Na ação, o MPF relaciona várias ações de Ricardo Salles à
frente do Ministério do Meio Ambiente que favoreceriam a desestruturação da
política ambiental no Brasil
Por André Shalders - @andreshalders
Da BBC News Brasil em Brasília
Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) pediram
nesta segunda-feira (6) o afastamento de Ricardo Salles do posto de ministro do
Meio Ambiente. Para os procuradores, Salles age com a intenção de desmontar a
proteção ao meio ambiente no país, incorrendo no ato de improbidade
administrativa.
Como se trata de ação de improbidade administrativa, o
processo correrá na 1ª Instância da Justiça Federal, em Brasília — o caso só
iria para o Supremo Tribunal Federal (STF) se fosse um processo criminal. A
ação (aqui, na íntegra) é movida por procuradores do Distrito Federal e também
por integrantes da Força-Tarefa Amazônia do MPF.
À BBC News Brasil, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) disse
que a ação dos procuradores é baseada em "evidente viés
político-ideológico" e que se trata de uma "clara tentativa de
interferir em políticas públicas do Governo Federal".
A pasta também disse que a ação não traz acusações novas —
apenas casos que já teriam sido rejeitados pela Justiça.
"As alegações são um apanhado de diversos outros
processos já apreciados e negados pelo Poder Judiciário, uma vez que seus
argumentos são improcedentes", diz o MMA, em nota.
Na ação, o MPF relaciona várias ações de Ricardo Salles à
frente do Ministério do Meio Ambiente que favoreceriam a desestruturação da
política ambiental no Brasil.
Esses atos estão agrupados em quatro categorias:
desestruturação normativa (quando decisões assinadas por Salles teriam
contribuído para enfraquecer o arcabouço de leis ambientais); desestruturação
dos órgãos de transparência e participação (como no episódio do esvaziamento de
conselhos consultivos); desestruturação orçamentária; e desestruturação
fiscalizatória, que diz respeito ao desmonte de órgãos de fiscalização
ambiental, como o Ibama e o ICMBio.
A ação traz ainda um pedido cautelar de afastamento de
Salles, isto é, que possa ser atendido pela Justiça antes mesmo do julgamento
do mérito do caso. Para os procuradores, a permanência de Salles no cargo pode
trazer consequências irreparáveis para o meio ambiente.
A ação tem 126 páginas e é assinada por 12 procuradores. No
texto, os profissionais pedem ainda que Salles perca os direitos políticos
durante cinco anos, além de ter de ressarcir danos e pagar multa. Também pedem
que ele fique proibido de celebrar contratos com o poder público.
"A permanência do requerido Ricardo de Aquinno Salles
no cargo de Ministro do Meio Ambiente tem trazido, a cada dia, consequências
trágicas à proteção ambiental, especialmente pelo alarmante aumento do
desmatamento, sobretudo na Floresta Amazônica", escreveram os
procuradores.
"Caso não haja o cautelar afastamento do requerido do
cargo de Ministro do Meio Ambiente o aumento exponencial e alarmante do
desmatamento da Amazônia, consequência direta do desmonte deliberado de
políticas públicas voltadas à proteção do meio ambiente, pode levar a Floresta
Amazônica a um ― ponto de não retorno, situação na qual a floresta não consegue
mais se regenerar", diz o texto.
Intenção de destruir
Segundo os procuradores, os atos de Ricardo Salles à frente
do Ministério tinham a finalidade explícita de fragilizar a ação do Estado
brasileiro na proteção ao meio ambiente.
"É possível identificar, nas medidas adotadas, o
alinhamento a um conjunto de atos que atendem, sem qualquer justificativa, a
uma lógica totalmente contrária ao dever estatal de implementação dos direitos
ambientais, o que se faz bastante explícito, por exemplo, na exoneração de
servidores logo após uma fiscalização ambiental bem sucedida em um dos pontos
críticos do desmatamento na Amazônia Legal".
Procuradores também citam falta de eficácia dos gastos
públicos com as operações de fiscalização na Amazônia
A referência é à exoneração de três coordenadores de
fiscalização do Ibama, em abril de 2020, após operações bem sucedidas em terras
indígenas no município de Altamira (PA). Nas operações, em março, foram
destruídas em torno de 100 máquinas e equipamentos usados para o desmatamento.
O fato de os coordenadores terem perdido o cargo configura a intenção de
retaliá-los, na visão dos procuradores.
Os procuradores também citam o fato de que, sob Ricardo
Salles, o país teve um aumento da taxa de desmatamento e dos focos de
queimadas, ao mesmo tempo em que o número de multas por crimes ambientais foi o
menor dos últimos 20 anos, em 2019.
Em outro ponto, o MPF cita a falta de eficácia dos gastos
públicos com as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), envolvendo as
Forças Armadas, para combater o desmatamento e as queimadas na Amazônia.
Em dois meses, a operação Verde Brasil (de 2019) custou mais
de R$ 124 milhões ― cerca de R$ 14 milhões a mais que todo o orçamento do Ibama
para operações de fiscalização no ano passado. Ao reduzir o orçamento para a
área ambiental, Salles acabou provocando gastos ainda maiores aos cofres
públicos com a necessidade da GLO.
"Ressalte-se que tal operação se deu apenas quando a
situação das queimadas na região amazônica tomou proporções desmedidas e o fogo
ganhou repercussão negativa internacional. Como elas ocorrem no período de seca
amazônica, que começa em julho e vai até novembro de todo ano, a
desproporcionalidade das queimadas ocorridas em 2019 era consequência
previsível e evitável por meio da efetivação escorreita da política
ambiental", diz o texto.
'Passar boiada'
Na ação, os procuradores dizem ainda que o caráter
intencional das ações de Ricardo Salles ficou claro com a divulgação da
gravação da reunião ministerial de 22 de abril.
O vídeo do encontro, ocorrido no Palácio do Planalto, foi
divulgado por ordem do ministro Celso de Mello, do STF. A decisão foi tomada em
um inquérito que trata da suposta interferência de Jair Bolsonaro (sem partido)
na Polícia Federal.
No encontro, Salles diz que a pandemia do novo coronavírus é
uma "oportunidade" para modificar as normas que infralegais que regem
a proteção ambiental no Brasil.
"As declarações (na reunião) apenas expõem, de forma
clara, o que diversos atos já confirmavam: existe um verdadeiro encadeamento
premeditado de atuar contrário à proteção ambiental, caracterizando o dolo,
elemento subjetivo dos atos de improbidade", diz o texto.
"Analisando os fatos concretos, desde o início de sua
gestão à frente do MMA, o ministro tem adotado inúmeras iniciativas em
flagrante violação ao dever de tutela do meio ambiente, como a desconsideração
de normas, critérios científicos e técnicos, em desrespeito aos princípios
ambientais da precaução, da prevenção e da vedação do retrocesso",
escreveram os procuradores.
MPF pede afastamento do sinistro Motosserra! Acatou várias representações e os argumentos da Carta dos ex ministros do Meio Ambiente. MPF demonstra que Salles desmontou Fundo Amazônia (que criamos em 2008), desarticulou IBAMA+ICMBIO: duplicou desmatamento.https://t.co/fBjjCi5IMJ— Carlos Minc (@minc_rj) July 6, 2020
Nossa natureza é de luta e, para seguirmos nela, precisamos de democracia. Se o governo federal atua de forma antidemocrática e antiambiental, em contrapartida existe um grande movimento de resistência a todo e qualquer retrocesso. #BrasilPelaDemocracia https://t.co/dzRp9y82pQ pic.twitter.com/x4kM78u1m8— Greenpeace Brasil (@GreenpeaceBR) July 6, 2020
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