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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

EXCLUSIVO: os áudios que desmentem o presidente



Via: Veja

Nos bastidores da crise que resultou na demissão de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência da República, houve uma intensa troca de mensagens escritas e de áudio, todas via WhatsApp, entre o presidente Jair Bolsonaro e o agora ex-ministro. Nelas, os dois trocam farpas, acusações e se desentendem sobre quase tudo. Desde o início da conversa, o estado de ânimo de cada um é diferente: Bolsonaro mostra-se irritado e impaciente, enquanto Bebianno tenta pacificar as coisas.

A relação entre eles estava estremecida desde que o jornal Folha de S. Paulo revelou um esquema de candidaturas laranjas do PSL, partido de Bolsonaro que foi presidido por Bebianno no ano passado. Mas o filho do presidente, Carlos, nunca teve simpatia por Bebianno, a quem atribui o fato de não ter conseguido controlar a área de comunicação do governo. Sabe-se que Carlos não fazia nenhuma questão de esconder do pai sua animosidade com o ministro.

A crise agravou-se na quarta-feira 13, quando o jornal O Globo trouxe uma declaração de Bebianno negando qualquer crise no governo e dizendo que, no dia anterior, havia falado com o presidente “três vezes”.

Carlos aproveitou a oportunidade para detonar Bebianno. Postou um tuíte dizendo que era “mentira absoluta” que Bebianno tivesse falado com seu pai.

O tuíte de Carlos foi compartilhado pelo presidente. Na noite da mesma quarta-feira, Bolsonaro deu entrevista à TV Record em que afirmou que era mesmo mentira que Bebianno tivesse falado com ele.

Os áudios a que VEJA teve acesso provam que, se alguém mentiu no episódio, foram o presidente e o filho. Bebianno, como se pode constatar nas gravações a seguir, falou com o presidente por meio de mensagens escritas e pelo menos treze mensagens de áudio. Confira:

A GLOBO É “INIMIGA”


Na terça-feira 12, o presidente Bolsonaro encaminhou a Bebianno uma mensagem contendo a agenda do ministro. Nela, constava que Bebianno receberia na terça-feira, às 16h, o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo. Ao receber mensagem do presidente, a quem trata apenas por “capitão”, Bebianno respondeu de imediato: “Algo contra, capitão?”.

Depois de insistir com algumas mensagens por escrito, Bebianno recebeu o seguinte áudio do presidente em que ele declara que a Globo é uma inimiga do governo e que, ao fazer contatos com a emissora, o colocaria em posição delicada com “as outras emissoras”:



Bolsonaro – “Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós estamos se aproximando da Globo. Então não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora… Inimigo passivo, sim. Agora… Trazer o inimigo para dentro de casa é outra história. Pô, cê tem que ter essa visão, pelo amor de Deus, cara. Fica complicado a gente ter um relacionamento legal dessa forma porque cê tá trazendo o maior cara que me ferrou – antes, durante, agora e após a campanha – para dentro de casa. Me desculpa. Como presidente da República: cancela, não quero esse cara aí dentro, ponto final. Um abraço aí.”

OS MINISTROS ESTÃO CHATEADOS


Em outro momento da troca de mensagens, Bebianno envia ao presidente uma nota publicada pelo site O Antagonista. A nota informa que Bebianno e mais dois ministros – Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos – viajariam para o Pará para discutir projetos para a Amazônia com líderes locais. Bolsonaro, ainda convalescendo no hospital, não gosta da ideia e reclama com o ministro:



Bolsonaro – “Gustavo, uma pergunta: “Jair Bolsonaro decidiu enviar para a Amazônia”? Não tô entendendo. Quem tá patrocinando essa ida para a Amazônia? Quem tá sendo o cabeça dessa viagem à Amazônia? Um abraço aí, Gustavo, até mais.”

Depois desse áudio, o presidente, aparentemente, conversa com os outros dois ministros, Salles e Damares, e os dois se mostraram incomodados com a tal viagem. Bolsonaro, por sua vez, mostra seu receio de vir a ser cobrado por obras na região amazônica e decide então cancelar a programação toda:



Bolsonaro – “Ô, Bebianno. Essa missão não vai ser realizada. Conversei com o Ricardo Salles. Ele tava chateado que tinha muita coisa para fazer e está entendendo como missão minha. Conversei com a Damares. A mesma coisa. Agora: eu não quero que vocês viajem porque… Vocês criam a expectativa de uma obra. Daí vai ficar o povo todo me cobrando. Isso pode ser feito quando nós acharmos que vai ter recurso, o orçamento é nosso, vai ser aprovado etc. Então essa viagem não se realizará, tá OK? Um abraço aí, Gustavo!”

Os áudios acima mostram que Bolsonaro, de fato, falou “três vezes” com Bebianno, exatamente como o ministro declarara ao jornal O Globo. Querendo dar ares de normalidade à rotina do governo e assim minimizar o impacto da crise do laranjal do PSL, Bebianno declarara o seguinte ao jornal: “Não existe crise nenhuma. Só hoje (terça-feira) falei três vezes com o presidente”. Era verdade. Mas o filho Carlos postou o tuíte dizendo que ficara “24 horas do dia” ao lado do pai e não registrara qualquer conversa com Bebianno. E ainda postou um áudio em que o presidente garante que não tinha falado com o ministro – aparentemente, pai e filho consideram que troca de áudio não configura uma “conversa”.

Nos áudios seguintes, há trocas de mágoas e uma discussão bizarra sobre o que significa “falar” com alguém. Confira:

 


“VOCÊ NÃO FALOU COMIGO”


Neste áudio, Bolsonaro diz que Carlos não está “incitando a saída” de Bebianno. Antes, Bebianno recebera — e encaminhara cópia a Bolsonaro — uma mensagem de um jornalista (que não é identificado) dizendo que Carlos vinha conversando com deputados para derrubar o ministro.


Bolsonaro – “O caso incitando a saída é mais uma mentira. Você conhece muito bem a imprensa, melhor do que eu. Agora: você não falou comigo nenhuma vez no dia de ontem. Ele esteve comigo 24 horas por dia. Então não está mentindo, nada, nem está perseguindo ninguém.”


“ISSO ESTÁ ERRADO”



Bebianno – “Capitão, há várias formas de se falar. Nós trocamos mensagens ontem três vezes ao longo do dia, capitão. Falamos da questão do institucional do Globo. Falamos da questão da viagem. Falamos por escrito, capitão. Qual a relevância disso, capitão? Capitão, as coisas precisam ser analisadas de outra forma. Tira isso do lado pessoal. Ele não pode atacar um ministro dessa forma. Nem a mim nem a ninguém, capitão. Isso está errado. Por que esse ódio? Qual a relevância disso? Vir a público me chamar de mentiroso? Eu só fiz o bem, capitão. Eu só fiz o bem até aqui. Eu só estive do seu lado, o senhor sabe disso. Será que o senhor vai permitir que eu seja agredido dessa forma? Isso não está certo, não, capitão. Desculpe.”

“POR QUE ESSE ÓDIO?”


Em outro áudio enviado ao presidente, Bebianno lembra que é um pacificador, em contraste com a personalidade espinhosa de Carlos, e chegou a ser aceito no convívio com os militares que antes lhe rejeitavam – e volta a garantir que não faltou com a verdade. “Ontem eu falei com o senhor três vezes, sim”.


Bebianno – “Capitão, eu só prego a paz, o tempo inteiro. O tempo inteiro eu peço para a gente parar de bater nas pessoas. O tempo inteiro eu tento estabelecer uma boa relação com todo mundo. Minha relação é maravilhosa com todos os generais. O senhor se lembra que, no início, eu não podia participar daquelas reuniões de quartas-feiras, porque os generais teriam restrições contra mim? Eu não entendia que restrições eram aquelas, se eles nem me conheciam. O senhor hoje pergunte para eles qual o conceito que eles têm a meu respeito, sabe, capitão? Eu sou uma pessoa limpa, correta. Infelizmente não sou eu que faço esse rebuliço, que crio essa crise. Eu não falo nada em público. Muito menos agrido ninguém em público, sabe, capitão? Então quando eu recebo esse tipo de coisa, depois de um post desse, é realmente muito desagradável. Inverta, capitão. Imagine se eu chamasse alguém de mentiroso em público. Eu não sou mentiroso. Ontem eu falei com o senhor três vezes, sim. Falamos pelo WhatsApp. O que é que tem demais? Não falamos nada demais. A relevância disso… Tanto assunto grave para a gente tratar. Tantos problemas. Eu tento proteger o senhor o tempo inteiro. Por esse tipo de ataque? Por que esse ódio? O que é que eu fiz de errado, meu Deus?”

“NÃO VOU MAIS RESPONDER A VOCÊ”


Bolsonaro, aqui, deixa claro que trocar mensagens de áudio não configura “falar” com alguém. E abre uma nova frente de conflito. Acusa seu ministro de ter plantado uma nota em O Antagonista para envolvê-lo com o laranjal do PSL em Pernambuco. Segue-se uma discussão bizantina entre um presidente e um ministro.   


Bolsonaro – “Ô, Gustavo, usar da… Que usou do Whatsapp para falar três vezes comigo, aí é demais da tua parte, aí é demais, e eu não vou mais responder a você. Outra coisa, eu sei que você manda lá no Antagonista, a nota (sobre Bolsonaro não atender Bebianno) foi pregada lá. Dias antes, você pregou uma nota que tentou falar comigo e não conseguiu no domingo. Eu sabia qual era a intenção, era exatamente dizer que conversou comigo e que está tudo muito bem, então faz o favor, ou você restabelece a verdade ou não tem conversa a partir daqui pra frente.”

“É DESONESTIDADE E FALTA DE CARÁTER”



Bolsonaro – “Querer empurrar essa batata quente desse dinheiro lá pra candidata em Pernambuco pro meu colo, aí não vai dar certo. Aí é desonestidade e falta de caráter. Agora, todas as notas pregadas nesse sentido foram nesse sentido exatamente, então a Polícia Federal vai entrar no circuito, já entrou no circuito, pra apurar a verdade. Tudo bem, vamos ver daí… Quem deve paga, tá certo? Eu sei que você é dessa linha minha aí. Um abraço.”

“NÃO PLANTEI NADA”



Bebianno – “Capitão, a nota do Antagonista que o senhor tá me acusando de ter plantado… Se o senhor olhar bem, eu localizei aqui e mandei pro senhor. Eu não plantei nada. Ela replica o que a Folha falou. Está escrito aqui: “segundo a Folha, segundo a Folha, o ministro Gustavo Bebianno tentou ligar para Jair Bolsonaro neste domingo para explicar o caso, mas o presidente não atendeu”. Quem mencionou isso não foi o Antagonista, foi a Folha. O Antagonista simplesmente replicou. Então, capitão, eu não plantei nada em lugar nenhum, tá? Abraço.

“QUEM VAZOU FOI VOCÊ”



Bolsonaro – “Bebianno, olha como você entra em contradição. Que seja a Folha. Se foi uma tentativa tua pra mim e eu não atendi… Eu não liguei pra Folha, eu não ligo pra imprensa nenhuma. Quem ligou foi você, quem vazou foi você. Dá pra você entender o caminho que você está indo? E você tem que fazer uma reflexão para voltar à normalidade. Deu pra entender? Vou repetir: se você tentou falar comigo, um pra um, se alguém vazou pra Folha, não fui eu, só pode ser você. Tá ok?”

“NÃO VAZEI NADA”



Bebianno – “Não, capitão, não é isso, não. Eu não tentei ligar pro senhor, eu não falei, não vazei nada pra ninguém. Eu nem tentei ligar pro senhor. O senhor mandou um recado que era pra eu não ir ao hospital. Não fui e não liguei pro senhor nenhuma vez. Deixei o senhor em paz. É… Se eu tentei ligar uma ou duas vezes, também não me lembro pelo motivo que foi, é… Não é isso, não, capitão, tá? Eu não vazei nada pra lugar nenhum, muito menos pra Folha, com quem eu praticamente não falo. Abraço, capitão.”

“O SENHOR ESTÁ ENVENENADO”


Neste áudio, Bebianno explica seu papel nas verbas do PSL remetidas para Pernambuco, reafirma que é inocente no caso das candidaturas-laranja – e diz que o presidente está “bem envenenado”, deixando implícito que o envenenador é seu filho Carlos:


Bebianno – “Em relação a isso, capitão, também acho que a coisa está… Não está clara. A minha tarefa como presidente interino nacional foi cuidar da sua campanha. A prestação de contas que me competia foi aprovada com louvor, é… Agora, cada Estado fez a sua chapa. Em nenhum partido, capitão, a nacional é responsável pelas chapas estaduais. O senhor sabe disso melhor do que eu. E, no nosso caso, quando eu assumi o PSL, houve uma grande dificuldade na escolha dos presidentes de cada Estado, porque nós não sabíamos quem era quem. É… Cada chapa foi montada pela sua estadual. No caso de Pernambuco, pelo Bivar, logicamente. Se o Bivar escolheu candidata laranja, é um problema dele, político. E é um problema legal dela explicar o que ela fez com o dinheiro. Da minha parte, eu só repassei o dinheiro que me foi solicitado por escrito. Eu tenho tudo registrado por escrito. Então é ótimo que a Polícia Federal esteja, é ótimo que investigue, é ótimo que apure, é ótimo que puna os responsáveis. Eu não tenho nada a ver com isso.  É… Depois a gente conversa pessoalmente, capitão, tá? Eu tô vendo que o senhor está bem envenenado. Mas tudo bem, a minha consciência está tranquila, o meu papel foi limpo, continua sendo. E tomara que a polícia chegue mesmo à constatação do que foi feito, mas eu não tenho nada a ver com isso. O Luciano Bivar que é responsável lá pela chapa dele. Abraço, capitão.”













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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

TV Record ignora critérios jornalísticos ao atacar crianças sem-terra




Por: Leonardo Fernandes Brasil de Fato


Reportagem divulgada neste domingo (10) é parcial, não ouve o outro lado e apresenta falhas na apuração



Causou revolta Bolsonaro ensinar criança de 3 anos a fazergesto de armas para "defender os cidadãos de bem''. Quem doutrina mesmo?




Uma reportagem veiculada no programa "DomingoEspetacular" da TV Record, emissora de propriedade do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, no último domingo (10), mostrou um alinhamento com o novo governo de Jair Bolsonaro (PSL) em sua batalha ideológica contra os movimentos populares, especialmente o Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Ignorando critérios éticos fundamentais para o exercício do jornalismo — como escutar o outro lado, a reportagem intitulada “A Polêmica dos Sem Terrinha” arremete contra as crianças do MST, filhos e filhas detrabalhadores rurais sem-terra. A matéria apresenta “especialistas” em direitos da criança, mas não entrevista qualquer representante de entidades oficiais de defesa da infância e juventude, menos ainda de integrantes do MST, como destaca Erivan Hilário, membro do setor de educação do movimento.

“O Brasil é referência de entidades promotoras e de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, no entanto, nenhuma dessas entidades com reconhecimento internacional foi ouvida”.

Nesta segunda-feira (11), o MST divulgou nota na qual repudia o que chama de “ataque” da TV Record às crianças do sem-terrinha. No texto, o movimento afirma que “a Rede Record, ao disseminar mentiras, não leva em consideração critérios mínimos de apuração e imparcialidade, faltando, entre outras questões, com a ética jornalística”.

“Na nossa concepção, a reportagem se insere em um contexto maior, que é de criminalização do MST, sobretudo nesse momento em que vemos o avanço cada vez maior de práticas de exceção no nosso país e percebemos o alinhamento político-ideológico da emissora com o governo eleito. Trata-se, na verdade, de mais um capítulo no processo de criminalização dos movimentos sociais”, denuncia Hilário.

A reportagem especial, com quase 20 minutos de duração, utiliza imagens públicas do MST, e de veículos de informação que deram ampla cobertura ao 1º Encontro Nacional das Crianças Sem Terrinha, ocorrido entre os dias 23 e 26 de julho, em Brasília. Na narrativa montada pelo jornal, os “especialistas” questionam o suposto descumprimento do Estatuto da Criança e doAdolescente (ECA). Uma leitura que, segundo Hilário, é superficial e tendenciosa, tendo em visto que o MST é um dos principais garantidores do ECA nos territórios de reforma agrária, muitas vezes negligenciados pelo Estado.

“O ECA é de responsabilidade do conjunto da sociedade: do Estado, da família, dos movimentos sociais, ou seja, a reportagem pegou um aspecto da legislação e mesmo assim não aprofundou. Por exemplo, no ECA, diz que as crianças têm direito a políticas públicas sociais. No entanto, o que a gente vê em curso no país é exatamente o contrário. É a negação do direito das crianças à educação. Exemplo disso é fechamento de mais de 27 mil escolas no último período. Outro exemplo é que negam o artigo 53 do próprio ECA que trata do direito à educação, e que diz que o acesso à escola pública deve ser próximo à residência. No entanto, o que acontece é exatamente o contrário, é o fechamento de escolas no campo, em uma sistemática de negar o direito das crianças à educação”.

Segundo Hilário, não fosse a capacidade de organização das famílias camponesas, o que inclui as próprias crianças, muitas delas viveriam à margem de direitos, “sob o silêncio sepulcral” da mídia tradicional brasileira.

“O que nós fazemos é exatamente assegurar o direito das crianças o direito à terra, o direito à escola. Se existem hoje escolas públicas, gratuitas, municipais e estaduais, em territórios rurais, em assentamentos, se deve graças à organização dos trabalhadores e das próprias crianças, porque o protagonismo infantil é um dos direitos que está assegurado pelo ECA. Então, se não fossem as próprias crianças e suas famílias colocando a educação como direito, elas jamais teriam acesso à escola. E volto a afirmar, as escolas que estão em assentamentos são escolas públicas, gratuitas, sob responsabilidade dos estados ou municípios, com reconhecimento do MEC”.

Fonte ouvida pela matéria da TV Record acusa o MST de “estimular a violência” das crianças e praticar “lavagem cerebral”. “As crianças brasileiras estão submetidas sim à violência. À violência praticada por essa sociedade que lhes nega o direito à educação. À violência por essa sociedade que lhes nega a proteção. A gente entende que a criança é de responsabilidade da família e da coletividade, do assentamento e do acampamento. Violência é a fome que muitas crianças desse país estão submetidas. Essa é a principal violência. As crianças dos nossos assentamentos e acampamentos frequentam escola, tem seus espaços de lazer”, explica Hilário.


Erro de apuração


A reportagem questiona ainda a observação de critérios fundamentais para a realização do Encontro Nacional das Crianças Sem Terrinhano ano passado, o que, segundo Hilário, foi mais um erro grave de apuração do telejornal.

“Todo o encontro esteve baseado nas leis que regem a organização de encontros dessa natureza com crianças. Foi observada desde a autorização dos pais com reconhecimento em cartório, as crianças foram levadas na companhia de educadores, o encontro foi realizado com 1200 crianças e mais de 400 adultos com a tarefa de cuidá-las. Tínhamos UTI, posto médico no local, ou seja, nada do que fizemos foi contra a legislação em vigor, ao contrário, não fizemos isso somente para responder a uma questão legal, mas porque nós acreditamos que as crianças precisam ter seus direitos preservados, entre eles, a questão da proteção em sua integralidade. Tudo foi feito como manda a lei.”


O MST é um movimento social fundado na década de 1980, por trabalhadores rurais despossuídos de terra para o trabalho agrícola, e como uma forma de reivindicar do Estado a realização da reforma agrária. Muitas daquelas crianças sem-terrinha que passaram pelos espaços infantis do movimento, hoje são profissionais que contribuem no desenvolvimento dos territórios, lembra Hilário.

“Eu gostaria que eles pudessem falar com os advogados do MST que foram sem-terrinha, com os médicos que foram sem-terrinha. Que falassem com pessoas que hoje, formadas em universidades públicas, que eram sem-terrinha, e que hoje contribuem para o processo de desenvolvimento do assentamento”.


Reincidente


Não é a primeira vez que, por razões meramente ideológicas, a TV Record abre mão de critérios éticos fundamentais ao exercício do jornalismo para atacar o diferente. Em janeiro deste ano, a emissora foi condenada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), por realizar ataques a religiões de matriz africana em sua programação. O Ministério Público Federal demonstrou no processo que o conteúdo veiculado pela empresa se tratava de “intolerância religiosa em pleno espaço público televisivo contra as religiões afro-brasileiras”.

Por conta da condenação, a Record terá que dar direito de resposta em quatro programas de televisão com duração de 20 minutos cada, além de pagar uma indenização de R$ 300 mil para cada uma das entidades que ajuizaram a ação: o Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Itecab) e oCentro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert).

Uma das fontes consultadas pela reportagem é o promotor Munir Cury, do Ministério Público de São Paulo, que, supostamente, teria ajudado a construir o Estatuto da Criança e do Adolescente. Em sua rede social, Cury fez chamados a manifestações pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Também em sua rede social, a chefe de reportagem que assina a matéria contra as crianças sem-terrinha, Renata Garofano, aparece fazendo campanha eleitoral para Jair Bolsonaro.

Reprodução/Facebook/Renata Garofano


Cuidado com as crianças


A TV Record editou o material audiovisual do MST e de veículos alternativos de imprensa, incluindo efeitos sonoros e visuais, que buscavam dar dramaticidade à narrativa e promover uma suposta compaixão pelas crianças. Mesmo tratamento não foi dado à notícia amplamente divulgada pela mídia brasileira e portuguesa no final de 2017, sobre uma investigação aberta pelo Ministério Público de Portugal para apurar uma suposta rede de tráficointernacional de crianças, que seria articulada pela Igreja Universal do Reinode Deus.

A TV portuguesa divulgou uma série de reportagens nas quais acusava o líder da igreja e dono da TV Record, Edir Macedo, de tráfico internacional de crianças. A defesa de Macedo negou as acusações e classificou o conteúdo jornalístico de “campanha difamatória, mentirosa”.

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato a Rede Record para comentar a divulgação da reportagem, mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta.






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