Em congresso científico, especialistas alertam que o país
pode voltar a ocupar a liderança de mortes por covid-19 no mundo, posto que
ocupou por 14 semanas
São Paulo – O atual estágio e as projeções para o cenário da
pandemia de covid-19 no Brasil, frente à insistência do governo de Jair
Bolsonaro em tratar a crise sanitária como “gripezinha”, além dos caminhos e
desafios impostos ao SUS. Estes foram os temas principais de um debate virtual
que compôs o Primeiro Congresso Científico da Faculdade Integrada Cete (FIC),
realizado na noite desta quinta-feira (26). Para o pesquisador da Fundação
Oswaldo Cruz Amazonas (Fiocruz) Jesem Orellana, o doutor em Saúde Pública
Francisco de Assis Santos e a doutora em biomedicina Ana Catarina Rezende, as
grandes cidades do país já enfrentam “a retomada do crescimento do novo
coronavírus”, a anunciada segunda onda, sem terem saído completamente da
primeira, iniciada em março passado.
Nas últimas 24 horas, foram 514 mortes e 34.130 novos
infectados, totalizando 6.238.350 desde o início da pandemia, com praticamente
172 mil mortos por covid-19 (171.974 óbitos), segundo informa hoje (27) o
Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).
A média móvel de contágio em sete dias, calculada pelo órgão, na casa dos 34
mil, é a maior desde o início de setembro.
Durante o debate “Quais as Possibilidades e Caminhos do SUS
com a Covid-19”, foi lembrado que o Brasil é o segundo país com mais mortes
pela covid-19 no mundo, mais uma entre todas as informações sobre a doença desdenhadas
pelo presidente Jair Bolsonaro desde o primeiro dia de pandemia. Ontem mesmo,
Bolsonaro disse que nunca chamou a covid-19 de “gripezinha”. Mentiu. Disse
abertamente, e muito mais, inclusive em discurso em rede nacional no dia 24 de março.
Descaso
Os especialistas citaram também que o Brasil é o país que
permaneceu por mais tempo no topo da curva epidemiológica, mais de 14 semanas
consecutivas, até que os números entrassem em um platô de estabilidade e
ligeira regressão, ainda que em níveis elevados, no número diário de vítimas,
especialmente a partir de outubro. E, a partir daí, viu-se a flexibilização
acelerada das medidas de distanciamento e isolamento social.
O resultado do descaso e da falta de coordenação do governo
Bolsonaro no enfrentamento da covid-19 aponta para o desastre. Outros países
que adotaram medidas indicadas pela ciência, como isolamento social, testagem
em massa e rastreio de contágios, conseguiram superar uma primeira onda de
impacto da pandemia. Agora, mais preparados, enfrentam uma segunda onda. Já o
Brasil não adotou políticas que cumprissem devidamente as medidas recomendadas
e sequer conseguiu sair da primeira onda.
Jesem, que adiantou com grande antecedência a “segunda onda” da covid-19 no
Brasil, abriu a conversa. “Estamos vivendo uma segunda onda de contágios em
muitas regiões da Europa e algumas no Brasil. Mas veja, a grande maioria das
cidades e regiões mais densas do Brasil não conseguiram sair da primeira onda.
Mas agora enfrentam a continuidade, o recrudescimento, a retomada do
crescimento do novo coronavírus”, explicou.
O mundo tem mais de 60 milhões de contaminados, a partir de
números oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e pouco menos de 1,5
milhão de mortos. Jesem estima que o número chegue a 2 milhões em até oito
meses. Novembro foi um mês que contou com os dias com mais mortes no mundo
(mais de 12 mil), o que mostra como o vírus ainda tem força. No Brasil não é
diferente. “A pandemia está espalhada por mais de 220 países em que se tem
registro. O Brasil agora segue a escalada”.
Tragédia
Grande preocupação entre os especialistas no debate, o
Brasil é um dos que menos testa a população para a covid-19. Mais que isso, por
falta de organização do Ministério da Saúde, o país está prestes a jogar no
lixo milhões de reais e de kits para a realização de testes, que estão perto do
fim do prazo de validade, mas não foram aplicados pelo governo.
A ausência de testes reflete na alta em número de casos de
Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag), muitas delas possivelmente causadas
pelo novo coronavírus, mas à espera de testagem para comprovar o diagnóstico.
Assim, o número real de mortes por covid-19 seguramente é maior que o
oficialmente divulgado. “Temos um aumento sustentável há pelo menos seis
semanas no número de casos de Srag. São 21 estados com tendência de aumento no
curto e longo prazo; doze capitais com sinal de crescimento no longo prazo. É
especialmente preocupante em um momento de relaxamento generalizado da
população, da descrença de setores políticos e empresariais, com a covid-19”,
lamenta o cientista.
Cenários para a covid no Brasil
O isolamento social foi amplamente descartado na maior parte
do país, embora algumas cidades comecem a retomar parte das medidas. O contexto
das eleições, de acordo com Jesem, também impacta negativamente na disseminação
do vírus. Outros fatores ainda devem ampliar a tragédia. “Isso pode ainda ser
agravado pelas festas de fim de ano, compras de natal etc”.
Para Francisco Santos, que atua como especialista do Sistema
Único de Saúde na cidade de Caruaru (PE), a ação do SUS é o caminho para
mitigar os piores efeitos da covid-19 no Brasil. O trabalho vem sendo feito de
forma árdua, defende, mas a ausência de coordenação nacional também impacta
negativamente nos resultados. “Enfrentamos dificuldades, como por exemplo com
as barreiras de isolamento. Quando, em Pernambuco, decidimos impor barreiras, a
Anvisa teve uma decisão de que não poderíamos barrar a circulação de pessoas em
rodovias federais”, lembrou.
“Fomos impedidos de fazer qualquer grande bloqueio no
começo. Depois as pessoas entenderam de outra maneira. Mas não tivemos apoio
(…) Agora temos uma chance de termos uma maior força da primeira onda. Não vou
dizer segunda porque não terminamos a primeira. No Brasil temos a onda mais
sustentada do mundo. Então, precisamos de diálogo e informação. Acho que neste
ano teremos uma vacina para dar um alento. Não imediata, mas estou
esperançoso”, completou.
Ana Catarina demonstrou aspectos técnicos de métodos e
protocolos para tratamentos eficazes dos pacientes com covid-19, que devem ser
trabalhados posteriormente oelo SUS. “Queremos entregar prognósticos para a
sociedade através de caminhos interdisciplinares. Nossa questão principal é o
que leva à evolução do (quadro clínico do) paciente da covid-19. Existe um
leque de técnicas que pode dar um prognóstico para salvá-lo.”
Fonte: RBA