O maior lobista pró-armas de Bolsonaro só não está preso graças ao pacote que Sergio Moro chamava de anticrime.
O DEPUTADO BOLSONARISTA Loester Trutis relata
ter sofrido uma emboscada em fevereiro do ano passado. Ele e seu assessor
estariam na rodovia BR-060, entre Sidrolândia e Campo Grande, em Mato Grosso do
Sul, quando o motorista de uma caminhonete emparelhou com o seu carro e disparou
uma rajada de tiros de carabina. Por milagre, nenhum dos tiros teria atingido o
deputado e seu assessor, que dirigia o carro. O deputado, que estaria
descansando no banco de trás, disse que reagiu valentemente com tiros,
colocando os criminosos para correr. Orgulhoso do seu heroísmo, escreveu no
Facebook ao lado de uma foto do seu carro alvejado: “Graças a Deus pude revidar
e aguardar a chegada da polícia. Quem achou que eu ia parar ou me calar, digo
que estamos apenas começando e sigo trabalhando”.
Trutis contou para a Polícia Federal que suspeitava que os
criminosos fossem traficantes de drogas e cigarros insatisfeitos com sua
atuação parlamentar implacável contra a bandidagem. Realmente seria um ato
heroico, digno de Hollywood, se não fosse só mais uma mentira escabrosa dita
por um político bolsonarista. Sim, Loester Trutis forjou o atentado. Pelo menos
foi isso o que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal concluíram após
meses de investigação.
Nenhuma das informações fornecidas pelo deputado batiam com
o que foi apurado pela PF, o que fez com que os policiais desconfiassem da
história. O GPS do carro indicava localizações completamente diferentes das
relatadas por Trutis. Ele também informou o modelo e o final da placa da
caminhonete, mas as câmeras de segurança da rodovia não registraram a passagem
do veículo. Com os dados fornecidos, a polícia encontrou a única caminhonete
que batia com a descrição: era de propriedade de um fazendeiro de 71 anos,
velha, com problemas mecânicos que a tornavam inútil para uma perseguição em
alta velocidade numa rodovia. Com aquela inteligência própria dos reacionários,
Trutis deu detalhes
das armas dos atiradores: “CTT, calibre .40, […] não se tratava de um
fuzil, pois o carregador era retilíneo e não curvo”. Mas a perícia indicou que
os tiros partiram de uma Glock 9mm de um atirador que estava em pé e parado. O
modelo da arma é o mesmo de uma que o deputado gostava de exibir nas redes
sociais. O exibicionismo bélico, esse fetiche do bolsonarismo, fez os
investigadores ficarem ainda mais desconfiados.
Mas qual seria a motivação de Trutis em simular um atentado?
A PF e o MPF concluíram que ele queria faturar politicamente em cima do caso. O
MPF apontou que o deputado seguiu fazendo
postagens sobre o atentado durante muito tempo, “sempre associando os fatos a
uma disputa política no Mato Grosso do Sul e exaltando o fato de que estava
armado”. A conclusão das autoridades faz todo sentido, já que a principal pauta
de Trutis na política é justamente a flexibilização do Estatuto do
Desarmamento.
Em sua casa, foram encontradas um arsenal de armas: a pistola Glock que ele adorava exibir na internet, um fuzil, um revólver calibre 357 e muita munição. Além de estarem em nome de laranjas, todas essas armas são ilegais, pois são de uso restrito. Outro agravante: o deputado estava impedido de ter armas em seu nome porque a lei exige uma ficha criminal limpa, o que definitivamente não é o seu caso. Trutis tem antecedentes criminais, que vão de violência doméstica a tentativa de estupro.
O machão foi preso em flagrante, mas ficou apenas um dia na
cadeia. A ministra Rosa Weber determinou a soltura imediata do parlamentar com base numa mudança
feita pelo pacote anticrime de Sergio Moro: a Lei 13.965, aprovada no Congresso
com o voto favorável de Trutis, mudou a pena para o flagrante de posse de arma
de uso restrito, que deixou de ser um crime inafiançável. Um sujeito como
Trutis pode agora desfrutar da liberdade graças às medidas de Moro e Bolsonaro.
É irônico que o pacote seja chamado de anticrime.
Loester Trutis é um legítimo representante do jeito novo de
fazer política consagrado pelo bolsonarismo. Até pouco tempo antes de se
candidatar pela primeira vez em 2018 e ser eleito na onda reacionária que tomou
conta do país, Trutis era um cidadão comum, proprietário de lanchonete e
militante reacionário na internet. Atacava comunistas e xingava jornalistas, a
quem costuma
chamar de “maconheiros”. Ficou famoso nas redes sociais por vender em sua
lanchonete o Bolso
Burger, The Trump Burger e o Geisel Burger, uma homenagem aos extremistas
de direita.
Durante a eleição, apresentou-se como um cidadão de bem que
luta em defesa da família e pelo direito de andar armado. O seu jingle de campanha
era uma paródia da música tema do filme Tropa de Elite: “chegou o Tio Trutis,
osso duro de roer. Malandro e maconheiro ele vai mandar prender”. A letra da
música também exaltava a Polícia Federal, a mesma que hoje ele acusa de
manipular as investigações do seu atentado falso.
Apesar de neófito na política, o deputado é da linha de
frente da bancada da bala. “Tio Trutis”, como é conhecido, é o idealizador da
segunda bancada da bala, criada para defender a facilitação da compra, posse e
porte de armas de fogo. Inclusive, ele usou o fato de presidir a bancada
para justificar
seu arsenal de armas ilegais: “Sim, foram encontradas várias armas na minha
casa, pois sou o presidente da Frente Parlamentar Armamentista, presidente do
Instituto Brasileiro da Cultura Armamentista. Porra, vocês queriam que achassem
o que na minha casa?”.
A Frente
Parlamentar Armamentista nasceu da iniciativa de Trutis, que logo no
começo do mandato recolheu assinaturas para a sua criação. O lobby para a
indústria de armas é descarado. Trutis e outros quatro deputados do PSL,
integrantes da nova frente, foram até o Rio Grande do Sul para visitar a fábrica da Taurus, líder do mercado
nacional. A Taurus fabrica mais de 1 milhão de pistolas, fuzis,
submetralhadoras e revólveres por ano. A viagem dos deputados foi bancada pela
Associação Nacional de Indústria de Armas e Munições (Aniam), da qual a Taurus
é filiada.
Graças ao desfiguramento do Estatuto do Desarmamento,
resultado desse lobby bolsonarista, nunca circularam tantas armas no país.
Durante o governo Bolsonaro, a
importação de revólveres e pistolas é maior que nos governos Lula,
Dilma e Temer somados. Em dois anos, foram importadas mais armas do que nos 16
anos anteriores. Em 2020, houve uma alta de importação de 94% em relação ao ano
anterior, e a expectativa para 2021 é ainda maior. A explosão de registro de
novas armas no último ano aconteceu em
meio à alta no número de homicídios.
Negar a relação do aumento de homicídios com o aumento de
pessoas armadas é negar a ciência. Estudos do Mapa da Violência calculam que
o Estatuto do Desarmamento foi responsável por salvar mais de 160 mil vidas
entre 2003 e 2015. A relação direta entre o aumento do número de armas e o de
homicídios não está em debate entre os especialistas. Trata-se de um consenso
científico. O esquartejamento do estatuto, sustentado pela falsa ideia de
que cidadãos armados estão mais protegidos, favoreceu a criminalidade.
Estudos mostram que
entre 30% e 40% das armas apreendidas pela polícia com criminosos foram
compradas legalmente por pessoas não envolvidas em crimes. As milícias
agradecem. Afirmar que há mais segurança com cidadãos mais armados é mais um
negacionismo assassino — algo que a pandemia mostrou ser um traço fundamental
do bolsonarismo.
Durante a campanha para a presidência da Câmara, Arthur Lira
foi a Campo Grande para costurar apoios com a bancada sul mato-grossense. Entre
os deputados presentes estava Trutis que, apesar de parte do seu partido ter
orientado o voto em Baleia Rossi, se rebelou para
atender um “pedido do Planalto”. Na verdade, ter aderido ao bloco vencedor
pode ajudá-lo a garantir a manutenção do mandato em um provável processo no
Conselho de Ética por conta do falso atentado.
Loester Trutis personifica o bolsonarismo na sua mais pura
essência. É um negacionista sem freio, capaz de simular um atentado apenas para
conquistar dividendos políticos e eleitorais. As mamadeiras de piroca
fabricadas durante a campanha são brincadeira de criança perto do que o fetiche
bélico bolsonarista pode fabricar. A bancada da bala nunca esteve tão poderosa
e vem crescendo com base em falácias rejeitadas por todos os especialistas em
segurança pública. As mentiras do bolsonarismo seguem matando.
SBT MS
Durante operação que investiga suposto atentado contra o
Deputado Federal Tio Trutis, o parlamentar foi detido hoje (12) pela manhã por
posse ilegal de arma de fogo. Ele continua na Superintendência da Polícia
Federal de Campo Grande.
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— The Intercept Brasil (@TheInterceptBr) February 14, 2021