com os
presos não resiste a uma googlada. Carlos Augusto de Moraes Afonso é um dos
presos que manteve uma forte parceria com o MBL. Usando o pseudônimo de Luciano
Ayan, ele ficou famoso por comandar o extinto Ceticismo Político, um site
reacionário que publicava fake news. O auge da fama foi atingido quando
ele apareceu
no Profissão Repórter para explicar uma reportagem mentirosa publicada
sobre Marielle Franco.
A manchete insinuava que a vereadora assassinada mantinha
relações com o tráfico. O que o MBL fez diante disso? Largou o parceiro ferido
na estrada e repudiou a disseminação da mentira? Claro que não. O grupo saiu em
defesa de Luciano Ayan e passou a atacar os jornalistas da Globo em suas redes
sociais. Produziram até um vídeo para
defendê-lo.
Um ex-parceiro do MBL já havia denunciado o que está sendo
investigado agora. Em carta
enviada à CPMI das Fake News, Roger Scar contou que Luciano Ayan o procurou
para assumir o Jornalivre, um site dedicado a produzir notícias com viés de
direita para o MBL. Ayan não revelava de onde vinha a grana para manter o site,
e o salário de R$ 2 mil de Roger. Dizia apenas que havia um doador anônimo por
trás.
Segundo ele, o MBL encomendava conteúdos fakes e de apoio ao
candidato Jair Bolsonaro. Foi aí que ele começou a desconfiar quem era a alma
bondosa que mantinha financeiramente seu site: “(…) a ficha começou a
cair. Na realidade, Luciano havia mentido desde o princípio sobre o suposto
apoiador do site. Quem realmente financiou o Jornalivre foi o MBL, e Luciano
não passava de um laranja, um intermediário que fazia a ponte entre eles e eu”.
O ex-editor do Jornalivre afirma que
a ideia de Ayan era “fazer precisamente o que as milícias bolsonaristas fazem
hoje, com assassinato de reputações.” Ou seja, conforme Scar, o grupo pagava
para Luciano Ayan comandar uma espécie de Gabinete do Ódio do MBL. Roger não é
o único a apontar essas relações. Há
outros ex-integrantes que as confirmam.
No texto do procedimento investigatório, consta que Ayan
ameaçou membros do MBL que questionaram as nebulosas doações recebidas através
de vaquinhas on-line e das lives no YouTube. Ayan “passou a efetuar
intimidações e ameaçar internautas que faziam menções questionadoras a estas
doações via Superchat que não possuem lastro, e cuja origem não se sabe ser
lícita ou ilícita, posto que, como referido, são feitas por meio de pagamentos
que não deixam lastro no sistema bancário (via cartão pré-pago).”
Ainda segundo a investigação, essa seria uma “nova e
peculiar” técnica de lavagem de dinheiro. As frequentes doações online de
valores relevantes não passavam pelo sistema bancário dos investigados,
“justamente de forma a proporcionar, de forma mais eficiente, a ocultação da
origem dos valores”. O MP chama essa grana de “cifras ocultas”, já que as
doações são efetuadas por cartões pré-pago e podem ser feitas em nome de qualquer
pessoa. Para os investigadores, a origem do dinheiro dessas doações é
“provavelmente ilícita”.
Infográfico presente no procedimento investigatório do MP-SP
(Imagem/Reprodução)
O MBL fazia arrecadação de dinheiro por meio de suas lives
no YouTube, e cada doação era chamada pelos integrantes de “pimba”. Alessander
Monaco, preso nesta sexta-feira (10), era um “pimbador” em série.
O deputado Kim Kataguiri, que hoje faz a egípcia tentando
escamotear sua proximidade com Ayan, o considerava um analista político de
respeito. O MBL o considerava um professor e chegou a convidá-lo para ministrar
uma aula pública em frente à sede do Facebook, onde o grupo fazia um protesto:
Hoje teremos uma aula pública com o Luciano Ayan em frente a sede do facebook em São Paulo, a partir das 19 horas. Não esqueçam de comparecer pic.twitter.com/KQqAXAr2S6— Kim Kataguiri 🇧🇷 (@kimpkat) July 27, 2018
Ayan era tão próximo do movimento que chegou a ser sócio de uma empresa junto com Pedro D’Eyrot, líder e um dos fundadores do MBL. É esse o nível de proximidade de Ayan com lideranças do grupo.
Alessander Monaco, o outro homem ligado ao MBL preso na
operação, é suspeito de, dentre outras coisas, realizar “doações altamente
suspeitas através da plataforma Google” — leia-se suspeita de lavagem de
dinheiro. Esses indícios circulam pelas redes desde o ano passado.
Monaco trabalhou durante
um ano como funcionário do estado de São Paulo durante a gestão de Doria, um
político que sempre foi um grande parceiro do MBL. Aliás, integrante do MBL
contratado pela gestão Doria não
chega a ser novidade.
O MBL fazia arrecadação de dinheiro por meio de suas
lives no YouTube. Cada doação era chamada pelos integrantes de “pimba”. Monaco
era um “pimbador” em série. Fazia doações com valores acima da média e era
festejado pelo grupo.
Registro de algumas das "pimbadas"de Alessander
Monaco. (Reprodução/YouTube
As doações frequentes e vultosas de Monaco viraram piada interna
entre os integrantes do MBL. Tanto que o grupo passou a apresentar suas lives
exibindo em cima da bancada um porta-retrato com uma foto em homenagem ao
doador “anônimo”. Na foto abaixo, Alessander aparece sentado à mesa em uma live
do grupo.
Foto: Reprodução/Instagram, YouTube
A impressão que ficava era a de que Monaco era só um fã do
MBL com dinheiro de sobra para gastar. Mas não é isso o que o MP acha nem o que
diz esse ex-coordenador
do grupo, Ian Madonaldo:
MBL tá dizendo que Alessander Mônaco não é do movimento? Eu tenho provas de que é sim.— Ian Maldonado (@IanMdo) July 10, 2020
Grande dia. 👍🏻
A investigação afirma que “as doações efetuadas mensalmente por ele ao MBL somavam valores muito além da sua capacidade econômico-financeira”.
Além das “pimbadas”, o MP suspeita das 50 vezes que Monaco
foi para Brasília entre julho de 2016 e agosto de 2018. Apesar de ganhar apenas
R$ 6 mil mensais como funcionário da gestão Doria à época, ele torrou mais de
R$ 100 mil gastos com passagens. Em todas as vezes, ele foi ao Ministério da
Educação, mas nunca apresentou uma justificativa plausível. Em praticamente
todo o período em que as viagens foram feitas, o ministro da Educação era
Mendonça Filho, do DEM. É um partido que sempre esteve próximo do MBL e foi por
meio dele que o grupo elegeu três lideranças: Kim Kataguiri, Fernando Holiday e
Mamãe Falei. É mais uma história que precisa ser melhor esclarecida.
O MP identificou também um significativo aumento de
patrimônio de Monaco. Em 2017, saltou de R$ 146.196,96 para R$
465.376,92. A investigação aponta também que a Receita Federal
observou um gasto de cartão de crédito mensal médio de R$ 27.456,63 — um valor
incompatível com seu salário.
Os integrantes do MBL sugerem que estão sendo vítimas de uma
perseguição do bolsonarismo, com quem rompeu e hoje faz oposição. Pelo que
vimos acontecer no Brasil nos últimos anos, essa é algo factível. É
realmente possível que haja uma disposição em enquadrar o MBL teleguiada por
agentes bolsonaristas.
Nós conhecemos o tamanho da influência do bolsonarismo
dentro das polícias e do Ministério Público. Mas isso não significa que as
suspeitas não fazem sentido. Fazem. O MBL nunca foi transparente quanto ao
financiamento do grupo. Nunca
prestou contas aos filiados do dinheiro que arrecada por meio
das “pimbadas”. Quem faz a auditoria dessas doações? Quanto de dinheiro o
MBL arrecadou com elas? Quanto Luciano Ayan recebeu para montar o gabinete do
ódio do grupo? Ninguém sabe, nem mesmo os integrantes do grupo. A gestão
financeira do MBL é uma caixa-preta que apenas a família do Renan Santos tinha
acesso. Mas esse segredo parece estar com os dias contados.
Acesse aqui a íntegra do procedimento investigatório criminal
que o MP-SP abriu contra o MBL.
Segundo Ministério Público e Receita Federal, esquema
envolve ocultação de patrimônio e sonegação de R$ 400 milhões.
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