Por: Natalia Viana, Rafael Neves, Agência Pública / The InterceptBrasil
ESPECIAL: VAZA JATO
- Agente que atuou em investigações da Lava-Jato no Brasil virou chefe da Unidade de Corrupção Internacional do FBI
- Polícia americana tem foco crescente em combater corrupção na América do Sul e abriu escritório para isso em Miami
- Deltan e PF preferiram tratar de extradição diretamente com americanos: “entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo”, escreveu o procurador
Nos seus pouco mais de 20 anos no FBI, a agente especial
Leslie R. Backschies esteve diversas vezes no Brasil. Backschies, cujo nome do
meio é Rodrigues, com a grafia portuguesa, é fluente na língua nacional e vem
ao país desde pelo menos 2012, ano em que há um primeiro registro de uma visita
sua à Polícia Militar de São Paulo. É, também, a única foto que se encontra na
internet dessa notável agente do FBI – embora esteja longe da câmera e de
óculos escuros. O objetivo daquela visita era firmar parcerias para capacitação
de policiais para responder a ameaças terroristas antes da Copa de 2014.
Leslie R. Backschies, a segunda à esquerda, e mais quatro
agentes do FBI visitaram o Grupamento de Radiopatrulha Aérea (GRPAe) da Polícia
Militar do Estado de São Paulo (PMESP)
Ao longo de sua carreira, Leslie trabalhou na divisão de
Segurança Nacional do FBI, atuando nas áreas de contraterrorismo e resposta a
armas de destruição em massa – ela foi co-autora de um guia sobre armasbiológicas para o site Jane’s Defense.
Trabalhando para a Divisão de Operações internacionais do
FBI, em 2012 Leslie mudou-se para a América do Sul, passando a viver em local
não revelado, de onde supervisionava os escritórios do FBI nas capitais do
México, Colômbia, Venezuela, El Salvador e Chile, além dos agentes do FBI
lotados na embaixada em Brasília. No mesmo posto, comandou operações da polícia
federal americana em Barbados, República Dominicana, Argentina, Panamá e no
Canadá.
Mas nos últimos anos, a carreira de Leslie deu uma guinada.
De especialista em armamentos e terrorismo, ela passou a se dedicar a
investigar casos de corrupção e lavagem de dinheiro na América Latina – com
destaque para o Brasil.
Em 2014, Leslie foi designada pelo FBI para ajudar nas
investigações da Lava Jato. A informação consta de reportagem do site Conjursobre evento promovido pelo escritório de advocacia CKR Law em São Paulo, em
fevereiro de 2018, que contou com presença dela. A atuação de Leslie foi
considerada “um trabalho tremendo” e “crítico para o FBI” pelos seus
supervisores, segundo seu ex-chefe afirmou em um evento sobre o combate à
corrupção em Nova York no ano passado acompanhado por uma colaboradora da
Pública.
Leslie se tornou especialista na legislação FCPA, Foreign
Corrupt Practices Act, uma lei americana que permite que o Departamento de
Justiça (DOJ) investigue e puna nos Estados Unidos atos de corrupção praticados
por empresas estrangeiras mesmo que não tenham acontecido em solo americano.
Foi com base nessa lei que o governo americano investigou e puniu com multas
bilionárias empresas brasileiras alvos da Lava Jato, dentre elas a Petrobras e
a Odebrecht, que se comprometeram a desembolsar mais de US$ 4 bilhões em multas
para os EUA, Brasil e Suíça.
Hoje morando de novo nos Estados Unidos, Leslie comanda a
Unidade de Corrupção Internacional do FBI, cuja grande novidade no ano passado
foi um escritório aberto em março em Miami apenas para investigar casos de
corrupção na América do Sul, o Miami International Corruption Squad.
A unidade conta com seis agentes especiais, um supervisor e
um contador forense que atuam na cidade conhecida por receber exilados cubanos,
venezuelanos e, mais recentemente, uma enxurrada de ricos brasileiros. “Você
não pode apenas ter um agente ou dois em um escritório em campo trabalhando com
isso…. Não dá para trabalhar com isso apenas duas ou três horas por semana.
Assim não vai funcionar. Você precisa de recursos dedicados em período
integral”, afirmou Leslie à Agência de Notícias Associated Press.
O esquadrão para América do Sul é o quarto esquadrão do FBI
especializado em corrupção internacional. Todos foram abertos nos últimos cinco
anos – ao mesmo tempo que a maior investigação de corrupção da história
brasileira varria o continente.
A reportagem pediu uma entrevista a Leslie Backschies, mas
não obteve resposta até a publicação.
Cinco anos depois, Leslie parece bastante satisfeita com os
resultados. “Nós vimos muita atividade na América do Sul — Odebrecht,
Petrobras. A América do Sul é um lugar onde… Nós vimos corrupção. Temos tido
muito trabalho ali”, disse ela à Agência de Notícias Associated Press no começo
de 2019.
“Não dá pra ser melhor do que isso”, ela afirmou no eventoda CKR Law em São Paulo. “Nossa relação com o Brasil é o modelo de colaboração
para países lutando contra crimes financeiros”.
“Isso é apenas o começo. Temos o enquadramento correto, a
vontade e os fundos para continuar trabalhando juntos”,
“Agentes do FBI já apoiaram” 10 medidas contra a corrupção
Em outubro de 2015, Leslie fez parte da comitiva de 18
agentes americanos que foram a Curitiba se reunir com procuradores e advogados
de delatores sem passar pelo Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo
a lei, intermediar todas as matérias de assistência jurídica com os EUA,
segundo revelaram Agência Pública e The Intercept Brasil.
A proximidade com a equipe da Lava Jato era tanta que Leslie
foi um dos agentes do FBI que posaram com um cartaz apoiando o projeto de lei
das 10 Medidas Contra a Corrupção, bandeira da Força-Tarefa e em especial do
seu chefe, Deltan Dallagnol, que foi derrotada no Congresso Nacional.
Em um chat com Deltan em 18 de maio de 2016 constante do
arquivo entregue ao site The Intercept Brasil, a procuradora Thaméa Danelon,
ex-coordenadora da Força-Tarefa em São Paulo, brincou antes uma viagem para os
EUA: “Vou tentar tirar uma foto c a Jennifer Lopes e o cartaz das 10 Medidas”,
brinca ela. “Os agentes do FBI já apoiaram. Mas não pode publicar a foto ok?
Eles não deixaram”, explica Thaméa, enviando a foto a seguir.
Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa em São
Paulo, e Deltan Dallagnol, chefe da Força-Tarefa da Lava Jato
A imagem foi posteriormente apagada e não consta do arquivo
entregue ao Intercept. Se divulgada, ela poderia causar uma saia justa ao MPF
por se tratar de autoridades estrangeiras atuando em uma campanha legislativa
nacional.
Thaméa diz que na foto todos são agentes, com exceção de uma
tradutora brasileira. Mostrando familiaridade com a agente americana, Deltan
Dallagnol se entusiasma e diz que a imagem lembra o filme Missão Impossível,
estrelado por Tom Cruise. “Legal a foto! A Leslie está em todas rs”.
A foto havia sido tirada em São Paulo um dia antes, em 17 de maio de 2016, quando Thaméa participou, junto com Leslie, de uma palestra para 90 membros do MPF paulista. Estavam lá também os agentes Jeff Pfeiffer e Patrick Kramer, além de George “Ren” McEchern, então diretor do Esquadrão de Corrupção Internacional do FBI em Washington – e chefe de Leslie.
Promovida pela Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Procuradoria da República em São Paulo, a palestra teve como objetivo ensinar o funcionamento da FCPA. “Foi uma excelente oportunidade para aprendermos sobre um eficiente sistema de combate à corrupção”, ressaltou Thaméa no evento.
A fala de Leslie Backschies não foi reproduzida online. A reportagem pediu as fotos do evento à procuradoria, mas a assessoria de imprensa respondeu que “infelizmente tivemos um problema no nosso backup e perdemos alguns registros de anos anteriores, inclusive esse evento”. Questionada via Lei de Acesso, o MPF fez uma dupla negativa: “E mesmo que tivéssemos estas imagens, elas precisariam de autorização de uso das pessoas fotografadas (palestrantes e espectadores), documento que não foi requisitado no evento”.
Meses depois, foi a vez de Thaméa ir a Washington para dar um curso ao FBI sobre a Lava Jato, conforme revela um diálogo com Deltan Dallagnol em 11 de Outubro de 2016 a partir das 16:47:23. “O FBI pediu pra eu falar sobre a Lavajato no curso em Washington, tudo bem? Vc me mandaria um material em Inglês? Eles tb. querem q eu fale sobre as 10 Measures!!!! show heim? até eles já sabem da campanha!!!”
Deltan responde: “Animal. Não é tudo bem. É tudo excelente!!!!!”
As mensagens foram reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos originais recebidos pelo The Intercept Brasil, incluindo erros de português e abreviaturas.
Segundo um documento constante dos arquivos da Vaza Jato, em 2015 havia nove policiais americanos lotados na embaixada de Brasília e no Consulado de São Paulo, incluindo do FBI, da Polícia de Imigração e Alfândega e do Departamento de Segurança Interna.
Com base nos diálogos e em apuração complementar, a Agência Pública conseguiu localizar, além de Leslie Backschies, 12 nomes de agentes do FBI que atuaram nos casos da Lava Jato em solo brasileiro.
Pela lei, nenhum agente americano pode fazer diligências ou investigações em solo brasileiro sem ter autorização expressa do Ministério da Justiça, pois as polícias não têm jurisdição fora dos seus países de origem. O FBI e a embaixada dos Estados Unidos se negam a detalhar publicamente o que fazem seus agentes no Brasil. Mas um documento da própria embaixada, obtido pela Pública, revela como funciona esse trabalho. Trata-se de um anúncio em 19 de outubro de 2019 em busca de um “investigador de segurança” para trabalhar na equipe do adido legal e passar 70% do tempo fazendo investigações. “Essas investigações são frequentemente altamente controversas, podem ter implicações sociais e políticas significativas”, diz o texto do anúncio, escrito em inglês. O anúncio avisa que o policial terá de viajar de carro, barco, trem ou avião por até 30 dias “para áreas remotas de fronteira e para todas as regiões do Brasil”.
Questionada pela Pública sobre a atuação de agentes do FBI em território brasileiro e sobre a parceria com os membros da Lava Jato, a embaixada americana respondeu através de uma nota: “O FBI colabora com as autoridades brasileiras, que conduzem todas as investigações no Brasil, inclusive todas as investigações que envolvem o Brasil e os EUA. As autoridades federais e estaduais brasileiras trabalham rotineiramente em parceria com as agências policiais dos EUA em uma ampla gama de questões. Os Estados Unidos e o Brasil mantêm uma excelente cooperação policial na FCPA, mas também no combate ao crime transnacional e em muitas outros ámbitos de interesse mútuo. Procuramos oportunidades de aprender com todas as nossas investigações. Um intercâmbio de boas práticas faz parte da boa cooperação que desfrutamos com nossos colegas brasileiros”.
Há dezenas de menções ao FBI e seus agentes nos diálogos constantes da Vaza-Jato analisados pela Agência Pública e Intercept Brasil. Fica claro que o relacionamento mais constante é entre membros da PF brasileira e agentes do FBI.
“A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta”
À frente da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da
Procuradoria-Geral da República, o procurador Vladimir Aras alertou diversas
vezes para problemas legais envolvendo a colaboração direta com agentes do FBI.
Uma conversa bastante tensa, em 11 de fevereiro de 2016,
revela até que ponto a PF mantinha proximidade com o FBI e desconfiava do
governo de Dilma Rousseff. A ponto de o próprio chefe da Lava Jato, Deltan
Dallagnol, admitir ao secretário de Cooperação Internacional da PGR que a PF
preferia tratar direto com os americanos a seguir as vias formais.
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Às 11:27:04, Deltan pede que Aras olhe um email enviado para
os Estados Unidos. Aras se surpreende com o teor: tratava-se de um pedido de
extradição de um suspeito da Lava Jato. Não fica claro quem é a pessoa a quem
se referem. O pedido, informal, havia sido enviado ao Escritório de Assuntos
Internacionais (OIA, na sigla em inglês) diretamente por Dallagnol, sem passar
pela Secretaria Cooperação Internacional da PGR nem pelo Departamento de
Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério
da Justiça, autoridade central responsável, de acordo com um tratado bilateral.
O diálogo dá a entender que um mandado de prisão ainda estava por ser decretado
pelo então juiz Sergio Moro.
“Passa o nome e os dados que vamos atrás. Fizemos isso com o
advogado de Cerveró”, responde Aras. “Nosso parceiro preferencial para
monitorar pessoas tem sido o DHS, mas podemos trabalhar com o FBI também.
Quanto antes tivermos os dados, melhor”, explica Aras, referindo-se ao
Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS, na sigla em inglês). Aras
prossegue explicando que o pedido de extradição teria que passar pelo DEEST, o
Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, além do Ministério de
Relações Exteriores, “um parceiro importante”.
“Não é bom tentar evitar o caminho da autoridade central, já
que, como vc sabe, isso ainda é requisito de validade e pode pôr em risco
medidas de cooperação no futuro e a “política externa” da PGR neste campo”, explica
Vladimir.
“O que podemos fazer agora é ajustar com o FBI e com o DHS
para localizar o alvo e esperar a ordem de prisão, que passará pelo DEEST.
Podemos mandar simultaneamente aos americanos”, ele prossegue.
Em resposta, Deltan é direto. “Obrigado Vlad por todas as
ponderações. Conversamos aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo
executivo, nesse caso concreto. Registra pros seus anais caso um dia vá brigar
pela função de autoridade central rs”, escreveu, deixando no ar a sugestão para
que Aras se ocupasse do assunto se um dia comandasse o MPF ou o Ministério da
Justiça. “E registra que a própria PF foi a primeira a dizer que não confia e
preferia não fazer rs”.
Vladimir insiste: “Já tivemos casos difíceis, que foram
conduzidos com êxito”.
“Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não
é conveniente passar algo pelo executivo”.
Vladimir responde que “A questão não é de conveniência. É de
legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ
a intermediação”.
Para a professora de direito penal e econômico na Fundação
Getulio Vargas, Heloísa Estellita, o episódio é “lamentável”. “Não temos
notícia de como o procurador procedeu e se procedeu a alguma medida. Mas não
deixa de ser lamentável que, mesmo corretamente orientado por colega
especialista em cooperação internacional e zeloso pela legalidade, o procurador
tenha manifestado que, em tese, preferiria outro caminho”, avalia. “Como o
procurador especialista alerta, a hipótese de circundar a autoridade competente
poderia não só causar problemas institucionais no Brasil, como gerar descrédito
para as instituições brasileiras perante autoridades estrangeiras”.
Procurada pela reportagem, a Força-Tarefa da Lava Jato
reiterou, através de nota, que “além dos pedidos formais por meio dos canais
oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos
diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação,
manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias,
com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem
pedidas e recebidas”. Leia a resposta completa no final desta reportagem.
Odebrecht: “O FBI já tem conhecimento total das
investigações”
Naquele mesmo ano, alguns meses depois, a relação com a
polícia americana voltaria a ser tema de debate entre os procuradores, desta
vez pelo Chat Acordo ODE, onde discutiam o contrato de leniência com a
construtora Odebrecht.
O tema da conversa, iniciada às 15:29:40 do dia 31 de agosto
de 2016, era o sistema de informática My Web Day, que, assim como o Drousys,
era usado pelo Setor de Operações Estruturadas, um departamento da Odebrecht
que geria os pagamentos de propinas a políticos de vários países. Os membros da
Lava Jato pediram informalmente ajuda ao FBI para quebrar as senhas de ambos os
sistemas. O pedido foi feito em agosto de 2016, quase um ano antes da Lava Jato
receber oficialmente os arquivos do Mywebday e Drousys a partir da assinatura
do acordo de leniência com a Odebrecht, o que ocorreu em agosto de 2017,
segundo reportagem de O Globo.
Naquele dia o procurador Paulo Roberto Galvão explicou que
pediu auxílio do FBI para “quebrar” ou “indicar um hacker” para acessar o
sistema My Web Day. Em resposta, o promotor Sérgio Bruno, que coordenava a Lava
Jato em Brasília, afirma que o então Procurador Geral da República Rodrigo
Janot chegou a ter uma reunião na embaixada americana para pedir ajuda com os
sistemas criptografados da Odebrecht.
“O canal com o FBI é com certeza muito mais direto do que o
canal da embaixada. O FBI tb já tem conhecimento total das investigações,
enquanto a embaixada não teria”, informa Paulo Roberto. “De minha parte acho
útil manter os dois canais”.
Depois, ele explica: “A nossa foi sim com o adido, porém o
que fica em SP. O mesmo que acompanha o caso LJ”.
As trocas entre FBI e a Lava Jato em relação ao sistema My
Web Day continuaram nos meses seguintes, mas parecem ter sido infrutíferas. Em
outubro de 2016, Paulo Roberto Galvão compartilhou no chat “Acordo Ode” uma
resposta em inglês de David Williams, adido do FBI na embaixada americana,
sobre as possibilidades indicadas pelos experts em criptologia do FBI.
A comunicação demonstra que o assunto já fora tratado,
pessoalmente, com o procurador Carlos Bruno Ferreira, da Secretaria de
Cooperação Internacional da PGR. “Se não me engano o assunto de baixo é o mesmo
que o Carlos Bruno explicou para mim recentemente na despedida do Adido Frank
Dick na embaixada do Reino Unido (certo Carlos?)”, escreve, em português
fluente, prometendo consultar os “cyber experts” do FBI. O problema é que o
MywebDay usava uma poderosa criptografia que só podia ser descriptografada
usando 3 componentes. E a Odebrecht dizia que tinha perdido dois deles, tendo
apenas a senha. A criptografia usava o programa Truecrypt.
“Eu acho que em resumo o que eles estão falando é que sem os
arquivos-chave, é impossível no cenário da Odebrecht destravar o volume do
TrueCrypt apenas com uma senha”, escreveu como resposta David Williams. “Eles
podem fazer uma análise forense nas imagens que têm os dados do TrueCrypt, e
fazer uma tentativa para localizar os outros arquivos-chave. Se essa análise é
algo que você gostaria de receber assistência, avise-nos e podemos ver se é
algo que o FBI pode tentar”.
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“Caros, na Suíça aparentemente o pessoal da Odebrecht disse
q teria condições de abrir o sistema. Vamos entender melhor isso”, encerra
Paulo.
No final de 2016, a Odebrecht, junto com sua subsidiária
Braskem – à época uma joint-venture com a Petrobras – fez um acordo com o DOJ
pelo qual ambas concordaram em pagar uma indenização de no mínimo US$ 3,2
bilhões aos EUA, Suíça e Brasil – total depois reduzido para US$ 2,6 bilhões –
por práticas de corrupção ocorridas fora dos EUA.
Procurada pela reportagem, a Lava Jato afirmou, através de
nota, que “os dados do sistema Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de
leniência firmado pelo Grupo Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à
avaliação do Poder Judiciário brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas
a diversas investigações e acusações criminais”. A resposta completa está no
final da reportagem.
Porém, apenas em agosto de 2017 cinco discos rígidos com
cópia de dados do software MyWebday foram entregues oficialmente aos procuradores
da Lava Jato como parte do acordo, segundo reportagem de O Globo. Os arquivos
para descriptografá-los continuavam desaparecidos – e mais uma vez a Lava Jato
precisou da ajuda dos americanos.
Discutindo a reportagem do Globo, o procurador Roberson
Pozzobon, colega de Dallagnol em Curitiba que chegou a negociar a abertura deuma empresa de palestras em sociedade com ele, reclamou: “Da forma como ele
colocou, parece que não nos empenhamos (e ainda estamos nos empenhando) para
buscar acessar essas informações (quando os dispositivos foram enviados até o
FBI para ver se seria possível acessar sem as senhas)”, escreveu ele no chat
“Filhos do Januario 2 – SAIR” em 6 de fevereiro de 2018.
A colaboração com o FBI nas investigações em relação à
Odebrecht levou a um dos maiores acordos assinados até então pelo DOJ com uma
empresa internacional, no valor de US$ 2,6 bilhões de multa.
Como a Odebrecht não é uma empresa de capital aberto e
portanto não tem suas ações vendidas na bolsa nos Estados Unidos – como era o caso
da Braskem – o acordo descreve algumas situações que estariam sob a jurisdição
americana.
Por exemplo, a Odebrecht teria usado contas em bancos de
Nova York para transferir dinheiro para contas Offshore em Belize e nas Ilhas
Virgens Britânicas que, afinal, seria “em parte” usada para o pagamento de
propina em países latino-americanos. O DOJ vai além. “A Odebrecht, os seus
empregados e agentes, tomaram diversos passos enquanto nos Estados Unidos para
aprofundar o esquema. Por exemplo, em 2014 e 2015, enquanto estavam em Miami,
na Flórida, dois funcionários da Odebrecht tiveram condutas relativas a certos
projetos dentro do esquema, incluindo reuniões com outros co-conspiradores para
planejar ações a serem tomadas em conexão com a Divisão de Operações Estruturadas,
a movimentação de produtos de crimes, e outras condutas criminosas”.
Após ser alvo da Lava-Jato e de ter assinado acordo nos EUA,
a Odebrecht passou a ser investigada em diversos países onde mantinha contratos
na América Latina. Em junho de 2019, a empresa pediu recuperação judicial.
Segundo o jornal Miami Herald, foi justamente a crença de
que o dinheiro lavado pelos membros do regime de Hugo Chávez na Venezuela –
incluindo a propina da Odebrecht – acabou no mercado imobiliário do sul da
Flórida que levou à criação no ano passado de um Esquadrão de Corrupção
Internacional em Miami. O esquadrão é subjugado à Unidade de Investigação
liderado por Leslie Backschies, a agente que fala português fluentemente e
apoiou as 10 medidas contra a corrupção de Deltan e companhia, segundo as
mensagens da Vaza Jato.
“Nós vimos presidentes derrubados no Brasil. Esses são os
resultados de casos como esses”
A expressão usada por Leslie Rodrigues Backschies para
descrever o impacto político das investigações do FBI sobre corrupção
estrangeira é que são “politicamente sensíveis”.
“Esses casos são muito sensíveis politicamente, não somente
nos Estados Unidos mas no exterior,” explicou a agente especial em entrevista à
Associated Press. “Quando você está olhando para oficiais estrangeiros em
outros governos — quer dizer, veja, na Malásia, o presidente não foi reeleito.
Nós vimos presidentes derrubados no Brasil. Esses são os resultados de casos
como esses. Se você está olhando para membros do alto escalão de governos, há
muitas sensibilidades.”
A agente especial Leslie R. Backschies participou do evento
ICC meet the enforcers em fevereiro de 2018
É por conta de tamanhas “sensibilidades” que, diferentemente
de outros casos criminais, todos os casos de FCPA são dirigidos pela unidade
especializada do Departamento de Justiça em Washington – mesmo que tenham se
iniciado em um distrito distante da capital. O DOJ é chefiado pelo
Procurador-Geral dos Estados Unidos, uma espécie de Ministro da Justiça,
nomeado diretamente pelo presidente.
Segundo a reportagem da Associated Press, os supervisores do
FBI se encontram com advogados do Departamento de Justiça a cada 15 dias para
avaliar potenciais investigações e possíveis consequências políticas.
Corrupção internacional vira prioridade
A mudança na carreira de Leslie acompanhou uma mudança de
foco do Departamento de Justiça e do FBI na última década. A partir de uma
percepção de que a lavagem de dinheiro ajudava o financiamento do terrorismo,
os agentes americanos passaram a se dedicar cada vez mais a casos de corrupção
transnacional e lavagem de dinheiro usando a legislação FCPA, que tem
jurisdição ampliada para o mundo todo. Hoje, a maioria dos casos de FCPA não
tem nada a ver com terrorismo.
A mudança trouxe dividendos para o DOJ e possibilitou uma
renovada parceria com polícias e Ministérios Públicos de todo o continente
americano. E se solidificou. Em 2017, pela primeira vez a Estratégia de
Segurança Nacional dos Estados Unidos – já sob o governo de Donald Trump –
incluiu o “combate à corrupção estrangeira” como prioridade para a segurança interna
dos cidadãos americanos.
Antes dele, a estratégia definida por Barack Obama em 2015
já mencionava a corrupção internacional como ponto de atenção – mas ela não
tinha uma lista de “ações prioritárias”.
Em março de 2015, o FBI abriu três esquadrões dedicados à
corrupção internacional em Nova York, Los Angeles e Washington, triplicando o
número de agentes dedicados a investigar violações da FCPA e “crimes de
cleptocracia” – foram de 10 agentes para 30. Até o final de 2017 os recursos
para o FBI investigar corrupção transnacional aumentaram em 300%, segundo o seuex-chefe “Ren” McEachern.
Diálogos mostram que sob o comando de Deltan Dallagnol, o
FBI teve total acesso às investigações sobre a Odebrecht
O anúncio oficial explicava o foco na investigação de “cleptocracias”,
“oficiais estrangeiros que roubam dos tesouros dos seus governos às custas dos
seus cidadãos” e afirmava ainda que os agentes do FBI iriam contar com
“operações secretas, informantes e fontes”, além de “parceria com nossas
contrapartes internacionais – facilitada pela nossa rede de adidos legais
situados estrategicamente ao redor do mundo”.
A explicação de Leslie para o foco do FBI na corrupção
internacional – e por que investigar empresas que cometeram corrupção fora dos
Estados Unidos ajuda a melhorar a segurança dos cidadãos americanos – é
rocambolesca. “Queremos que se cumpra a lei. Se a lei não é cumprida, você terá
certas sociedades nas quais eles [os cidadãos] sentem que os governos deles são
tão corruptos, que irão buscar outros elementos que são considerados
fundamentais, que eles vêem como limpos ou algo contra o regime corrupto, e
isso se torna uma ameaça para a segurança nacional [dos Estados Unidos]”.
“Uma coisa quando eu falo com empresas, eu digo ‘Quando você
paga um suborno, você sabe onde o dinheiro está indo? Sua propina está indo
para financiar terrorismo?’”, completa, sem explicar como isso ocorre.
Em julho de 2019, Leslie Backschies participou de mais um
evento para discutir corrupção internacional, dessa vez em Washington, DC, e
desvendou mais uma atuação “sensível” da polícia americana no exterior. Segundo
o site Market Insight a agente especial afirmou que o FBI tem a estratégia de
valer-se de membros de governos de outros países para buscar investigar casos
de FCPA.
Ela afirmou que, quando há uma mudança de regime, uma nova
administração às vezes pede ajuda para investigar a corrupção no governo
anterior. E quando um novo governo chega a um país, pode haver servidores
restantes do governo anterior que querem relatar a corrupção.
A atuação do FBI em casos fora do seu território tem gerado
diversas críticas entre juristas, que apontam que os Estados Unidos se comporta
como “polícia do mundo”.
“Eu tenho alguns clientes que quase nem tocaram nos Estados
Unidos, e eles perguntam: até onde isso vai se estender? E, você sabe, até
certo ponto, qual o interesse dos EUA?” questiona o advogado Adam Kauffman, um
ex-procurador do distrito de Nova York que trabalhou com Sergio Moro na
investigação sobre o caso Banestado, quando ele era juiz federal.
Ele deu uma entrevista à Agência Pública em Nova York em
junho de 2019, antes do vazamento dos diálogos da Força-Tarefa. “Em muitos
casos, quando o governo [americano] processa esses casos de corrupção, as
pessoas admitem a culpa porque estão com medo, e conseguem um acordo bom, então
o governo garante jurisdição sobre coisas que são muito tênues. Mas ninguém
questiona isso, então se torna mais e mais comum e a jurisdição vai para mais e
mais longe”.
“Porque jurisdição”, reflete Adam, “é como gravidez. Ou você
tem ou você não tem. Você não pode ter um pouquinho de jurisdição e você não
pode estar um pouquinho grávida. Onde está o limite?”.
Respostas da Lava Jato
Procurada pela Pública, a força-tarefa da Lava Jato
respondeu por email. Leia a íntegra das respostas a seguir:
- Um dos diálogos vazados ao The Intercept Brasil atesta que em 31 de agosto de 2016 o FBI tinha “total conhecimento” das investigações feitas pela Lava Jato sobre a empresa Odebrecht. Como funcionava essa atuação do FBI em parceria com os investigadores da Lava Jato? Como se dava essa transmissão de informações?
Não se trata de atuação em parceria, mas de cooperação entre
autoridades responsáveis pela persecução criminal em seus países, conforme
determinam diversos tratados internacionais de que o Brasil é signatário. O
intercâmbio de informações entre países segue igualmente normas internacionais
e também leis brasileiras. Além dos pedidos formais por meio dos canais
oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos
diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação,
manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias,
com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem
pedidas e recebidas.
- A parceria com o FBI, que incluiu a busca de quebrar a criptografia do sistema Drousys, foi criticada por alguns advogados como um possível risco à soberania nacional por poder ser usada contra uma empresa brasileira por um governo estrangeiro. Qual é a posição da Lava Jato sobre isso?
Não recebemos da jornalista dados sobre a “busca de quebrar
a criptografia do sistema Drousys”, nem sobre “foi criticada por alguns
advogados como um possível risco à soberania nacional por poder ser usada
contra uma empresa brasileira por um governo estrangeiro”. De todo modo, os
dados do sistema Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência
firmado pelo Grupo Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação
do Poder Judiciário brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a
diversas investigações e acusações criminais.
- Os diálogos demonstram ainda que em pelo menos uma ocasião o chefe da Lava Jato manteve contatos diretor com o DOJ em temas de extradição e cooperação internacional – uma atribuição do DRCI /MJ – e expressou a decisão de evitar passar pelo Executivo, no caso o Ministério da Justiça, durante o governo de Dilma Rousseff. Por que a Lava Jato preferia evitar a Autoridade Central e se comunicar diretamente com o Departamento de Justiça Americano? Esse tipo de postura não poderia prejudicar a imagem internacional das instituições brasileiras perante autoridades estrangeiras?
Conforme respondido no item “1”, além dos pedidos formais por
meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham
contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de
cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir
estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações
a serem pedidas e recebidas.
- A Lava Jato continua trocando informações e colaborando com o FBI em solo brasileiro? Existem ainda empresas brasileiras que são investigadas pelo FBI com base na legislação FCPA?
A força-tarefa da Lava Jato no Paraná não comenta sobre
eventuais investigações em curso.
O jornalista Leonardo Attuch recebe os convidados Paulo
Moreira Leite, Alex Solnik, Dafne Ashton e André Constantine para debater as
principais notícias do dia e também Renata Mielli para falar sobre o projeto
contra fake news. Na sequência Paulo Emílio entrevista Tereza Cruvinel
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