Tese jurídica levantada no início dos anos 2000 é considerada "absurda" por organizações ligadas à causa indígena
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar na
quarta-feira (30) o julgamento do chamado "marco temporal",
uma das teses jurídicas utilizadas por representantes do agronegócio para
questionar a demarcação de terras indígenas.
Uma vez julgada, a ação terá repercussão geral, ou seja,
poderá ser usada como base para decisões judiciais em casos
semelhantes, definindo o futuro de milhares de indígenas brasileiros. A sessão
está marcada para as 14h e será realizada por meio de videoconferência.
O julgamento imediato é de interesse dos povos originários,
já que o ministro Marco Aurélio Mello marcou aposentadoria para o 5 de julho de
2021. Com isso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) poderá indicar um
novo membro para a Corte, o que aumenta as chances de validação do "marco
temporal", tendo em vista o alinhamento do governo federal aos interesses
ruralistas.
:: "Caráter originário dos direitos
territoriais": procuradores rechaçam marco temporal ::
"A gente não sabe quem será e qual o posicionamento
desse novo ministro, então isso nos preocupa", disse Samanta Pataxó,
assessora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas (Apib). "Porém,
considerando outros ministros, que têm um entendimento mais razoável e
proporcional ao que traz a Constituição, isso nos dá esperança de que haja a
construção de uma tese que possa efetivar direitos e não mais limitar o reconhecimento
de direitos constitucionais dos povos indígenas".
De onde surgiu
O processo que volta a ser analisado pelos ministros
diz respeito à posse do território do povo Xokleng, de Santa
Catarina. Trata-se de uma ação de reintegração de posse movida em 2009
pelo governo do estado referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ,
declarada em 2003, habitada por mais de 2.000 indígenas também dos povos
Guarani e Kaingang, segundo o Instituto Sócio Ambiental (ISA).
Rejeitado por organizações ligadas à causa indígena, o
"marco temporal" entrou na pauta do STF no dia 11 de junho, mas a
análise foi interrompida por um pedido de destaque do ministro Alexandre
de Moraes. O relator do processo, ministro Edson Fachin, deu voto
contrário à utilização do critério para demarcação de territórios.
O governo catarinense obteve ganho de causa nas instâncias
inferiores. Agora, as decisões anteriores são contestadas no STF pela Fundação
Nacional do Índio (Funai).
O que é o "marco temporal"?
Pelo "marco temporal", os territórios só podem ser
demarcados se os povos indígenas conseguirem provar que estavam ocupando a área
anteriormente ou na data exata da promulgação da Constituição Federal, em 5 de
outubro de 1988, ou se ficar comprovado conflito pela posse da
terra.
"Essa tese perversa desconsidera o histórico de
violência a que foram submetidas as populações indígenas antes de
1988, bem como as ameaças e assassinatos que resultaram na expulsão das
comunidades de suas terras", avalia Antônio Eduardo Oliveira, secretário
executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
"Mas essas terras são inalienáveis, indisponíveis, ou seja,
o direito sobre elas é imprescritível e seu usufruto é exclusivo. A posse
e uso dessa terra só pode ser usufruída pelos povos originários", continua
o integrante do Cimi.
A tese foi usada pela primeira vez para questionar a
demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em 2009, o
Supremo determinou a demarcação contínua da TI e retirada da população não
indígena, afastando a necessidade de os povos originários provarem que estavam
lá em 1988.
:: No Central do Brasil, a luta contra o PL 490 e o Marco
Temporal, com Sônia Guajajara ::
"Eles [os indígenas] de fato não estavam na sua terra
nessa data porque foram expulsos, tiveram suas terras tomadas por
fazendeiros", afirmou a assessora jurídica da Apib. "Embora a
decisão tenha sido favorável ao indígenas, esse critério começou a ser aplicado
de maneira indevida e descabida em outros processos de demarcação que não têm
nenhum aspecto parecido com esse processo em específico".
"Assim, o 'marco temporal' acabou sendo o grande
trunfo, principalmente da bancada ruralista, que tem interesses contrários às
demarcações", explica a Samanta Pataxó.
STF x Legislativo
O "marco temporal" foi embutido pela bancada
ruralista no Projeto de Lei (PL) 490, que abre as áreas protegidas ao
agronegócio, à mineração e à construção de hidrelétricas. A tramitação da matéria foi aprovada pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara na semana passada, sob forte
oposição de lideranças. O texto ainda não foi à votação no plenário
da Casa.
:: Terras não demarcadas dificultam acesso de indígenas a
vacina e políticas públicas ::
Caso o STF rejeite o "marco temporal", a decisão
deverá se sobrepor a qualquer legislação aprovada pelo Congresso que seja
baseada no critério, conforme avalia a assessora jurídica da Apib. "O que
tem que prevalecer é o entendimento do STF porque ele é o guardião da
Constituição. Logo, os preceitos do PL 490, e futuramente a lei que pretende se
criar, serão inconstitucionais", afirmou Samanta Pataxó.
Isolados ameaçados
O "marco temporal" tem a aplicabilidade
questionada no caso de povos que mantêm contato permanente com não-indígenas,
mas o retrocesso seria ainda maior para os isolados, aqueles que preferem
não manter laços com o restante da população.
Conforme aponta o Observatório dos Direitos Humanos dos
Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), na maioria dos casos
é impossível comprovar a presença desses grupos em determinada área e
em uma data específica. Isso porque essas populações estão em constante
deslocamento, recuando para áreas mais preservadas em função da pressão sofrida
pelo desmatamento.
"Se o "marco temporal" se tornar uma lei,
praticamente todas as terras indígenas demarcadas de isolados seriam extintas.
Não dá para perguntar para eles [indígenas] se eles estavam lá em 1988.
Provavelmente não estavam", explica o membro da OPI Fabrício Amorim.
"Fica muito fácil entender por que essa é uma tese totalmente absurda e
inaplicável para todos os povos indígenas, em especial para os
isolados".
Edição: Vinícius Segalla
Fonte: Brasil de Fato
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São Paulo - Ahora: Indígenas Guarani-Mbya ocupan las torres de transmisión y TV en la cima del parque Jaraguá. Exigen que la Corte Suprema rechace la tesis ruralista del Marco Temporal, medida que anula el derecho indígena a permanecer en territorios demarcados.
— Nacho Lemus (@LemusteleSUR) June 30, 2021
Ft: Pedro Biava pic.twitter.com/7QzkRgLvvy
Hoje (30) começa no STF o julgamento mais importante do século para os #PovosIndígenas e demarcações. Você sabe porque a tese do marco temporal é inaceitável? Vamos juntos defender os direitos indígenas. Compartilhe esse vídeo! #MarcoTemporalNão https://t.co/DLvSvcL2BG pic.twitter.com/gPF9etPKpO
— Greenpeace Brasil (@GreenpeaceBR) June 30, 2021
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