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domingo, 2 de maio de 2021

Mais presos denunciaram tortura na prisão do DF onde Rodrigo Pilha teria sido atacado


Entidades pedem apuração de denúncias de tortura contra ativista, que teria sido espancado no CDP II de Brasília; torturas são “práticas corriqueiras”, diz irmã de detento

O ativista Rodrigo Pilha ficou conhecido após estender faixa com dizeres “Bolsonaro Genocida” em Brasília

Famílias denunciam que a tortura é uma “prática corriqueira” no CDP (Centro de Detenção Provisória) II de Brasília (DF). A vítima mais conhecida das supostas agressões na unidade prisional é o militante do PT Rodrigo Grassi Cademartori, o Rodrigo Pilha, 43 anos: segundo a família do ativista, Rodrigo e outros presos teriam sido atacado por policiais penais com chutes e pontapés e obrigado a dormir no chão. Mas não é o único caso.

“Pilha merece toda a atenção, e por esse viés político ele ganhará mídia e essa situação será averiguada, mas será muito injusto se o caso dele for tratado como isolado, sendo que essas práticas são corriqueiras”, afirma a irmã de Jonathan (nome trocado a pedido da família), preso de 32 anos que é soropositivo e que, segundo ela, teria sido agredido na unidade e ficado sem remédios no mesmo presídio, em janeiro. Após uma representação da defesa do jovem ao Ministério Público do DF, Jonathan recebeu os antirretrovirais, mas acabou infectado com Covid-19, quando já estava no presídio da Papuda.

De acordo com a irmã do rapaz, os abusos no CDP são comuns. “Meu irmão não sofre isso sozinho. A gente soube pelos relatos dele que acontece com todos”, desabafa. Jonathan foi condenado a cinco anos em regime semiaberto, por falsificação de anabolizantes, mas está no fechado por um imbróglio judicial envolvendo competência de varas. Ele se recuperou do coronavírus e aguarda uma decisão a respeito da definição de competência de vara para executar sua pena.

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Já Rodrigo Pilha ficou conhecido ao ser detido, junto com mais quatro ativistas, pela Polícia Militar, com base na Lei de Segurança Nacional, ao estender uma faixa com a inscrição “Bolsonaro Genocida” e uma charge do cartunista Aroeira, em 18 de março deste ano. Os PMs levaram os ativistas até a Superintendência da Polícia Federal, que se recusou a enquadrá-los na LSN e liberou a todos, com exceção de Pilha, que permaneceu detido por causa de outras duas condenações anteriores, por desacato e embriaguez ao volante.

À Ponte, o irmão do ativista, o servidor público Erico Grassi, 41, disse que soube por ele que as agressões no CDP II acontecem “com todos os presos que entram” no local. “Lá ele era ‘o petista’, chamavam ele de ‘petista’. Ficou dormindo no chão, recebeu socos, chute, pontapé, e ele disse que eram dois agentes que agrediam e um que ficava omisso”, relata. “Ele disse que um dos agentes usava máscara do Bolsonaro para bater nele. Esse caráter ideológico eu fui saber depois”, afirma.

A repercussão de denúncias de tortura contra o ativista levou a OAB-DF (Ordem dos Advogados Seccional do Distrito Federal) a solicitar investigação e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a determinar a apuração do caso, nesta sexta-feira (30/4). Em ofício, o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi deu 48 horas para que Rodrigo seja ouvido e submetido exame de corpo de delito, além de determinar que a Seape (secretaria de Administração Penitenciária) forneça informações em até 15 dias sobre os agentes que atuaram na carceragem e atendimentos que recebeu nas unidades em que esteve detido. No mesmo dia, a OAB-DF também enviou ofício à Seape, à VEP (Vara de Execuções Penais) e ao MP (Ministério Público) solicitando informações sobre as denúncias de agressões contra Jonathan.


“Crimes sem grave ameaça”

Rodrigo Pilha ficou preso por causa de um mandado de prisão que havia sido expedido em 2020, em decorrência de duas condenações que transitaram em julgado, ou seja, em que não é possível mais recorrer. Em uma delas, Rodrigo foi condenado por um desacato, que teria ocorrido em 2014, a sete meses em regime semiaberto, convertido em medidas restritivas de direitos (comparecimento no fórum e prestação de serviços à comunidade). A outra condenação, por embriaguez ao volante, em 2018, levou a um ano e sete meses em regime semiaberto. No ano passado, as duas penas foram unificadas em dois anos e dois meses de prisão em regime semiaberto.

“O episódio da faixa não fez ele ser preso. O que aconteceu é que na delegacia viram que ele tinha mandado de prisão aberto por causa dessas condenações e o mantiveram preso”, confirmou à Ponte o advogado Thiago Turbay, responsável pela defesa de Rodrigo.

A prisão em regime fechado se manteve nesse período por causa da reincidência do crime de desacato. A defesa do ativista fez um pedido de liberdade e o Ministério Público Estadual se manifestou de forma favorável em 19 de março. Em 31 de março, o juíz Valter André de Lima Bueno Araújo, da Vara de Execuções Penais do DF, autorizou pedido de trabalho externo feito pela defesa do ativista (leia aqui), que permite que o preso trabalhe durante o dia e durma na unidade prisional, mas negou a solicitação de prisão domiciliar. Depois do CDP II, Pilha foi transferido ao CPP (Centro de Progressão Provisória).

A família e a defesa reclamam de morosidade no processo, já que essa decisão passou a constar no sistema apenas em 6 de abril. “A gente teve duas videoconferências rápidas, só consegui ter acesso mesmo ao meu irmão quando ele passou a trabalhar fora da unidade”, declara Erico. “E o problema é que ele não passou nem no IML [Instituto Médico Legal], já passaram mais de 25 dias, se ele tinha mancha, hematoma, agora não dá para ver mais, mas esse relatório médico tem que ser explicado. Como a pessoa denuncia lesões e não é feito nada?”, critica.

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De acordo com o advogado Thiago Turbay, o receio é de que “a investigação vire um processo de intimidação e não para apurar os fatos”. “A VEP atendeu a determinação do CNJ, mas não detalhou nenhum tipo de medida para manter a segurança do Rodrigo durante esse processo”, declarou. A defesa ingressou um pedido de habeas corpus ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que ainda não foi apreciado. O Tribunal de Justiça do DF negou no último dia 26 de abril um pedido de prisão domiciliar feito pela defesa, alegando que Pilha é jovem e não apresenta comorbidade “que o coloque no grupo de risco”. Turbay, porém, questiona. “São crimes com penas pequenas, de dois anos, que não foram cometidos com grave ameaça, não levaram a nenhum distúrbio da ordem pública que justifique uma medida mais gravosa e, ainda, em uma pandemia”, pondera.


Origem das denúncias

Em 11 de abril, o jornalista Guga Noblat postou em sua conta no Twitter um relatório médico, com data de 23 de março, que indicava que Rodrigo se queixava de lesões e teria sido agredido, sendo que “um dos agressores teria perguntado se ele era petista”.


 

 Na quinta-feira (29/4), a Revista Fórum publicou sobre as violações que o ativista teria sofrido quando chegou ao CDP II (Centro de Detenção Provisória) de Brasília, unidade que é conhecida por abrigar presos que chegam ao sistema prisional e passam por um período de quarentena, por causa da Covid-19, antes de serem realocados em outras unidades. A reportagem afirma que nos 14 dias em que passou no CDP foi submetido à tortura por ser “petista” e por causa da faixa, tendo sido alvo de agressões constantes, como socos, chutes e pontapés, ficado apenas com uma bermuda, sem alimentação e que o sufocaram num balde de água e jogaram sabão em pó em sua cabeça. A reportagem embasou a solicitação da OAB-DF e a decisão do CNJ.

O ex-presidente Lula, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), de quem Rodrigo Pilha foi assessor, e o escritor Gregorio Duvivier também se manifestaram publicamente por “rigor nas investigações”.


 

Outro lado

A Ponte procurou as assessorias da Seape e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e aguarda um posicionamento.


Cortes 247

ÁUDIO DO IRMÃO DE RODRIGO PILHA, PRESO POR EXIBIR FAIXA 'BOLSONARO GENOCIDA' | Cortes 247

Ouça o ÁUDIO


quinta-feira, 29 de abril de 2021

Sob Bolsonaro, Polícia Federal é usada como órgão de perseguição política


A mesma PF que se calou quando Bolsonaro disse que “ia fuzilar a petralhada” agora abre inquéritos contra todos os críticos do presidente.


Foto: Evaristo Sá/AFP via Getty Images

EM MARÇO DE 2016, no auge das investigações da Lava Jato envolvendo os governos petistas, o procurador lavajatista Carlos Fernando Lima afirmou durante uma palestra que os governos investigados do PT permitiram o fortalecimento da Polícia Federal e do Ministério Público. Segundo ele, os governos petistas, diferentemente dos anteriores, garantiram a autonomia das instituições de investigação e possibilitaram que muita gente ligada ao partido do governo fosse investigada e até presa. “Nós esperamos que isso [a falta de autonomia dessas instituições] esteja superado”, sonhou o procurador.

O resto da história você já conhece: a Lava Jato ajudou a arrancar Dilma do poder e a eleger Bolsonaro na eleição seguinte. Isso ficou ainda mais evidente depois que Sérgio Moro quebrou o sigilo da delação de Palocci às vésperas do primeiro turno, jogando lenha na fogueira do antipetismo. A divulgação das acusações do ex-petista —  infundadas como a própria Lava Jato atestaria mais tarde — ajudou a garantir a eleição de Bolsonaro e acabaria por tornar o juiz lavajatista um dos principais ministros do governo. Mais tarde, depois de prestar serviços pouco republicanos a Bolsonaro e sua família, Sergio Moro pediu demissão após o presidente tentar interferir na escolha dos nomes para comandar a Polícia Federal. Esse foi o caminho percorrido para que chegássemos aqui hoje, assistindo à PF sendo gravemente aparelhada e atuando como uma guarda particular de Bolsonaro, sua família e seus aliados.

Nesta semana, Guilherme Boulos foi intimado a comparecer na PF para prestar depoimentos por causa deste tweet, considerado ameaçador à vida do presidente da República:


 

 Em um país em que não existe guilhotina nem pena de morte, é constrangedoramente óbvio ter que dizer que não há nenhuma ameaça física ao presidente nem nada próximo disso. A guilhotina simboliza o fim de uma dinastia monárquica, e o tweet foi escrito com o intuito de fazer um alerta ao presidente de que o seu governo também pode ser interrompido.

Quando Bolsonaro prometeu durante as eleições “fuzilar a petralhada”, a PF não se moveu. O mesmo aconteceu quando o MBL e o Vem pra Rua, em praça pública, atearam fogo em bonecos dos ministros do STF pendurados pelo pescoço. Como esquecer também de quando manifestantes antipetistas promoveram o enforcamento simbólico dos bonecos de Lula e da então presidenta Dilma? Nenhum desses eventos foi encarado pelos órgãos de investigação com a mesma literalidade conferida ao tweet de Boulos.

A investigação contra o psolista tem como base a Lei de Segurança Nacional, uma excrescência da ditadura militar, criada justamente para intimidar os adversários políticos do regime. O inquérito contra Boulos se baseia no artigo 26 da lei, que considera crime “caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”. São crimes que já estão no Código Penal, mas o governo Bolsonaro tem recorrido à LSN, que tem uma pena mais dura.

O inquérito contra Boulos foi aberto no final do ano passado por ordem do então ministro da Justiça e atual advogado-geral da União, André Mendonça, empenhadíssimo em agradar Bolsonaro para abocanhar uma nomeação ao STF. Quem disputa a vaga com ele é o procurador-geral da República, Augusto Aras. Aras já disse que não investigará Bolsonaro por usar a Lei de Segurança Nacional para perseguir seus adversários políticos por não haver nenhum indício disso. Está tudo dominado pelos agentes do bolsonarismo.

Boulos não é o primeiro nem o segundo opositor do presidente a ser vítima dessa interpretação livre da LSN. Já se tornou uma farra. O pedetista Ciro Gomes virou alvo da PF com base nessa lei por tê-lo chamado de “ladrão” e citado as “rachadinhas” da sua família. O pedido de abertura de inquérito foi assinado pelo próprio Bolsonaro através da Secretaria-Geral da Presidência. O youtuber Felipe Neto também foi enquadrado pela lei por considerar o presidente um “genocida”. O advogado Marcelo Feller também virou alvo de investigação da PF por críticas feitas à atuação de Bolsonaro no combate à pandemia em um debate na CNN. Algumas verdades incômodas foram ditas pelo advogado, que chamou o presidente de “genocida, politicamente falando”, “criminoso” e “omisso”. Em março deste ano, cinco ativistas foram presos com base na LSN depois de estenderem uma faixa com as palavras “Bolsonaro Genocida”. Em Tocantins, duas pessoas foram investigadas com base na LSN por espalhar em outdoors a mensagem de que Bolsonaro “não vale um pequi roído”.

Durante o governo Bolsonaro, o número de inquéritos abertos pela PF com base na LSN saltou 285% em relação à gestão Dilma/Temer. Entre 2015 e 2016 foram abertos 20 inquéritos, enquanto entre 2019 e 2020 foram abertos 77. A grande novidade trazida pelo bolsonarismo é a aplicação da lei principalmente contra quem emite opinião negativa sobre o presidente. Segundo dados da PF, o número de inquéritos abertos por supostas ameaças à segurança nacional aumentou mais do que as investigações contra lavagem de dinheiro e organizações criminosas. É assim que tem atuado a PF sob intervenção de Bolsonaro: priorizando a intimidação dos críticos do presidente.

O abuso da utilização da LSN pelos bolsonaristas fez nascer um movimento pela revogação da lei. A Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira a urgência do projeto de mudança, que inclui, no Código Penal, crimes contra o estado. Deputados bolsonaristas, capitaneados por Roberto Jefferson, têm se mobilizado para tentar impedir a inclusão de um artigo que prevê cinco anos de cadeia para quem disseminar fake news por meio de disparos em massa durante as eleições. O desejo pela atualização da lei é bom, mas a pressa dos deputados é ruim, pois se trata de um assunto que requer um debate maior com a sociedade civil. Corre-se o risco de se mudar para deixar tudo como está.

Bolsonaro rompeu com o lavajatismo quando Sergio Moro se posicionou contra o aparelhamento da PF. Ele foi necessário para garantir a ascensão da extrema direita ao poder, mas se tornou descartável depois que se tornou um empecilho para o governo. Hoje, a PF e a PGR usam e abusam de uma lei, criada durante a ditadura militar unicamente para proteger o regime, para blindar o presidente e perseguir seus opositores. Essa é a democracia brasileira sob a gestão Bolsonaro.

Fonte: The Intercept Brasil


Guilherme Boulos

Sobre a intimação da PF pela Lei de Segurança Nacional - 21 de abr. de 2021

Assista ao VÍDEO


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