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terça-feira, 23 de julho de 2024

Vingar, punir e lucrar: Kamala Harris e o encarceramento de minorias nos EUA


É compreensível considerar uma vitória como "mal menor", mas é sensato admitir que Harris será "mais do mesmo"


Kamala Harris
 

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, é o grande assunto em destaque desde o último domingo (21/07) quando o presidente Joe Biden anunciou que estava desistindo de concorrer à reeleição.

Biden e outros líderes democratas imediatamente anunciaram seu apoio a Kamala, agora vista como favorita para encabeçar a campanha do partido à Casa Branca.

No Brasil, o anúncio gerou entusiasmo em grande parte da esquerda. De parlamentares e ministras a jornalistas e influenciadores, não faltaram elogios e declarações celebrando a possibilidade de se eleger “a primeira mulher presidente dos Estados Unidos”, “uma mulher negra”, “filha de imigrantes”, que poderia inspirar o Brasil e o mundo a “promover a igualdade racial e de gênero”. Mas uma análise mais detida sobre a atuação pregressa de Kamala recomendaria substituir a comoção pela cautela.


Campanha ‘Free Palestina’

Nascida em Oakland, Califórnia, em 1964, Kamala Harris é filha de uma cientista indiana e de um economista jamaicano. Ela estudou ciência política e economia na Universidade Howard, em Washington, e posteriormente se graduou em direito pela Universidade da Califórnia. Serviu como procuradora-adjunta do condado de Alameda entre 1990 e 1998 e depois gerenciou a Unidade de Criminosos Reincidentes.

Já filiada ao Partido Democrata, Kamala tornou-se procuradora de São Francisco em 2003, tomando posse no ano seguinte. Em 2011, assumiu o cargo de procuradora-geral da Califórnia, no qual permaneceu até 2017.

A atuação de Kamala como procuradora rendeu diversas críticas dos movimentos sociais, organizações de defesa dos direitos das minorias e de militantes do próprio Partido Democrata. Sua gestão foi marcada pelo punitivismo e pelo perfilamento de minorias étnicas e de imigrantes — algo especialmente pernicioso e preocupante diante da natureza do sistema penal norte-americano.

Os Estados Unidos possuem a maior população carcerária do mundo, com 2,3 milhões de presidiários. A nação que se autodenomina “Terra dos Livres” responde por apenas 5% da população mundial, mas concentra 25% de todos os prisioneiros do planeta. A taxa de encarceramento dos Estados Unidos — aproximadamente 700 presos para cada 100.000 habitantes — é quase seis vezes maior do que a da China, país frequentemente rotulado como uma “ditadura” pelas autoridades norte-americanas.

A seletividade da justiça penal se reflete no perfil étnico dos encarcerados. Negros e latinos perfazem 29% da população dos Estados Unidos, mas representam 60% da população carcerária. Em vários estados, os prisioneiros são obrigados a realizar trabalho compulsório — uma medida que, somada à privatização dos presídios, tem contribuído para transformar o encarceramento em massa em um negócio extremamente lucrativo.

O mercado das prisões movimenta mais de 200 bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos e os empresários do setor possuem lobistas poderosos financiando campanhas de parlamentares e cooptando apoio de procuradores. Megacorporações do porte da IBM, McDonald’s, Intel, Wal-Mart, Microsoft, Nike, AT&T e várias outras se beneficiam enormemente da mão de obra barata dos prisioneiros.

Os interesses financeiros frequentemente se misturam-se ao populismo penal e à competição eleitoreira dos procuradores e juízes para descobrir quem é mais “duro no combate ao crime”, com resultados desastrosos. A atuação de Kamala Harris é um exemplo disso.

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Durante sua eleição à procuradoria-geral, Kamala se posicionou à direita de seu adversário republicano em relação à “Three Strikes Law” — uma lei que determinava que qualquer pessoa que fosse condenada por três delitos, incluindo crimes não violentos e de menor potencial ofensivo, seria automaticamente sentenciada à prisão perpétua.

A lei foi desastrosa. Pessoas eram condenadas a passar o resto da vida na cadeia por motivos banais, como fumar maconha ou furtar uma fatia de pizza. Mesmo assim, Kamala foi contra a reforma da lei e encorajou os eleitores a rejeitarem a proposta 66, que previa aplicar a regra somente a crimes graves. 

Para deleite do negócio de encarceramentos privados, Kamala não se deu por satisfeita apenas com a aplicação indiscriminada da prisão perpétua contra delitos banais. Ela apoiou uma medida do condado de São Francisco que obrigava as escolas a entregarem crianças imigrantes não documentadas para serem detidas por autoridades policiais. A procuradora se esforçou também em enviar para a cadeia pais de alunos que faltassem ou cabulassem às aulas, medida prevista em um projeto de “combate à vadiagem” em 2011.

Ao ser questionada pela imprensa sobre um caso específico de uma mãe que foi presa após a filha, paciente oncológica, faltar às aulas por vários dias por estar debilitada, Kamala respondeu com risadas e ironias.

Buscando consolidar a imagem de “intolerante contra o crime”, Kamala ajudou a implementar uma série de medidas que levaram milhares de jovens negros e latinos para a cadeia por motivos fúteis. A procuradora também se tornou conhecida por perseguir trabalhadoras do sexo e forçar mulheres transexuais a serem encarceradas em prisões masculinas.

E, embora tenha sido a primeira mulher negra a ocupar o cargo de procuradora na Califórnia, Kamala foi muito criticada pelo movimento negro por ter acobertado e livrado de punição vários policiais envolvidos em atos de racismo ou de execução extrajudicial de jovens negros.

Kamala também resistiu às pressões pelo desencarceramento. Alarmada com o gigantesco aumento da população prisional e com as denúncias de superlotação, tortura e abusos no sistema penal, a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou a criação de novos programas de liberdade condicional na Califórnia e ordenou a soltura dos prisioneiros que tivessem cometido delitos de menor gravidade.

Não obstante, Kamala se recusou a cumprir a decisão do tribunal, conduzindo uma verdadeira campanha de obstrução que quase gerou uma crise constitucional. A procuradora chegou a justificar sua postura dizendo que, caso fosse obrigada a libertar os detentos, as prisões “perderiam importante contingente de mão-de-obra”. Ela também se recusou a apoiar um projeto de lei criado por iniciativa popular que visava diminuir a taxa de encarceramento através da reforma dos códigos penais e do sistema de sentenças.


Gage Skidmore / Wikimedia Commons / Kamala Harris em 2019

Um dos casos mais emblemáticos da intransigência punitivista da procuradora ocorreu em 2012. Um homem chamado Daniel Larsen, reincidente do sistema prisional, foi condenado a 28 anos de prisão em 1999 por ameaçar uma pessoa com uma faca. Ele foi declarado inocente por um juiz federal, que ordenou sua soltura. A decisão foi tomada com base nas declarações do ex-chefe da polícia envolvido na denúncia e no depoimento do próprio dono da faca, que inocentou o réu. Mesmo assim, Kamala recorreu da decisão e se negou a libertar Larsen. Organizações humanitárias alegaram que a sentença de 28 anos era desproporcional, mas Kamala seguiu se opondo à libertação com base em uma tecnicalidade burocrática — o fato de que o habeas corpus fora pedido por seu advogado fora do prazo legal.

Diversos outros exemplos de excessos de Kamala foram divulgados no período, incluindo casos de manipulação de evidências e impetração de recursos para impedir a realização de testes de DNA — inclusive em casos que poderiam inocentar pessoas que aguardavam execuções no corredor da morte.

O rigor punitivista e a “linha dura” demonstrada pela procuradora contra jovens negros, latinos, pobres e imigrantes contrastava bastante com o tratamento dispensado aos réus de maior poder aquisitivo. Em 2013, por exemplo, Kamala se recusou a denunciar o Banco OneWest, de propriedade de Steven Mnuchin, mesmo com várias evidências sugestivas de “ilegalidades generalizadas”, conforme um memorando vazado do Departamento de Justiça. Coincidentemente ou não, o banqueiro Steve Mnuchin doou milhares de dólares para a campanha de Kamala.

A procuradora também se envolveu em um escândalo em 2015, quando a imprensa revelou que uma equipe de procuradores que ela chefiava havia falsificado confissões, alterado transcrições de interrogatórios, cometido perjúrio e outras formas de manipulação de evidências para influenciar nos vereditos.

Eleita para o Senado em 2016 e para a vice-Presidência dos Estados Unidos em 2020, Kamala segue perfilada às alas mais conservadoras do Partido Democrata, mas tem flexibilizado suas posições em temas como pena de morte e legalização da maconha. No plano externo, ela é próxima da facção dos “Hawks”, defensores de uma política externa agressiva e intervencionista.

Ela foi uma das principais apoiadoras da proposta de intervenção dos Estados Unidos na Síria. Defendeu igualmente a imposição de sanções contra a China, acusando o país de possuir “níveis abismais” de desrespeito aos direitos humanos, atacou o governo venezuelano e manifestou-se a favor da continuidade do embargo a Cuba. Contemplada com mais de 5 milhões de dólares pela AIPAC, principal agência do lobby sionista, Kamala é uma apoiadora incondicional do Estado de Israel e defendeu o envio de mais 38 bilhões de dólares para financiar o genocídio na Faixa de Gaza.

Diante do exposto, o entusiasmo de alguns com a possibilidade de vitória de Kamala parece extremamente equivocado — e perigosamente despolitizante. É compreensível que a esquerda brasileira considere a vitória da democrata como “um mal menor”, uma vez que a alternativa é o retorno de Donald Trump e o provável fortalecimento do bolsonarismo. Mas é preciso ter a sensatez e a honestidade intelectual de admitir que, no melhor dos cenários, Kamala Harris será “mais do mesmo” — e esse “mesmo” já é muito ruim. Guardemos a exaltação para quem merece.



Fonte: Opera Mundi


AIPAC Tracker

A vice-presidente Kamala Harris recebeu > $ 5 milhões em apoio do lobby pró-Israel. Esse total inclui seu tempo no Senado e nas campanhas presidenciais Biden-Harris.


 

Patti Politics

 Deixe-me ser claro. Não esquecerei a Palestina! #JoinJill #VoteGreen2024

@KamalaHarris

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- "Kamala, o que você acha de Israel bombardear o campo de refugiados mais populoso de Gaza duas vezes em dois dias?"

- Kamala: "Ah, meio chato né... Mas Israel sabe o que está fazendo e vamos continuar enviado bilhões de dólares em armas para exterminar crianças palestinas"



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