À Sputnik Brasil, especialista comenta entrevista dada pelo presidente russo, Vladimir Putin, e aponta que a doutrina da Rússia quanto às armas nucleares é a mesma desde a União Soviética, ou seja, são recursos de defesa e manutenção da soberania
Nesta quarta-feira (13), o presidente russo, Vladimir Putin,
concedeu uma entrevista em que esclareceu alguns pontos do discurso feito na Assembleia Federal, sede do Parlamento
russo, em 29 de fevereiro.
A entrevista desta quarta-feira foi dada a Dmitry
Kiselev, diretor-geral do grupo midiático Rossiya Segodnya, do qual a Sputnik
faz parte.
Em entrevista à Sputnik Brasil, João Cláudio
Pitillo, professor de história e pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas
(Nucleas) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), comentou os
pontos abordados pelo presidente russo.
Na entrevista, Putin alertou que as tropas russas
estão prontas para uma guerra nuclear, e disse que não descarta a possibilidade
de realizar testes nucleares, se os EUA os fizerem.
"Se eles realizarem tais testes, não excluo, não é obrigatório. Se precisarmos disso, não precisamos, ainda temos que pensar, mas não excluo que possamos fazer o mesmo", disse o presidente russo.
Segundo Pitillo, em sua fala, Putin não fez uma ameaça de
iniciar uma guerra nuclear, apenas invocou o direito de defesa da Rússia.
"A doutrina da antiga União Soviética era clara quanto às armas nucleares: elas não seriam jamais invocadas para atacar ninguém, mas seriam usadas para se defender, e aí você teria o status da destruição mútua. A Rússia continua com esse parecer, usando a arma nuclear como uma arma de dissuasão, que é o seguinte: 'Não me ataque, que eu também não lhe atacarei'", explica o especialista.
Putin: mísseis Avangard reduziram a zero investimento dos EUA em defesa antiaérea |
Ele acrescenta que o alerta de Putin vem na esteira
de uma preocupante declaração dada pelo presidente francês, Emmanuel Macron,
que afirmou que, se for preciso, tropas francesas da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN) entrariam em território ucraniano para lutar contra as
tropas russas.
Segundo Pitillo, sendo a França um país que possui armas
nucleares, a declaração de Macron alerta "para uma escalada que
pode levar a uma guerra nuclear".
"E a Rússia avisa que a sua prontidão é plena, ou seja,
vai invocar o seu direito de defesa, não vai ser destruída. E nós sabemos que
uma guerra nuclear envolvendo essas potências levará à destruição do planeta.
Então é importante que todos os líderes do planeta que possuem armas nucleares
estejam conscientes de que elas têm que continuar recolhidas, e que no lugar
delas é preciso exercer a diplomacia."
O especialista também sublinha que os EUA não apenas se
furtaram em ratificar o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (CTBT,
na sigla em inglês), firmado no pós-Guerra Fria, como "continuaram
em uma grande ofensiva global para dominar, não um continente, mas o
planeta".
"Isso não é uma retórica. Basta ver que os EUA têm bases no mundo todo. […] E a Rússia, no seu caminho de desenvolvimento natural, é óbvio que vai romper, vai sair desse tratado. Porque esse tratado estava servindo para patrulhar e policiar os outros, não os EUA. Porque com esse discurso de fiscalizar e controlar o estoque nuclear mundial, os EUA, por trás disso, continuavam suas ações de avanços imperialistas. Ou seja, você ia retirando o direito dos países de se defenderem, eles iam diminuindo a sua capacidade nuclear, enquanto os EUA iam aumentando a sua presença militar em vários pontos, encurralando esses outros países. E a Rússia não quer ser encurralada, não quer ser surpreendida, então age de maneira a se proteger", explica Pitillo.
"É bom que se diga que é de conhecimento mundial que
Israel tem um pequeno arsenal nuclear, é pequeno, mas existe, e que nunca foi
policiado, nunca foi fiscalizado. E isso nunca foi objeto de discussão entre
franceses, ingleses nem entre estadunidenses. Então esse tratado tem dois pesos
e duas medidas", complementa.
📣 'Não sou um árbitro dos destinos do mundo': Putin diz pensar apenas nos interesses da Rússia
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) March 13, 2024
Siga @sputnik_brasil pic.twitter.com/3qJEZAXBWC
Na entrevista, Putin também comentou o recente anúncio do presidente dos EUA, Joe Biden, de que Washington não enviaria tropas à Ucrânia, afirmando que a Rússia não subestimaria a gravidade de tal ação.
"Sabemos o que são tropas americanas em território
russo, são tropas intervencionistas, e é assim que as trataremos, mesmo que
apareçam em território da Ucrânia", afirmou o presidente russo.
Segundo Pitillo, a declaração "é um alerta
claro, no qual o presidente Putin avisa que a Rússia é um país que tem
soberania".
"Porque nós conhecemos há 200 anos o papel que os EUA
jogam no mundo, de intervenção, de invasão, de golpes de Estado, de destruição
de soberanias. Então os EUA são um país que não se furta em invadir e atacar
países independentes. Esse destino manifesto que os EUA rogaram para si é
extremamente ameaçador. Porque você vê os EUA apoiando a destruição da Síria,
apoiando uma Ucrânia fascista, apoiando uma série de ações de terrorismo ao
redor da Rússia. Isso tem preocupado o presidente Putin, que não se furtará em
agir em defesa do seu território. É o mínimo que os EUA deveriam compreender e
respeitar. Porque essa doutrina bélica dos EUA cobra um preço caro, um preço em
vidas humanas, e a ideia do imperialismo é manter esses países numa condição
subordinada. E a Rússia tem todo um capital histórico que não lhe permite ficar
subordinada a ninguém."
Na entrevista, Putin afirmou que "muitas pessoas no
mundo associam a luta da Rússia por seus interesses às suas próprias esperanças
de soberania e desenvolvimento independente".
"Eles associam nossa luta por nossa independência e
verdadeira soberania com seus próprios desejos de soberania e desenvolvimento
independente. Mas isso é agravado pelo fato de que, nas elites ocidentais, há
um forte desejo de congelar a situação existente, uma situação injusta nas
relações internacionais. Eles se acostumaram, durante séculos, a encher a
barriga com carne humana e os bolsos com dinheiro. Mas eles precisam entender
que o baile dos vampiros está acabando", disse o presidente russo.
📣 Putin afirma que países da América Latina associam a luta da Rússia a suas esperanças de soberania, por estarem cansados do domínio do "bilhão de ouro"
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) March 13, 2024
Siga @sputnik_brasil pic.twitter.com/qZvhphah1Q
Segundo Pitillo, a declaração é uma crítica ao imperialismo e ao colonialismo. Ele destaca que "a expansão do Ocidente capitalista para os demais continentes do mundo se deu com base na exploração e na violência" e diz que, nesse contexto, "a Rússia propõe uma nova discussão, um rearranjo, um novo concerto das nações, onde esses países têm a possibilidade de reverter esse quadro, de passarem a ser donos dos seus próprios destinos".
"Esses países que outrora não tinham possibilidade, muitas vezes tinham que se submeter ao imperialismo, vendo as suas matérias-primas sendo drenadas por valores irrisórios e ficando apenas com o ônus dessa extração. Agora eles podem girar o seu comércio para uma relação mais justa, de benefício comum, com outro bloco, e esse alerta o presidente Putin faz ao mundo todo. É um aviso para o terceiro mundo, que hoje a gente pode chamar de Sul Global, de que é possível reverter esse quadro."
Pitillo também destaca que as entrevistas concedidas por
Putin contribuem para desmantelar as falsas narrativas ocidentais que difundem
o que ele classifica como uma visão deturpada da realidade, no intuito
de alastrar a russofobia ao redor do mundo.
"O presidente Putin falando mais vezes, permitindo que
as pessoas no Ocidente conheçam melhor a sua personalidade, o que ele faz, o
que que ele pensa, isso aumenta a contradição. Isso faz com que o presidente
Putin chame esse Ocidente e boa parte da população ocidental a fazer uma
reflexão. […] isso rompe as barreiras que o Ocidente imperialista cria não só
na guerra política, mas na guerra cultural. Então a fala do presidente Putin é
esclarecedora", diz o especialista.
"Toda vez que Putin fala, ele combate essa guerra cultural, essa mentira, e permite que as pessoas conheçam mais sobre ele e a Rússia. E conheçam a motivação do governo russo, que não é bélica, pelo contrário, é de paz, mas uma paz justa, porque o problema é a Pax Americana. A Pax Americana é a paz dos cemitérios — essa não interessa a ninguém", conclui.
Fonte: Sputnik Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário