- Bolsonaro: além de Rabello, a reportagem descobriu que outros cinco assessores não tiveram registro de emissão de crachá durante o período de 2015 a 2018 (Adriano Machado/Reuters)
R$ 92,2 mil — esse foi o total que Nelson Alves Rabello,
assessor do gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), recebeu
dos cofres públicos durante os 19 meses em que foi secretário parlamentar nível
18 da Câmara dos Deputados. Quanto maior o nível do funcionário, maior o
salário, que atualmente parte de pouco mais de R$ 1 mil para até mais de R$ 15
mil, fora auxílios e vantagens indenizatórias.
O problema: durante todo esse período, Rabello não teve
registro de entrada na Câmara, segundo informação inédita que a Agência Pública
obteve via Lei de Acesso à Informação. O ex-funcionário de Jair está na listadas 95 pessoas e empresas que tiveram sigilo bancário quebrado na investigação
do Ministério Público do Rio sobre as movimentações financeiras do senador
Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
A Pública pediu à Câmara dos Deputados informações sobre o
registro de entrada de diversos assessores de Jair Bolsonaro na Câmara. Além de
Rabello, a reportagem descobriu que outros cinco assessores não tiveram
registro de emissão de crachá durante o período de 2015 a 2018, último mandato
do presidente como deputado federal.
Além destes seis nomes, a Pública já havia revelado outras
cinco assessoras nas mesmas condições. Portanto, agora são 11 os assessores de
Bolsonaro que receberam dinheiro público sem ter colocado os pés nas
dependências da Câmara.
Rabello assessorou pai e filhos em seus mandatos
Nelson Rabello é um dos assessores mais longevos da família
Bolsonaro. O primeiro registro como funcionário do atual presidente, disponível
no site da Câmara, é de 2005. À época, ele era assessor de nível 8. Durante
seis anos como secretário parlamentar, Rabello foi promovido até alcançar o
nível 26. Segundo a Folha de S. Paulo, Rabello é tenente da reserva do Exército
e teria servido junto a Jair nas Forças Armadas.
Em maio de 2011, Rabello deixou o gabinete de Jair e
trabalhou até agosto daquele ano com o filho Flávio, na Assembleia do Rio. Em
seguida, deixou o gabinete de Flávio para trabalhar com Carlos, onde ficou até
2017.
Em junho de 2017, Rabello voltou a trabalhar na Câmara com
então deputado Jair Bolsonaro. Nesse último período, apesar de ter recebido R$
92,2 mil líquidos — incluindo um auxílio-alimentação mensal de R$ 982,29 — o
funcionário não emitiu crachá de entrada no órgão.
A prática é parecida a de outros assessores de Bolsonaro:
cinco assessoras — algumas que trabalharam por mais de uma década junto a Jair
Bolsonaro — não pediram a emissão de crachás de funcionárias nem se registraram
como visitantes em nenhum momento desde 2015.
Ser funcionário de um político sem ter entrada registrada na
Câmara não é ilegal, pois os assessores parlamentares podem trabalhar nos
estados de origem dos parlamentares, contanto que cumpram sua carga horária. A
questão é que o controle é feito pelos próprios deputados e a série de casos
semelhantes na família Bolsonaro levanta suspeitas.
A Pública procurou a Câmara dos Deputados, que informou que
para acessar as dependências é
obrigatório portar crachá funcional. No caso de deputados ou ex-deputados, é
possível utilizar “botom parlamentar”.
Crachás de visitantes são expedidos apenas após apresentação
de documento de identidade e realização de registro de entrada nas portarias.
Os crachás funcionais devem ser renovados a cada nova legislatura e a Câmara
afirma não guardar registros sobre mandatos passados.
O sigilo bancário de Rabello foi quebrado no dia 24, por
autorização do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O pedido veio do
Ministério Público, que investiga as movimentações financeiras de Flávio
Bolsonaro e Fabrício Queiroz. Segundo reportagem do Poder 360, a autorização de
quebra de sigilo bancário vai de janeiro de 2007 a dezembro 2018, com quebra do
sigilo fiscal de 2008 a 2018.
Atualmente, Rabello é auxiliar de Carlos Bolsonaro na Câmara
dos Vereadores do Rio de Janeiro. O salário líquido para esse cargo é de R$ 6,6
mil. Procurado pela reportagem, Rabello não foi encontrado.
Wal do Açaí também não tinha crachá
Outra funcionária que não teve crachá emitido pela Câmara
dos Deputados foi Walderice Santos da Conceição, conhecida como “Wal do Açaí”.
Funcionária de Jair Bolsonaro desde 2003, ela foi secretária parlamentar nível
4 de 30 de dezembro de 2015 a agosto de 2018, com um salário de R$ 1,3 mil
líquidos mais auxílio-alimentação de R$ 982,29.
Nesse período, contudo, ela não emitiu registro de entrada
na Câmara, segundo informação obtida pela Pública via Lei de Acesso.
Em 2018, a Folha de S. Paulo havia revelado que Wal
trabalhava todos os dias em seu próprio negócio, o Wal Açaí, a 50 km de Angra
dos Reis. Na mesma rua do seu negócio também fica uma casa de veraneio do
presidente.
Apesar da repercussão, sete meses depois, em agosto de 2018,
a equipe da Folha encontrou Wal ainda trabalhando em seu comércio. Em conversa
com os repórteres, ela disse que o “sr. Jair” era um amigo e que se ele
escolheu pagá-la com dinheiro público, cabia apenas a ele responder.
Após a visita da equipe, Wal anunciou que iria pedir
demissão e assim o fez. Na época, Jair Bolsonaro disse que o único crime dela
foi “dar água para os cachorros”. Ela foi exonerada ainda em agosto.
Quanto às funções que Wal desempenhava, Bolsonaro se
contradisse nas duas ocasiões. Em janeiro, afirmou que Wal não cumpria funções
além das políticas e que a funcionária estava de férias na época da reportagem.
Já em agosto, o então deputado federal afirmou que Wal
cuidava dos cachorros que ele possuía na casa de veraneio. Em setembro, a Procuradoria da República do Distrito Federal abriu procedimento para
investigar o caso, sob suspeita de improbidade administrativa. O caso corre em
sigilo.
Mais quatro assessores de Bolsonaro receberam sem pisar na Câmara
Além de Rabello e Walderice, outros quatro assessores não
tiveram registro de emissão de crachá na Câmara e dois deles continuamtrabalhando para a família Bolsonaro.
Levy Alves dos Santos Barbosa, assessor nível 21 de Jair de
outubro de 2017 a janeiro de 2018, recebia R$ 8 mil líquidos, mais auxílios que
chegaram a R$ 1,5 mil em um mês.
Sem registro de entrada durante todo esse período, hoje ele
trabalha com Carlos Bolsonaro na Alerj como assessor especial — segundo o site
da Câmara do Rio de Janeiro, um assessor especial tem um salário líquido de R$
12,3 mil.
Já Alessandra Ramos Cunha teve seu primeiro posto como
assessora de Jair em 2014. No último mandato, ela recebeu salários de diversos
níveis de assessores — um deles chegando a mais de R$ 10,8 mil mensais líquidos,
mais auxílio de R$ 982,29.
Assim como Levy, Alessandra trabalha atualmente com Carlos
como oficial de gabinete, recebendo R$ 7,3 mil líquidos. De acordo com
reportagem do Metrópoles, ela doou R$ 1,5 mil para a campanha de Carlos a
vereador em 2016.
Outras duas assessoras de Jair também não emitiram crachá
durante o último mandato como deputado. Helen Cristina Gomes Vieira, que já
havia trabalhado com Jair entre 2013 e 2014, foi secretária parlamentar nível
12 entre março e dezembro de 2017.
Seu salário líquido era mais de R$ 2,2 mil, além de um
auxílio que chegou a R$ 1,8 mil. Helen é uma das assessoras de Jair que fez
doações à campanha do próprio chefe, como a Pública revelou.
Completa a lista Bianca de Almeida Santos, secretária
parlamentar entre dezembro de 2017 e dezembro de 2018. Ela recebia como nível
4, com um salário líquido de mais de R$ 2,4 mil mais auxílios de R$ 1,6 por
mês.
A Pública questionou o gabinete da Presidência da República
sobre a falta de registros dos assessores e quais atividades eles teriam
realizado, mas não tivemos retorno até a publicação. A reportagem procurou
todos os assessores citados, mas não obteve resposta.
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