O chefe do executivo ainda pediu apoio das nações africanas para a reforma do sistema de governança global
Durante sessão de abertura da cúpula anual da União
Africana, em Adis Abeba, na Etiópia, como líder convidado de fora do
continente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a condenar o
genocídio cometido por Israrel contra os palestinos e classificou como
"desproporcional" aos ataques do Hamas. O chefe do executivo ainda
pediu apoio das nações africanas para a reforma do sistema de governança
global, afirmando que a resposta para as “mazelas atuais não virá da extrema
direita racista e xenófoba".
"O momento é propício para resgatar as melhores
tradições humanistas dos grandes líderes da descolonização africana. Ser
humanista hoje implica condenar os ataques perpetrados pelo Hamas contra civis
israelenses e demandar a liberação imediata de todos os reféns", afirmou o
presidente.
Lula ainda afirmou que a política e a diplomacia são as
únicas formas de encerrar o outro conflito que mobiliza a comunidade
internacional, a guerra entre Rússia e Ucrânia.
Confira a íntegra do discurso:
É com grande alegria que volto pela vigésima primeira vez
à África, agora novamente como presidente do Brasil, para me dirigir aos
líderes da União Africana. Venho para reafirmar a parceria e o vínculo do nosso
país e do nosso povo com este continente irmão.
A luta africana tem muito em comum com os desafios do
Brasil. Mais da metade dos 200 milhões de brasileiros se reconhecem como
afrodescendentes. Nós, africanos e brasileiros, precisamos traçar nossos
próprios caminhos na ordem internacional que surge.
Precisamos criar uma nova governança global, capaz de
enfrentar os desafios do nosso tempo.
Já não vigoram as teses do Estado mínimo. Planejar o
desenvolvimento agrícola e industrial voltou a ser parte das políticas públicas
em todos os quadrantes.
As transições energética e digital demandam o incentivo e
a orientação dos governos.
Tentativas de restituir um sistema internacional baseado
em blocos ideológicos não possuem lastro na realidade. A multipolaridade é um
componente inexorável e bem-vindo do século XXI. A consolidação do BRICS como
principal espaço de articulação dos países emergentes é um avanço inegável.
Sem os países em desenvolvimento não será possível a
abertura de novo ciclo de expansão mundial, que combine crescimento, redução
das desigualdades e preservação ambiental, com ampliação das liberdades.
O Sul Global está se constituindo em parte incontornável
da solução para as principais crises que afligem o planeta.
Crises que decorrem de um modelo concentrador de
riquezas, e que atingem sobretudo os mais pobres – e entre estes, os
imigrantes. A alternativa às mazelas da globalização neoliberal não virá da
extrema direita racista e xenófoba. O desenvolvimento não pode ser privilégio
de poucos.
Só um projeto social inclusivo nos permitirá erigir
sociedades prósperas, livres, democráticas e soberanas. Não haverá estabilidade
nem democracia com fome e desemprego
O momento é propício para resgatar as melhores tradições
humanistas dos grandes líderes da descolonização africana.
Ser humanista hoje implica condenar os ataques
perpetrados pelo Hamas contra civis israelenses, e demandar a liberação
imediata de todos os reféns. Ser humanista impõe igualmente o rechaço à
resposta desproporcional de Israel, que vitimou quase 30 mil palestinos em Gaza
– em sua ampla maioria mulheres e crianças – e provocou o deslocamento forçado
de mais de 80% da população.
A solução para essa crise só será duradoura se avançarmos rapidamente na criação de um Estado palestino. Um Estado palestino que seja reconhecido como membro pleno das Nações Unidas.
De uma ONU fortalecida e que tenha um Conselho de
Segurança mais representativo, sem países com poder de veto, e com membros
permanentes da África e da América Latina. Há dois anos a guerra na Ucrânia
escancara a paralisia do Conselho. Além da trágica perda de vidas, suas
consequências são sentidas em todo o mundo, no preço dos alimentos e
fertilizantes.
Não haverá solução militar para esse conflito. É chegada
a hora da política e da diplomacia.
Senhoras e senhores, com seus 1 bilhão e 500 milhões de
habitantes, e seu imenso e rico território, a África tem enormes possibilidades
para o futuro. O Brasil quer crescer junto com a África, mas sem ditar caminhos
a ninguém.
O povo brasileiro está recuperando sua soberania política
e econômica. Estamos adotando um projeto de transformação ecológica, que nos
permitirá dar um salto histórico. Estamos resgatando nossa democracia,
tornando-a cada vez mais participativa.
Com o Bolsa Família e outras políticas públicas
bem-sucedidas voltaremos a sair do mapa da fome, retirando milhões de
brasileiros da pobreza. Falar de “Educação Inclusiva”, tema desta Cúpula, é
falar de futuro. No mundo, quase 250 milhões de crianças estão fora da escola.
No Brasil, estamos implantando escolas em tempo integral, além do pagamento de
uma poupança para os alunos mais pobres do ensino médio, como forma de reduzir
a evasão escolar.
Tenho o orgulho de dizer que milhares de africanos
concluíram seus estudos no Brasil. Mas vamos fazer ainda mais. Vamos ampliar o
número de bolsas ofertadas para receber estudantes africanos em nossas
instituições públicas de ensino superior.
Estamos dispostos a desenvolver programas educacionais na África e a promover intenso intercâmbio de professores e pesquisadores. Vamos colaborar para que a África possa se tornar independente na produção de alimentos e energia limpa.
São 400 milhões de hectares espalhados por mais de 25
países, com potencial de fazer deste continente um grande celeiro para o mundo,
viabilizando políticas de combate à fome e produção de biocombustíveis.
Quero igualmente estender nossa parceria para a área da
saúde. Há muito a aprender com as estratégias sanitárias de ambos os lados, e a
possibilidade de estruturar sistemas públicos robustos e de alcance amplo.
Vamos trabalhar com o Centro Africano de Controle e
Prevenção de Doenças para enfrentar doenças tropicais negligenciadas. Teremos
como meta a ampliação do acesso a medicamentos, evitando a repetição do
“apartheid” de vacinas que vimos na COVID-19.
Cuidar também da saúde do planeta é nossa prioridade. O
imperativo de proteger as duas maiores florestas tropicais do mundo, a
Amazônica e a do Congo, nos torna protagonistas na agenda climática.
Os instrumentos internacionais hoje existentes são
insuficientes para recompensar de forma eficaz a proteção das florestas, sua
biodiversidade e os povos que vivem, cuidam e dependem desses biomas.
Com a recuperação de áreas degradadas, podemos criar um
verdadeiro cinturão verde de proteção das florestas do Sul Global. Em conjunto
com parceiros africanos, o Brasil quer desenvolver e construir uma família de
satélites para monitorar o desmatamento.
Para levar adiante todas essas iniciativas vamos criar um
posto avançado de cooperação junto à União Africana em setores como pesquisa
agrícola, saúde, educação, meio ambiente e ciência e tecnologia.
Nossa representação diplomática em Adis Abeba contará em breve com funcionários de órgãos governamentais como a Agência Brasileira de Cooperação, a EMBRAPA e a FIOCRUZ, nossos órgãos de pesquisa e desenvolvimento em agropecuária e saúde.
Senhores e senhoras, nossos caminhos vão se reencontrar
no G20, no Rio de Janeiro, e na COP 30, em Belém. A presença da União Africana
como membro pleno do G20 será de grande valia. Mas ainda é necessário a
inclusão de mais países do continente como membros plenos. Temos agendas comuns
a defender.
É inadmissível que um mundo capaz de gerar riquezas da
ordem de US$ 100 trilhões de dólares por ano conviva com a fome de mais de 735
milhões de pessoas. Estamos criando no G20 a Aliança Global contra a Fome, para
impulsionar um conjunto de políticas públicas e mobilizar recursos para o
financiamento dessas políticas.
Cerca de 60 países, muitos deles na África, estão
próximos da insolvência e destinam mais recursos para o pagamento da dívida
externa do que para a educação ou a saúde. Isso reflete o caráter obsoleto das
instituições financeiras, como o FMI e o Banco Mundial, que muitas vezes
agravam crises que deveriam resolver.
É preciso buscar soluções para transformar dívidas
injustas e impagáveis em ativos concretos, como rodovias, ferrovias,
hidroelétricas, parques de energia eólica e solar, produção de hidrogênio verde
e redes de transmissão de energia. Precisamos acompanhar passo a passo a
evolução das novas tecnologias.
A Inteligência Artificial não pode tornar-se monopólio de
poucos países e empresas. Mas podem também constituir-se em terreno fértil para
discursos de ódio e desinformação, além de causar desemprego e reforçar vieses
de raça e gênero, que acentuam injustiças e discriminação.
O Brasil vai promover a interação do G20 com o Painel de
Alto Nível criado pelo Secretário-Geral da ONU para apoiar as discussões sobre
o Pacto Digital Global.
Esperamos, com isso, contribuir para uma governança
efetiva e multilateral em Inteligência Artificial e que incorpore plenamente os
interesses do Sul Global.
Minhas amigas e meus amigos, quero terminar dizendo que
não há Sul Global sem a África.
Retomar a aproximação do Brasil com a África é recuperar laços históricos e contribuir para a construção de uma nova ordem mundial, mais justa e solidária. Permite-nos, sobretudo, somar esforços na superação dos desafios que temos à frente.
Encerramos mais um dia de trabalho ao lado dos países da União Africana. O Brasil retomando os laços e o potencial de crescimento conjunto com nossos irmãos africanos.
— Lula (@LulaOficial) February 17, 2024
📸 @ricardostuckert pic.twitter.com/jf23HcIoCW
Reuni-me com o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, @DrShtayyeh, sobre a situação de Gaza. Falamos da necessidade da solução de dois estados e ele agradeceu a solidariedade e apoio do Brasil para um cessar-fogo imediato na região e o fim dos ataques que estão matando civis… pic.twitter.com/vcJAsMRRqT
— Lula (@LulaOficial) February 17, 2024
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