De acordo com os organizadores, o grupo é formado por
mulheres indígenas de 172 povos de diversas regiões do país
Fotos de Hugo Barreto para o Metrópoles
247 - Mulheres indígenas foram a Brasília (DF)
fazer uma marcha, na manhã desta sexta-feira (10), para pedir por "mais
direitos" aos povos originários e protestar contra o chamado "marco
temporal", em julgamento no no Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com
os organizadores, o grupo é formado por mulheres indígenas de 172 povos de
diversas regiões do país.
O grupo deixou a sede do acampamento, na Funarte, às 9h, e
saiu em marcha pelo Eixo Monumental e pela via W3 Sul, que foi interditada pela
Polícia Militar por causa do ato, segundo o portal G1.
O ato estava previsto para ocorrer nesta quinta-feira, mas a
marcha foi adiada em consequência das manifestações golpistas que vinham
acontecendo na Esplanada dos Ministérios desde o dia 7 de setembro.
Um dos projetos do Marco Temporal é o PL nº490/2007. Segundo
a proposta, os índios só podem fazer reivindicação da demarcação de terras que
eles já tinham ocupado até a promulgação da Constituição de 1988, em 5 de
outubro.
Outra proposta, o PL nº191/2020, libera a exploração das
terras indígenas por projetos de infraestrutura e mineração. O PL nº
3.729/2004,flexibiliza o licenciamento ambiental de obras e
empreendimentos.
O PL nº 510/2021 permite a legalização de terras públicas
invadidas até 2014 e a titulação de áreas consideradas latifúndios. Também
anistia o crime de invasão de terra pública para quem ocupou entre o final de
2011 e 2014. Por meio do PL nº 4843/2019, a iniciativa privada pode ter a
apropriação de terras destinadas à reforma agrária e a titulação de áreas
consideradas latifúndios.
Marcha Nacional das Mulheres Indígenas hoje, em Brasília. Cerca de 5 mil pessoas de 172 etnias diferentes marcham contra o Marco Temporal e pelo direito das mulheres
Tese jurídica levantada no início dos anos 2000 é
considerada "absurda" por organizações ligadas à causa indígena
Com a iminência da indicação de um novo membro do STF por
Bolsonaro, indígenas têm pressa pelo julgamento - Fábio Nascimento /MNI
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar na
quarta-feira (30) o julgamento do chamado "marco temporal",
uma das teses jurídicas utilizadas por representantes do agronegócio para
questionar a demarcação de terras indígenas.
Uma vez julgada, a ação terá repercussão geral, ou seja,
poderá ser usada como base para decisões judiciais em casos
semelhantes, definindo o futuro de milhares de indígenas brasileiros. A sessão
está marcada para as 14h e será realizada por meio de videoconferência.
O julgamento imediato é de interesse dos povos originários,
já que o ministro Marco Aurélio Mello marcou aposentadoria para o 5 de julho de
2021. Com isso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) poderá indicar um
novo membro para a Corte, o que aumenta as chances de validação do "marco
temporal", tendo em vista o alinhamento do governo federal aos interesses
ruralistas.
"A gente não sabe quem será e qual o posicionamento
desse novo ministro, então isso nos preocupa", disse Samanta Pataxó,
assessora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas (Apib). "Porém,
considerando outros ministros, que têm um entendimento mais razoável e
proporcional ao que traz a Constituição, isso nos dá esperança de que haja a
construção de uma tese que possa efetivar direitos e não mais limitar o reconhecimento
de direitos constitucionais dos povos indígenas".
De onde surgiu
O processo que volta a ser analisado pelos ministros
diz respeito à posse do território do povo Xokleng, de Santa
Catarina. Trata-se de uma ação de reintegração de posse movida em 2009
pelo governo do estado referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ,
declarada em 2003, habitada por mais de 2.000 indígenas também dos povos
Guarani e Kaingang, segundo o Instituto Sócio Ambiental (ISA).
O governo catarinense obteve ganho de causa nas instâncias
inferiores. Agora, as decisões anteriores são contestadas no STF pela Fundação
Nacional do Índio (Funai).
O que é o "marco temporal"?
Pelo "marco temporal", os territórios só podem ser
demarcados se os povos indígenas conseguirem provar que estavam ocupando a área
anteriormente ou na data exata da promulgação da Constituição Federal, em 5 de
outubro de 1988, ou se ficar comprovado conflito pela posse da
terra.
"Essa tese perversa desconsidera o histórico de
violência a que foram submetidas as populações indígenas antes de
1988, bem como as ameaças e assassinatos que resultaram na expulsão das
comunidades de suas terras", avalia Antônio Eduardo Oliveira, secretário
executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
"Mas essas terras são inalienáveis, indisponíveis, ou seja,
o direito sobre elas é imprescritível e seu usufruto é exclusivo. A posse
e uso dessa terra só pode ser usufruída pelos povos originários", continua
o integrante do Cimi.
A tese foi usada pela primeira vez para questionar a
demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em 2009, o
Supremo determinou a demarcação contínua da TI e retirada da população não
indígena, afastando a necessidade de os povos originários provarem que estavam
lá em 1988.
"Eles [os indígenas] de fato não estavam na sua terra
nessa data porque foram expulsos, tiveram suas terras tomadas por
fazendeiros", afirmou a assessora jurídica da Apib. "Embora a
decisão tenha sido favorável ao indígenas, esse critério começou a ser aplicado
de maneira indevida e descabida em outros processos de demarcação que não têm
nenhum aspecto parecido com esse processo em específico".
"Assim, o 'marco temporal' acabou sendo o grande
trunfo, principalmente da bancada ruralista, que tem interesses contrários às
demarcações", explica a Samanta Pataxó.
Caso o STF rejeite o "marco temporal", a decisão
deverá se sobrepor a qualquer legislação aprovada pelo Congresso que seja
baseada no critério, conforme avalia a assessora jurídica da Apib. "O que
tem que prevalecer é o entendimento do STF porque ele é o guardião da
Constituição. Logo, os preceitos do PL 490, e futuramente a lei que pretende se
criar, serão inconstitucionais", afirmou Samanta Pataxó.
Isolados ameaçados
O "marco temporal" tem a aplicabilidade
questionada no caso de povos que mantêm contato permanente com não-indígenas,
mas o retrocesso seria ainda maior para os isolados, aqueles que preferem
não manter laços com o restante da população.
Conforme aponta o Observatório dos Direitos Humanos dos
Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), na maioria dos casos
é impossível comprovar a presença desses grupos em determinada área e
em uma data específica. Isso porque essas populações estão em constante
deslocamento, recuando para áreas mais preservadas em função da pressão sofrida
pelo desmatamento.
"Se o "marco temporal" se tornar uma lei,
praticamente todas as terras indígenas demarcadas de isolados seriam extintas.
Não dá para perguntar para eles [indígenas] se eles estavam lá em 1988.
Provavelmente não estavam", explica o membro da OPI Fabrício Amorim.
"Fica muito fácil entender por que essa é uma tese totalmente absurda e
inaplicável para todos os povos indígenas, em especial para os
isolados".
São Paulo - Ahora: Indígenas Guarani-Mbya ocupan las torres de transmisión y TV en la cima del parque Jaraguá. Exigen que la Corte Suprema rechace la tesis ruralista del Marco Temporal, medida que anula el derecho indígena a permanecer en territorios demarcados. Ft: Pedro Biava pic.twitter.com/7QzkRgLvvy