Em 16 de Março de 2003, Cindy e Craig Corrie receberam a
notícia de que a sua filha de 23 anos tinha sido esmagada até à morte por uma
escavadeira militar israelita enquanto tentavam impedir a demolição de uma casa
palestiniana em Rafah, Gaza.
Petra Schurenhofer
Vinte anos depois, os pais do ativista americano ainda
buscam justiça.
Entidades pedem apuração de denúncias de tortura contra ativista, que teria sido espancado no CDP II de Brasília; torturas são “práticas corriqueiras”, diz irmã de detento
O
ativista Rodrigo Pilha ficou conhecido após estender faixa com dizeres
“Bolsonaro Genocida” em Brasília
Famílias denunciam que a tortura é uma “prática corriqueira”
no CDP (Centro de Detenção Provisória) II de Brasília (DF). A vítima mais
conhecida das supostas agressões na unidade prisional é o militante do PT
Rodrigo Grassi Cademartori, o Rodrigo Pilha, 43 anos: segundo a família do
ativista, Rodrigo e outros presos teriam sido atacado por policiais penais com
chutes e pontapés e obrigado a dormir no chão. Mas não é o único caso.
“Pilha merece toda a atenção, e por esse viés político ele
ganhará mídia e essa situação será averiguada, mas será muito injusto se o caso
dele for tratado como isolado, sendo que essas práticas são corriqueiras”,
afirma a irmã de Jonathan (nome trocado a pedido da família), preso de 32 anos
que é soropositivo e que, segundo ela, teria sido agredido na unidade e ficado sem remédios no
mesmo presídio, em janeiro. Após uma representação da defesa do jovem ao
Ministério Público do DF, Jonathan recebeu os antirretrovirais, mas acabou infectado com Covid-19,
quando já estava no presídio da Papuda.
De acordo com a irmã do rapaz, os abusos no CDP são comuns.
“Meu irmão não sofre isso sozinho. A gente soube pelos relatos dele que
acontece com todos”, desabafa. Jonathan foi condenado a cinco anos em regime
semiaberto, por falsificação de anabolizantes, mas está no fechado por um
imbróglio judicial envolvendo competência de varas. Ele se recuperou do
coronavírus e aguarda uma decisão a respeito da definição de competência de
vara para executar sua pena.
Já Rodrigo Pilha ficou conhecido ao ser detido, junto com
mais quatro ativistas, pela Polícia Militar, com base na Lei de Segurança
Nacional, ao estender uma faixa com a inscrição “Bolsonaro Genocida” e uma
charge do cartunista Aroeira, em 18 de março deste ano. Os PMs levaram os
ativistas até a Superintendência da Polícia Federal, que se recusou a
enquadrá-los na LSN e liberou a todos, com exceção de Pilha, que permaneceu
detido por causa de outras duas condenações anteriores, por desacato e
embriaguez ao volante.
ÀPonte, o irmão do ativista, o servidor público
Erico Grassi, 41, disse que soube por ele que as agressões no CDP II acontecem
“com todos os presos que entram” no local. “Lá ele era ‘o petista’, chamavam
ele de ‘petista’. Ficou dormindo no chão, recebeu socos, chute, pontapé, e ele
disse que eram dois agentes que agrediam e um que ficava omisso”, relata. “Ele
disse que um dos agentes usava máscara do Bolsonaro para bater nele. Esse
caráter ideológico eu fui saber depois”, afirma.
A repercussão de denúncias de tortura contra o ativista
levou a OAB-DF (Ordem dos Advogados Seccional do Distrito Federal) a solicitar investigação e o CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) a determinar a apuração do caso, nesta sexta-feira (30/4). Em ofício, o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Luís Geraldo
Sant’Ana Lanfredi deu 48 horas para que Rodrigo seja ouvido e submetido exame
de corpo de delito, além de determinar que a Seape (secretaria de Administração
Penitenciária) forneça informações em até 15 dias sobre os agentes que atuaram
na carceragem e atendimentos que recebeu nas unidades em que esteve detido. No
mesmo dia, a OAB-DF também enviou ofício à Seape, à VEP (Vara de Execuções
Penais) e ao MP (Ministério Público) solicitando informações sobre as denúncias
de agressões contra Jonathan.
“Crimes sem grave ameaça”
Rodrigo Pilha ficou preso por causa de um mandado de prisão
que havia sido expedido em 2020, em decorrência de duas condenações que
transitaram em julgado, ou seja, em que não é possível mais recorrer. Em uma
delas, Rodrigo foi condenado por um desacato, que teria ocorrido em 2014, a
sete meses em regime semiaberto, convertido em medidas restritivas de direitos
(comparecimento no fórum e prestação de serviços à comunidade). A outra
condenação, por embriaguez ao volante, em 2018, levou a um ano e sete meses em
regime semiaberto. No ano passado, as duas penas foram unificadas em dois anos
e dois meses de prisão em regime semiaberto.
“O episódio da faixa não fez ele ser preso. O que aconteceu
é que na delegacia viram que ele tinha mandado de prisão aberto por causa
dessas condenações e o mantiveram preso”, confirmou à Ponte o
advogado Thiago Turbay, responsável pela defesa de Rodrigo.
A prisão em regime fechado se manteve nesse período por
causa da reincidência do crime de desacato. A defesa do ativista fez um pedido
de liberdade e o Ministério Público Estadual se manifestou de forma favorável
em 19 de março. Em 31 de março, o juíz Valter André de Lima Bueno Araújo, da
Vara de Execuções Penais do DF, autorizou pedido de trabalho externo feito pela
defesa do ativista (leia aqui), que permite que o preso trabalhe durante o dia
e durma na unidade prisional, mas negou a solicitação de prisão domiciliar.
Depois do CDP II, Pilha foi transferido ao CPP (Centro de Progressão
Provisória).
A família e a defesa reclamam de morosidade no processo, já
que essa decisão passou a constar no sistema apenas em 6 de abril. “A gente
teve duas videoconferências rápidas, só consegui ter acesso mesmo ao meu irmão
quando ele passou a trabalhar fora da unidade”, declara Erico. “E o problema é
que ele não passou nem no IML [Instituto Médico Legal], já passaram mais de 25
dias, se ele tinha mancha, hematoma, agora não dá para ver mais, mas esse
relatório médico tem que ser explicado. Como a pessoa denuncia lesões e não é
feito nada?”, critica.
De acordo com o advogado Thiago Turbay, o receio é de que “a
investigação vire um processo de intimidação e não para apurar os fatos”. “A
VEP atendeu a determinação do CNJ, mas não detalhou nenhum tipo de medida para
manter a segurança do Rodrigo durante esse processo”, declarou. A defesa
ingressou um pedido de habeas corpus ao STJ (Superior Tribunal
de Justiça), que ainda não foi apreciado. O Tribunal de Justiça do DF negou no
último dia 26 de abril um pedido de prisão domiciliar feito pela defesa,
alegando que Pilha é jovem e não apresenta comorbidade “que o coloque no grupo
de risco”. Turbay, porém, questiona. “São crimes com penas pequenas, de dois
anos, que não foram cometidos com grave ameaça, não levaram a nenhum distúrbio
da ordem pública que justifique uma medida mais gravosa e, ainda, em uma
pandemia”, pondera.
Origem das denúncias
Em 11 de abril, o jornalista Guga Noblat postou em sua conta
no Twitter um relatório médico, com data de 23 de março, que indicava que
Rodrigo se queixava de lesões e teria sido agredido, sendo que “um dos
agressores teria perguntado se ele era petista”.
O relato que ouvi da agressão é que Pilha teria levado chutes na costela , além de tapas e socos. Um dos agressores teria perguntado se ele era petista.
Na quinta-feira (29/4), a Revista Fórum publicou sobre as violações que o
ativista teria sofrido quando chegou ao CDP II (Centro de Detenção Provisória)
de Brasília, unidade que é conhecida por abrigar presos que chegam ao sistema
prisional e passam por um período de quarentena, por causa da Covid-19, antes
de serem realocados em outras unidades. A reportagem afirma que nos 14 dias em
que passou no CDP foi submetido à tortura por ser “petista” e por causa da
faixa, tendo sido alvo de agressões constantes, como socos, chutes e pontapés,
ficado apenas com uma bermuda, sem alimentação e que o sufocaram num balde de
água e jogaram sabão em pó em sua cabeça. A reportagem embasou a solicitação da
OAB-DF e a decisão do CNJ.
O ex-presidente Lula, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), de quem
Rodrigo Pilha foi assessor, e o escritor Gregorio
Duvivier também se manifestaram publicamente por “rigor nas
investigações”.
A denúncia de que Rodrigo Pilha foi espancado e torturado na prisão precisa ser rigorosamente investigada e os eventuais responsáveis punidos. A tortura é a arma dos covardes e Pilha não está sozinho!