Mais de dois anos após a independência do Brasil do Reino Unido de Portugal, os Estados Unidos reconheciam o país como uma nação soberana, em 1824, e eram inaugurados os laços políticos, econômicos e culturais que completam dois séculos neste domingo (26). Porém, as relações nem sempre foram marcadas por amistosidade e parceria.
Durante o século XIX, com predomínio do período imperial brasileiro, até 1889 a política externa
dos dois países foi marcada mais por divergências do que por
aproximações. Enquanto os Estados Unidos adotavam um sistema republicano, o
Brasil manteve a monarquia e, com isso, era mais próximo da Europa.
Mesmo assim, Washington já se envolvia diretamente
em revoltas republicanas no país, como a Farroupilha e a Balaiada, com o
objetivo de implantar seus ideais na jovem nação. Mas foram justamente as
questões econômicas que viraram a chave da parceria. Depois que o território
brasileiro se tornou o maior produtor de café do mundo, houve uma forte
aproximação, que se manteve firme até 1865, no fim da guerra civil
norte-americana, quando o Brasil perdia seu principal aliado escravocrata no
continente.
Qual a relação entre o Brasil e os EUA?
Passados os primeiros anos após o fim da monarquia
brasileira, a jovem república, sob a figura do então ministro das Relações
Exteriores José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco,
uma nova política externa brasileira foi estabelecida. Apesar
de não se configurar como um "alinhamento automático" com os EUA, o
país passou a ser visto na América do Sul como um guardião da Doutrina Monroe.
Já na Era Vargas, em que o mundo vivia os impactos do colapso da Bolsa de Nova York em 1929 e a Grande
Depressão, houve uma tentativa brasileira de independência econômica e busca
pelo maior desenvolvimento social, o que gerou afastamento dos EUA até anos
antes do início da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, a política
externa brasileira ficou conhecida como "jogo duplo".
EUA e golpe militar no Brasil: 'luta' contra avançocomunista ou medo de nova potência nas Américas? |
Por que os Estados Unidos apoiaram a ditadura no Brasil?
Em um contexto de Guerra Fria entre EUA e União Soviética, a
interferência norte-americana no Brasil chegou a tal ponto que Washington foi
responsável por um dos períodos mais turbulentos da história recente: o golpe
que levou à ditadura militar brasileira.
No fim da década de 1950, o governo americano contribuiu com
o financiamento do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), entidade
anticomunista, ligada à Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em
inglês), que ajudou a consolidar uma bancada de deputados conservadores.
Paralelamente à atuação norte-americana, as políticas do
então presidente João Goulart (1961–1964) — voltadas para a nacionalização da
indústria de petróleo, reforma agrária e reforma trabalhista, colocadas pela
elite brasileira como um caminho inicial para "implantar o comunismo no
país" — foram usadas como massa de manobra para grandes manifestações
tomarem conta das ruas, como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que
em março de 1964 reuniu entre 300 mil e 500 mil pessoas em São Paulo.
Tudo levava a um cenário ideal para a tomada do poder pelos militares apoiados
pelos EUA, golpe que se concretizou no final daquele mesmo mês.
Até 1976 houve apoio quase incondicional dos
norte-americanos a Brasília, quando o então governo do general Ernesto Geisel
tentou buscar maior autonomia em relação aos EUA. Foi justamente
nessa época que o Brasil estabeleceu relações diplomáticas com a China e até iniciou
negociações com o Iraque de Saddam Hussein para o desenvolvimento conjunto de
armas atômicas, o que levou a um quase rompimento diplomático.
Pouco anos depois, em 1984, acabava a ditadura militar.
Lula e Biden: a história de uma parceria 'com limites' |
Boicote ao programa espacial brasileiro
Já na década de 1990, com o novo rumo democrático do
Brasil, telegramas confidenciais do Itamaraty mostraram o boicote dos
Estados Unidos ao programa espacial brasileiro, com a realização de embargos
tecnológicos que impediram o país a comprar equipamentos essenciais para
conduzir o projeto. Um dos efeitos foi o atraso na entrega do Veículo Lançador
de Satélites (VLS), que deveria ter ficado pronto em 1989 e só fez o
primeiro teste em 1997.
Parte da comunicação entre a diplomacia dos dois países na
época, em que o Brasil demonstrava "estranheza e preocupação" com os
constantes boicotes, foi divulgada pelo WikiLeaks já em 2010, revelando
manobras norte-americanas para afetar o programa espacial brasileiro até 2009.
EUA pressionaram por saída de brasileiro na OPAQ para conseguir atacar o Iraque
Começava um novo século e, junto com ele, nos anos 2000, o
interesse do então governo do republicano George W. Bush de iniciar uma
guerra contra o Iraque, presidido por Saddam Hussein. Na época, a
justificativa para a ação militar era a suposta presença de armas de destruição
em massa que poderiam ser usadas por grupos terroristas. Porém, havia uma forte
rejeição da teoria justamente por um brasileiro: o embaixador José Maurício Bustani, que dirigia a Organização
para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), principal órgão internacional
destinado a evitar a proliferação de armas nucleares, químicas, bacteriológicas
e mísseis.
Sob o diretor brasileiro, entre 1997 e 2002, a entidade
ganhou força, reduziu em 15% a quantidade de armas químicas,
realizou cerca de 1,1 mil inspeções e fez o número de membros saltar de 87 para
145. Pouco antes da tentativa de os Estados Unidos invadirem o Iraque, Bustani
estava prestes a fechar a adesão de Bagdá à OPAQ. Com isso, o país seria inspecionado
e a justificativa do presidente Bush para a guerra cairia por terra.
Foi nisso que veio a reação da diplomacia norte-americana, que pressionou o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995–2022) a fazer Bustani renunciar ao cargo. Passados mais de 20 anos, o ex-embaixador disse sofrer por não ter evitado a guerra, que nunca levou ao encontro das alegadas armas químicas, e confirmou que foi demitido do cargo após intenso lobby norte-americano.
Grampo contra a ex-presidente Dilma
Outra revelação do site WikiLeaks foi a espionagem realizada
pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) no período em que
a ex-presidente Dilma Rousseff (2011–2016) esteve no
poder. Ao todo, 29 telefonemas da própria presidente, além de ministros,
diplomatas e assessores, foram grampeados pelos Estados Unidos.
Um dos números telefônicos monitorados foi o usado a bordo
do avião presidencial, em que Dilma se comunicava durante as viagens
internacionais. Inclusive o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), general José Elito Siqueira, que era responsável pela
segurança presidencial, foi um dos monitorados pelo governo de Barack
Obama (2009–2017). Ainda foram instalados grampos em embaixadas,
residências de diplomatas e até no Banco Central.
Os documentos sigilosos foram vazados pelo ex-servidor da NSA Edward Snowden e também apontam que
e-mails de Dilma Rousseff foram interceptados. Anos depois, a ex-presidente
sofreu um processo de impeachment e acabou sendo afastada do cargo, época que
também levou o Brasil a uma grave crise econômica.
Lava Jato, 10 anos: se operação nunca tivesse ocorrido, Brasil seria a 3ª maior economia do mundo? |
EUA usaram a Lava Jato para fins políticos?
Quase na mesma época da revelação dos grampos contra o
governo Dilma, começava no Brasil a operação Lava Jato, que tinha o objetivo de
investigar esquemas de corrupção entre políticos, empreiteiras e a maior
empresa do país, a Petrobras. Ao longo de 79 fases e quase sete anos,
a Lava Jato realizou o cumprimento de mais de mil mandados de busca e
apreensão, além de ordens de prisão temporária, prisão preventiva e condução
coercitiva, e colocou um ex-presidente atrás das grades: Luiz Inácio Lula da Silva, que posteriormente teve a
condenação revertida e foi constatada a parcialidade do então juiz Sergio Moro
no processo judicial. Somado a isso, o Brasil também viu a rota de crescimento
inverter, quando o PIB chegou a cair 3,5% ao longo de dois anos.
Com isso, o país viveu uma recessão, saindo de 6ª
para a 15ª economia do mundo, e viu ruir as maiores empresas brasileiras
que até então se consolidavam mundo afora. E foi justamente o Departamento de
Justiça dos Estados Unidos que se articulou diretamente com juízes e agentes do
sistema judiciário do Paraná, com denúncias de que inclusive teriam sido instruídos
pelo órgão norte-americano na época.
Recuo após apoio público na OCDE
Nos anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que em grande parte
coincidiu com a gestão de Donald Trump nos EUA, os dois países estiveram
próximos, pelo menos em afagos públicos entre os dois líderes. Durante a visita
de Bolsonaro ao país em 2019, Trump chegou a declarar apoio à tentativa
do governo brasileiro de ingressar na Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado clube dos países ricos. Em troca do
aval norte-americano, Brasília inclusive abriu mão do status de país em
desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), que garantia
melhores condições na entidade.
Bastaram alguns meses para o governo Trump mudar de
posicionamento: em agosto do mesmo ano, o então secretário de Estado dos EUA,
Michael Pompeo, disse que o país endossava as candidaturas à OCDE
apenas da Argentina e Romênia, um balde de água fria às intenções
brasileiras.
'Vítima de bloqueio tecnológico'
Já em abril deste ano, o secretário executivo do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luis Manuel Rebelo Fernandes, chegou a
avaliar à Sputnik Brasil que os Estados Unidos têm impedido o Brasil de se desenvolver tecnologicamente.
"Talvez o caso mais exemplar seja o programa de
enriquecimento do urânio, o nosso programa nuclear, que por pressão dos Estados
Unidos foi bloqueada uma transferência de tecnologia da Alemanha",
declarou à época.
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Fonte: Sputnik Brasil