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quarta-feira, 17 de abril de 2024

Israel-Palestina: Prisioneiros palestinos, incluindo idosos, deficientes e pacientes com Alzheimer, denunciam tortura


As queixas contra o Exército israelita, recolhidas num relatório da ONU, também incluem abuso sexual e abuso psicológico. Entre os detidos, que foram posteriormente libertados, encontravam-se numerosos funcionários da ONU


© UNICEF/Eyad El Baba Pouco depois do início da campanha militar israelita, o Gabinete dos Direitos Humanos da ONU começou a receber “numerosos relatos de milhares de detenções em massa, maus-tratos e desaparecimentos forçados.

“Vi pessoas [detidas] que tinham 70 anos, muito velhas. Havia pessoas com Alzheimer, idosos cegos, pessoas com deficiência que não conseguiam andar, pessoas que tinham estilhaços nas costas e não conseguiam se levantar, pessoas com epilepsia... e a tortura era para todos. Mesmo para pessoas que não sabiam seus próprios nomes. Dissemos a eles que alguém era cego. “Eles não se importaram . ” Detido palestino de 46 anos.

Este é um dos muitos testemunhos de prisioneiros palestinianos capturados pelo Exército israelita depois de 7 de outubro e recolhidos pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNRWA) após a sua libertação num  relatório * publicado esta terça-feira.

De acordo com o documento, pouco depois de as Forças de Defesa de Israel (IDF) terem lançado operações terrestres na Faixa de Gaza , no final de Outubro de 2023, começaram a surgir relatos de palestinianos detidos no norte do enclave. A partir de 12 de novembro de 2023, a agência começou a registar a detenção de homens e mulheres refugiados dentro das instalações da Agência pelo Exército Israelita. 

Em 16 de Dezembro, o Gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos informou ter recebido "numerosos relatos de detenções em massa, maus-tratos e desaparecimentos forçados de possivelmente milhares de homens e rapazes palestinianos e de um certo número de mulheres e raparigas, às mãos de das Forças de Defesa de Israel”, afirma o relatório.



Desde 4 de abril de 2024, a UNRWA documentou a libertação de 1.506 detidos em Gaza pelas autoridades israelitas através da passagem da fronteira de Karem Abu Salem (Kerem Shalom). Esse número incluía 43 crianças (39 meninos e quatro meninas) e 84 mulheres. Entre os libertados estavam 23 trabalhadores de agências da ONU e 16 familiares do seu pessoal, bem como 326 diaristas de Gaza que trabalhavam em Israel. 

Os detidos descreveram ter sido transportados em camiões para o que pareciam ser grandes “quartéis militares” que alojavam entre 100 e 120 pessoas cada e onde eram mantidos incomunicáveis ​​entre os interrogatórios, por vezes durante várias semanas. 


Milhares de desaparecidos

Vários detidos relataram que estavam detidos no quartel do quartel militar localizado em Zikim (ao norte de Erez, no sul de Israel), onde existe uma base militar israelita. Outros relataram ter sido detidos em locais ao redor de Beer Sheva, identificando a base de Sde Teiman. 

Todos declararam ter sido enviados diversas vezes para interrogatório, com entrevista final ao Shabak (agência de inteligência interna israelense).

“Os prisioneiros relataram maus-tratos durante as diferentes fases da sua detenção. Entre os detidos libertados estavam homens e mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência, feridos e doentes, todos sujeitos a formas semelhantes de maus-tratos, de acordo com testemunhos em primeira mão recebidos pela UNRWA. 

Eles me atingiram com uma barra de metal extensível. Tinha sangue nas minhas calças e quando viram, me bateram ali. Detido palestino de 26 anos.

Os funcionários da agência em Karem Abu Salem testemunharam traumas e maus-tratos entre os detidos libertados. Em quase todos os casos, as ambulâncias do Crescente Vermelho transportaram (liberaram) pessoas da travessia para hospitais locais devido a ferimentos ou doenças”, afirma o relatório.


© UNRWA Destruição no norte de Gaza.

Espancamentos e ataques de cães

Segundo as denúncias, os maus-tratos ocorreram principalmente nos quartéis e intensificaram-se antes das sessões de interrogatório. Estes incluíram espancamentos enquanto estavam deitados num colchão sobre escombros durante horas sem comida, água ou acesso a uma casa de banho e com as pernas e mãos amarradas com fechos de correr. 

Vários detidos relataram que foram colocados em jaulas e atacados por cães. “ Alguns detidos libertados, incluindo uma criança, apresentavam feridas provocadas por mordeduras de cães ” . Além disso, os detidos foram ameaçados de prisão prolongada, ferimentos ou assassinato dos seus familiares se não fornecessem as informações solicitadas.

Uma mulher palestiniana de 34 anos deu este testemunho do que lhe aconteceu: Ele [Shabak] mostrou-me todo o meu bairro num ecrã de computador e pediu-me para lhes contar sobre todas as pessoas que me apontaram: quem é este, quem é esse? Se eu não reconhecesse alguém, o soldado ameaçava bombardear a minha casa. Ele me perguntou quem da minha casa não tinha ido para o sul. Eu disse a ele que meus irmãos e meu pai ficaram em casa. “Ele me disse: se você não confessar todas as informações, vamos bombardear sua casa e matar sua família”. 

Os detidos também descreveram que eram forçados a sentar-se de joelhos durante 12 a 16 horas por dia no quartel, com os olhos vendados e as mãos amarradas . Era permitido dormir entre meia-noite e quatro e cinco da manhã, com as luzes acesas e ventiladores soprando ar frio apesar das baixas temperaturas.

Outros métodos de maus-tratos relatados incluíam ameaças de danos físicos, insultos e humilhações, tais como serem obrigados a agir como animais ou a urinar em si próprios, o uso de música alta e ruído, a privação de água, comida, sono e casas de banho, a negação de o direito de orar e o uso prolongado de algemas bem apertadas, causando feridas abertas e lesões por fricção.

Os espancamentos incluíram golpes fortes na cabeça, ombros, rins, pescoço, costas e pernas com barras de metal, coronhas e botas, em alguns casos resultando em costelas quebradas, ombros deslocados e ferimentos permanentes.


Abuso Sexual

Na maioria dos incidentes de detenção relatados, os militares israelitas forçaram os homens, incluindo crianças, a ficarem apenas com roupa interior. A UNRWA também documentou pelo menos uma ocasião em que refugiados do sexo masculino numa das suas instalações foram forçados a despir-se e foram detidos nus.

Tanto homens como mulheres relataram ameaças e incidentes que podem constituir violência sexual e assédio por parte das forças israelitas durante a detenção. Os homens relataram golpes nos órgãos genitais e uma detenta relatou que foi forçada a sentar-se sobre uma sonda elétrica .

As mulheres descreveram ter sido expostas a abusos psicológicos, incluindo insultos e ameaças, bem como toques inadequados durante buscas e intimidação e assédio enquanto estavam vendadas. Tanto homens como mulheres foram forçados a despir-se diante dos soldados durante as buscas e a serem fotografados e filmados nus.

Outra mulher palestiniana de 34 anos contou os abusos que sofreu: “Pediram aos soldados que cuspíssem em mim, dizendo 'este é um de Gaza'. Eles nos bateram enquanto nos movíamos e disseram que colocariam pimenta em nossas partes sensíveis. Eles nos jogaram, nos espancaram e nos levaram de ônibus para a prisão de Damon depois de cinco dias. Um soldado tirou o nosso hijab e beliscou e tocou os nossos corpos, incluindo os nossos seios. Estávamos vendados e sentíamos como eles nos tocavam, empurrando nossas cabeças em direção ao ônibus. Começamos a nos apertar para tentar nos proteger de sermos tocados. Eles disseram 'vadia, vadia'. “Eles disseram aos soldados para tirarem os sapatos e nos baterem com eles.” 


© UNOCHA/Themba Linden Uma bandeira esfarrapada da ONU hasteada em uma escola em Khan Yunis.

Funcionários da ONU forçados a falsas confissões

A UNRWA também registou casos de funcionários palestinianos da agência detidos pelas forças israelitas, incluindo alguns detidos no exercício de funções oficiais para a ONU, nomeadamente enquanto trabalhavam nas próprias instalações da agência e, num caso, durante uma operação humanitária. 

Segundo informações, funcionários da ONU foram mantidos incomunicáveis ​​e sujeitos às mesmas condições e maus-tratos que outros detidos em Gaza e em Israel. 

“Eles também relataram ter sido submetidos a ameaças e coerção durante a detenção, sendo pressionados durante os interrogatórios a confessarem à força contra a Agência, incluindo que a agência tem relações com o Hamas e que o pessoal da UNRWA participou nos ataques de 7 de Setembro de Outubro contra Israel, ”, afirma o relatório.

Os maus-tratos e abusos contra o pessoal da UNRWA incluíram espancamentos físicos graves e a tortura do afogamento simulado, resultando em sofrimento físico extremo; também incluíram espancamentos por parte dos médicos quando procuravam assistência médica, ataques de cães; e ameaças de violação e eletrocussão, entre outros maus-tratos citados no relatório.

A UNRWA apresentou protestos oficiais às autoridades israelitas sobre o tratamento recebido pelos membros da Agência enquanto se encontravam nos centros de detenção israelitas, sem receber qualquer resposta até à data.

* Este relatório baseia-se em informações obtidas como resultado do papel da UNRWA na coordenação da ajuda humanitária na passagem de fronteira de Karem Abu Salem (Kerem Shalom) entre Gaza e Israel, onde as Forças de Defesa de Israel têm libertado regularmente detidos desde o início de Novembro de 2023 e em informações fornecidas à UNRWA de forma independente e voluntária por palestinos libertados da detenção, incluindo homens, mulheres, crianças e funcionários da UNRWA. Este relatório não fornece um relato abrangente de todas as questões relacionadas com as pessoas detidas durante a guerra entre Israel e o Hamas e, em particular, não cobre quaisquer questões relacionadas com os reféns feitos pelo Hamas em 7 de Outubro ou outras preocupações relacionadas com os detidos em Gaza. por atores armados palestinianos.


@UNRWA Relatório: Detenção e alegados maus-tratos de detidos de #Gaza 1.506 detidos de #Gaza libertados pelas autoridades israelitas a partir de 4 de Abril - incluindo 84 mulheres e 43 crianças Todos os detidos foram mantidos durante semanas em instalações militares, sem acesso a comunicação.


 

 A vida está se esgotando em #Gaza em uma velocidade assustadora. Tragicamente, um número desconhecido de pessoas está sob os escombros. Pessoas desesperadas precisam de ajuda urgente, incluindo aquelas no norte sitiado, onde @UNRWA foi negado o acesso para entregar ajuda.



Fonte:  Noticias ONU


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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Abuso sexual e espancamentos: a provação de uma mãe palestina sob custódia israelense


Uma mulher sequestrada pelas forças israelenses em uma escola em Gaza relembra sua experiência angustiante na detenção


Uma mulher palestina no local dos ataques israelenses contra casas em Khan Younis, na Faixa de Gaza, 14 de dezembro de 2023 (Retuers/Ibraheem Abu Mustafa)

Nota do editor: Este artigo contém detalhes perturbadores.

 

Abuso sexual, espancamentos, gritos, privação de alimentos, falta de atendimento médico e tormento psicológico. 

Esta foi a prisão perpétua de Amena Hussain* em Israel.

A palestiniana, mãe de três filhos, foi raptada pelas forças israelitas do seu local de refúgio na Faixa de Gaza devastada pela guerra, no final de Dezembro.

Por mais de 40 dias, ela foi mantida em condições inimagináveis.

Ela é uma das centenas de mulheres, meninas, homens e idosos palestinos que foram detidos arbitrariamente pelas tropas invasoras israelenses durante o ataque em curso.

Eles são mantidos incomunicáveis, com soldados israelenses levando-os para locais desconhecidos e não fornecendo informações sobre o seu paradeiro.

Hussain foi um dos poucos sortudos que conseguiu escapar. O seguinte relato baseia-se numa entrevista que concedeu ao Middle East Eye, na qual recorda a sua experiência angustiante na detenção israelita. 


Ataque noturno 


Hussain morava na cidade de Gaza com suas duas filhas, de 13 e 12 anos, e seu filho, de seis anos. 

Quatro dias após o início da guerra, em 7 de outubro, sua irmã juntou-se a eles na casa depois que sua casa foi bombardeada. 

Durante quase um mês, eles viveram sob os sons horríveis dos implacáveis ​​ataques aéreos próximos. 

A cidade, onde viviam quase um milhão de pessoas antes da guerra, foi alvo de uma campanha de bombardeamento considerada uma das mais destrutivas da história recente, causando proporcionalmente mais danos do que os bombardeamentos aliados à Alemanha na Segunda Guerra Mundial. 

Desesperada por uma sensação de segurança, Hussain partiu com os seus três filhos para se abrigar numa escola em Gaza. 

Mas isso não foi suficiente. 

“O exército continuou ligando obsessivamente para o meu celular e pedindo a todos que saíssem da escola”, disse Hussain ao MEE. 

“Reuni os meus filhos e procurei refúgio numa escola no centro da Faixa de Gaza, na zona de Nuseirat, mas estava tão inacreditavelmente lotada que não conseguíamos encontrar um lugar para ficar de pé, muito menos para sentar ou dormir. andando pelas escolas em busca de um lugar seguro para meus filhos até encontrarmos uma escola para ficar no campo de refugiados de al-Bureij", disse ela.

"Fiquei lá durante os oito dias seguintes. No nono dia, a escola foi bombardeada pelo exército israelense, embora eles soubessem que ela abrigava mulheres, crianças e famílias inteiras deslocadas. Graças a Deus, meus filhos e eu sobrevivemos ao bombardeio. Em seguida, Procurei abrigo em outra escola."


Palestinos se refugiam em uma escola da ONU em Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza, em 24 de fevereiro de 2024 (Majdi Fathi/NurPhoto via Reuters)

Deslocado várias vezes em menos de dois meses, Hussain ficou aliviado por finalmente encontrar um abrigo adequado no centro da Faixa de Gaza. 

Mas o seu pior pesadelo ainda não tinha começado. Menos de um mês depois de chegar à última escola, cujo nome o MEE não nomeia para proteger a identidade de Hussain, chegaram tropas israelitas. 

“Eles invadiram violentamente às 14h30 depois da meia-noite, ordenando que todos saíssem da escola. :00 da manhã. 

“Por volta das 15 horas, os soldados disseram às mulheres para pegarem nos seus filhos e irem embora, ordenando-lhes que se dirigissem para sul. Falando através de um microfone, disseram que cada mulher só poderia levar um saco e os seus filhos. E que só poderíamos pegar as coisas mais necessárias para nossa sobrevivência e ir embora."

Quando as mulheres começaram a sair da escola, algumas delas foram detidas. Hussain estava entre eles. 

“Os soldados pediram minha identidade e me levaram junto com outras nove mulheres. Eu não conhecia nenhuma delas, pois eram de al-Bureij, enquanto eu sou de Gaza. e me pediu para entrar em uma tenda, alegando que havia um médico lá que deseja falar brevemente.”"


Guerra Israel-Palestina: Exército
israelense detém 'arbitrariamente'
mulheres e meninas palestinas de Gaza

Para confortar os filhos, Hussain disse que iria buscar-lhes comida e água na tenda. 

Mas quando ela entrou, uma oficial israelense estava esperando por ela lá dentro. Não havia médicos. 

“Retirem tudo”, disse o oficial, falando em árabe.

Despido até a calcinha, Hussain foi revistado da cabeça aos pés.

“Quando ela não encontrou nada, ela me pediu para me vestir bem e eu pensei que estava sendo liberado, quando de repente senti o soldado atrás de mim apontando uma arma nas minhas costas e gritando para eu andar. ' Perguntei ao soldado e ele respondeu dizendo-me para calar a boca e continuar andando até que ele me colocou dentro de uma grande van com outras mulheres dentro", disse Hussain.

“Ele me algemou, me bateu com a arma e tentou me entregar minha identidade. Estava escuro, eu não via nada e não conseguia pegá-la. "

A van partiu então para uma longa viagem. 


Bem-vindo a Israel 


Depois de quatro ou cinco horas, a van chegou ao destino. 

“Entrei em pânico, senti que estava longe dos meus filhos”, disse Hussain. 

Lá, em um local não revelado a ela, ela viu um grupo de homens israelenses. Um deles disse às mulheres:

“Bem-vindas a Israel”.

“Chocado e apavorado com a ideia de estar dentro de Israel, comecei a caçar baleias e a gritar: 'E os meus filhos, o que vai acontecer com eles, não posso deixá-los sozinhos, eles não têm ninguém.' Eu senti que estava ficando louco. Eles disseram que meus filhos estavam bem, mas eu não acreditei neles."

Uma das mulheres foi libertada nessa altura, enquanto as restantes nove, incluindo Hussain, foram levadas para o que parecia ser um centro de detenção.

Lá eles viram um grupo de jovens palestinos, de aproximadamente 30 ou 40 anos, sentados no frio e vestindo apenas um leve jaleco.



Foram oferecidos cobertores às mulheres, mas Hussain não suportava ver os homens despidos sem oferecer ajuda.  

"Eu disse às mulheres que deveríamos dividir os cobertores com os homens. Eles estavam congelando de tanto frio. Eu não suportava vê-los daquele jeito. Pensei nos meus filhos e me preocupei com eles." 

Os dois grupos começaram então a apresentar-se um ao outro, na esperança de obter alguma informação sobre as suas famílias.

Mas depois de pouco tempo, as mulheres foram retiradas novamente, com algemas e pulseiras numeradas nas mãos.

"Eles nos colocaram em um ônibus, forçando-nos a sentar com nossos corpos curvados. Se eu movesse minha cabeça ou ajustasse meu corpo, uma soldado gritava e me batia com sua arma. Ela me xingava e me chutava", disse Hussain. MEE.

"Depois nos transferiram para outro ônibus, onde finalmente me deram um gole d'água. Só um gole d'água. Foi a primeira coisa que comemos ou bebemos em 24 horas desde que nos tiraram da escola. Sofro de diabetes e tenho pressão arterial crônica. Contei isso aos soldados durante todo esse tempo, mas eles não se importaram. 

"Mas quando finalmente tomei aquele gole de água, matei minha sede e adormeci. A próxima coisa que percebi foi que já era dia."


Pesquisas nuas 


Depois de um dia longo e exaustivo, o grupo de mulheres chegou ao que parecia ser outro centro de detenção, onde passou os 11 dias seguintes. 

Hussain não sabia ao certo onde ela estava ou como eram as instalações porque ela estava quase sempre vendada e ouvia apenas hebraico nas proximidades, o que ela não entendia. 

Ao chegarem lá, ela foi levada para uma sala e as vendas foram removidas. 

“Vi luzes brilhantes e uma janela de vidro que suspeito ter câmeras de vigilância”, disse ela. 

"As mulheres soldados israelenses começaram a me bater e a gritar para que eu tirasse a roupa. Fiquei surpreso por ter sido solicitado a tirar a roupa novamente. Ela me despiu até a calcinha. Ela continuou cuspindo em mim no processo." Hussain acrescentou.

“Em todos os momentos da minha detenção, sempre que éramos transferidos de um local para outro, éramos revistados. Os policiais enfiavam as mãos no meu peito e dentro das minhas calças. gritou para nós calarmos a boca."

Quando os soldados terminaram de revistar Hussain naquela sala, eles não devolveram as roupas dela. 
 
"Implorei à soldado que me devolvesse meu sutiã. Eu disse que não conseguia me mover sem ele, mas ela gritava que eu não poderia usá-lo. Ela me jogou uma calça e uma camiseta e disse que você só pode usar isso. Ela continuou me chutando, me batendo com o bastão enquanto eu me vestia."


Soldados israelenses ao lado de um caminhão lotado de detidos palestinos sem camisa na Faixa de Gaza, 8 de dezembro de 2023 (Reuters/Yossi Zeliger)

"Foi pura tortura. Ela era muito vingativa e extremamente violenta e ressentida, como todos eles eram. Eles estavam abusando de mim de todas as maneiras. Foi chocante ver mulheres abusarem de outras mulheres, de outras mulheres da mesma idade ou até mais velhas. Como eles poderiam fazer isso conosco?"

Hussain foi então levada para outra sala onde ela deveria dar informações sobre o dinheiro e as joias que usava. Os cerca de US$ 1.000 que ela tinha com ela, junto com seus brincos de ouro, foram tirados dela lá. Ela foi então retirada, ainda sendo chutada e maltratada pelos soldados. 

Então, ela ouviu uma voz que parecia a de sua filha. 

"Pensei ter ouvido minhas meninas me chamando, então comecei a gritar de volta 'meu bebê, meu bebê', apenas para descobrir que não era minha filha."

O testemunho de Hussain sobre os abusos que sofreu surge no momento em que especialistas da ONU  expressaram preocupação na semana passada com relatos de agressão sexual a que mulheres e raparigas palestinianas foram submetidas por soldados israelitas. 

“Pelo menos duas mulheres palestinas detidas teriam sido estupradas, enquanto outras teriam sido ameaçadas de estupro e violência sexual”, disseram os especialistas. 

As mulheres detidas também estavam sendo “sujeitas a tratamento desumano e degradante, lhes eram negados absorventes menstruais, alimentos e remédios, e eram severamente espancadas”. 


Gaiolas e interrogatórios


Por fim, Hussain foi levada para uma pequena sala juntamente com as outras oito mulheres detidas com ela, bem como mais quatro. 

Todos os 13 foram colocados em uma pequena sala escura, que parecia uma jaula onde os animais são mantidos, segundo Hussain. "Havia colchões finos nas gaiolas com alguns cobertores, mas sem travesseiros. Era como dormir no chão frio. Ficamos algemados o tempo todo", disse ela.

"Os banheiros estavam todos imundos e tínhamos medo de passar mal só de usar o banheiro. Não tinha água corrente. Você anda com uma garrafa de água que serve para beber e se lavar. 

“As meninas tentaram ajudar e apoiar umas às outras. Queríamos rezar, mas não havia água para a ablução antes da oração, então usamos terra.

"Para a comida, eles traziam uma pequena quantidade por dia, que mal dava para uma pessoa. Quase não tínhamos comida. Era extremamente difícil viver sem comida e água, sem roupas e cobertores.



"Meu corpo estava doente e exausto. Foi espancado e violado. Senti que ia desmaiar. Fiquei muito preocupado com meus filhos, me perguntando se eles estavam seguros, se tinham comida e água, se estavam aquecidos e tinham alguém para cuidar deles." 

O grupo de mulheres passou 11 dias nesta instalação, durante os quais Hussain foi levado para interrogatório duas vezes, uma experiência não menos traumatizante.

“Eles me fizeram muitas perguntas sobre minha família, meu marido e meus irmãos”, lembrou Hussain.  

“Os soldados continuaram a ameaçar magoar os meus filhos, gritando-me que se eu não dissesse a verdade, eles iriam torturar e matar os meus filhos. 

“Eles ficavam perguntando sobre meus irmãos e irmãs. Um dos meus irmãos é advogado e outros dois são professores e um é médico e um barbeiro. 'ativistas', e quando perguntei o que queriam dizer, disseram que eu sabia a resposta. 

"Durante os interrogatórios, eles me amarraram a uma cadeira e uma soldado ficou ao meu lado, me chutando e me empurrando com sua arma para responder corretamente. 

"Eles também perguntaram sobre minhas contas nas redes sociais e eu disse que só tinha Facebook. Eles ameaçaram que continuariam me observando."

Depois de sofrer durante 11 dias neste centro de detenção não revelado, Hussain foi transferido novamente, desta vez para uma prisão.


Fim da estrada


Quando ela chegou lá, Hussain estava exausto, com dores e morrendo de fome. Ela não tomava remédios para diabetes há dias e sua saúde estava piorando. Suas companheiras de cela gritavam por um médico, que finalmente apareceu e lhes ofereceu um pouco mais de comida e alguns remédios. 

Eles finalmente puderam tomar banho pela primeira vez em semanas. 

"Esse foi o melhor momento de todo o meu tempo lá. Me senti livre por um breve momento."

Hussain foi mantido nesta prisão durante 32 dias. A comida era dada três vezes ao dia, mas cada refeição não era suficiente para uma pessoa. O arroz, quando oferecido, estava cru.

No 42º dia, finalmente chegou a hora de voltar para casa. 


Espancamentos, roubos e assassinatos:
o dia em que os soldados israelenses
 chegaram ao Estádio Yarmouk, em Gaza

“Tudo o que vocês têm, papéis ou qualquer outra coisa, vocês não podem levar com vocês, deixem tudo aqui”, disse um soldado ao grupo de mulheres enquanto se preparavam para sair. 

"Os soldados roubaram tudo de mim. Não recuperei meu dinheiro nem nenhum dos meus pertences. Eles apenas me devolveram meus brincos em um envelope e roubaram todo o meu dinheiro", disse Hussain.  

Mas a essa altura, Hussain pensou que a pior parte já havia ficado para trás, apenas para ficar chocada ao ver que o caminho de volta foi tão traumatizante quanto a entrada.
 
"Depois de uma viagem de três horas, fomos levados para outra sala grande. Lá, eles removeram meus olhos e vi um grupo de mulheres palestinas nuas. As mulheres soldados estavam me chutando e me pedindo para me despir. Eu recusei, mas ela continuou me chutando e me batendo. Os soldados continuaram entrando e saindo da sala, enquanto estávamos despidos ."

O grupo de mulheres finalmente conseguiu se vestir novamente antes de serem soltos. 

Mas pouco antes de entrarem no ônibus, um jornalista israelense com uma câmera veio capturar a cena, filmando o rosto de Hussain. 

"Um soldado me disse para dizer 'está tudo bem' para a câmera e eu disse. Assim que o jornalista terminou a filmagem, fui empurrado para dentro do ônibus. Fomos deixados no cruzamento de Karem Abu Salem (Karem Shalom). Eu virei-me para o soldado e perguntei sobre meus pertences e meu dinheiro. Ele disse: 'Corra. Apenas corra.'

"Então eu fugi, junto com todas as outras mulheres."

*O nome foi alterado para proteger a identidade do entrevistado

Fonte: Middle East Eye

UOL


ONU pede apuração sobre relatos de violência sexual cometida por soldados de Israel em Gaza

O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos pediu a apuração de relatos que soldados israelenses estejam violentando mulheres e meninas na Faixa de Gaza. O Exército de Israel nega as acusações. Os colunistas Josias de Souza e Leonardo Sakamoto analisam



sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Em memória do Dr. Refaat Alareer


Filho orgulhoso do distrito de Shujaiya, na cidade de Gaza, Refaat era professor de literatura inglesa na Universidade Islâmica de Gaza




Expressamos o nosso choque, raiva e profunda tristeza pelo assassinato, pelas forças de ocupação israelenses, do nosso amigo e colega Dr. Refaat Alareer, num ataque aéreo na Cidade de Gaza, no dia 6 de Dezembro.

Refaat foi morto junto com seu irmão, irmã e quatro de seus filhos quando a casa de sua irmã foi atacada. Refaat e os membros da sua família estão agora entre os mais de 17 mil palestinos mortos no genocídio em curso em Israel.

Expressamos nossas profundas condolências à esposa de Refaat, Nusayba, e aos seus filhos e outros familiares sobreviventes, a todos os seus alunos e ex-alunos dos quais ele tanto se orgulhava, e a todos que o amavam.

Refaat e a sua família já tinham sido deslocados várias vezes dentro de Gaza depois de a sua casa ter sido bombardeada em Outubro.

Filho orgulhoso do distrito de Shujaiya, na cidade de Gaza, Refaat era professor de literatura inglesa na Universidade Islâmica de Gaza.

Ele foi cofundador do We Are Not Numbers, um projeto lançado em Gaza após o ataque de Israel em 2014, para orientar e apoiar jovens escritores no território sitiado a contarem as suas histórias ao mundo.

Mesmo sob o bombardeamento selvagem e implacável de Israel, Refaat nunca deixou de nutrir e orientar os seus alunos e antigos alunos, quer fosse para escrever poesia, quer fosse reportagem para a Intifada Electrónica.

Embora não fosse destemido, Refaat foi corajoso. Ele continuou a falar, mesmo sabendo que Israel visava sistematicamente jornalistas, médicos e outros intelectuais para extermínio.

Poucos dias antes de Refaat ser assassinado, Israel assassinou o Dr. Sufyan Tayeh, presidente da Universidade Islâmica de Gaza.

Refaat nunca perdeu o seu perverso senso de humor, continuando a contar piadas mesmo no meio daquilo a que chamou o terror indescritível dos implacáveis ​​bombardeamentos e bombardeamentos israelenses e a difusão da morte.

Sabendo que nenhum lugar em Gaza era seguro, Refaat e a sua família optaram inflexivelmente por ficar na Cidade de Gaza.

Ao longo dos anos, Refaat incentivou e nutriu centenas de jovens escritores em Gaza, segundo Yousef Aljamal, autor e investigador e um dos amigos mais próximos e ex-alunos de Refaat.

“A maioria dos jovens [em Gaza] que vemos hoje nas redes sociais escrevendo em inglês são seus alunos”, disse Aljamal na transmissão ao vivo da Intifada Eletrônica no mês passado. “Então ele treinou um exército de escritores e blogueiros para escrever e contar a história.”

Refaat editou a antologia de 2014 Gaza Writes Back: Short Stories from Young Writers in Gaza, Palestine , publicada pela Just World Books.

Ele também contribuiu para Light in Gaza: Writings Born of Fire , editado por Jehad Abusalim, Jennifer Bing e Michael Merryman-Lotze, publicado em 2022 pela Haymarket Books.

Na sua contribuição para Light in Gaza , intitulada “Gaza Pergunta: Quando isto passará?”, Refaat escreve:

“Vai passar, continuo esperando. Vai passar, continuo dizendo. Às vezes eu falo sério. Às vezes não. E enquanto Gaza continua a ansiar pela vida, nós lutamos para que isso passe, não temos outra escolha senão revidar e contar as suas histórias. Para a Palestina.”

Além de Refaat, pelo menos três colaboradores da Intifada Electrónica foram mortos em Gaza desde 7 de Outubro.

São eles Huda al-Sousi , Raed Qaddoura e Mohammed Hamo .

Todos os três eram pupilos de Refaat:

Ahmed Abu Artema, colaborador regular da Intifada Electrónica, perdeu o seu filho Abdullah, de 13 anos, e vários outros membros da família num ataque aéreo israelita em Outubro. Ahmed e seus outros dois filhos ficaram feridos.

As contribuições de Refaat para a Intifada Eletrônica foram imensuráveis.

A sua primeira contribuição escrita lembrou o seu irmão, o mártir Mohammed Alareer, que foi morto num ataque aéreo israelita à sua casa em 2014.

Mohammed, que Refaat conhecia como Hamada, era querido por milhares de crianças em Gaza por causa de seu personagem Karkour, uma galinha travessa do programa de TV Tomorrow’s Pioneers .

Refaat escreveu na época: “Meu irmão será o mártir número 26 em minha família; cinco deles foram mortos na semana passada e tiveram seus corpos retirados dos escombros durante o ‘cessar-fogo humanitário’ de sábado, de 12 horas”.

Ele acrescentou: “Vivemos agora numa época na Palestina em que um filho perdido, dois filhos órfãos, uma jovem esposa viúva devem ser comparados com aqueles que perderam dez ou vinte membros da família de uma só vez. Há uma tentativa clara de limpar etnicamente a Palestina, de nos fazer sair e nunca mais voltar.”

Um dos tios de Refaat, Tayseer Alareer, foi baleado e morto por tropas israelenses no kibutz Nahal Oz enquanto cultivava suas terras em Gaza em 2001. Um primo, Awad Alareer, morreu depois que Israel atrasou o acesso ao tratamento médico quando ele foi diagnosticado com câncer .

Outro tio, Oun Alareer, foi preso e torturado por Israel em 1971. Refaat escreveu sobre o seu tio Oun para a revista Scalawag : o seu nome “reverbera nas nossas casas na esperança de compensar pelo menos um pouquinho da dor que a sua perda nos trouxe. ”

Durante a sua vida e morte, Refaat Alareer foi um shaheed ou testemunha das profundas injustiças que Israel cometeu sobre a Palestina e o seu povo.

Em sua homenagem ao seu irmão assassinado Hamada, Refaat escreveu:

“A barbárie de Israel para assassinar pessoas em Gaza e cortar as ligações entre pessoas e pessoas, e entre pessoas e terras e entre pessoas e memórias, nunca terá sucesso.”

Ele acrescentou: “Perdi meu irmão fisicamente, mas a conexão com ele permanecerá para todo o sempre”.

E o mesmo acontecerá com a nossa ligação a Refaat, que é imortalizado pelas suas palavras e através dos seus alunos, que continuam o seu legado de luta pela verdade e pela libertação.

Ele escreveu em 1º de novembro: “Se eu morrer, que seja uma história”.


Electronic Intifada


“Sou um académico”, disse Refaat Alareer no terceiro dia do genocídio de Israel. “A coisa mais difícil que tenho em casa é um marcador da Expo. Mas se os israelenses invadirem... vou usar esse marcador para jogá-lo nos soldados israelenses, mesmo que seja a última coisa que eu possa fazer. do."

 


 Press TV /  Refaat in Gaza


Se eu devo morrer,

deixe trazer esperança

que seja uma história.

Este é o último poema escrito pelo escritor palestiniano Refaat al-Ar'eer, que, juntamente com os seus familiares, foi hoje martirizado pelo regime israelita...

#GazaGenocide

 

Fontes: FEPAL - Federação Árabe Palestina do Brasil - Electronic Intifada


domingo, 2 de maio de 2021

Mais presos denunciaram tortura na prisão do DF onde Rodrigo Pilha teria sido atacado


Entidades pedem apuração de denúncias de tortura contra ativista, que teria sido espancado no CDP II de Brasília; torturas são “práticas corriqueiras”, diz irmã de detento

O ativista Rodrigo Pilha ficou conhecido após estender faixa com dizeres “Bolsonaro Genocida” em Brasília

Famílias denunciam que a tortura é uma “prática corriqueira” no CDP (Centro de Detenção Provisória) II de Brasília (DF). A vítima mais conhecida das supostas agressões na unidade prisional é o militante do PT Rodrigo Grassi Cademartori, o Rodrigo Pilha, 43 anos: segundo a família do ativista, Rodrigo e outros presos teriam sido atacado por policiais penais com chutes e pontapés e obrigado a dormir no chão. Mas não é o único caso.

“Pilha merece toda a atenção, e por esse viés político ele ganhará mídia e essa situação será averiguada, mas será muito injusto se o caso dele for tratado como isolado, sendo que essas práticas são corriqueiras”, afirma a irmã de Jonathan (nome trocado a pedido da família), preso de 32 anos que é soropositivo e que, segundo ela, teria sido agredido na unidade e ficado sem remédios no mesmo presídio, em janeiro. Após uma representação da defesa do jovem ao Ministério Público do DF, Jonathan recebeu os antirretrovirais, mas acabou infectado com Covid-19, quando já estava no presídio da Papuda.

De acordo com a irmã do rapaz, os abusos no CDP são comuns. “Meu irmão não sofre isso sozinho. A gente soube pelos relatos dele que acontece com todos”, desabafa. Jonathan foi condenado a cinco anos em regime semiaberto, por falsificação de anabolizantes, mas está no fechado por um imbróglio judicial envolvendo competência de varas. Ele se recuperou do coronavírus e aguarda uma decisão a respeito da definição de competência de vara para executar sua pena.

Leia também: Em celas superlotadas, sete presos compartilham o mesmo sabonete

Já Rodrigo Pilha ficou conhecido ao ser detido, junto com mais quatro ativistas, pela Polícia Militar, com base na Lei de Segurança Nacional, ao estender uma faixa com a inscrição “Bolsonaro Genocida” e uma charge do cartunista Aroeira, em 18 de março deste ano. Os PMs levaram os ativistas até a Superintendência da Polícia Federal, que se recusou a enquadrá-los na LSN e liberou a todos, com exceção de Pilha, que permaneceu detido por causa de outras duas condenações anteriores, por desacato e embriaguez ao volante.

À Ponte, o irmão do ativista, o servidor público Erico Grassi, 41, disse que soube por ele que as agressões no CDP II acontecem “com todos os presos que entram” no local. “Lá ele era ‘o petista’, chamavam ele de ‘petista’. Ficou dormindo no chão, recebeu socos, chute, pontapé, e ele disse que eram dois agentes que agrediam e um que ficava omisso”, relata. “Ele disse que um dos agentes usava máscara do Bolsonaro para bater nele. Esse caráter ideológico eu fui saber depois”, afirma.

A repercussão de denúncias de tortura contra o ativista levou a OAB-DF (Ordem dos Advogados Seccional do Distrito Federal) a solicitar investigação e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a determinar a apuração do caso, nesta sexta-feira (30/4). Em ofício, o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi deu 48 horas para que Rodrigo seja ouvido e submetido exame de corpo de delito, além de determinar que a Seape (secretaria de Administração Penitenciária) forneça informações em até 15 dias sobre os agentes que atuaram na carceragem e atendimentos que recebeu nas unidades em que esteve detido. No mesmo dia, a OAB-DF também enviou ofício à Seape, à VEP (Vara de Execuções Penais) e ao MP (Ministério Público) solicitando informações sobre as denúncias de agressões contra Jonathan.


“Crimes sem grave ameaça”

Rodrigo Pilha ficou preso por causa de um mandado de prisão que havia sido expedido em 2020, em decorrência de duas condenações que transitaram em julgado, ou seja, em que não é possível mais recorrer. Em uma delas, Rodrigo foi condenado por um desacato, que teria ocorrido em 2014, a sete meses em regime semiaberto, convertido em medidas restritivas de direitos (comparecimento no fórum e prestação de serviços à comunidade). A outra condenação, por embriaguez ao volante, em 2018, levou a um ano e sete meses em regime semiaberto. No ano passado, as duas penas foram unificadas em dois anos e dois meses de prisão em regime semiaberto.

“O episódio da faixa não fez ele ser preso. O que aconteceu é que na delegacia viram que ele tinha mandado de prisão aberto por causa dessas condenações e o mantiveram preso”, confirmou à Ponte o advogado Thiago Turbay, responsável pela defesa de Rodrigo.

A prisão em regime fechado se manteve nesse período por causa da reincidência do crime de desacato. A defesa do ativista fez um pedido de liberdade e o Ministério Público Estadual se manifestou de forma favorável em 19 de março. Em 31 de março, o juíz Valter André de Lima Bueno Araújo, da Vara de Execuções Penais do DF, autorizou pedido de trabalho externo feito pela defesa do ativista (leia aqui), que permite que o preso trabalhe durante o dia e durma na unidade prisional, mas negou a solicitação de prisão domiciliar. Depois do CDP II, Pilha foi transferido ao CPP (Centro de Progressão Provisória).

A família e a defesa reclamam de morosidade no processo, já que essa decisão passou a constar no sistema apenas em 6 de abril. “A gente teve duas videoconferências rápidas, só consegui ter acesso mesmo ao meu irmão quando ele passou a trabalhar fora da unidade”, declara Erico. “E o problema é que ele não passou nem no IML [Instituto Médico Legal], já passaram mais de 25 dias, se ele tinha mancha, hematoma, agora não dá para ver mais, mas esse relatório médico tem que ser explicado. Como a pessoa denuncia lesões e não é feito nada?”, critica.

Leia também: Denúncias de tortura em presídios sobem 70% durante pandemia

De acordo com o advogado Thiago Turbay, o receio é de que “a investigação vire um processo de intimidação e não para apurar os fatos”. “A VEP atendeu a determinação do CNJ, mas não detalhou nenhum tipo de medida para manter a segurança do Rodrigo durante esse processo”, declarou. A defesa ingressou um pedido de habeas corpus ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que ainda não foi apreciado. O Tribunal de Justiça do DF negou no último dia 26 de abril um pedido de prisão domiciliar feito pela defesa, alegando que Pilha é jovem e não apresenta comorbidade “que o coloque no grupo de risco”. Turbay, porém, questiona. “São crimes com penas pequenas, de dois anos, que não foram cometidos com grave ameaça, não levaram a nenhum distúrbio da ordem pública que justifique uma medida mais gravosa e, ainda, em uma pandemia”, pondera.


Origem das denúncias

Em 11 de abril, o jornalista Guga Noblat postou em sua conta no Twitter um relatório médico, com data de 23 de março, que indicava que Rodrigo se queixava de lesões e teria sido agredido, sendo que “um dos agressores teria perguntado se ele era petista”.


 

 Na quinta-feira (29/4), a Revista Fórum publicou sobre as violações que o ativista teria sofrido quando chegou ao CDP II (Centro de Detenção Provisória) de Brasília, unidade que é conhecida por abrigar presos que chegam ao sistema prisional e passam por um período de quarentena, por causa da Covid-19, antes de serem realocados em outras unidades. A reportagem afirma que nos 14 dias em que passou no CDP foi submetido à tortura por ser “petista” e por causa da faixa, tendo sido alvo de agressões constantes, como socos, chutes e pontapés, ficado apenas com uma bermuda, sem alimentação e que o sufocaram num balde de água e jogaram sabão em pó em sua cabeça. A reportagem embasou a solicitação da OAB-DF e a decisão do CNJ.

O ex-presidente Lula, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), de quem Rodrigo Pilha foi assessor, e o escritor Gregorio Duvivier também se manifestaram publicamente por “rigor nas investigações”.


 

Outro lado

A Ponte procurou as assessorias da Seape e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e aguarda um posicionamento.


Cortes 247

ÁUDIO DO IRMÃO DE RODRIGO PILHA, PRESO POR EXIBIR FAIXA 'BOLSONARO GENOCIDA' | Cortes 247

Ouça o ÁUDIO


sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Mais um pedido de impeachment para a conta do presidente Jair Bolsonaro. No total, incluindo aditamentos e pedidos rejeitados e retirados pelos autores, foram 59 solicitações de afastamento.




 Art. 5º, 7º e 9º da Lei de Impeachment

O advogado e pesquisador Lauro Chamma Correia se encontra preso em penitenciária paulista desde 2018 acusado de ter roubado e estuprado mulheres em São Paulo. Ele é autor do 41º pedido de impeachment contra Jair Bolsonaro.

Devido às acusações enfrentadas pelo denunciante, a Agência Pública não entrou em contato para entrevista. Sua denúncia foi lida e resumida pela reportagem. 

Correia é o segundo detento a pedir o impedimento do presidente e lembra que, segundo o artigo 14 da lei 1079/50, “é permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado por crime de responsabilidade perante a Câmara dos Deputados”. 


Resumo do pedido

O pedido de impeachment protocolado por Lauro Chamma Correia possui treze páginas escritas à mão. Assinado em 23 de novembro de 2020, o documento só foi protocolado pela Câmara dos deputados no dia 9 de dezembro, e aguarda a análise do presidente da casa ao lado de outros 40 pedidos.

O autor, que está preso desde 2018 por acusação de estupro, denuncia Jair Bolsonaro por crime de responsabilidade por desrespeitar os direitos humanos. Entre as supostas infrações do denunciado, estariam o que o pedido classifica como “desfiguração” do antigo Ministério dos Direitos Humanos, hoje chamado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), sob comando de Damares Alves, além da “pulverização” do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Além disso, Bolsonaro teria se afastado da responsabilidade de assegurar tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, o que implicaria crime de responsabilidade pelo artigo 5º da lei de Impeachment.

Como provas das acusações, o autor indica que a Câmara dos Deputados acesse seis documentos em diferentes órgãos públicos, entre eles a cópia de um processo que tramita no MMFDH, e as cópias de processos e petições envolvendo Bolsonaro na Comissão Internacional de Direitos Humanos da ONU. O autor também sugere outros 14 documentos suplementares para o processo, incluindo todas as petições, manifestações e representações que ele já impetrou no Ministério Público no período em que se encontra preso.

Anexada ao pedido a pedido do denunciante está também uma carta enviada pelo autor à Comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet.

Segundo o Correia, desde fevereiro de 2019 ele envia correspondências ao órgão internacional denunciando violações de direitos humanos cometidas pelo governo Bolsonaro. Nessa última carta, ele diz que centenas de pessoas estão sendo presas, torturadas e mortas por agentes estatais no Brasil, incluindo ele próprio, e pede ajuda da comissária para tomar providências, uma vez que “não há interesse do Estado brasileiro em ouvir minha história”.


Pedido 0041 na íntegra



Os pedidos de impeachment de Bolsonaro

Ao todo, 1459 pessoas e organizações assinaram pedidos deimpeachment do presidente Jair Bolsonaro até meados de agosto. Dos 55 pedidos enviados ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e recebidos pela casa, apenas um foi arquivado até hoje. No total, incluindo aditamentos e pedidos rejeitados e retirados pelos autores, foram 59.


terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Dilma responde provocação de Bolsonaro sobre tortura: “é um sociopata”



Entre risos, ele afirmou: “Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo ósseo”

A ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) respondeu ao presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) em nota à imprensa, nesta segunda-feira (28), que fez piadas com o fato dela ter sido torturada. Dilma afirmou que o presidente é “um sociopata, que não se sensibiliza diante da dor de outros seres humanos, não merece a confiança do povo brasileiro”.

Bolsonaro voltou a desrespeitar as vítimas da ditadura militar no Brasil e escolheu para atacar Dilma Rousseff. O presidente, além de ironizar, duvidou que a ex-presidente, que ficou presa durante três anos, tenha sido torturada.

Dilma disse ainda que “Bolsonaro não respeita a vida, é defensor da tortura e dos torturadores, é insensível diante da morte e da doença, como tem demonstrado em face dos quase 200 mil mortos causados pela Covid-19 que, aliás, se recusa a combater”

Entre risos, Bolsonaro provocou: “Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio X”, declarou, em encontro com apoiadores na manhã desta segunda-feira (28).


Leia a resposta de Dilma na íntegra abaixo:

Jair Bolsonaro promoveu mais uma de suas conhecidas sessões de infâmia e torpeza, falando a um pequeno grupo de apoiadores, nesta segunda-feira, 28 de dezembro. 

Como não respeita nenhum limite imposto pela educação e pela civilidade, uma exigência a qualquer político, e mais ainda a um presidente da República, desmoraliza mais uma vez o cargo que ocupa. Mostra-se indigno ao tratar com desrespeito e com deboche o fato de eu ter sido presa ilegalmente e torturada pela ditadura militar. Queria provocar risos e reagiu com sórdidas gargalhadas às suas mentiras e agressões.

A cada manifestação pública como esta, Bolsonaro se revela exatamente como é: um indivíduo que não sente qualquer empatia por seres humanos, a não ser aqueles que utiliza para seus propósitos. Bolsonaro não respeita a vida, é defensor da tortura e dos torturadores, é insensível diante da morte e da doença, como tem demonstrado em face dos quase 200 mil mortos causados pela Covid-19 que, aliás, se recusa a combater. A visão de mundo fascista está evidente na celebração da violência, na defesa da ditadura militar e da destruição dos que a ela se opuseram.

É triste, mas o ocupante do Palácio do Planalto se comporta como um fascista. E, no poder, tem agido exatamente como um fascista. Ele revela, com a torpeza do deboche e as gargalhadas de escárnio, a índole própria de um torturador. Ao desrespeitar quem foi torturado quando estava sob a custódia do Estado, escolhe ser cúmplice da tortura e da morte.

Bolsonaro não insulta apenas a mim, mas a milhares de vítimas da ditadura militar, torturadas e mortas, assim como aos seus parentes, muitos dos quais sequer tiveram o direito de enterrar seus entes queridos. 

Um sociopata, que não se sensibiliza diante da dor de outros seres humanos, não merece a confiança do povo brasileiro.

DILMA ROUSSEFF

Fonte: Revista Fórum



Revista Fórum

Esta edição do Fórum Onze e Meia comenta a declaração de Jair Bolsonaro sobre Dilma Rousseff, a repercussão da fala, o julgamento da suspeição de Sergio Moro, o fim do auxílio emergencial, entre outras notícias do dia. Com comentários de Renato Rovai e apresentação de Dri Delorenzo.

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sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Os 'documentos secretos' levados por Joe Biden ao Brasil que desafiam versão de Bolsonaro sobre ditadura



 Dilma e Biden em foto de 2015; na época, governo americano se aproximou de países latino-americanos com abertura de documentos históricos sobre violações de direitos humanos

Se havia alguma dúvida de que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o presidenciável democrata Joe Biden estão em lados políticos opostos, o debate entre Biden e o presidente Trump na última semana tratou de dissipá-las. Na ocasião, Biden, favorito para vencer o pleito de 3 de novembro pelas atuais pesquisas, criticou a devastação da Amazônia e aventou até sanções econômicas ao país.

O meio ambiente, no entanto, está longe de ser o único tema de discordância entre Biden e Bolsonaro. O ex-vice-presidente americano está no centro de uma das empreitadas pelas quais o atual presidente brasileiro mais demonstrou desprezo e resistência: a apuração, pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), de crimes e violações cometidos por agentes públicos durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985.

Em 17 de junho de 2014, Biden, o então vice-presidente na gestão Barack Obama, desembarcou em Brasília com um objeto especial na bagagem: um HD com 43 documentos produzidos por autoridades americanas entre os anos de 1967 e 1977. A partir de informações passadas não só por vítimas, mas por informantes dentro das Forças Armadas e dos serviços de repressão, os relatórios americanos detalhavam informações sobre censura, tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar do Brasil.

Até aquele momento, a maior parte dos documentos era considerada secreta pelo governo dos Estados Unidos, que apoiou e colaborou com a ditadura durante boa parte do período em que os militares estiveram no poder.

Biden sabia bem do que se tratava. E sabia também que produziria impacto real ao passar a mídia para as mãos da então presidente brasileira Dilma Rousseff, ela mesma uma das oposicionistas torturadas nos porões da ditadura.

É certo que o governo americano poderia ter enviado o material por internet, pela embaixada nos Estados Unidos.

Mas a gestão Obama-Biden queria gravar seu nome no ato de abertura dos documentos, como um manifesto pela transparência e pelos direitos humanos.

Mais do que isso, queria melhorar relações diplomáticas com base na troca de informações altamente relevantes para a história de países como Brasil, Argentina e Chile.

No caso do Brasil, isso era ainda mais estratégico já que a revelação, meses antes, de que a Agência Nacional de Segurança americana (NSA, na sigla em inglês) havia espionado conversas da mandatária brasileira abalou o alicerce das relações entre os dois países.

"Estou feliz de anunciar que os Estados Unidos iniciaram um projeto especial para desclassificar e compartilhar com a Comissão Nacional da Verdade documentos que podem lançar luz sobre essa ditadura de 21 anos, o que é, obviamente, de grande interesse da presidente", afirmou Biden, sorridente, ao lado de Dilma.

Sem ditadura

A própria definição dada por Biden do regime militar é hoje refutada por Bolsonaro, que nega ter havido ditadura no país.

"Espero que olhando documentos do nosso passado possamos focar na imensa promessa do futuro", concluiu Biden.

Cinco anos após esse encontro entre Dilma e Biden, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro desqualificou por completo as revelações feitas pela CNV, das quais os documentos trazidos por Biden são peça fundamental.

"A questão de 64 não existem documentos se matou ou não matou, isso aí é balela, está certo?", disse Bolsonaro.

O presidente respondia à imprensa, que questionava uma declaração sua dada no dia anterior para atingir o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Bolsonaro disse pra Santa Cruz que poderia esclarecer a ele como seu pai havia desaparecido.

De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, pai do presidente da OAB, foi visto pela última vez em fevereiro de 1974, quando foi preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi. Oliveira jamais voltou a ser visto. Ele morreu nas mãos dos agentes.

"Comissão da Verdade? Você acredita em Comissão da Verdade? Você quer documento para isso, meu Deus do céu? Documento é quando você casa, quando você se divorcia. Eles têm documento dizendo o contrário? Acrescentou Bolsonaro.

Mas, afinal, o que há nos documentos trazidos por Biden?

Documento enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro descreve padrão de tortura

Documento enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro descreve padrão de tortura

"O suspeito é deixado nu, sentado e sozinho em uma cela completamente escura ou refrigerada por várias horas. Na cela há alto-falantes, que emitem gritos, sirenes e apitos em altos decibéis. Então, o detido é interrogado por um ou mais agentes, que o informam qual crime acreditam que a pessoa tenha cometido e que medidas serão tomadas caso não coopere. Nesse ponto, se o indivíduo não confessa, e se os agentes consideram que ele possui informações valiosas, ele é submetido a um crescente sofrimento físico e mental até confessar."

"Ele é colocado nu, em uma pequena sala escura com um chão metálico, que conduz correntes elétricas. Os choques elétricos, embora alegadamente de baixa intensidade, são constantes e eventualmente se tornam insuportáveis. O suspeito é mantido nessa sala por muitas horas. O resultado é extrema exaustão mental e física, especialmente se a pessoa é mantida nesse tratamento por dois ou três dias. Em todo esse período, ele não recebe comida nem água."

O texto acima é um trecho de um documento de sete páginas enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro ao Departamento de Estado, em 1973, e trazido por Biden em sua visita.

A comunicação diplomática informa que 126 pessoas teriam passado por tratamento parecido ao relatado, além de outras formas de sevícias, como o "pau de arara". O informe é feito não só com base em depoimentos de vítimas, mas de informantes militares, cuja identidade aparece protegida por trechos apagados no documento.

Detalhes

"Esse é um dos relatórios mais detalhados sobre técnicas de tortura já desclassificados pelo governo dos Estados Unidos", afirmou à BBC News Brasil Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação Brasileiro do Arquivo de Segurança Nacional Americano, em Washington D.C.

Ainda de acordo com Kornbluh, "os documentos americanos ajudam a lançar luz sobre várias atrocidades e técnicas (de tortura do regime). Eles são evidências contemporâneas dos abusos dos direitos humanos cometidos pelos militares brasileiros. Quase todo o mundo acredita neles. As pessoas que preferem não reconhecer a verdade sobre o que foi feito são os Bolsonaros e aqueles que realmente cometeram esses crimes".

Mas nem sempre Bolsonaro nega que a ditadura tenha cometido violações aos direitos humanos. Em julho de 2016, em uma entrevista à rádio Joven Pan, ele afirmou: "O erro da ditadura foi torturar e não matar".

E dois anos mais tarde, em meados de 2018, quando já estava em pré-campanha presidencial, confrontado com a informação de um relatório da CIA, aberto em 2015 no escopo do mesmo projeto de desclassificação de Biden, que o presidente Ernesto Geisel teria aprovado a execução sumária de adversários do regime, o atual presidente disse à rádio Super Notícia: "Errar, até na sua casa, todo mundo erra. Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece."

Tortura e morte

Um dos outros documentos trazidos por Biden evidencia que a máquina repressiva da ditadura brasileira não só torturou como matou. Nele, o cônsul-geral americano em São Paulo, Frederic Chapin, afirma que ouviu o relato de "um informante e interrogador profissional trabalhando para o Centro de Inteligência Militar de Osasco", em São Paulo.

Telegrama de 1973 descreve a tortura de um policial e de uma amiga dele que, inicialmente, se recusou a colaborar

Em um telegrama de maio de 1973, Chapin escreve o seguinte: "Ele (o informante) explicou como havia quebrado uma célula 'comunista' envolvendo um agente da polícia civil. O policial foi forçado a falar depois de ter tomado choques elétricos nos ouvidos e mencionou sua conexão com uma amiga, que foi imediatamente detida. Ela não foi cooperativa, no entanto, então foi deixada no pau-de-arara por 43 horas, sem alimentos ou água."

"Isso a quebrou, nossa fonte contou. Tortura, de uma forma ou de outra, é prática comum em interrogatórios em Osasco. Ele também nos deu um relato em primeira mão do assassinato de um subversivo suspeito, o que chamou de 'costurar' o suspeito, ou seja, dar tiros nele da cabeça aos pés com uma arma automática."

O termo "costurar" seria referência a um método para desfigurar o cadáver e evitar sua futura identificação.

Assassinatos cometidos pela repressão

O cônsul Chapin relata ainda que "vários agentes de segurança nos informaram que suspeitos de terrorismo são mortos como prática padrão. Estimamos que ao menos doze tenham sido mortos na região de São Paulo no ano passado (1972)".

Ao registrar as mortes em São Paulo, Chapin aponta para a atuação do coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o chefe do DOI-Codi paulista, um dos principais órgãos de repressão do país, entre 1970 e 1974. Ustra foi o primeiro militar brasileiro a ser condenado civilmente pela Justiça pelos crimes de tortura. Ele é também considerado um herói e uma referência por Bolsonaro, que já afirmou ter como livro de cabeceira a obra de Ustra, A verdade sufocada.

"Sou capitão do Exército, conhecia e era amigo do coronel, sou amigo da viúva. (...) o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra recebeu a mais alta comenda do Exército, a Medalha do Pacificador, é um herói brasileiro", afirmou Bolsonaro em 2016.

Enquanto era deputado, no dia da votação da abertura de processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, naquele mesmo ano, Bolsonaro citou o militar em seu voto: "Perderam em 1964, perderam em 2016. (...) Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim".

"Só terroristas"

Outro documento da leva de Biden desafia um argumento central de Bolsonaro sobre o período: o de que o regime militar só prendeu, torturou e matou "terroristas".

Em dezembro de 2008, quando o Ato Institucional número 5, instrumento da ditadura que cassou liberdades individuais, completava 40 anos, o então deputado federal Bolsonaro ocupou o plenário da Câmara para dizer: "Eu louvo os militares que, em 1968, impuseram o AI-5 para conter o terror em nosso País, (...) Mas eu louvo o AI-5 porque, pela segunda vez, colocou um freio naqueles da esquerda que pegavam em armas, sequestravam, torturavam, assassinavam e praticavam atos de terror em nosso País".

Serviço diplomático americano no Brasil mandou uma comunicação ao Departamento de Estado registrando os relatos de um cidadão americano, Robert Horth, que havia sido confundido com um extremista e preso no DEOPS

Mas em outubro de 1970, o serviço diplomático americano no Brasil mandou uma comunicação ao Departamento de Estado registrando os relatos de um cidadão americano, Robert Horth, que havia sido confundido com um extremista e preso no DEOPS, a unidade de polícia política paulista.

Horth não era um comunista subversivo e afirmou aos diplomatas americanos que "cinco dos seis prisioneiros em suas celas eram absolutamente inocentes da acusação de subversão política".

Outro documento, de dezembro de 1969, dá força ao questionamento sobre os crimes reais dos alvos escolhidos pela repressão ao informar que freiras dominicanas foram presas, humilhadas e torturadas em Ribeirão Preto.

"Mais do que trazer novos fatos, os documentos americanos foram cruciais porque comprovaram muitos fatos a partir de uma fonte insuspeita. Estamos, afinal, falando de relatórios da diplomacia dos Estados Unidos, que não tinham qualquer simpatia pelos oposicionistas de esquerda e que apoiavam os militares", afirmou à BBC News Brasil Pedro Dallari, relator da CNV.

Prova de que o governo americano era, naquele período, abertamente a favor do regime está em uma comunicação do embaixador americano William Rountree de julho de 1972. Na carta, ele alerta ao Departamento de Estado que qualquer tentativa de fazer críticas públicas contra o que qualifica como "excessos" cometidos contra os direitos humanos poderia "prejudicar nossas relações gerais".

CNV

Os documentos americanos tornaram-se especialmente importantes para a CNV diante da negativa das Forças Armadas Brasileiras de oferecer evidências que corroborassem os depoimentos de vítimas de tortura em dependências militares.

"Ao mesmo tempo em que chegavam os documentos americanos, recebíamos retorno dos militares dizendo que suas sindicâncias não localizaram nada", afirma Dallari.

Kornbluh concorda que, enquanto muito da documentação brasileira do período pode já ter se perdido, os arquivos americanos são fonte importante para acessar a história brasileira.

"Parte dos militares brasileiros esconderam com sucesso a maioria de seus próprios documentos e mantiveram isso fora do escrutínio público. E conseguiram escapar de qualquer tipo de responsabilidade legal por seus crimes contra os direitos humanos. E então os documentos americanos fornecem um histórico fidedigno de pelo menos alguns casos. E se as coisas mudarem no Brasil, essas são evidências de crimes que ainda podem ser litigados", afirma o especialista, que menciona a lei da Anistia, de 1979, que impediu a responsabilização criminal de agentes e oposicionistas por crimes cometidos durante a ditadura.

Em 2014, durante os trabalhos da CNV, o Exército brasileiro afirmou que não opinaria sobre o reconhecimento do Estado Brasileiro em relação às torturas, enquanto a Força Aérea e a Marinha disseram não ter provas para reconhecer, tampouco refutar as acusações de violações de direitos humanos nas décadas de 60 e 70.

Embaixador escreveu sobre não condenar excessos publicamente

O que o histórico diz sobre relação Brasil-EUA em possível governo Biden?

Para Dallari, apesar de o golpe de 1964 ter recebido o apoio do governo americano, então sob a batuta do democrata Lyndon Johnson, nas últimas décadas, os democratas deixaram claro ter interesse em colaborar com processos de investigação sobre atrocidades cometidas pelos governos na região e o papel dos Estados Unidos nelas.

"Eu não tenho porque duvidar que Obama e Biden tivessem real interesse em abrir essas informações. E o primeiro presidente americano a se opor a violações dos direitos humanos na região foi outro democrata, o presidente Jimmy Carter", diz ele, em referência ao presidente americano entre 1977 e 1981.

Na verdade, desde a administração Clinton, nos anos 1990, documentos secretos sobre ditaduras latino-americanas têm se tornado públicos. Mas foi na gestão Obama que essa abertura dos arquivos ganhou tons de política de relações exteriores, em algo que Kornbluh batizou de "diplomacia da abertura".

Além do Brasil, Argentina e Chile também receberam acesso a documentos, em um esforço americano para melhorar sua imagem e seu relacionamento na região.

E com Biden e Dilma, o especialista afirma que esse tipo de diplomacia alcançou um de seus pontos mais altos, já que as relações foram reconectadas depois da visita de Biden em 2014.

"Tenho certeza de que ele foi informado sobre o teor dos documentos. E é uma tarefa importante a de carregar esses documentos que descrevem violações graves dos direitos humanos durante a era militar. Certamente foi uma experiência de aprendizado para o vice-presidente Biden e um lembrete pungente para ele dos horrores cometidos", diz Kornbluh.

Em conversas com a BBC News Brasil, conselheiros da campanha de Biden têm dito que o tema dos direitos humanos é central para o candidato, especialmente na América Latina.

Mas embora ainda exista um grande arquivo intocado sobre a história da ditadura do Brasil, especialmente de informações dos órgãos de inteligência como FBI e CIA, é improvável que Biden faça qualquer nova abertura se vencer as eleições.

Isso porque documentos secretos americanos sobre outros países só podem se tornar públicos se os governos dessas nações requisitarem acesso aos americanos. E hoje não há interesse no governo brasileiro por esse tipo de informação.

"Naquele momento, a abertura foi importante e ajudou os dois países a se reaproximarem. Agora, em um possível governo Biden, com Bolsonaro no Brasil, é um contexto completamente diferente. Mas se Bolsonaro cometer violações de direitos humanos, a administração Biden agiria de modo muito mais rápido e negativo do que Trump e pressionaria Bolsonaro a parar", diz Kornbluh.


Trechos de uma entrevista que o Bolsonaro deu no programa "Câmera Aberta", em 1999. Assista ao Vídeo




Opera Mundi

Militante torturada no DOI-Codi de São Paulo, Amelinha Teles conta como mulheres sofriam violência sexual por agentes da repressão e afirma que estupro era política de Estado no regime militar brasileiro

“Eu passei por várias situações. Eu nem gosto muito de falar, porque...eu não sei porque. Eu não gosto muito de falar”. Presa pelo regime militar em 1972, com 28 anos, Amelinha relata em entrevista exclusiva como sofreu violência sexual nas celas do DOI-Codi de São Paulo e garante que estupros eram mais uma das armas utilizadas pela ditadura para torturar as mulheres consideradas inimigas do Estado.

“Eu estava sentada em uma cadeira do dragão, nua, amarrada, levando choque no corpo inteiro, ânus, vagina. Enquanto isso, o Gaeta, que era um torturador, estava se masturbando e jogando esperma em cima de mim”, relata Amelinha. “A hora que eu caio no chão, ele me põe em uma cama de lona que tinha ali do lado e começa a esfregar meus seios, apertar minha bunda. Isso é uma violência. E assim foram várias vezes, com vários outros torturadores. Mas existem os casos de ter penetração vaginal que as mulheres contam. E são muitos casos, não um ou dois”, completa a militante. Assista ao VÍDEO.




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