"Três anos depois", postou o ex-comandante do
Exército, em tom de deboche, ao comentar uma matéria sobre as críticas do
ministro do STF à "pressão" que fez, em 2018, para que a Corte não
concedesse habeas corpus a Lula
O general Villas Bôas, ex-comandante do Exército Brasileiro,
debochou do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, nesta
terça-feira (16).
O deboche se deu em uma postagem comentando a notícia de que
Fachin teceu críticas às revelações de que Villas Bôas elaborou junto à cúpula
do Exército o tuíte golpista feito em 2018, em tom de ameaça, para que o STF
não concedesse habeas corpus ao ex-presidente Lula, preso pouco tempo depois.
“Três anos depois”, escreveu Villas Bôas ao comentar o link
de uma notícia do jornal O Globo sobre as críticas de Fachin.
O tuíte do general que foi interpretado como uma ameaça ao
STF, em 2018, dizia o seguinte: “Nessa situação que vive o Brasil, resta
perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país
e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”.
“A declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e
atenta contra a ordem constitucional. E ao Supremo Tribunal Federal compete a
guarda da Constituição”, disse o ministro do STF.
O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), pelas redes
sociais, comentou o deboche de Villas Bôas com o ministro do Supremo. “Fica
evidente o deboche e o desprezo que o General tem pela democracia e pela
Constituição. Fica tb explícito que a ‘indignação’ tardia do Ministro do STF
revela desprezo e deboche com todos nós, que assistimos sua conivência com o
golpe e seu silêncio diante da chantagem revelada”, escreveu o petista.
Fica evidente o deboche e o desprezo q o General tem pela democracia e pela Constituição. Fica tb explícito que a ‘indignação’ tardia do Ministro do STF revela desprezo e deboche com todos nós, que assistimos sua conivência com o golpe e seu silêncio diante da chantagem revelada https://t.co/k3O5oOkCSN
Em entrevista à FGV , ex-comandante do exército brasileiro
destaca postagem feita por sua equipe em tom de ameaça ao STF
Jair Bolsonaro abraça general Villas Bôas durante agenda
cerimonial do governo - Valter Campanato/Agência Brasil
Comandante do Exército Brasileiro entre 2015 e 2019, o
general Villas Bôas revelou, em entrevista publicada pela editora da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), alguns episódios que levaram as Forças Armadas
brasileiras a atuarem na vida política do país, processo que resultou na
eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) e na presença massiva de oficiais em
todos os escalões do atual governo.
Com duração de 13 horas, a entrevista foi concedida pelo
militar ao diretor do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC), Celso Castro, e publicada no livro General
Villas Bôas: conversa com o comandante.
Um dos momentos emblemáticos dessa atuação, protagonizado
por Villas Bôas foi a postagem que ele realizou em 2018, ainda na condição de
comandante do Exército brasileiro, em tom de ameaça ao Supremo Tribunal Federal
(STF), na véspera do julgamento do habeas corpus apresentado
pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na postagem ele afirmou que o
Exército "compartilha o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio
à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem
como se mantém atento às suas missões institucionais" e obteve o apoio do
então candidato Jair Bolsonaro.
No livro, Villas Bôas revela que a postagem não foi apenas
de sua autoria. Elaborada por sua equipe de oficiais, o texto obteve o
aval de outros integrantes do Alto Comando do Exército residentes em
Brasília antes de sua publicação. "Recebidas as sugestões,
elaboramos o texto final, o que nos tomou todo o expediente, até por volta das
20 horas", contou Villas Bôas na entrevista.
"Significa que isso foi uma decisão do Exército, e não
algo que partiu da cabeça do comandante", aponta o antropólogo Piero
Leirner, também estudioso sobre os militares e autor do livro O
Brasil no espectro de uma guerra híbrida
Para Leirner, a declaração de Villas Bôas "deixa
claro um papel institucional de ingerência no Poder Judiciário".
"Note que o general Ajax já estava lá no STF
'assessorando' a presidência [ministro Dias Toffoli], portanto o tuíte foi para
deixar o STF de mãos atadas frente à opinião pública. Ou seja, fez-se
política".
Para Leirner,uma das surpresas da narrativa de
Villas Bôas impressa no livro é o peso que a "questão
indígena" teve na articulação entre os militares para sua
atuação na vida política do país.
"A questão da Raposa Serra do Sol e TI Yanomami teve no
mínimo tanto impacto como a CNV [Comissão Nacional da Verdade]. Meu faro de que
a coisa começou com a rebelião do Heleno em 2008 estava certo, acho. Foi a
partir daí que eles elaboraram um plano de longo prazo", afirmou Leirner
em uma publicação em seu perfil no Facebook.
Procurado pelo Brasil de Fato, o
antropólogo ressalta que a "questão indígena" está no
centro do ordenamento ideológico e doutrinário militar desde os anos 1990.
"Eles transferiram muito do foco do 'inimigo interno'
da ditadura para o problema da 'cobiça internacional da Amazônia', deslocando
toda uma leitura da realidade e o consequente emprego das Forças Armadas para a
Amazônia", aponta.
A primeira liderança política a surgir entre os militares
foi o general Augusto Heleno, após a demarcação da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol em 2008, durante o segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
"Heleno começou a fazer críticas públicas, no Clube
Militar, de forma que isso vazou para a imprensa e lançou um princípio que, lá
dentro, foi tomado como um 'papel de liderança' lançado por ele,
que começou a vocalizar contra Lula, esquerdas, PT", explica Leirner.
O segundo momento de mobilização política entre os
militares, segundo o antropólogo, foi a criação da Comissão Nacional da Verdade
(CNV), quando Dilma Rousseff ocupava a Casa Civil e já havia lançado sua
candidatura para as eleições presidenciais de 2010.
"Houve um processo de 'imitação' por parte de outros
militares. Um dos casos foi o do general Maynard Santa Rosa, e a eles se
seguiram movimentos em série. Mourão foi isso", aponta Leirner.
Colegiado instituído pelo governo para investigar as graves
violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro entre 18 de
setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, a CNV se debruçou principalmente sobre
as violações ocorridas durante o período da ditadura militar instaurada pelo
golpe de 1964, que durou 21 anos.
Com a fundação da CNV em novembro de 2011, no primeiro
ano do governo Dilma, os militares se uniram em bloco contra essa política
que classificaram como "revanchismo" da esquerda brasileira.
Os trabalhos da comissão foram encerrados em dezembro de
2014, após a publicação de um relatório que
aponta as responsabilidades de agentes do Estado, em especial das Forças
Armadas brasileiras em episódios de sequestros forçados, tortura e morte de
opositores ao regime.
"O pessoal lá do topo sabia do potencial político
disso e, ainda em 2014, logo depois da reeleição, franquearam a entrada de
Bolsonaro para dentro de instalações militares para fazer campanha. Toda essa
coisa foi trabalhada por Villas Bôas, que 'para fora' tinha um discurso
legalista, mas 'para dentro' deixou a política tomar altas doses de vitamina,
seguindo o exemplo e a liderança de um Heleno da vida", aponta Leirner.