Clã Bolsonaro: Flávio, Jair, Eduardo e Carlos Foto:
Reprodução
Investigações indicam pagamentos em gabinetes para
servidores que não exerciam suas funções; entre 1991 e 2019, R$ 1 em cada R$ 4
da remuneração contabilizada foi destinado a pessoas sob suspeita
A intrincada organização dos gabinetes da família Bolsonaro
sugere um hábito longevo de preencher cargos comissionados com funcionários que
nem sempre davam expediente em seus locais de trabalho. Um levantamento feito
por ÉPOCA joga luz sobre essas movimentações e seus números, que hoje estão nas mesas dos investigadores. Do total pago
aos 286 funcionários que o presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos mais
velhos contrataram em seus gabinetes entre 1991 e 2019, 28% foi depositado na
conta de servidores com indícios de que efetivamente não trabalharam.
É como se de cada R$ 4 reais pagos, mais de R$ 1 fosse para
as mãos de pessoas que hoje, em grande maioria, são investigadas por devolver
parte dos vencimentos aos chefes. Ao menos 39 possuem indícios de que não trabalharam de fato nos cargos -
13% do total.
Enquanto recebiam como funcionários, esses profissionais tinham
outras profissões como cabeleireira, veterinário, babá e personal trainer, como
é o caso de Nathalia Queiroz, filha de Fabrício Queiroz, apontado pelo MP
como operador do esquema da rachadinha no gabinete de
Flávio. Juntos, os 39 receberam um total de 16,7 milhões em salários brutos (o
equivalente a R$ 29,5 milhões em valores corrigidos pela inflação do período)
durante o período em que trabalharam com a família.
No grupo de pessoas que constaram como assessores, mas
possuem indícios de que não atuavam nos cargos, 17 foram lotadas exclusivamente
no gabinete de Flávio Bolsonaro, outros dez no de Carlos, ambos alvos de investigação do Ministério Público. No gabinete do
então deputado federal Jair Bolsonaro, três funcionários constam na lista. Há,
ainda, outros nove que passaram por vários gabinetes do clã, parte do modus
operandi hoje apurado pelo MP.
Marcia Aguiar, mulher do Queiroz, e Nathália Queiroz,
são dois casos emblemáticos desde o início das investigações.
Márcia se declarava cabeleireira em documentos do Judiciário em 2008 e Nathalia
é conhecida entre atores e personalidades públicas por seu trabalho como
personal trainer. Cada uma das duas recebeu ao longo de uma década um total de
R$ 1,3 milhão atualizados pela inflação, mas nunca tiveram crachá na Alerj.
Mas a maior parte dos casos está na família de Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair
Bolsonaro. A maioria é investigada pelo Ministério Público nos casos de Flávio
ou no de Carlos. No caso dos 10 assessores de Flávio que são parentes de Ana
Cristina, o MP descobriu que eles sacaram até 90% dos salários no período em que
constaram como servidores, num total de R$ 4 milhões.
A história de Andrea Siqueira Valle, irmã de Ana Cristina e
ex-cunhada de Bolsonaro, é o ponto mais extremo da curva. Desse grupo, ela é
quem mais recebeu.
Entre os gabinetes de Jair, Carlos e Flávio, Andrea somou 20
anos de cargos comissionados e recebeu em salário bruto R$ 1,2 milhão (R$ 2,25
milhões, corrigido pela inflação). Fisiculturista, ela mantinha uma rotina de
malhação de duas a três vezes por dia na academia Physical Form. Nos
intervalos, atuava como faxineira em residências e vivia em uma casa construída
no fundo do terreno onde moram seus pais. Mas seguia trabalhando como faxineira
e com grandes dificuldades financeiras.
“Ela também me ajudou com faxina na academia. Ela faz
esse tipo de serviço aqui na academia”, contou Renata Mendes, dona da nova
academia que Andrea frequentava em Guarapari, no Espírito Santo. Procurada,
disse que não tinha nada a declarar.
Em seguida, surge, o veterinário Francisco Siqueira
Guimarães Diniz, de 36 anos, primo de Ana Cristina. Ele tinha apenas 21 anos quando foi
nomeado em 2003 e ficou lotado no gabinete de Flávio por 14 anos. Recebeu um
total de R$ 1,2 milhão - R$ 1,95 milhão, corrigido pela inflação. Em 2005, ele
começou a cursar a faculdade de Medicina Veterinária no Centro Universitário de
Barra Mansa, cidade a 140 quilômetros do Rio e próxima a Resende.
O curso era integral e ele se formou em 2008. Em 2016, ele
trabalhou para a H.G.VET Comércio de Produtos Agropecuários e Veterinários.
Apesar de ter ficado mais de uma década nomeado, só teve crachá nos últimos dois meses em que esteve lotado, em 2017.
Procurado, Diniz disse que trabalhou para Flávio, mas não recordava por quanto
tempo.
A dona de casa Ana Maria Siqueira Hudson, tia de Ana
Cristina, aparece em seguida. Foi nomeada no gabinete de Flávio em 2005 e ficou
lotada até meados de 2018. Ela obteve um total de R$1,22 milhão (R$ 1,85
milhão, corrigido pela inflação). Nesse período, ele sempre viveu em Resende e,
por um período, cuidou de uma loja de decoração da família. Ela é mãe de
Guilherme de Siqueira Hudson, que constou como chefe de gabinete de Carlos por
10 anos quando também vivia em Resende e sequer teve crachá da Câmara de
Vereadores. Ambos são investigados pelo MP.
Na lista dos 10, consta ainda Marta Vale, cunhada de Ana
Cristina. Ela sempre morou em Juiz de Fora, em Minas Gerais, e constou como
assessora de Carlos Bolsonaro na Câmara de Vereadores do Rio entre 2001 e 2009.
Nunca teve crachá funcional e, procurada por ÉPOCA, no ano passado, disse que nunca trabalhou para Carlos. Ela recebeu R$
550 mil em salários (R$ 1,2 milhão, corrigido pela inflação). Hoje é
investigada no procedimento do MP sobre o "02".
No local, uma casa simples e com uma pintura antiga em tom
rosado, mora Diva da Cruz Martins, mãe de Andrea e outra ex-assessora de Carlos
entre fevereiro de 2003 e agosto de 2005. Foto: Gabriel Monteiro / Agência O
Globo
Outro caso que chama atenção no gabinete de Carlos é o de
Andrea da Cruz Martins. Ela esteve lotada 2005 até fevereiro de 2019. Em
novembro de 2013, no entanto, quando Andrea deu entrada nos papéis de seu
casamento no cartório de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ela identificou-se
como “babá”. Ela recebeu um total de R$ 1,26 milhão (R$ 1,83 milhão atualizado
pela inflação). Procurada na casa da família, os parentes disseram que não
sabem onde ela vive. Andrea é investigada pelo MP no caso de Carlos.
Em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do Rio, vive outra
família que lidera o ranking de parentes nomeados e de valores recebidos no
gabinete da família Bolsonaro. Lá moram Edir e Neula Góes. Ela constou como
assessora de Carlos de 2001 até fevereiro deste ano. Ele está nomeado desde
2008. Ele já obteve vencimentos brutos da Câmara num total de R$ 1,3 milhão (R$
1,7 milhão, atualizado) — Neula, de R$ 956 mil (R$ 1,5 milhão, corrigido)
Marcia Salgado Oliveira, tia do ministro Jorge Oliveira, da
Secretaria-Geral da Presidência, apareceu nos registros da Alerj como
funcionária de Flávio de 2003 até fevereiro de 2019. Em 2014, porém, num
processo que tramitou no Juizado Especial da Comarca de Mesquita, na Baixada
Fluminense, quando acionou uma empresa de telefonia, Márcia apresentou uma
procuração escrita de próprio punho, na qual informou que sua ocupação era “do
lar”. Além disso, em 16 anos, ela jamais teve crachá emitido pela Alerj. Ela
recebeu um total de R$ 1 milhão (R$ 1,6 milhão, corrigido). Procurada, não se
pronunciou.
FUNCIONÁRIOS FANTASMAS DOS BOLSONAROS RECEBERAM R$ 29,5
MILHÕES EM SALÁRIOS
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