O Euro-Mediterranean Human Rights Monitor, sediado em
Genebra, diz que das quase 17.000 crianças palestinas que Israel matou na Faixa
de Gaza desde 7 de outubro de 2023, quase 2.100 eram bebês com menos de dois
anos.
Os gêmeos palestinos foram mortos por um ataque israelense a
leste de Deir al-Balah, no centro de Gaza, em 14 de agosto de 2024, três dias
após seu nascimento.
“O número de crianças palestinas – sejam bebês ou crianças
em geral – mortas pelo exército israelense é assustador, e a taxa de matança
não tem precedentes na história das guerras modernas”, disse.
“Também representa uma tendência perigosa baseada na
desumanização dos palestinos na Faixa de Gaza. Os militares de Israel atacam
palestinos e seus filhos diariamente, metodicamente e amplamente, das formas
mais hediondas e brutais possíveis, e virtualmente sem pausa por 10 meses
consecutivos.”
The Israeli army has killed 2,100 Palestinian infants and toddlers under the age of two, out of the about 17,000 children it has killed in #Gaza since the start of its genocide in Octoberhttps://t.co/WXaZtMt44F
Estima-se que cerca de 1,7 milhões de pessoas na Faixa de
Gaza tenham sido deslocadas internamente – metade delas crianças. Elas não têm
acesso suficiente a água, comida, combustível e remédios.
Em julho, especialistas da ONU soaram o alarme sobre as
crianças palestinas no território sitiado perdendo suas vidas devido à
“campanha de fome” de Israel.
Pai palestino lamenta morte de gêmeos recém-nascidos por
Israel
No caso mais recente de barbárie israelense, Muhammad Abu
al-Qumsan estava a caminho, em 14 de agosto, para registrar o nascimento de
seus gêmeos recém-nascidos, quando um ataque israelense matou os dois, assim
como sua esposa e sogra.
“Cinco minutos depois de receber a certidão de nascimento,
eu estava recebendo as certidões de óbito”, disse Qumsan, 33.
A família Qumsan foi deslocada três vezes desde
outubro.
Sua esposa, uma farmacêutica, e os gêmeos estavam entre as
pelo menos 23 pessoas, incluindo um bebê de nove meses, mortas em vários
ataques israelenses na área.
Organizações humanitárias dizem que todas as crianças de
Gaza foram expostas às experiências traumáticas da guerra.
Kindly Don’t skip this story🙏
Muhammad Abu Al-Qumsan was on his way to collect birth certificates for his newborn twins, ready to embrace fatherhood. But before he could return, his world was shattered. An Israeli attack claimed the lives of his wife, Jumana, and their… pic.twitter.com/V5mdxldngp
A agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA) diz que
cerca de 625.000 crianças em Gaza ficaram fora da escola durante um ano letivo
inteiro devido à guerra.
Em uma publicação no X, o chefe da agência, Philippe
Lazzarini, alertou que, sem educação, as crianças correm o risco de “violência
e exploração, incluindo trabalho infantil, casamento precoce e recrutamento por
grupos armados”.
“Devemos trazer as crianças de volta à aprendizagem.”
🛑In #Gaza: 625,000 children including 300,000 UNRWA students have lost one year of school.
🛑 Four in five school buildings in Gaza have been directly hit or damaged. They need to be rebuilt or fixed to be used as schools.
Um bombardeio de precisão para assassinar os gêmeos Aysel e
Asser e a mãe, Jumana.
As roupas dos bebês ainda estavam na embalagem.
Um bombardeio de precisão para assassinar os gêmeos Aysel e Asser e a mãe, Jumana. pic.twitter.com/H456H4Ungy
— FEPAL - Federação Árabe Palestina do Brasil (@FepalB) August 15, 2024
AJ+Español
Um pai palestino foi buscar as certidões de nascimento de
seus gêmeos recém-nascidos e os encontrou mortos quando voltou. Eles foram
vítimas de um bombardeio israelense.
Un padre palestino fue a sacar los certificados de nacimiento de sus gemelos recién nacidos y se los encontró muertos al volver. Fueron víctimas de un bombardeo israelí. pic.twitter.com/4epi5hQFpT
Nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional, o Gabinete do Procurador (“OTP”) pode analisar informações sobre
alegados crimes da jurisdição do Tribunal Penal Internacional (crimes de
guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e agressão), que lhe sejam
submetidos. de qualquer fonte. Isto pode ocorrer durante exames preliminares,
bem como no contexto de situações sob investigação. O formulário abaixo pode
ser usado para enviar tais informações, também conhecidas como “comunicações”,
ao OTP de forma anônima ou nomeada. Gostaria de agradecer-lhe por dedicar seu
tempo para enviar informações ao Ministério Público.
Desde o início da pandemia de covid-19, 420 bebês
morreram em decorrência do novo coronavírus no Brasil, número aproximadamente
dez vezes maior do que o dos Estados Unidos, país com o maior número de óbitos
pela doença, de acordo com dados oficiais.
Desde início da pandemia, 420 bebês (crianças com menos de 1
ano) morreram em decorrência do novo coronavírus no Brasil, contra 45 nos
Estados Unidos
Segundo o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças)
norte-americano, 45 bebês, ou crianças com menos de um ano, perderam a vida
após infecção pelo vírus.
Entre as crianças de um a cinco anos, a discrepância entre
os dois países também fica nítida: foram 207 mortes por covid-19 no Brasil
contra 52 nos Estados Unidos.
Os números brasileiros também são maiores do que o do Reino
Unido, que registrou apenas duas mortes por coronavírus entre bebês (menos de
um ano). E superiores aos do México, onde 307 crianças entre zero e quatro anos
morreram. Já a França teve apenas quatro mortes entre zero e 14 anos devido ao
novo coronavírus.
Ao mesmo tempo, atualmente, os EUA têm o maior número de
mortos por covid-19 — 529 mil, seguido por Brasil (270,6 mil) e México (191,8
mil), segundo dados da Universidade Johns Hopkins. A taxa de mortalidade
norte-americana pelo vírus (161,28 por 100 mil habitantes) também é mais alta
do que a brasileira (128,12 por 100 mil habitantes).
Assim, desde o início da pandemia, a covid-19 matou,
proporcionalmente, mais lá do que aqui.
As taxas de nascimentos de bebês também são dados
importantes nesta equação.
Os dois países tem taxas praticamente iguais de natalidade,
segundo o Banco Mundial: 1,77 filhos por mulher nos EUA e 1,74 filhos por
mulher no Brasil. Em 2019, foram registrados 3,5 milhões de nascimentos nos
Estados Unidos e 2,9 milhões no Brasil. A população americana é de 328,2
milhões e a brasileira, 210 milhões.
Em resumo: o Brasil tem um número mais elevado de mortes de
bebês e crianças pequenas por covid-19, apesar de ter menos nascimentos do que
os EUA, onde, por sua vez, mais pessoas morrem em decorrência do vírus, tanto
em números absolutos quanto relativos.
Mas, afinal, o que está por trás desse alto número de mortos
entre bebês e crianças pequenas no Brasil?
Razões
Além das mortes, na mesma base de comparação com outras
nações, o Brasil também conta com um número expressivo de crianças internadas
por covid-19. Só neste ano, segundo o último boletim epidemiológico do
Ministério da Saúde, 617 bebês (menos de um ano), 591 crianças de um a cinco
anos e 849 de seis a 19 anos foram hospitalizados devido à doença.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, não há
uma única resposta para o problema.
Descontrole da pandemia e falta de diagnóstico adequado,
aliados principalmente a comorbidades (doenças associadas) e vulnerabilidades
socioeconômicas, passando pelo aparecimento de uma síndrome associada à
covid-19 em crianças, ajudam a explicar o quadro trágico brasileiro.
Mas há uma ressalva: embora os óbitos sejam mais numerosos
no Brasil em relação a outros países do mundo, é importante lembrar que o risco
de morte nessa faixa etária ainda assim é "muito baixo", lembram os
cientistas.
De fato, 420 bebês representam apenas 0,15% do total de
mortes por covid-19 no Brasil (270,6 mil).
Portanto, a chance de um bebê (ou de uma criança)
desenvolver sintomas graves de covid-19 e morrer por causa da doença é rara,
mas "não nula", diz à BBC News Brasil Fatima Marinho, médica
epidemiologista e consultora-sênior da Vital Strategies.
"As mortes nessa faixa etária são raras, mas é preciso
acabar com esse mito de que crianças não morrem por covid-19", assinala.
Marinho frisa que as mortes por covid-19 entre bebês e crianças
no Brasil podem ser ainda maiores se contabilizados os óbitos por Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SRAG) não especificada.
"Podemos dizer que 48% dos que faleceram por SRAG não
especificado têm alta probabilidade de ser morte por covid-19 por critérios
clínicos e epidemiológicos", assinala.
Segundo Marinho, dados preliminares de uma pesquisa
realizada pela Vital Strategies e a Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), em três capitais, mostraram que 90% dos casos de SRAG não especificada
foram comprovados como sendo de covid-19, após investigação.
Ela destaca que a covid-19 tende a evoluir de forma
diferente em crianças e em adultos.
Mortes nessa faixa etária são "raras", mas não
"nulas", diz especialista
Como os pequenos normalmente não são testados para
coronavírus, uma vez que são, na prática, bem menos suscetíveis a desenvolver
os sintomas mais graves da doença (e muitos são assintomáticos), seus sintomas
podem ser facilmente confundidos com os de outras enfermidades, prejudicando o
diagnóstico.
"Pediatras devem prestar atenção em crianças com falta
de ar e febre, e se ocorrer diarreia e/ou dor abdominal e/ou tosse pensar em
covid-19. A tosse foi pouco frequente na hospitalização, mais foi um sinal de
alarme para morte para as crianças. A dor abdominal e diarreia foram sintomas
mais frequentes nas crianças maiores de um ano", assinala Marinho.
Médicos lembram que a chance de óbito em recém-nascidos é
maior do que em crianças acima de um ano porque seu sistema imunológico,
responsável pela defesa do nosso organismo, ainda está "em formação".
Além disso, outra causa para a morte de crianças no Brasil,
que ainda está sendo investigada, é a chamada "síndrome inflamatória
multissistêmica", que pode comprometer o cérebro, causando encefalite, ou
órgãos importantes como coração e rins.
No Reino Unido, 1 a cada 5 mil crianças que se infectaram
com coronavírus desenvolveram essa reação do sistema imunológico, segundo dados
do governo britânico.
Os sintomas, que incluem febre alta, pressão sanguínea baixa
e dores abdominais, costumam aparecer cerca de um mês depois do contato com o
coronavírus.
A grande maioria das crianças que se infectam pelo
coronavírus não desenvolve esse processo inflamatório ou se recupera com
tratamento. Mas em alguns casos, a síndrome pode evoluir para um quadro grave e
ocasionar a morte.
Foi o que aconteceu com uma paciente da pediatra Jessica
Lira, que trabalha na UTI do Hospital Infantil Albert Sabin, em Fortaleza, no
Ceará.
A menina tinha dois anos e desenvolveu encefalite, uma
inflamação no cérebro que parece ter sido impulsionada pela contaminação pelo
coronavírus.
"Ela teve morte encefálica. A conversa foi difícil, os
pais estavam com muito sentimento de revolta, tinham muita dificuldade em
entender como que evoluiu para isso. Não sabiam que a covid-19 podia levar a um
quadro como esse", disse Jessica em entrevista recente à BBC News Brasil.
Comorbidades e vulnerabilidades socioeconômicas são fatores
de risco para crianças com covid-19
Comorbidades e vulnerabilidades socioeconômicas
Mas são as comorbidades e vulnerabilidades socioeconômicas
que têm maior peso na morte de crianças por covid-19 no Brasil.
Um estudo observacional desenvolvido por pediatras
brasileiros liderados por Braian Sousa, ligado à Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (USP), e com supervisão de Alexandre Ferraro,
identificou comorbidades e vulnerabilidades socioeconômicas como fatores de
risco para o pior desfecho da covid-19 em crianças.
"Individualmente, a maioria das comorbidades incluídas
foram fatores de risco. Ter mais de uma comorbidade aumentou em quase dez vezes
o risco de morte. Em comparação com as crianças brancas, os indígenas, os
pardos e os do leste asiático tiveram um risco significativamente maior de
mortalidade. Também encontramos um efeito regional (maior mortalidade no Norte)
e um efeito socioeconômico (maior mortalidade em crianças de municípios menos
desenvolvidos socioeconomicamente)", dizem os pesquisadores no estudo
publicado na plataforma medrxiv.
"Além do impacto das comorbidades, identificamos
efeitos étnicos, regionais e socioeconômicos que moldam a mortalidade de
crianças hospitalizadas com covid-19 no Brasil. Juntando esses achados,
propomos que existe uma sindemia (interação entre problemas de saúde e contexto
sócioeconômico) entre covid-19 e doenças não transmissíveis, impulsionada e
fomentada por desigualdades sociodemográficas em grande escala".
"Enfrentar a covid-19 no Brasil também deve incluir o
tratamento dessas questões estruturais. Nossos resultados também identificam
grupos de risco entre crianças que devem ser priorizados para medidas de saúde
pública, como a vacinação", concluem os pesquisadores.
Foram estudados 5.857 pacientes com menos de 20 anos, todos
hospitalizados com covid-19 confirmado por laboratório.
Constatações semelhantes foram feitas pelo professor Paulo
Ricardo Martins-Filho, da Universidade Federal do Sergipe (UFS), um dos
pesquisadores que mais publicam sobre covid-19 no Brasil.
Ele e sua equipe desenvolveram um estudo para estimar as
taxas de incidência e mortalidade da covid-19 em crianças brasileiras e
analisar sua relação com as desigualdades socioeconômicas.
E chegaram à conclusão que houve diferenças regionais
importantes e uma relação entre taxas de mortalidade e desigualdades
socioeconômicas.
"O conhecimento das diferenças sociogeográficas nas
estimativas do COVID-19 é crucial para o planejamento de estratégias sociais e
tomada de decisão local para mitigar os efeitos da doença na população
pediátrica", diz Martins-Filho no estudo, publicado na plataforma
científica internacional PMC.
Portanto, essas crianças acabam ficando mais vulneráveis a
doenças, incluindo o coronavírus.
"Claro que quanto mais casos tivermos e, por
consequência, mais hospitalizações, maior é o número de mortos em todas as
faixas etárias, incluindo crianças. Mas se a pandemia estivesse controlada,
esse cenário poderia evidentemente ser minimizado", diz à BBC News Brasil
Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade
Brasileira de Pediatria.
"Maioria das crianças que morrem tem
comorbidades", diz pediatra na linha de frente
Linha de frente
"A maioria das crianças que morrem tem comorbidades,
especialmente pacientes oncológicos (com câncer) ou com sobrepeso e obesidade.
Há também aqueles com problemas nos pulmões e no coração. Mas isso não é uma
regra. Vemos bebês e crianças saudáveis morrendo por covid, algo não tão
presente na primeira onda", diz à BBC News Brasil Lohanna Tavares,
infectologista pediátrica da Comissão de Controle de Infecção do Hospital
Infantil Albert Sabin em Fortaleza, no Ceará.
Pediatras acreditam que as mortes dessas crianças saudáveis
podem estar relacionadas a fatores externos, como desnutrição e outras doenças,
como dengue, por exemplo, mas essa correlação ainda precisa ser estudada.
Tavares reforça outro fator que vem contribuindo para o
aumento — e já identificado nos estudos sobre o tema: a falta de assistência.
"Os leitos hospitalares e o acesso aos cuidados
pediátricos são bem menores para as crianças do que para os adultos. Várias
enfermarias de hospitais pediátricos foram substituídas por leitos para
adultos. Evidentemente, a necessidade maior é dos adultos. Mas a restrição de
leitos pediátricos gera um acúmulo de pacientes nas emergências, o que faz com
que o próprio pediatra pondere mais a internação da criança", diz.
"Ou seja, ele só vai internar as crianças que estiverem
mais acometidas, com um quadro mais grave, quando o ideal seria deixar em
observação casos que podem gerar complicações. Mas não há leitos suficientes.
Quando se diminui o número de leitos pediátricos, o sistema fica sobrecarregado
e a assistência fica, assim, prejudicada", lamenta.
Atualmente, não há vacinas disponíveis para menores de 16
anos. "Mas estudos já estão sendo feitos com esse público", lembra
Kfouri, da SBP.
E Tem Mais: Covid-19 em crianças: por que os índices de
mortalidade no Brasil são tão altos - 18/03
Ouça o podcast E Tem Mais, apresentado por Monalisa Perrone.
Programa do dia 18 de março de 2021.
Neste episódio do E Tem Mais, Monalisa Perrone ouve médicos
e pesquisadores para entender porque os bebês e crianças brasileiras passaram a
adoecer e morrer mais pela Covid-19. Na primeira parte do episódio, Monalisa
recebe Alexandre Ferraro, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo e um dos responsáveis por uma pesquisa recente que investigou o
assunto.
Ferraro e outros especialistas investigaram mais de 5 mil
infecções entre menores de 20 anos e constataram que existe não uma, mas várias
causas para a maior agressividade da Covid-19 entre crianças brasileiras. Entre
essas causas, está a desigualdade social. Também participa do episódio Marcelo
Otsuka, vice-presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade
de Pediatria de São Paulo.
No Twitter
DEAR GOD—“The largest public health & hospital collapse in the history of Brazil 🇧🇷”—wow.
Todo dia de manhã, diante da pia do hospital, a pediatra
intensivista Cinara Carneiro respira fundo, para por um minuto, tenta meditar
enquanto lava as mãos e começa a colocar máscara, touca, luvas e as camadas da
roupa de proteção que não pesam só no corpo.
Diante da proibição de visitas na UTI infantis de covid-19,
médicos e enfermeiros do Hospital Albert Sabin, em Fortaleza, fizaram vaquinha
e compraram tablets para fazer chamadas em vídeo entre pais e crianças
Ela vai começar um plantão de 12 horas na UTI de covid-19 do
Hospital Infantil Albert Sabin, em Fortaleza, no Ceará. Lá estão internados
bebês, crianças e adolescentes que lutam pela vida sem poder segurar nas mãos
das mães, dos pais.
Cinara tenta acolher esses meninos e meninas, mas não pode sequer sorrir para eles por causa da máscara de proteção. Precisa passar acolhimento pelo toque, os olhos, a voz.
A visita de parentes em UTIs de covid-19 foi proibida em grande parte dos hospitais lotados do país por causa do cenário de descontrole de infecções. Mesmo quando a epidemia não havia atingido o pico de mortes, as visitas foram restritas porque faltam, nos hospitais públicos, roupas de proteção para que os pais possam visitar os filhos.
"A interação com a criança estando de máscara e
paramentada é algo que gera sofrimento na gente. Na nossa unidade, a gente não
tem permitido a presença dos familiares, como se permitia antes, pelo risco de
contaminação, porque a gente não tem EPI (equipamento de proteção individual)
suficiente para disponibilizar para os pais", contou Cinara Carneiro à BBCNews Brasil.
Ela relata que, às vezes, o paciente chega consciente à UTI,
mas piora, é intubado e acaba morrendo sem que os pais possam acompanhar de
perto esse processo.
Casos graves de covid-19 em crianças são raros e, segundo a
pediatra, a maioria das que acabam precisando de internação na UTI se recupera.
Mas pacientes com problemas crônicos de saúde e comorbidades correm mais risco.
E, ainda que seja minoria, há casos de morte por covid-19 de crianças que não
se enquadram nesse perfil.
"Dói ver uma criança morrendo sem ver os pais. Fica
muita coisa não trabalhada no luto desses familiares, de não ter visto, de não
ter acompanhado de perto fisicamente a piora. Por mais que a gente tente
explicar por telefone, muita coisa não está sendo vista e vivida", diz.
"Quanta fantasia não fica? Quanta coisa imaginada e não
vivida fica? Só o tempo é que vai, depois, trazer essas feridas".
'Não quero que minha mãe sofra'
Jessica Lira diz que o momento mais desgastante é o de dar
notícias sobre a gravidade dos pacientes por telefone, num contexto em que os
pais não podem ver os filhos pessoalmente
Na ausência dos familiares, fica para os profissionais de
saúde a responsabilidade de acalmar e acolher os pequenos pacientes diante do
medo e das dores físicas.
"Os meninos que estão conscientes enxergam o que está
acontecendo com os pacientes mais graves, porque é uma unidade aberta. Então,
deve ser muito chocante e dar uma confusão na cabeça deles ver isso. A gente
tenta acolher, suprir na medida do possível a falta dos pais", diz a
pediatra Jessica Lira, que também trabalha na UTI do Hospital Infantil Albert
Sabin.
Um dos momentos mais sensíveis da internação de um paciente
de covid é a intubação. Uma conversa com um adolescente de 14 anos, momentos
antes de ele ser sedado, ficou gravada na memória de Cinara Carneiro.
Enquanto o nível de saturação caia, ele não parava de
repetir: "Não quero que minha mãe sofra, não quero que minha mãe
sofra".
"Eu falei: 'você está precisando de ajuda para
respirar. Eu vou tentar te ajudar nesse momento, mas você vai receber medicação
para dormir, para não sentir dor. E a gente vai estar aqui conversando quando
você acordar'", relata a pediatra.
Mas o menino, que não tinha nenhuma comorbidade quando se
infectou pelo coronavírus, nunca mais acordou.
"Eu tenho muito medo de fazer promessas que eu não
possa cumprir. Nesse dia, eu senti muito medo de ele não ficar bem. E ele não
ficou bem. E perder uma criança que tinha tudo para ficar bem em outros
contextos é muito difícil."
Depois de ver o paciente morrer, Cinara Carneiro tinha outra
missão difícil pela frente: dar a notícia para aquela mãe que o menino tanto
temia fazer sofrer.
"Eu consegui conversar com essa mãe pessoalmente, numa
sala apropriada aqui no hospital. É muito sofrimento porque a covid traz muita
culpa. Os pais se perguntam: 'Será que foi eu quem trouxe o vírus para a casa?'
Nessa família existia muito esse questionamento: 'Como ele pegou?'",
conta.
Fresca na memória da pediatra intensivista Jessica Lira está
a conversa com os pais de outra criança que, assim como o adolescente de 14
anos, não tinha doença prévia alguma e morreu após contrair covid-19.
A menina tinha 2 anos e desenvolveu encefalite, uma
inflamação no cérebro que parece ter sido impulsionada pela contaminação pelo
coronavírus.
"Ela teve morte encefálica. A conversa foi difícil, os
pais estavam com muito sentimento de revolta, tinham muita dificuldade em
entender como que evoluiu para isso. Não sabiam que a covid podia levar a um
quadro como esse", relata Jessica.
Uma das consequências raras, porém possíveis da covid-19 em
crianças, é o desenvolvimento da chamada síndrome inflamatória multissistêmica,
que pode comprometer o cérebro, causando encefalite, ou órgãos importantes como
coração e rins.
No Reino Unido, 1 a cada 5 mil crianças que se infectaram
com coronavírus desenvolveram essa reação do sistema imunológico, segundo dados
do governo britânico.
Os sintomas, que incluem febre alta, pressão sanguínea baixa
e dores abdominais, costumam aparecer cerca de um mês depois do contato com o
coronavírus.
A grande maioria das crianças que se infectam pelo
coronavírus não desenvolve esse processo inflamatório ou se recupera com
tratamento. Mas em alguns casos, a síndrome pode evoluir para um quadro grave.
"O que me emociona mais no dia a dia de trabalho é
falar com os pais dos pacientes, você sente o sofrimento na voz deles. Eles não
estão vendo os filhos, e a gente tendo que explicar, à distância, que a criança
corre risco de morrer. Isso é muito sofrido", completa a médica.
Sem poder tocar no corpo
Somado ao sofrimento de não poder acompanhar o filho no
hospital, os pais não podem tocar no corpo da criança que morreu por covid-19.
Isso porque, como medida importante de controle da infecção,
os corpos de pessoas que morrem após contrair o vírus precisam passar por todo
um tratamento e são entregues embalados, para impedir a propagação do vírus.
"O corpo tem que ser entregue num saquinho, por causa
do risco de contaminação. Então, essa mãe não pega mais nessa pele",
descreve Cinara Carneiro.
A pediatra diz que, desde o início da pandemia, passou a
sofrer ainda mais com a morte dos pacientes, porque, além do luto pela perda,
ela presencia diariamente as limitações que impedem que pais e crianças se
despeçam em vida e até depois da morte.
"Não bastasse você perder um ente querido, você não
pode tocar nele da forma como tocaria antes. A quantidade de sofrimento que
existe ao redor disso tudo é difícil. A gente é treinado para cuidar, além de
curar. E a gente não está podendo cuidar como antes", diz.
"Se eu não posso entregar o corpo da criança a uma
família, para ela tocar e se despedir, eu não estou conseguindo cuidar 100%.
Então, a gente tem sofrido muito com isso."
Vaquinha para tablets para chamada em vídeo
Num esforço para minimizar o sofrimento de pais e crianças,
médicos e enfermeiros do Hospital Albert Sabin fizeram uma vaquinha entre eles
para comprar tablets.
Conseguiram equipar todas as unidades de internação com um
aparelho, e os pequenos pacientes ganharam de presente poder ver os pais por
meio de chamadas em vídeo.
Cinara Carneiro usa o momento de lavar as mãos e colocar a
roupa de proteção para meditar, deixar preocupações pessoais de lado e se
entregar para o plantão numa UTI de covid-19 lotada
Segundo Cinara Carneiro, isso trouxe alegria a pais e
crianças, em meio a todas as dificuldades. "A gente fez mais de cem
video-chamadas entre familiares e pacientes. Esse contato da criança com os
pais por vídeo diminuiu bastante o estresse."
O equipamento também ajuda a trazer acolhimento para as
crianças num dos momentos mais sensíveis, mas também felizes do processo de
recuperação da doença: a hora da retirada da intubação e dos sedativos.
"Muitas vezes a criança pergunta pelos pais quando
acorda. A gente tenta levar o tablet e fazer vídeo-chamada com o familiar e
explicar para a criança porque ela está sozinha naquele momento na UTI",
diz Cinara Carneiro.
A pediatra diz que, nesse momento, a presença de psicólogos
que atuam na UTI também tem sido fundamental.
"Eles nos ajudam muito nesse trabalho de levar outras
ferramentas de cuidado além do olhar de médico. Quando a criança acorda, além
de usar o tablet, a gente tenta levar um lápis de cor, um papel, algo para
colorir."
Alta virou momento de festa
Se a perda de uma paciente gera enorme sofrimento, a alegria
de ver a recuperação de uma criança que já esteve em estado grave é o principal
combustível para continuar trabalhando, diz Cinara.
"O momento da alta já era festejado antes, mas agora a
gente tem festejado dez vezes mais. A gente coloca balão na beira do berço
quando está dando alta, porque a gente está entregando finalmente a criança ao
familiar. É um momento muito feliz para o profissional de saúde."
Equipe de UTI infantil para covid-19 tenta passar
acolhimento às crianças pela voz e o toque, já que não podem mostrar o rosto
por causa das máscaras e outros equipamentos de proteção
Jessica Lira conta do bate-papo que teve com um adolescente
que se recuperou da covid-19 depois de ficar dias intubados.
"Eu perguntei: 'Você andou saindo de casa, né?' Ele
respondeu: 'Doutora, você acredita que eu fui o único que não saí da família e
eu que fiquei doente? Eles trouxeram a doença para casa'", conta.
Realmente, em muitos casos quem acaba transmitindo o vírus
para as crianças são os familiares, já que as escolas permaneceram fechadas
durante quase todo esse período de pandemia.
Cinara Carneiro diz que observou aumentos de internações nos
períodos que se seguiram ao Ano Novo e ao Carnaval. E faz um apelo:
"A gente não sabe o impacto que a covid poderá ter
sobre uma criança. Sabemos que existe a síndrome inflamatória sistêmica,
condição grave associada à covid. Quem vai ter? A gente não sabe. Como prevenir
isso? Diminuir a chance de contágio, evitar aglomerações, esperar a vacina.
Temos que cuidar dos nossos pequenos."