Secretária do Ministério da Saúde teve áudio divulgado na
CPI da Covid em que faz críticas "ideológicas" à Fundação Oswaldo
Cruz
Mayra Pinheiro
O vice-presidente da CPI da Covid,
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), divulgou, nesta terça-feira (25/5), durante o
depoimento da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do
Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, um áudio em que a médica faz críticas e
ataques à Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Conhecida como “Capitã Cloroquina”, Mayra Pinheiro chegou a
dizer, em gravação de 2019, que a Fiocruz tinha tapetes com a imagem de Che
Guevara em suas portas, além de “um pênis” na porta.
“A Fiocruz trabalha contra todas as políticas que são
contrárias a eles, de minorias. Tudo deles envolve LGBTI, eles têm um pênis na
porta da Fiocruz. Todos os tapetes são a figura do Che Guevara, as salas são
figurinhas do ‘Lula Livre’, ‘Marielle Vive'”, afirma Mayra no áudio.
Ao ser confrontada com um áudio que circula na internet, Mayra Pinheiro, Secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, reafirmou declarações de que “tem um pênis na porta da @fiocruz”.
A gravação, segundo ela, teria sido repassada a um colega,
que vazou o conteúdo. Na ocasião, a médica não integrava o corpo do Ministério
da Saúde.
“Eles fazem uma listra tríplice e é apresentada pra
Presidência da República. Da última vez no governo do PT, o senador Tasso
[Jereissati (PSDB-CE)] foi uma das pessoas que endossou o nome dessa mulher aí
(sic), foi uma guerra e a gente não conseguiu [barrar a nomeação]. Tem que
tirar esse poderio [da Fiocruz] de direcionar a saúde no Brasil”, disse.
Confrontada pelo senador sobre o conteúdo do áudio, Mayra se
defendeu dizendo que esse material “foi uma resposta a um colega”. “Não foi
agora, enquanto estou secretária de Governo, e houve um vazamento. Nessa época
isso era a constatação, senador, de fatos”.
Antes de ter o áudio exposto, Mayra havia dito que a Fiocruz
“é uma instituição de excelência, que tem dado grande contribuição para a
vacina agora, no Brasil, no momento que nós vivemos”.
Mayra Pinheiro
Mayra é a nona depoente do colegiado. Antes deles, os
senadores ouviram os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e
Eduardo Pazuello, além do atual chefe da Saúde, Marcelo Queiroga.
O ex-chanceler Ernesto Araújo, o gerente-geral da Pfizer
para a América Latina, Carlos Murillo, o ex-secretário de Comunicação da
Presidência Fabio Wajngarten e o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres,
também prestaram depoimento.
A CPI da Covid-19 tem o objetivo de investigar as ações e omissões
do governo federal no enfrentamento à pandemia e, em especial, no agravamento
da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio, além de apurar
possíveis irregularidades em repasses federais a estados e municípios.
Conhecida pela alcunha de "Capitã Cloroquina", a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, depõe nesta terça-feira (25/05) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.
Mayra Pinheiro usou informações falsas para promover o
"tratamento precoce"
Com o depoimento da pediatra cearense, os senadores
pretendem entender melhor a atuação do governo de Jair Bolsonaro para promover
o chamado "tratamento precoce" — um coquetel de medicamentos sem
eficácia comprovada contra covid-19 que inclui substâncias como cloroquina,
azitromicina e invermectina.
Os parlamentares querem questioná-la, principalmente, sobre
sua atuação na liderança de uma comitiva do Ministério da Saúde ao Amazonas no
início do ano, quando o Estado sofreu um colapso do sistema de saúde, com falta
de leitos e de oxigênio para tratar o crescente número de pacientes com
covid-19.
Pinheiro, porém, obteve um habeas corpus do Supremo Tribunal
Federal que permite que ela fique calada sobre esses acontecimentos. Isso
porque a secretária é alvo de uma ação de improbidade administrativa que
investiga a omissão de autoridades diante do colapso do sistema de saúde do
Amazonas.
O habeas corpus foi concedido porque a Constituição garante
o direito ao investigado de não produzir prova contra si mesmo.
O objetivo dessa ação de improbidade administrativa é
verificar se autoridades "omitiram-se no cumprimento de seus deveres, ao
retardar o início das ações do Ministério da Saúde no estado, ao não
supervisionar o controle da demanda e do fornecimento de oxigênio medicinal nas
unidades hospitalares do Amazonas, ao não prestar ao Estado a necessária
cooperação técnica quanto ao controle de insumos, ao retardar a determinação da
transferência de pacientes à espera de leitos para outros Estados, ao realizar
pressão pela utilização 'tratamento precoce' de eficácia questionada no
Amazonas e ao se omitir em apoiar o cumprimento das regras de isolamento social
durante a pandemia".
No dia 10 de janeiro, quando a comitiva do Ministério da
Saúde estava no Estado, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), anunciou
que a situação era "dramática" e pediu de apoio ao governo federal
para transporte de cilindros do gás de outras regiões do Brasil.
No dia seguinte, porém, Pinheiro lançava em Manaus, ao lado
do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, a plataforma TrateCov e promovia como
solução para redução das internações de pacientes com coronavírus o
"tratamento precoce".
A secretária esteve na cidade antes, no dia 4 de janeiro,
como representante do ministério para "alinhar ações de fortalecimento da
pasta, para o enfrentamento da covid-19 no Amazonas", segundo registros da
sua agenda oficial.
Apesar do iminente desabastecimento de oxigênio, a principal
resposta liderada pela secretária à crise foi promover o uso de medicamentos
sem eficácia.
Segundo Pazuello disse à CPI na semana passada, o TrateCov
foi desenvolvido por sugestão de Pinheiro com o propósito de auxiliar médicos
no diagnóstico e tratamento da covid-19. Na prática, o aplicativo recomendava o
coquetel de medicamentos sem eficácia indiscriminadamente, até mesmo para
bebês.
A plataforma acabou sendo retirada rapidamente do ar após críticas,
e Pazuello hoje insiste que ela foi disponibilizada indevidamente por um
hacker, apesar de o governo ter oficialmente divulgado o TrateCov.
Ministério da Saúde reagiu à falta de oxigênio em Manaus
insistindo no uso da cloroquina
Na cerimônia em que anunciou o aplicativo em Manaus, Mayra
Pinheiro exaltou a ferramenta como uma forma de realizar diagnósticos rápidos
no lugar do uso de testes RT-PCR.
"Nós não podemos perder tempo diante do quadro
epidemiológico que hoje toma conta do Estado do Amazonas e de diversos Estados
brasileiros. Nós estamos apresentando para a sociedade um aplicativo que
permite, como eu disse, com forte valor preditivo, dizer se o doente, diante
das suas manifestações clínicas, ele tem ou não a covid-19", sustentou.
"E assim nós podemos, no período de cinco minutos, com
a utilização desse aplicativo, que já pode ser acessado através das páginas do
Ministério da Saúde, nós poderemos ofertar imediatamente para milhões de
brasileiros o tratamento precoce, evitando que essas pessoas evoluam para
quadros mais graves e que elas necessitem de novos leitos já escassos em todo o
país", acrescentou.
Na ocasião, ela fez ainda uma apelo a "todos os
prefeitos do Estado do Amazonas" para que adotassem o tratamento
precoce".
"Por mais que nós tenhamos em breve a vacina disponível
para toda a população brasileira, não há tempo a perder. Precisamos evitar
novos óbitos", disse também.
Pinheiro está no atual cargo desde o início do governo,
tendo sido nomeada na gestão do primeiro ministro da Saúde do presidente Jair
Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta. Sua escolha, porém, é atribuída diretamente
Palácio do Planalto, o que se refletiu na sua permanência na pasta apesar do
troca-troca de ministros.
Mandetta deixou o governo em abril de 2020, tendo sido
substituído por Nelson Teich, que durou menos de um mês no cargo — ambos
disseram ter saído do governo por não concordar com Bolsonaro na defesa da
cloroquina e na crítica ao distanciamento social.
Foi justamente com a ascensão do general Eduardo Pazuello ao
comando da pasta que Pinheiro ganhou mais projeção, ao se alinhar integralmente
ao presidente e ao ministro a favor do "tratamento precoce".
Com a militarização do ministério por Pazuello, a secretária
se tornou uma das poucas pessoas com formação médica em postos de comando na
pasta da Saúde.
Pinheiro, que se coloca como uma "técnica" no
governo, se alinha a posicionamentos de Bolsonaro sem base científica
Em sua conta no Instagram, que conta com 16,5 mil
seguidores, Pinheiro diz que tem "uma vida inteira dedicada à
medicina".
"São mais de 30 anos de estudos, mestrados e
doutoramentos até chegar ao Ministério da Saúde", diz ainda a descrição.
Apesar do plural, seu currículo na plataforma Lattes aponta
um mestrado na Universidade de São Paulo, título obtido em 2002 com a tese
"Morbidade Neonatal e pós-neonatal de crianças de alto-risco nascidas no
Hospital Geral Dr. César Cals em Fortaleza".
Além disso, indica que a secretária cursa desde 2016 um
doutorado em Bioética pela Universidade do Porto (Portugal). Procurada pela BBC
News Brasil, a instituição disse que Pinheiro está no terceiro ano do programa.
Natural de Fortaleza, ela se formou em medicina em 1991 na
Universidade Federal do Ceará e presidiu o Sindicato dos Médicos do Ceará entre
2015 e 2018.
Se projetou publicamente como opositora do programa Mais
Médicos, implementado em 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Sua principal crítica era contra a vinda de médicos cubanos
sem a revalidação do diploma de medicina no Brasil. Pinheiro nega, porém, ter
participado do protesto que chamou os profissionais cubanos de escravos durante
seu desembarque no aeroporto de Fortaleza.
Ela se filiou ao PSDB e disputou sem sucesso duas eleições —
em 2014 tentou um mandato de deputada federal e, em 2018, concorreu ao Senado.
Terminou em quarto lugar com 11,37% dos votos.
Depois, ingressou no partido Novo, mas, segundo o jornal
Folha de S.Paulo, ela deixou a sigla após lideranças do partido, como João
Amoedo, passarem a defender o impeachment de Bolsonaro.
Informações falsas na defesa da cloroquina
Desde o início da pandemia, a secretária foi ativa em
defender o uso de medicamentos ineficazes contra a covid-19 e na crítica ao
isolamento social.
Bolsonaro empunha uma caixa de cloroquina - remédio não tem
eficácia comprovada contra covid-19
Em entrevista concedida em abril de 2020 ao canal no YouTube
da Associação Brasileira de Psiquiatria, por exemplo, ela compara a
recomendação para que a população fique em casa (com objetivo de reduzir o
contágio do coronavírus) à perda de liberdade de pessoas presas.
Na mesma ocasião, a secretária disse que já existiam estudos
amplos e com rigor científico aprovando a eficácia da hidroxicloroquina
associada à azitromicia. Pesquisas realizadas até o momento, porém, apontam
justamente o contrário.
"A gente já tem estudos com 600, com 500 pacientes que
mostram, (estudos) randomizados, duplo-cegos, controlados, mostrando a taxa de
sucesso muito alta. Mostrando que a gente tem sim agora a possibilidade de
iniciar, quando as pessoas começam a ter sintomas, iniciar o uso dessa
medicação hidroxicloroquina associada à azitromicina", afirmou na ocasião.
Estudos randomizados e controlados são pesquisas científicas
em que os voluntários são distribuídos aleatoriamente em dois grupos (os que
recebem o medicamento testado e os que recebem placebo). E duplo-cego significa
que nem os voluntários nem os médicos sabem previamente as pessoas que tomaram
cada uma dessas substâncias.
São técnicas consideradas fundamentais em pesquisas sérias.
Já existem diversos estudos desse tipo que atestam a ineficácia da
hidroxicloroquina contra a covid-19. Um deles é o do Recovery Trial, feito no
Reino Unido. Numa análise de mais de 4.500 pacientes hospitalizados, o uso de
hidroxicloroquina e azitromicina não trouxe benefício algum.
Um painel de especialistas internacionais da Organização
Mundial da Saúde (OMS) concluiu, em março deste ano, que o medicamento não
previne a infecção, fazendo uma "forte recomendação" para que não
seja usado. Esta forte recomendação é baseada em seis estudos clínicos com
evidências de alto nível que somam mais de 6 mil participantes.
Também não há evidências de que a ivermectina, fármaco usado
no tratamento de parasitas como piolho e sarna, ajude no tratamento da
covid-19. Os estudos disponíveis até agora são inconclusivos.
Por isso, a Agência Europeia de Medicamentos é contrária ao
uso de ivermectina no tratamento da covid-19. Após revisar as publicações sobre
o medicamento, a agência considerou que os estudos possuíam limitações, como
diferentes regimes de dosagem do medicamento e uso simultâneo de outros medicamentos.
"Portanto, concluímos que as atuais evidências
disponíveis são insuficientes para apoiarmos o uso de ivermectina contra a
covid-19", concluiu a agência.
A própria fabricante da ivermectina, a farmacêutica MSD,
afirmou em fevereiro que não existem evidências de que o medicamento tivesse
efeito contra a covid-19.