O exército virtual – e camuflado – de Bolsonaro
VEJA - Por trás das hashtags pró-governo que bombam no Twitter, há
inúmeras contas automatizadas prontas para atacar adversários e burlar
detectores
Aos olhos do visitante virtual, Mariângela é uma mulher de
meia-idade, provavelmente avó de uma garotinha loira. Ambas sorriem para a foto
estampada no Twitter de Mariângela, que se define como “conservadora de
direita” e “patriota” em busca de “um Brasil melhor e sem comunismo”. No fecho
do manifesto, “deus (em minúscula) acima de todos”. Não há fotos pessoais, nem
localização, nem dados específicos sobre a tal senhora, mas causa espanto sua
dedicação à rede social: entre os dias 24 e 25 de março, ela cravou nada menos
do que 225 tuítes, a maioria de madrugada, em alguns momentos com menos de 10
segundos de intervalo entre as postagens. Uma verdadeira máquina de tuitar.
Em um prazo um pouco mais largo, entre os dias 21 e 29 de
março, a fúria digitadora de dona Mariângela seguiu forte e ela foi responsável
pela maior quantidade de posts contendo as hashtags de apoio ao presidente Jair
Bolsonaro que chegaram aos assuntos mais comentados nas redes no período:
#aimprensamente, a campeã, mencionada mais de 27,7 mil vezes no Twitter,
seguida por #bolsonarotemrazao e #somostodosallan (em referência ao ativista
Allan dos Santos, do site Terça Livre), respectivamente com 12,4 mil e 10,3 mil
menções. Depois de passar incólume por vários “exames” virtuais, na última
semana determinou-se que Mariângela é literalmente uma máquina: o nome virtual
@mariang69423516 foi classificado como robô pelo Botometer, um detector de bots
desenvolvido pela Universidade do Indiana.
Ao todo, cerca de 30.000 perfis foram responsáveis pela
propagação destas e outras dezessete hashtags bolsonaristas naqueles nove dias
de março, de acordo com um levantamento realizado pelo NetLab, da Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), a pedido de
VEJA. Destes, cerca de 4.900 foram claramente identificados como robôs pelo
Botometer, mas na estimativa dos pesquisadores esta é só a ponta do iceberg.
Por exemplo: dos vinte perfis “campeões” em postagens pró-Bolsonaro no período
analisado, a ferramenta detectou seis falsos, mas outros nove apresentaram um
comportamento típico de contas automatizadas: publicaram dezenas de tuítes
sobre o mesmo assunto em poucas horas e em seguida ou silenciaram ou reduziram
drasticamente o número de postagens. “As ferramentas disponíveis para detecção
de bots levam em conta fatores como o nível de personalização da conta,
linguagem, número de amigos e seguidores. Os robôs, entretanto, estão
aprendendo a imitar o comportamento humano nas redes, tornando ainda mais
difícil sua identificação”, explica o especialista Fernando Ferreira, diretor
da Twist, empresa de ciência de dados. A estimativa dos analistas é que o
número de perfis automatizados atuantes nestas campanhas seja pelo menos o
dobro do que já foi identificado.
Os pesquisadores também analisaram os 60.000 retuítes feitos
pelos usuários analisados e perceberam indícios de robotização nessa rede de
compartilhamentos. “Ela é pouco densa, o que é incomum. Alguns ‘nós’ mais fortes
geralmente representam influenciadores reais. Mas a maioria dos perfis de apoio
não segue um ao outro. É como se essa gente toda gostasse das mesmas coisas,
mas ninguém se conhecesse ou se conectasse de alguma forma, um comportamento
que vai contra a própria arquitetura da internet, feita para conectar pessoas
com interesses em comum”, explica a professora Marie Santini, diretora do
NetLab/UFRJ. Redes dessa natureza, segundo a especialista, só se mantêm com
alto grau de automatização.
Além disso, chama atenção o fato de os perfis mecanizados
atuarem intensamente nas primeiras horas após o começo de alguma “polêmica”, de
forma a garantir que o assunto chegue em poucos minutos ao topo do Twitter. O
@Vnia60277636, segundo perfil com maior número de mensagens de apoio ao
presidente no período analisado, tinha acabado de ser criado, no mesmo mês de
março, e já havia publicado 11.400 tuítes até o final do levantamento. Na
última semana, foram 5.000. Detalhe: “Vânia” está entre os perfis que escaparam
da varredura do Botometer. Outra característica é o curto tempo de “vida” dos
usuários – ao longo das três semanas de levantamento, 620 contas foram
deletadas.
Militarismo virtual
Desde sua posse, em 1º de janeiro, o presidente Jair
Bolsonaro ganhou 4,2 milhões de seguidores em seus perfis oficiais no Facebook,
Instagram e Twitter. Nesse período, produziu 791 tuítes, compartilhados mais de
3,8 milhões de vezes. De acordo com um levantamento feito pela consultoria
Bites, entre as dez hashtags mais utilizadas sobre o presidente nesses quase
100 dias de governo, cinco são de natureza positiva. A recordista em menções é
#bolsonarotemrazao, com 602 mil tweets, criada em função da polêmica do
Carnaval.
Automatizada ou não, fato é que a rede de apoiadores de
Bolsonaro on-line é consolidada, disciplinada e rápida na sua capacidade de
reação, segundo a avaliação de Manoel Fernandes, diretor da Bites. “As redes
bolsonaristas obedecem a uma lógica militar: sua função é proteger apoiadores
do presidente e atacar seus adversários, a partir do comando de polos
emissores”, explica o especialista, que cita como exemplo o caso da exoneração
do coronel Ricardo Wagner Roquetti, ex-secretário executivo do MEC. “O público
pode não ter ideia de quem seja o sujeito. Mas se os principais influenciadores
o identificam como inimigo, seu exército on-line interpreta como uma tarefa e
ataca imediatamente”, acrescenta.
DENUNCIA GRAVE: GRUPOS DE BOSONARO CRIADOS POR ROBÔS NOS EUA
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