“Aqueles que têm o poder de destruir a vida não nos escutam [...] ainda que representemos a grande maioria”, declarou Gustavo Petro durante discurso na ONU
O mundo está à beira do desastre, mas ninguém assume a
responsabilidade por isso, pareceu ser a conclusão do primeiro dia do chamado
“debate geral” da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.
Talvez por isso, o secretário-geral, António
Guterres, condenou o que chamou de “impunidade” global, ao abrir, nesta
terça-feira (24), a sessão inicial do debate geral, junto com “a desigualdade”
e “a incerteza”, um trio que está levando a civilização à beira de desastres, e
essa rota é insustentável. “Estamos nos aproximando do inimaginável, um barril
de pólvora que está envolvendo o mundo inteiro”, advertiu Guterres, e assinalou
que as guerras, a mudança climática e a desigualdade estão
piores do que nunca. Ao mesmo tempo, convidou aos participantes: “os desafios
que enfrentamos podem ser resolvidos”.
Incapaz de impedir guerras e dar basta ao genocídio palestino, seria o fim da ONU? |
Ele ressaltou a impunidade, onde “as violações e abusos
ameaçam o próprio alicerce do direito
internacional e da Carta da ONU”. Acrescentou que “o nível de impunidade no mundo
é politicamente indefensável e moralmente intolerável”, onde governos acreditam
que podem violar as convenções internacionais e a Carta da ONU, “invadir outro
país ou destruir sociedades inteiras” sem consequências. Assinalou os casos
da Ucrânia e
de Gaza,
aos quais chamou “um pesadelo sem fim que ameaça levar toda uma região”;
condenou os atos do Hamas, mas afirmou que “nada pode justificar
o castigo coletivo do povo palestino”, que incluiu
também a morte de mais de 200 funcionários da ONU.
Guterres detalhou as injustiças da desigualdade econômica e
também da mudança climática, insistindo que a única solução é multilateral e
urgente. E que não há muito tempo.
Lula na ONU
O desfile anual de mandatários e altos representantes dos
193 países membros começou, por tradição, com o presidente do Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva, uma das vozes mais poderosas
do Sul
Global, elevou o alerta sobre o rumo atual do planeta.
Lula falou sobre os esforços do
Brasil para impulsionar um acordo para frear as guerras em Gaza e na
Ucrânia, e advertiu que esses conflitos demonstram o fracasso da comunidade
internacional.
Da mesma forma, deplorou um sistema econômico internacional
que se “converteu em um Plano Marshall ao
contrário, onde os mais pobres financiam os mais ricos”. Os mais ricos,
afirmou, duplicaram suas fortunas e pagam menos impostos que os pobres,
proporcionalmente 60% da humanidade é agora mais pobre — ante o qual o Brasil
está promovendo uma proposta para estabelecer normas
mínimas de impostos globais.
Outras vozes do Sul Global
O presidente da Colômbia, Gustavo
Petro, acusou, com um discurso lírico, que nesse fórum da ONU “aqueles que
têm o poder de destruir a vida não nos escutam”, [não escutam] os que não
têm armas de destruição em massa ou grande quantidade de
dinheiro, “ainda que representemos a grande maioria”.
Ele advertiu ainda que “a floresta amazônica está queimando” e isso implica o fim
do mundo. Acusou que, “quando Gaza morrer, toda a humanidade morrerá”, pois as
crianças palestinas “são o povo escolhido de Deus”. O que ele chamou de “oligarquia
mundial” da mudança climática, das guerras, das punições econômicas contra
países desobedientes como Cuba, e concluiu que a pergunta agora para o mundo é: a
vida ou a ganância? Indicou que chegou a hora de pôr fim à oligarquia mundial e
substituí-la por uma democracia dos povos. Que já não se precisa ouvir os Biden, Xi, Putin e
os europeus, mas sim os povos.
“Todos no mundo estão menos seguros” após ataque terrorista no Líbano, alerta Snowden |
Cyril Ramaphosa, da África do Sul, abriu seu discurso
condenando a guerra de Israel em Gaza e destacou que seu país realizou
uma denúncia por genocídio à Corte Internacional de Justiça contra
Tel Aviv, com as obrigações do direito internacional, “o qual não pode ser
aplicado de forma seletiva”.
O último discurso de Biden
Em seu último ato formal ante a comunidade mundial, o
presidente Joe Biden ilustrou a incongruência que define essa
conjuntura mundial, apresentando-se como líder da paz e da cooperação, enquanto
justificou a cumplicidade de seu governo com as guerras em Gaza e na Ucrânia.
“As coisas podem, sim, melhorar”, afirmou, e ofereceu como exemplo histórico o
fato de que os Estados Unidos e o Vietnã agora
são parceiros, insistindo que, apesar dos grandes desafios, é preciso manter o
otimismo.
“A guerra de Putin fracassou” e “não podemos desistir até
que a Ucrânia vença esta guerra… não deixaremos de apoiar a Ucrânia”, afirmou
ele, ignorando o consenso dos especialistas de que essa guerra não é vencível.
Ele mencionou a América Latina apenas uma vez, usando o caso da Venezuela para
ilustrar como seu país deve ser o campeão da democracia. Falou sobre como
enfrentar a China no
Pacífico, assegurando que os blocos não são contra nenhum país, quando é óbvio
que são contra Pequim.
EUA, polícia do mundo: na ONU, Biden aposta em velho discurso recheado de cinismo |
Em relação a Gaza, condenou novamente
o ataque do Hamas de 7 de outubro, reconheceu que “inocentes também estão
enfrentando o inferno” em Gaza e apelou às partes a aceitarem um acordo e “pôr
fim a essa guerra”. Disse que têm buscado prevenir a ampliação da guerra e
acusou o Hezbollah pelos
ataques mais recentes. “Estamos trabalhando incansavelmente” para conter esse
conflito. Biden incansavelmente repete essa frase há quase um ano, enquanto seu
governo continua fornecendo bombas e outras munições a Israel para
o que uma maioria da Assembleia Geral considera um “possível” genocídio, algo
que grande parte de seu público hoje criticou.
Assembleia vai até o dia 30
O debate geral continuará durante toda esta semana e até 30
de setembro. Estão na lista vários dos envolvidos nos conflitos que desafiam o
mandato da ONU de promover a paz. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin
Netanyahu, está programado para esta quinta-feira (26), pouco depois de o
presidente palestino, Mahmoud Abbas, subir ao pódio. O presidente
ucraniano, Volodymir Zelensky, teve sua vez nesta quarta-feira (25),
mas na segunda também tinha um encontro numa sessão do Conselho de Segurança.
Muitos se referiram ao surgimento da inteligência artificial
(IA) e como isso mudará quase tudo, e, portanto, é
necessário um manejo “responsável” dessa nova ferramenta pela comunidade
internacional. Mas, se o passado serve de guia para o manejo desses líderes
políticos do mundo atual, vale questionar se existe a inteligência natural
coletiva para alcançar esse e os outros grandiosos objetivos que foram
mencionados aqui.
La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos
reservados.
As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
David Brooks
Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason
Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee
On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança
social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o
maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
Fonte: Diálogos do Sul Global
Gustavo Petro
79ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas
Lula
A solidariedade ao povo palestino nos une, presidente
Mahmoud Abbas.
A solidariedade ao povo palestino nos une, presidente Mahmoud Abbas. 🎥 Ricardo Stuckert
— Lula (@lula.com.br) September 26, 2024 at 1:44 PM
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ONU Info
#Gaza
: O Secretário-Geral da ONU @antonioguterres
insta o Conselho de Segurança a se unir para apoiar um cessar-fogo imediato que
conduza a uma solução viável de dois Estados
#Gaza : le Secrétaire général de l'ONU @antonioguterres exhorte le Conseil de sécurité à s’unir pour soutenir un cessez-le-feu immédiat menant à une solution viable à deux États pic.twitter.com/p7tYQnHqpR
— ONU Info (@ONUinfo) September 27, 2024
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