Esquerda norte-americana mobiliza a sociedade civil, mas tem dificuldade para participar do processo eleitoral nos EUA. Poder do financiamento corporativista e estratégias de supressão de votos mantêm a esquerda ativa nas ruas, mas longe da Casa Branca e do Capitólio, explicam analistas ouvidos pela Sputnik Brasil
O mês de agosto foi marcado por intensa atividade política da
esquerda norte-americana, que debate seu posicionamento nas eleições
presidenciais de novembro de 2024. Insatisfeitos com o Partido Democrata em
função de seu baixo engajamento em pautas de interesse da classe trabalhadora e
apoio ao esforço israelense em Gaza, grupos socialistas
norte-americanos apostam na terceira via para atingir a igualdade social.
Se a corrente denominada socialista dentro do Partido
Democrata, o Democratic Socialists of America (DSA), declarou apoio à candidatura de Kamala Harris, o mesmo não pode ser
dito de movimentos de esquerda independentes.
No dia 30 de agosto, poucos dias após a Convenção do Partido Democrata, uma outra reunião política foi convocada na cidade de Chicago: a Socialists 2024. Neste evento, o entusiasmo por Kamala Harris e seu Partido Democrata ficou bem menos evidente, reportou o The Washington Post. Temas como o apoio norte-americano ao esforço de guerra israelense em Gaza e a baixa cobertura da segurança social no país dividem a esquerda socialista e o Partido Democrata norte-americano.
Na mesma semana, um grupo mais radical de esquerda, que se
identifica como comunista, criou o partido Revolutionary Communists of America.
Com uma pauta política baseada na retomada do conceito de luta de classes,
o partido repudia tanto o republicano Donald Trump, quanto a sua
rival Harris.
"Precisamos reconhecer que nem os democratas, nem os republicanos podem genuinamente defender ou promover os interesses da classe trabalhadora, e a luta para criar um partido de massas próprio é a única saída possível para o movimento de trabalhadores dos EUA", versa o movimento em seu manifesto.
As diferenças entre democratas e socialistas não vêm de
hoje: desde as controvérsias primárias democratas de 2016, quando o candidato socialista Bernie Sanders se retirou da corrida após
acordos controversos com sua rival Hilary Clinton, parte da esquerda
norte-americana não se sente representadas pelo Partido Democrata.
De acordo com o fundador do Center for Political
Innovation, Caleb Maupin, o ambiente econômico é favorável para a
emergência de movimentos mais robustos à esquerda, dada a queda do padrão de
vida da classe trabalhadora.
"Com certeza há uma queda no nível de vida. As pessoas mais jovens estão com muita dificuldade para se estabelecer. A casa familiar própria é coisa do passado nos EUA. A inflação, combinada com o aumento de empregos temporários e mal remunerados no setor de serviços, tornam as condições muito mais difíceis para um jovem americano sobreviver", disse Maupin à Sputnik Brasil. "Vemos muito ressentimento econômico. A crença no sonho americano e na prosperidade para todos desapareceu."
No entanto, o analista adverte que movimentos de esquerda
ainda são mal recebidos por grande parte do eleitorado, principalmente aquele
identificado com o atual candidato à presidência Donald Trump.
"Infelizmente, muitos apoiadores de Trump estão
descontentes com coisas como as quarentenas da COVID-19, estão irritados com a
perda da liberdade de expressão, e passaram a identificar essas questões com o
comunismo. Ainda existe essa percepção muito forte nos círculos republicanos de
que o comunismo, a política woke e o Partido Democrata são sinônimos",
lamentou Maupin. "E esse simplesmente não é o caso [...], o
socialismo tem tudo a ver com crescimento econômico, enquanto o Partido
Democrata promove o decrescimento e a promoção de um estado policial de baixos
salários."
Sociedade civil ativa
A dificuldade de integrar grupos de esquerda na política
eleitoral norte-americana contrasta com a atividade intensa no nível da
sociedade civil. De acordo com a brasileira residente nos EUA Natália
de Campos, cocoordenadora do Comitê Defenda Democracia no Brasil de Nova York,
o engajamento da juventude em movimentos pacifistas e antirracistas é intenso.
"Vemos uma conflagração de forças ao redor do movimento pró-Palestina, que está nas ruas, seguindo uma tendência que começou lá no movimento Vidas Negras Importam [Black Lives Matter]", disse Campos à Sputnik Brasil. "E com isso a gente está vendo muitos jovens se engajando novamente na política, apoiando pautas socialistas especificamente, e procurando uma alternativa para os dois partidos que dominam aqui [nos EUA]."
A dificuldade, segundo ela, é emplacar candidaturas de
movimentos sociais no processo eleitoral. Em função das regras complexas,
que variam entre os estados, conseguir emplacar o nome de candidatos na cédula
eleitoral norte-americana já é considerado uma grande vitória.
"Apesar dos obstáculos, neste ano teremos mais
candidatos socialistas nas cédulas do que nos últimos anos", revelou
Campos. "Em alguns estados, como a Geórgia, o próprio Partido Democrata desafia a inclusão de socialistas
nas cédulas, porque não querem uma terceira via. E os republicanos apelam
para o garry mandering, uma prática que redesenha os distritos eleitorais para
separar as comunidades [...]. Então temos supressão de votos pelos dois
lados."
Além das dificuldades regulatórias, os movimentos de
esquerda nos EUA sofrem com a falta crônica de financiamento. O
financiamento privado centrado nos dois principais partidos do país é a tônica
do sistema eleitoral norte-americano, dificultando sobremaneira a emergência de
movimentos alternativos.
"As eleições aqui [nos EUA] são fortemente influenciadas pelo poder corporativo, que bloqueia qualquer tipo de competitividade", lamentou Campos. "Vemos como o dinheiro corporativo entra numa campanha para fazer lobby, direcionar o eleitorado e toda a máquina necessária para eleger uma pessoa."
Segundo ela, os obstáculos à participação política
de movimentos alternativos levam "uma parte do eleitorado a não
se engajar, por entender que os partidos Democrata e Republicano se assemelham
cada vez mais."
O norte-americano Caleb Maupin acredita na
necessidade de uma terceira via. Para ele, o socialismo deve se distanciar
tanto do "neoliberalismo econômico e liberalismo social" do Partido
Democrata, quanto do renovado "tom populista" da retórica de Trump.
"O que é necessário agora nos Estados Unidos é uma coalizão antimonopólio, na qual todas as diferentes forças que se beneficiariam com a derrota dos monopólios e com um governo que enfatize o crescimento econômico possam se unir e apresentar um programa de construção de infraestrutura, nacionalização e centralização do crédito para ter um plano econômico para o renascimento econômico do país, controle público dos recursos naturais. Todas essas coisas fariam parte de um programa socialista antimonopólio", concluiu o analista norte-americano.
As eleições presidenciais norte-americanas estão previstas para ocorrer em novembro de 2024. Pesquisas recentes indicam uma corrida apertada, com diferença de um a dois pontos percentuais nas intenções de votos nacionais para os dois principais candidatos, o republicano Donald Trump e a democrata Kamala Harris. De acordo com a mais recente pesquisa do jornal Wall Street Journal, Harris lideraria com 48% contra 47% de Donald Trump. A pesquisa Quinnipiac University Pool aponta para Harris com 29%, contra 48% de seu rival republicano.
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