Vereadora foi executada no mesmo dia da aprovação do projeto
ao qual ela se opunha
Chiquinho Brazão chega preso no avião da Polícia Federal, em
Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/folhapress)
O caso Marielle Parte 35
Marielle Franco virou um símbolo internacional após seu
assassinato no dia 14 de março de 2018. Com os olhos do mundo no Rio de
Janeiro, todos estão perguntando: #QuemMandouMatarMarielle? E por quê?
O DIRETOR-GERAL DA POLÍCIA FEDERAL diz que são
várias as situações que motivaram o deputado Chiquinho Brazão, o irmão, Domingos
Brazão, e Rivaldo Barbosa, a planejarem e encomendarem a morte da
vereadora Marielle
Franco em 2018.
A mais latente é uma disputa imobiliária: os Brazão
tinham interesse em fazer loteamentos na zona oeste do Rio, e Marielle se
opunha ao empreendimento. O assassino Ronnie Lessa receberia terrenos como
pagamento pelo crime.
Em seu relatório final sobre o caso Marielle,
a Polícia Federal, e menciona que Chiquinho foi “surpreendido por dificuldades
na obtenção de votos para a aprovação [do projeto], sendo certo que, em
primeiro turno, com votos contrários da bancada do Psol e, consequentemente, de
Marielle Franco, houve a apresentação de um substitutivo, ampliando a abrangência
territorial da lei”.
Segundo as investigações, em 2017 os Brazão haviam
infiltrado Laerte
Silva de Lima no Psol para monitorar Marielle Franco, pela qual eles
tinham “repugnância”. Lima e a mulher se filiaram ao partido naquele ano.
Foi por meio do infiltrado que os milicianos souberam que a
vereadora pedia para a população para que não aderisse aos loteamentos erguidos
em áreas de milícia. Em 2021, a polícia encontrou
documentos que apontavam que Laerte lavou milhões de reais para a
milícia com criptomoedas. Ele chegou a ser investigado no caso Marielle, mas
isso não foi adiante.
Projeto foi aprovado no dia da morte de Marielle
Na Câmara de Vereadores carioca, Chiquinho Brazão, hoje
deputado federal pelo União Brasil – e na época do crime vereador pelo Avante
–, tinha um interesse especial no PLC
n.º 174/2016, projeto sobre regularização de loteamentos em Vargem Grande,
Vargem Pequena, Itanhangá e Jacarepaguá.
O projeto, proposto por Chiquinho, visava favorecer a expansão
de construções irregulares na zona oeste, área onde ele, Marcelo
Siciliano e Junior da Lucinha disputam
votos. Ele já havia tentado aprovar um projeto semelhante anos antes.
Em depoimento que consta no relatório da PF, um assessor da
Câmara disse que “o risco da não aprovação do PLC 174/2016 teria causado grande
insatisfação do Vereador Chiquinho Brazão com a bancada do Psol e,
consequentemente, com Marielle, que votou contra por entender que o projeto não
atendia ‘áreas carentes’, mas regiões de classe média e alta”.
Chiquinho não gostou da oposição do Psol e de Marielle.
Considerava que o voto contrário da vereadora, e a consequente aprovação
apertada do projeto, geraria desgaste político a ele. Conforme a testemunha,
Chiquinho ficou irritado, algo incomum para alguém habitualmente “discreto e
tranquilo”.
A testemunha apontou o Psol como o “calcanhar de Aquiles” do
MDB, partido de Brazão, na época. Ela citou ainda um outro caso que
desestabilizou ainda mais o partido, que estava sofrendo os impactos da Operação
Lava Jato. Uma ação popular do Psol impediu que o ex-deputado
Edson Albertassi, do MDB, fosse nomeado ao Tribunal de Contas do Estado.
Isso impediria qualquer gerência do MDB sobre a operação para o Superior
Tribunal de Justiça.
A testemunha disse ainda que a morte de Marielle “paralisou
o Psol no Rio de Janeiro, uma vez que amedrontou os parlamentares, assessores e
demais empregados do partido”.
O relatório da Polícia Federal diz que o descontentamento de
Brazão “ocorreu em período compatível com aquele mencionado por Ronnie Lessa”
em colaboração premiada, no segundo semestre de 2017, “o que pode ter sido o
estopim para que fosse decretada a pena capital de Marielle pelos irmãos
Brazão”.
Marielle e Anderson foram executados no dia 14 de março de
2018. Foi coincidentemente a mesma data em que foi aprovada a redação final do
PLC n.o 174/2016 no Plenário da Câmara.
O PLC acabou vetado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo
Crivella, do Republicanos, em 5 de abril de 2018. O veto foi derrubado cerca de
um mês depois e a Lei
Complementar 188/2018 foi publicada. A vontade de Chiquinho foi
cumprida.
Correção: 24 de março de 2024, 20h52
O prefeito responsável por vetar o PLC foi Marcelo
Crivella, e não Eduardo Paes. O texto foi corrigido.
Até a Polícia Federal chegar no nome de Domingos Brazão,
houve uma série de erros e pistas falsas que atrasaram em quase seis anos a
resposta para esta pergunta: Quem mandou matar Marielle?
Marielle Franco, veradora do Psol, durante comício no Rio de
Janeiro. Foto: Mídia NINJA
O caso Marielle Parte 32
Marielle Franco virou um símbolo internacional após seu
assassinato no dia 14 de março de 2018. Com os olhos do mundo no Rio de
Janeiro, todos estão perguntando: #QuemMandouMatarMarielle? E por quê?
ATÉ A POLÍCIA FEDERAL obter a delação de Ronnie
Lessa, entregando que Domingos Brazão foi o mandante
da morte de Marielle Franco e de Anderson
Gomes, o caminho da investigação foi longo, com inúmeras reviravoltas,
interferências externas e pistas falsas espalhadas pelo caminho. Isso
dificultou a resolução do duplo homicídio, próximo de completar seis anos no
mês de março.
Raquel Dodge, ex-Procuradora Geral da República, sempre
insistiu na federalização do caso Marielle Franco. Um dia após o assassinato da
vereadora e do motorista Anderson Gomes, quando ela ainda presidia o Conselho
Nacional do Ministério Público, emitiu uma nota determinando a instauração de
“procedimento instrutório de eventual incidente de deslocamento de
competência”. E solicitou a entrada da Polícia Federal nas investigações.
O Ministério Público do Rio e a Polícia Civil do Rio de
Janeiro se posicionaram contrários ao pedido de Dodge. E o caso seguiu com
investigação no âmbito estadual.
Desde quando o atentado foi cometido, houve uma rápida e
intensa cobertura internacional do caso, com notícias publicadas nos principais
veículos de comunicação do mundo e debate
na ONU.
Caso Marielle: primeiras pistas falsas e acusações sobre
delegado
Em maio de 2018, as investigações caminharam com o depoimento
do ex-PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, dado à Delegacia de
Homicídios. Segundo ele, Marcello Siciliano, então vereador pelo PHS, teria
mandado o miliciano Orlando Curicica assassinar a vereadora.
O motivo seria a disputa por territórios: Marielle teria
apoiado moradores com ações comunitárias em bairros da zona oeste do Rio, o que
teria incomodado milicianos e ameaçado o reduto eleitoral de Siciliano.
Orlando Curicica negou as acusações à Polícia Civil do Rio.
Em junho, foi transferido para o presídio federal em Mossoró, no Rio Grande do
Norte, e pediu para prestar outro depoimento. Dessa vez para o Ministério
Público Federal.
Ele afirmou ter sido pressionado por Giniton Lages, primeiro
delegado do caso, para assumir a autoria do crime. Curicica acusou a
polícia fluminense de receber
propina do jogo do bicho para barrar investigações de homicídio.
Giniton negou as acusações.
Domingos Brazão foi delatado por Ronnie Lessa como
responsável por mandar matar Marielle Franco. Foto: Tércio Teixeira/Domingos
Brazão
A investigação da investigação do Caso Marielle
As declarações de Curicica motivaram Dodge a pedir a
abertura de inquérito da Polícia Federal para investigar a Polícia Civil do Rio
– o que ficou conhecido como “a investigação da investigação”.
Com a PF na cola, Ferreirinha e sua advogada voltaram atrás
nos depoimentos. Ele confessou ter inventado a história para tentar se livrar
de Curicica, por quem era ameaçado. Em maio de 2019, o ex-PM
foi preso no Rio de Janeiro.
Meses antes, em fevereiro de 2019, a Polícia Federal cumpriu
ordem de busca e apreensão na casa de dois comparsas: Hélio Khristian, delegado
da instituição, e Domingos Brazão, então conselheiro afastado do Tribunal de
Contas do Estado, o TCE.
Khristian foi quem levou Ferreirinha até a Delegacia de Homicídios
para prestar depoimento. Ambos estariam juntos na empreitada para obstruir o
caso e incriminar Siciliano, adversário político de Brazão. O conselheiro do
TCE, então, virou um dos principais suspeitos de ser um dos mandantes do
assassinato da vereadora.
Prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz em 2019
Em meio às suspeitas sobre o trabalho da Polícia Civil, um
ano após o duplo homicídio, os
ex-PM Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram presos. O MPRJ acusou os dois
de serem os executores dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes –
Élcio era o motorista e Lessa o atirador.
Ex-policial do Bope, Lessa seria ligado ao grupo de
matadores conhecido como “Escritório do Crime“, que presta serviço à
cúpula do Jogo do Bicho. Quem também fazia parte desse grupo era Adriano da
Nóbrega, assassinado
em fevereiro de 2020 na Bahia.
O delegado Giniton Lages saiu do cargo logo após as prisões,
substituído pelo delegado Daniel Rosa. Seria a primeira das cinco mudanças na
chefia da DH ao longo das investigações.
Em outubro de 2019, em seu último ato como PGR, Dodge acusou
Brazão de ter arquitetado Ferreirinha como testemunha falsa do caso e de
obstrução de justiça. Ela usou como base o relatório da PF sobre o andamento
das investigações do caso Marielle. Mais uma vez, houve o pedido de
federalização do caso. A federalização, no entanto, foi
negada pelo STJ.
A família de Marielle Franco também temia a federalização
nesse momento. Era o primeiro ano do governo Bolsonaro e havia o temor que, com
o Ministério da Justiça dirigido por Sergio Moro, houvesse interferências
políticas na Polícia Federal que atrapalhasse o curso das
investigações.
Khristian e Lorenzo Pompilio, também delegado da PF, virariam réus por
extorsão e obstrução de justiça. As acusações são do MPF. Em março de 2023,
o Superior Tribunal de Justiça rejeitou a denúncia contra Brazão por obstrução
de justiça.
Polícia Federal volta ao caso no governo Lula
Em fevereiro de 2023, a Polícia Federal abriu um novo
inquérito para investigar os mandantes dos atentados que vitimou Marielle e
Anderson, a pedido do Ministério da Justiça. Lula havia acabado de tomar posse.
Um dos principais compromissos
públicos assumidos pelo seu então ministro da Justiça, Flávio Dino,
foi o de resolver o caso.
A partir de então, a investigação voltou a ter novidades.
Élcio de Queiroz, acusado de ser o motorista, firmou
acordo de delação premiada em julho deste ano. Ele confessou a
participação dele e de Lessa no crime. E ainda acusou a Polícia Civil do Rio de
tentar extorqui-los
para impedir a investigação.
A delação de Lessa falta ser homologada no STJ. Ainda há
dúvidas sobre qual seria a real motivação de Domingos Brazão. Uma das hipóteses
é que ele teria agido por vingança contra Marcelo Freixo, seu ex-colega na
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que o denunciou na CPI das Milícias,
em 2008, e também na Operação Cadeia Velha, que prendeu
figuras do MDB, ex-partido de Brazão.
Outra hipótese é uma disputa de terra na zona oeste do Rio
de Janeiro, área de domínio de Domingos Brazão. Havia uma disputa
de terra nessa área para regularização de um condomínio e a vereadora
trabalhava para que a região fosse classificada como de interesse social.
Um grupo de manifestantes na cidade brasileira do Rio de
Janeiro exigiu justiça no sexto aniversário do assassinato da vereadora
Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Amigos, familiares e
activistas denunciaram que o Governo demorou muito a resolver o crime.
Organizações não governamentais apontam que, apesar de haver suspeitos, não se
sabe quem foi o autor intelectual do homicídio e denunciam que há impunidade
envolvida.
Grampos sugerem que comparsas do miliciano Adriano da
Nóbrega recorreram a Bolsonaro
Diálogos transcritos de grampos telefônicos sugerem que o
presidente Jair Bolsonaro foi contactado por integrantes da rede de proteção do
ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, chefe da milícia Escritório do Crime. As
conversas fazem parte de um relatório da Subsecretaria de Inteligência da
Secretaria de Polícia Civil do Rio elaborado a partir das quebras de sigilo
telefônico e telemático de suspeitos de ajudar o miliciano nos 383 dias em que
circulou foragido pelo país.
Logo após a morte do miliciano, cúmplices de Adriano da
Nóbrega fizeram contato com “Jair”, “HNI (PRESIDENTE)” e “cara da casa de
vidro”. Para fontes do Ministério Público do Rio de Janeiro ouvidos na condição
de anonimato, o conjunto de circunstâncias permite concluir que os nomes são
referências ao presidente Jair Bolsonaro. “O cara da casa de vidro” seria uma
referência aos palácios do Planalto, sede do Executivo federal, e da Alvorada,
a residência oficial do presidente, ambos com fachada inteiramente de vidro.
Após as citações, o Ministério Público Estadual pediu que a
justiça encerrasse as escutas dos envolvidos nas conversas, apesar de eles
seguirem trocando informações sobre as atividades ilegais de Adriano da
Nóbrega. A interrupção reforça a ideia de que trata-se do mesmo Jair que
hoje ocupa o Planalto. O MP estadual não pode investigar o presidente da
República. Em casos deste tipo, tem a obrigação constitucional de encerrar a
investigação e encaminhar o processo à Procuradoria Geral da República, que tem
esse poder. Questionada, a PGR informou que buscas nos sistemas da Procuradoria
por meio do número de processo indicado não retornaram resultados. Uma fonte
ouvida pela reportagem que conhece o sistema da PGR, no entanto, entende que
isso pode significar tanto que o processo foi encaminhado com outro número
quanto que ainda não foi encaminhado ou mesmo que a procuradoria apenas não o
encontrou em seus arquivos.
O Intercept já havia reportado sobre as
escutas em fevereiro,
quando mostramos como Adriano dizia que “se fodia” por ser amigo do presidente
da República, e em março, quando detalhamos a briga pelo espólio
deixado pelo ex-caveira. As referências a “Jair” e “cara da casa de vidro”
constam em novos documentos recebidos pela reportagem, que, em conjunto com as
escutas anteriores, permitem entender a amplitude das relações do miliciano e
da rede que lhe deu apoio no período em que passou foragido.
Adriano da Nóbrega fugia da justiça desde janeiro de 2019,
quando o Ministério Público do Rio pediu a sua prisão, acusando-o de chefiar a
milícia Escritório do Crime, especializada em assassinatos por encomenda.
Ex-integrante da elite do batalhão de elite da Polícia Militar do Rio, ele foi
expulso da corporação em 2014 por relações com a máfia do jogo do bicho.
As conversas de apoiadores do miliciano com supostas
referências ao presidente começaram a aparecer nos grampos a partir do dia
da morte de Adriano, em 9 de fevereiro de 2020, e continuaram por mais 11
dias. No dia 9 pela manhã, o miliciano foi cercado por policiais do Rio e
da Bahia, quando se escondia no sítio do vereador Gilson Batista Lima Neto, o
Gilsinho de Dedé, do PSL, em Esplanada, cidade a 170 quilômetros de Salvador.
Segundo os agentes, o miliciano reagiu a tiros à ordem de se render. Os
policiais reagiram e mataram Adriano com dois tiros.
‘Cara da casa de vidro’
De acordo com as transcrições, a primeira ligação
supostamente feita ao presidente aparece no dia 9 de fevereiro de 2020 à noite,
horas depois que Adriano foi morto. Ronaldo Cesar, o Grande, identificado pela
investigação como um dos elos entre os negócios legais e ilegais do miliciano,
diz a uma mulher não identificada (MNI, no jargão policial) que ligaria para o
“cara da casa de vidro”. No telefonema, demonstra preocupação com pendências
financeiras e diz que alertou Adriano que “iria acontecer algo ruim”. Ele fala
ainda que quer saber “como vai ser o mês que vem” e que a “parte do cara tem
que ir”.
Identificado pela polícia como ele entre os negócios legais
e ilegais do miliciano, Grande diz que vai “ligar para o cara da Casa de
Vidro”. Imagem: Reprodução/MPRJ
Quatro dias após a morte de Adriano, em 13 de fevereiro de
2020, Grande fala com um homem supostamente não identificado (HNI), que tem ao
lado, entre parênteses, a descrição “PRESIDENTE” em letras maiúsculas, e relata
problemas com a família de Adriano devido à divisão de bens. O interlocutor se
coloca à disposição caso ele venha a ter algum problema futuro. Apenas duas
frases do diálogo de 5 minutos e 25 segundos foram transcritas.
Polícia identifica interlocutor que conversa com comparsa de
Adriano como “PRESIDENTE”. Imagem: Reprodução/MPRJ
No mesmo dia 13, o nome “Jair” aparece em conversas de
outros comparsas de Adriano – o pecuarista Leandro Abreu Guimarães e sua
mulher, Ana Gabriela Nunes. O casal, segundo as investigações, escondeu Adriano
da Nóbrega numa fazenda da família nos arredores de Esplanada após ele ter
conseguido escapar ao cerco policial a uma luxuosa casa de praia na Costa do
Sauípe, no litoral baiano, em 31 de janeiro de 2020.
Num dos diálogos, de pouco mais de cinco minutos, Ana
Gabriela relata a uma interlocutora identificada apenas como “Nina” que “a
polícia retornou com o promotor” a sua casa e que não pretende voltar para lá
por causa dos jornalistas. Na sequência, diz: “Leandro está querendo falar com
Jair”.
Após a morte do miliciano, Ana Gabriela diz a uma
interlocutora identificada apenas como Nina que o esposo, Leandro Guimarães,
quer falar com Jair, numa possível referência ao presidente.
Imagem: Reprodução/MPRJ
Leandro Guimarães é descrito pelos policiais como um
vaqueiro premiado, que ganha a vida organizando e participando de rodeios. Foi
num desses eventos que o ex-capitão comprou 22
cavalos de raça mesmo estando foragido da justiça.
Minutos depois, Ana Gabriela faz outra ligação. O telefonema
iniciou às 8h50 e terminou às 8h51. No campo de comentários, o documento sugere
que o diálogo aconteceu entre Gabriela e Jair. A conversa, contudo, não é
transcrita na íntegra. Os analistas apenas reproduzem a mesma frase destacada
anteriormente: “Gabriela diz que Leandro quer falar com Jair”.
No campo de comentários, o documento sugere que o diálogo
aconteceu entre Ana Gabriela e Jair. Imagem: Reprodução/MPRJ
Logo após os episódios, o analista da Polícia Civil sugere
que não sejam renovados os grampos do casal. O mesmo acontece com Grande, que,
pelo teor dos telefonemas, segue tratando dos negócios de Adriano da Nóbrega e
chega a ser chamado de “chefe” em uma das interceptações. O Ministério Público
Estadual do Rio, que não tem atribuição para investigar suspeitas sobre o
presidente da República, aceitou a recomendação. O mesmo procedimento já havia
sido adotado depois que Orelha e a irmã de Adriano citaram
Bolsonaro em seus telefonemas, como mostramos em fevereiro no Intercept.
Questionamos o Ministério Público Estadual sobre o porquê
das escutas dos suspeitas terem sido encerradas após as menções ao “homem da
casa de vidro”, a “Jair” e “HNI (PRESIDENTE)” e, sobretudo, se a instituição
remeteu à Procuradoria-Geral da República as suspeitas da ligação dos suspeitos
com o presidente Jair Bolsonaro. Não recebemos nenhum retorno até a publicação
desta reportagem.
Por favor, preste atenção: esta reportagem faz parte de uma
série de matérias baseadas nas escutas que o MP realizou enquanto investigava o
miliciano Adriano da Nóbrega. Apesar das escutas, o processo foi paralisado.
Ele voltou a andar depois que começamos a investigar. O Intercept quer
continuar contando essa história porque ela pode mudar os rumos do país.
Precisamos da ajuda dos nossos leitores para isso. → Clique e contribua com qualquer valor.
‘Muito fiscalizado’
O nome do presidente já havia sido citado anteriormente em
diálogos da irmã de Adriano, Tatiana da Nóbrega, e do sargento da PM Luiz
Carlos Felipe Martins, o Orelha, um dos homens de confiança do miliciano, como
revelou o Intercept
em março. Ao dizer a um interlocutor não identificado que “Adriano falava
que se fodia por ser amigo do presidente da República”, Orelha acendeu a luz
amarela entre policiais e promotores envolvidos na perseguição ao ex-capitão.
“Essa luz passou a piscar vermelha no decorrer da análise das escutas e
transcrição das conversas dos suspeitos de proteger o miliciano foragido
enquanto o cerco se fechava”, me disse um dos envolvidos na investigação sob a
condição de anonimato.
Para os investigadores, o conteúdo das novas transcrições
sugere que a amizade entre o miliciano e o presidente não seria mera bravata
entre os seus comparsas. Os Bolsonaro têm uma relação antiga com o ex-caveira.
Em 2005, enquanto estava preso preventivamente pelo assassinato de um guardador
de carros, Adriano foi condecorado pelo então deputado estadual Flávio
Bolsonaro com a medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Assembleia
Legislativa do Rio, a Alerj. Uma semana após a morte do miliciano, em 15 de
fevereiro de 2020, o presidente Bolsonaro o chamou de “herói”
e afirmou que recomendou pessoalmente que o filho desse a medalha ao
então policial. Flávio ainda empregou
a mãe e a ex-mulher de Adriano em seu gabinete na Alerj, situação hoje
investigada no inquérito
das Rachadinhas.
Embora o ex-capitão usasse uma identidade falsa em nome de
Marco Antônio Cano Negreiros, trechos das transcrições das quebras de sigilo
mostram que todos os suspeitos ligados à rede de proteção de Adriano da Nóbrega
sabiam que ele era foragido.
Em um diálogo captado em 7 de fevereiro, dois dias antes da
operação que resultou na morte do ex-capitão, Ana Gabriela diz à mãe que não
pode dar maiores explicações por telefone. A mãe então pergunta: “o rapaz está
aí com você?” Ela reage com nervosismo e desconversa: “Não adianta que não vou
dizer onde o rapaz está. Ele está em Esplanada com o Leandro”. A mãe insiste e
acrescenta: “Graças a Deus que vocês não estavam na Costa do Sauípe. Esse rapaz
não poderia estar por aqui. Ele está sendo muito fiscalizado”, concluiu.
Trecho de uma conversa entre Ana Gabriela e a mãe em que ela
diz que o “rapaz”, que a polícia entende ser Adriano, está em Esplanada (BA)
com o marido. Imagem: Reprodução/MPRJ
Antes de se refugiar no sítio do vereador Gilsinho de Dedé,
em que acabou sendo morto, e na fazenda do casal Leandro e Gabriela, o
ex-oficial do Bope contou ainda com a ajuda de uma prima e de outro fazendeiro
da região. As escutas dão a entender que a veterinária Juliana Magalhães da
Rocha, que trabalhava como tratadora dos cavalos e das cabeças de gado do
miliciano, chegou a alugar um carro que foi usado na fuga do ex-capitão do
litoral baiano para o interior do estado. Já o fazendeiro Eduardo Serafim, proprietário
de um rancho em Itabaianinha, na divisa de Sergipe com a Bahia, abrigou parte
dos animais do chefe do Escritório do Crime.
É na fazenda de Serafim que ficavam os 22 cavalos de raça
comprados por Adriano. Nas transcrições, a polícia sugere que Adriano ou a
atual esposa Julia Lotufo visitaram o local. Imagem: Reprodução/MPRJ
Mesmo com provas robustas de que ajudaram Adriano na fuga,
nem o casal Leandro e Gabriela, nem o vereador Gilsinho, a veterinária Juliana
ou o fazendeiro Serafim foram denunciados à justiça pelo MP do Rio. Procurada
pela reportagem, a instituição não explicou porque preferiu deixá-los de fora
da denúncia.
Uma investigação pegando poeira
O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado,
o Gaeco, do MP do Rio, levou 406 dias para denunciar parte da rede de apoio ao
miliciano. A operação Gárgula foi posta em prática após o Intercept ter
revelado a disputa em torno dos bens do miliciano, em 19 de fevereiro deste
ano. No mesmo dia da publicação da reportagem, o MP denunciou à 1ª Vara
Criminal Especializada do Tribunal de Justiça nove dos 32 suspeitos.
Apesar das evidências de que a mãe de Adriano, suas irmãs
Tatiana e a sua ex-mulher também se beneficiaram do dinheiro ilegal acumulado
pelo miliciano, o MP optou por levar à justiça apenas a então companheira do
miliciano, Júlia Lotufo, e os policiais militares Rodrigo Bittencourt Rego e
Orelha. Os três tiveram as prisões decretadas a pedido dos promotores.
No dia seguinte ao pedido de prisão, Orelha sofreu uma
emboscada em frente de sua casa, em Realengo, na zona oeste do Rio e foi
morto a tiros de fuzil. Dois dias depois, o coordenador do Gaeco,
promotor Bruno Gangoni, aventou a possibilidade de o crime ter sido queima de
arquivo, mas sem dar maiores esclarecimentos. Um dos principais aliados de
Adriano, o PM poderia ter informações fundamentais para o desenrolar de
investigações relacionadas às Rachadinhas no gabinete de Flávio Bolsonaro e à
morte de Marielle, em que há fortes suspeitas do envolvimento do Escritório do Crime.
O Intercept questionou o MP sobre quem seriam os
beneficiados com a morte do policial-miliciano e o motivo da denúncia não ter
incluído os nomes dos integrantes da família de Adriano e seus aliados na
Bahia. Mais uma vez, não obteve resposta até a publicação desta reportagem. A
Presidência da República também não nos respondeu se o presidente entrou ou não
em contato com comparsas do miliciano logo após a sua morte.
Atualização – 24 de abril de 2021, 12h40
O texto foi atualizado para acrescentar mais detalhes do
posicionamento da PGR.
Parlamentares, movimentos sociais, amigos e familiares da
vereadora do PSOL realizam hoje, ações nas ruas e nas redes sociais para
pedir por Justiça pelo assassinato brutal que marcou a história do país.
Para muitos, o assassinato foi um ataque à democracia, e uma
tentativa de silenciar uma voz que clamava pelos direitos da população negra e
periférica, das mulheres, e das pessoas LGBTQIA+.
"Não podemos ficar caladas e precisávamos agir de
alguma forma para seguir denunciando esse crime e contando justiça, mesmo nesse
contexto de pandemia, de altos índices de contaminação, em que não podemos
estar nas ruas coletivamente. por isso as mulheres do PSOL se uniram em todo
país para somar-se as ações nesse dia 14 de pressão para que o caso tenha
celeridade", aponta a jornalista Simone Nascimento, que esteve a
frente das ações de hoje do PSOL, em São Paulo (SP).
Já para a professora Rose Cipriano, vinculada ao partido de
Marielle no estado do Rio de Janeiro, as ações de hoje são fundamentais
diante do silêncio que perdura após 3 anos sem resolução das
investigações.
"O 14 de março significa manter viva a memória e a
luta por justiça que marcaram a vida e a trajetória de Marielle Franco. Neste
duro momento de pandemia, as imagens de Marielle falaram por nós" afirma.
Até o momento, somente o sargento aposentado da Polícia Militar Ronnie
Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz foram detidos. Eles estão presos
desde março de 2019 e irão a júri popular.
Confira como foram as ações do #14M no Brasil e no mundo:
Em São Paulo (SP), na região da Avenida
Paulista, mulheres parlamentares do PSOL fizeram ato simbólico, pedindo
justiça para Marielle e Anderson.
Ação das parlamentares do PSOL-SP, em memória a Marielle -
Annelize Tozetto
Na ponte de Westminster, em Londres, capital da Inglaterra,
o ato ‘Justice for Marielle’ foi uma ação conjunta dos coletivos Amazon
Rebellion, Brazil Matters, Democracy for BRASIL e UK Tambores Livres.
Ato ‘Justice for Marielle’ , em Londres / Francisco Santos
O comitê Lula Livre de Genebra, na Suíça, escolheu se
manifestar em frente à ONU, em homenagem à Marielle.
Ato por Marielle em Genebra, Suíça / Comitê Lulalivre
Genebra
No Alto Sertão de Alagoas, a Brigada José Elenilson, do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), também cobrou justiça pelo
assassinato.
Mulheres do MST em luta por Marielle / MST em Alagoas
Mulheres do assentamento Fidel Castro, em Joaquim Gomes
(AL), também denunciaram o crime e celebraram o legado da parlamentar.
Mulheres do MST unidas por Marielle/ MST
Em Governador Valadares (MG), alimentos saudáveis e roupas
foram doados no Residencial Sertão do Rio Doce. Na ocasião, foi debatido a
história e o legado de Marielle.
Mulheres sem terra, em Alagoas / MST
Nos estados do Ceará e na Paraíba, as mulheres sem-terra
plantaram árvores em homenagem a Marielle e cobrando respostas ao caso que
segue impune.
Plantio de árvores / MST
No assentamento Dandara dos Palmares, em Campos dos
Goytacazes (RJ), ipê, abacate, laranja,
limão, romã e café foram plantados no Bosque Marielle Franco, construído neste
domingo (14).
Acampamento Noelton Angélico, em Brazlândia (DF) / MST
No Aterro do Cocotá, na Ilha do Governador (RJ), foi
inaugurado o Bosque Marielle Franco, para celebrar a morte da vereadora e a
“esperança de que suas sementes continuem florescendo”.
Ação hoje no Aterro do Cocotá / Comunicação MST no RJ
A Campanha de Solidariedade da Escola Nacional Paulo Freire,
que reúne organizações como Levante Popular da Juventude, MTD, MST, Rede de Cursinhos
Podemos+ e Consulta Popular, realizou o Marmitaço "Por Marielle, pela
vida, Mulheres contra a fome, Fora Bolsonaro" neste domingo. Foram 300
marmitas distribuídas nos bairros Boqueirão e Jardim São Savério, na periferia
de São Paulo.
Ação da Escola Nacional Paulo Freire, hoje (14), na zona sul
de São Paulo (SP) / Comunicação - Campanha de Solidariedade Periferia Viva
A noite deste domingo (14), em diversas capitais
brasileiras, também foi de projeções para lembrar Marielle e os três anos de
impunidade.
Projeção por Marielle, em São Paulo (SP) / Annelize Tozetto
Sobrevivente do atentado contra Marielle desabafa: Ainda
estamos sem respostas
Em entrevista ao Brasil TVT, a jornalista e ex-assessora de
Marielle Franco, Fernanda Chaves fala dos três anos do assassinato da
ex-vereadora e do ex-motoris Anderson Gomes sem resposta.
Carmen Eliza foi madrinha de casamento de Luciana Pires,
defensora do filho do presidente
Nas redes sociais, Carmen Eliza aparece em fotos no chá de
lingerie de Luciana Pires e na foto oficial do casamento da advogada, em 2018
São Paulo – A promotora Carmen Eliza assumirá a investigação contra Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ) no inquérito que apura o crime de falsidade
ideológica eleitoral cometido pelo senador. Carmen, porém, é madrinha de
casamento de Luciana Pires, advogada do filho do presidente da República, e
também apoiadora assídua de Jair Bolsonaro.
O senador é investigado, há dois anos, por suspeita de cometer
falsidade ideológica eleitoral por ter omitido bens e ter apresentado valores
diferentes sobre um mesmo imóvel em declarações de bens entregues à Justiça
Eleitoral em 2014 e em 2016.
O imóvel é uma cobertura que fica no bairro de
Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Na declaração de bens em 2014, Flávio
Bolsonaro informou que o apartamento foi comprado pelo valor total de R$ 565
mil. Dois anos depois, em 2016, o senador declarou somente R$ 423 mil.
Entretanto, outros documentos mostram que o valor total da cobertura é de R$
1,7 milhão.
Quem é Carmen Eliza?
A nova promotora da investigação do caso é amiga íntima da
defensora de Flávio Bolsonaro. Nas redes sociais, Carmen Eliza aparece em fotos
no chá de lingerie de Luciana Pires e na foto oficial do casamento da advogada,
em 2018.
No fim
de 2019, Carmen Eliza se afastou do inquérito sobre o assassinato da
vereadora Marielle Franco, depois que foi revelado que a promotora apoiou a
campanha de Jair Bolsonaro para a Presidência. Em suas redes, ela aparece
usando uma camiseta com o rosto de Jair Bolsonaro e a frase “Bolsonaro
presidente”.
Em outra postagem de 1º de janeiro de 2019, Carmen Eliza
fotografou a cerimônia de posse de Jair Bolsonaro e escreveu na legenda: “Há
anos não me sinto tão emocionada. Essa posse entra naquela lista de conquistas,
como se fosse uma vitória”.
Em outra foto, a promotora aparece abraçada com o deputado
Rodrigo Amorim (PSL-RJ), que quebrou uma placa em homenagem à vereadora
Marielle Franco. Depois da repercussão, Carmen Eliza pediu afastamento da
investigação, na época.
PROMOTORA BOLSONARISTA SE AFASTA DO CASO MARIELLE. SÓ ISSO? - 7 de nov. de 2019
Após ser desmascarada pelo site The Intercept-Brasil e por
vários ativistas digitais, a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho
“solicitou voluntariamente” na sexta-feira (1) o seu afastamento da
investigação sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e do
motorista Anderson Gomes. Há boatos, porém, de que o “pedido” foi precedido de
bate-boca entre integrantes do Ministério Público do Rio de Janeiro, que não
gostaram da sua presença na entrevista que livrou a cara do “capetão” Jair
Bolsonaro e rotulou de “mentira” o depoimento do porteiro do condomínio
Vivendas da Barra – que vazou no Jornal Nacional da TV Globo.
O programa, dirigido por Lázaro Ramos, vai ao ar no Dia da
Consciência Negra
A atriz Taís Araújo foi uma das escaladas pela TV Globo para
participar do especial “Falas Negras”, programa dirigido por Lázaro Ramos para ao
Dia da Consciência Negra, 20 de novembro. A premiada artista viverá a vereadora
Marielle Franco, assassinada em março de 2018 em um crime até hoje não
solucionado.
Em entrevista à jornalista Ana
Cláudia Guimarães, da coluna do Ancelmo do O Globo, a atriz contou que
gostaria de ter conhecido melhor a vereadora antes da execução e disse que
todos os brasileiros mereciam conhecê-la. “Eu senti vontade de ter conhecido
mais a Marielle. Me deu esse desejo de falar ‘meu Deus, por que eu não sabia
tão mais dela antes da execução?’. Eu acho que todos os brasileiros mereciam
conhecê-la mais. Ela tinha tanto a dizer e tanto a fazer…”, disse.
O programa contará com 22 atores negros interpretando
personalidades da vida real. Além de Marielle, aparecerão na tela Olaudah
Equiano, Martin Luther King, Nina Simone, Muhammad Ali e Angela Davis.
A atriz, que já recebeu o prêmio Most Influential People of
African Descent (Mipd) – concedido às personalidades afrodescendentes mais
influentes do mundo – da Organização das Nações Unidas (ONU) ao lado do esposo
Lázaro Ramos, ainda comentou sobre o racismo no Brasil durante a entrevista.
“Acho que tem uma conversa que saiu de dentro dos movimentos
e foi para as ruas. A sociedade civil está discutindo o assunto do racismo no
Brasil. O Brasil, inclusive, era tido como um país não racista, o que é uma
grande mentira. Então, eu acho que a gente tem um avanço nesse sentido, de que
a sociedade civil está discutindo o assunto. Agora, avanço propriamente dito de
qualidade de vida para a população negra, não”, declarou.
O cerco se fechou contra as fake news nesta semana. Depois
que diversas páginas e contas foram derrubadas no Facebook ligadas ao
bolsonarismo, o Ministério Público de São Paulo prendeu homens ligados ao MBL,
sendo um deles um famoso propagador de mentiras. Essa indústria de fake news,
que forneceu a base para ascensão da extrema direita no Brasil, parece estar
com os dias contados.
Na manhã de sexta-feira, a Polícia Civil prendeu dois
empresários ligados ao MBL. Eles são acusados pelo Ministério Público de
participar de um esquema de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. O
MBL nega que os empresários tenham ligação com o grupo e tenta a todo custo
descolar sua imagem dessa investigação. Mas o fato é que a polícia também
cumpriu um mandado de busca na sede do movimento e investiga empresas ligadas a
ele. Não é possível afirmar que a sede do MBL não é ligada ao MBL, não é mesmo?
Motivos para o grupo estar na mira da investigação não
faltam. Além da ligação estreita que mantém com os empresários presos, está
sendo investigada a relação financeira obscura entre o MBL e uma das empresas
da família de Renan dos Santos, um dos líderes do movimento. Há a suspeita de
que essa relação seja para a prática do crime de lavagem de dinheiro.
Segundo nota do
MP-SP, as evidências obtidas indicam que os envolvidos “construíram efetiva
blindagem patrimonial composta por um número significativo de pessoas
jurídicas, tornando o fluxo de recursos extremamente difícil de ser rastreado”.
Os procuradores afirmam que a família de Renan comprou e
abriu duas dezenas de empresas que hoje se encontram inoperantes — outro forte
indicativo de lavagem de dinheiro. Essas empresas devem juntas à União cerca de R$ 400
milhões em impostos. Uma bagatela de quase meio bilhão teria deixado de
entrar nos cofres públicos!
O Intercept teve acesso ao procedimento de
investigação criminal, que está disponível na íntegra ao final desse texto. O
MP estranha o fato do “MBL/MRL” ter se negado publicamente a “prestar contas
acerca dos valores que vêm angariando ao longo de sua existência, e que vêm
financiando a manutenção do “Movimento””. Na investigação consta também
que o juiz acatou o pedido do MP para quebrar o sigilo bancário e fiscal de
Renan Santos. Agora a estranha relação entre o MBL e a empresa da sua família
finalmente deverá ser esclarecida.
A cara de pau em negar a estreita relação do grupo com os
presos não resiste a uma googlada. Carlos Augusto de Moraes Afonso é um dos
presos que manteve uma forte parceria com o MBL. Usando o pseudônimo de Luciano
Ayan, ele ficou famoso por comandar o extinto Ceticismo Político, um site
reacionário que publicava fake news. O auge da fama foi atingido quando
ele apareceu
no Profissão Repórter para explicar uma reportagem mentirosa publicada
sobre Marielle Franco.
A manchete insinuava que a vereadora assassinada mantinha
relações com o tráfico. O que o MBL fez diante disso? Largou o parceiro ferido
na estrada e repudiou a disseminação da mentira? Claro que não. O grupo saiu em
defesa de Luciano Ayan e passou a atacar os jornalistas da Globo em suas redes
sociais. Produziram até um vídeo para
defendê-lo.
Um ex-parceiro do MBL já havia denunciado o que está sendo
investigado agora. Em carta
enviada à CPMI das Fake News, Roger Scar contou que Luciano Ayan o procurou
para assumir o Jornalivre, um site dedicado a produzir notícias com viés de
direita para o MBL. Ayan não revelava de onde vinha a grana para manter o site,
e o salário de R$ 2 mil de Roger. Dizia apenas que havia um doador anônimo por
trás.
Segundo ele, o MBL encomendava conteúdos fakes e de apoio ao
candidato Jair Bolsonaro. Foi aí que ele começou a desconfiar quem era a alma
bondosa que mantinha financeiramente seu site: “(…) a ficha começou a
cair. Na realidade, Luciano havia mentido desde o princípio sobre o suposto
apoiador do site. Quem realmente financiou o Jornalivre foi o MBL, e Luciano
não passava de um laranja, um intermediário que fazia a ponte entre eles e eu”.
O ex-editor do Jornalivre afirma que
a ideia de Ayan era “fazer precisamente o que as milícias bolsonaristas fazem
hoje, com assassinato de reputações.” Ou seja, conforme Scar, o grupo pagava
para Luciano Ayan comandar uma espécie de Gabinete do Ódio do MBL. Roger não é
o único a apontar essas relações. Há
outros ex-integrantes que as confirmam.
No texto do procedimento investigatório, consta que Ayan
ameaçou membros do MBL que questionaram as nebulosas doações recebidas através
de vaquinhas on-line e das lives no YouTube. Ayan “passou a efetuar
intimidações e ameaçar internautas que faziam menções questionadoras a estas
doações via Superchat que não possuem lastro, e cuja origem não se sabe ser
lícita ou ilícita, posto que, como referido, são feitas por meio de pagamentos
que não deixam lastro no sistema bancário (via cartão pré-pago).”
Ainda segundo a investigação, essa seria uma “nova e
peculiar” técnica de lavagem de dinheiro. As frequentes doações online de
valores relevantes não passavam pelo sistema bancário dos investigados,
“justamente de forma a proporcionar, de forma mais eficiente, a ocultação da
origem dos valores”. O MP chama essa grana de “cifras ocultas”, já que as
doações são efetuadas por cartões pré-pago e podem ser feitas em nome de qualquer
pessoa. Para os investigadores, a origem do dinheiro dessas doações é
“provavelmente ilícita”.
Infográfico presente no procedimento investigatório do MP-SP
(Imagem/Reprodução)
O MBL fazia arrecadação de dinheiro por meio de suas lives
no YouTube, e cada doação era chamada pelos integrantes de “pimba”. Alessander
Monaco, preso nesta sexta-feira (10), era um “pimbador” em série.
O deputado Kim Kataguiri, que hoje faz a egípcia tentando
escamotear sua proximidade com Ayan, o considerava um analista político de
respeito. O MBL o considerava um professor e chegou a convidá-lo para ministrar
uma aula pública em frente à sede do Facebook, onde o grupo fazia um protesto:
Hoje teremos uma aula pública com o Luciano Ayan em frente a sede do facebook em São Paulo, a partir das 19 horas. Não esqueçam de comparecer pic.twitter.com/KQqAXAr2S6
Ayan era tão próximo do movimento que chegou
a ser sócio de uma empresa junto com Pedro D’Eyrot, líder e um dos
fundadores do MBL. É esse o nível de proximidade de Ayan com lideranças
do grupo.
Alessander Monaco, o outro homem ligado ao MBL preso na
operação, é suspeito de, dentre outras coisas, realizar “doações altamente
suspeitas através da plataforma Google” — leia-se suspeita de lavagem de
dinheiro. Esses indícios circulam pelas redes desde o ano passado.
Monaco trabalhou durante
um ano como funcionário do estado de São Paulo durante a gestão de Doria, um
político que sempre foi um grande parceiro do MBL. Aliás, integrante do MBL
contratado pela gestão Doria não
chega a ser novidade.
O MBL fazia arrecadação de dinheiro por meio de suas
lives no YouTube. Cada doação era chamada pelos integrantes de “pimba”. Monaco
era um “pimbador” em série. Fazia doações com valores acima da média e era
festejado pelo grupo.
Registro de algumas das "pimbadas"de Alessander
Monaco. (Reprodução/YouTube
As doações frequentes e vultosas de Monaco viraram piada interna
entre os integrantes do MBL. Tanto que o grupo passou a apresentar suas lives
exibindo em cima da bancada um porta-retrato com uma foto em homenagem ao
doador “anônimo”. Na foto abaixo, Alessander aparece sentado à mesa em uma live
do grupo.
Foto: Reprodução/Instagram, YouTube
A impressão que ficava era a de que Monaco era só um fã do
MBL com dinheiro de sobra para gastar. Mas não é isso o que o MP acha nem o que
diz esse ex-coordenador
do grupo, Ian Madonaldo:
MBL tá dizendo que Alessander Mônaco não é do movimento? Eu tenho provas de que é sim.
A investigação afirma que “as doações efetuadas
mensalmente por ele ao MBL somavam valores muito além da sua capacidade
econômico-financeira”.
Além das “pimbadas”, o MP suspeita das 50 vezes que Monaco
foi para Brasília entre julho de 2016 e agosto de 2018. Apesar de ganhar apenas
R$ 6 mil mensais como funcionário da gestão Doria à época, ele torrou mais de
R$ 100 mil gastos com passagens. Em todas as vezes, ele foi ao Ministério da
Educação, mas nunca apresentou uma justificativa plausível. Em praticamente
todo o período em que as viagens foram feitas, o ministro da Educação era
Mendonça Filho, do DEM. É um partido que sempre esteve próximo do MBL e foi por
meio dele que o grupo elegeu três lideranças: Kim Kataguiri, Fernando Holiday e
Mamãe Falei. É mais uma história que precisa ser melhor esclarecida.
O MP identificou também um significativo aumento de
patrimônio de Monaco. Em 2017, saltou de R$ 146.196,96 para R$
465.376,92. A investigação aponta também que a Receita Federal
observou um gasto de cartão de crédito mensal médio de R$ 27.456,63 — um valor
incompatível com seu salário.
Os integrantes do MBL sugerem que estão sendo vítimas de uma
perseguição do bolsonarismo, com quem rompeu e hoje faz oposição. Pelo que
vimos acontecer no Brasil nos últimos anos, essa é algo factível. É
realmente possível que haja uma disposição em enquadrar o MBL teleguiada por
agentes bolsonaristas.
Nós conhecemos o tamanho da influência do bolsonarismo
dentro das polícias e do Ministério Público. Mas isso não significa que as
suspeitas não fazem sentido. Fazem. O MBL nunca foi transparente quanto ao
financiamento do grupo. Nunca
prestou contas aos filiados do dinheiro que arrecada por meio
das “pimbadas”. Quem faz a auditoria dessas doações? Quanto de dinheiro o
MBL arrecadou com elas? Quanto Luciano Ayan recebeu para montar o gabinete do
ódio do grupo? Ninguém sabe, nem mesmo os integrantes do grupo. A gestão
financeira do MBL é uma caixa-preta que apenas a família do Renan Santos tinha
acesso. Mas esse segredo parece estar com os dias contados.
Acesse aqui a íntegra do procedimento investigatório criminal
que o MP-SP abriu contra o MBL.