Em 25 anos, direita venezuelana promoveu sete ataques buscando derrubar os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro através da violência política
Estas eleições presidenciais da Venezuela neste domingo
(28/07) foram marcadaa, durante seu período de campanha, por um insistente
discurso da candidatura da Plataforma Unitária, setor opositor de extrema
direita, sobre um possível “golpe eleitoral” a favor do presidente Nicolás
Maduro, candidato à reeleição – em narrativa que emula o realizado por outros
candidatos da extrema direita no mundo, como Donald Trump em 2020, nos Estados
Unidos, e Jair Bolsonaro em 2022, no Brasil.
No entanto, a história recente da Venezuela mostra que é
justamente a direita do país que promoveu as últimas tentativas de derrubar
governos democraticamente eleitos no país.
Desde a primeira vitória eleitoral de Hugo Chávez, em
dezembro de 1998, o chavismo teve que superar um total de sete tentativas de
golpe de Estado, seis delas contra o atual presidente Nicolás Maduro.
O candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González, não
participou diretamente em nenhuma dessas ações, mas sua principal apoiadora, a
ex-deputada María Corina Machado, esteve envolvida em boa parte delas.
2002: o golpe contra Chávez e ‘Carmona, o breve’
Em 11 de abril de 2002, o Alto Comando das Forças Armadas da
Venezuela ordenou a invasão do Palácio de Miraflores, sede do Poder Executivo,
e a prisão do então presidente Hugo Chávez, que foi levado a uma cela
improvisada em um quartel localizado no interior do país.
Apesar de a ação que resultou na derrubada de Chávez ter
sido promovida por militares, quem assumiu o poder foi o empresário Pedro
Carmona, então presidente da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio
(Fedecámaras), que não tinha nenhum cargo político – ou seja, não havia sido
eleito para nada.
Em suas poucas horas como mandatário, Carmona chegou a
anunciar a dissolução da Assembleia Nacional e da Suprema Corte, além de
declarar nula a Constituição de 1999, realizada já durante o governo de Chávez
– e elaborada por uma constituinte com maioria chavista.
Porém, o golpe durou poucas horas, já que centenas de
milhares de pessoas, especialmente dos bairros mais pobres de Caracas,
marcharam até o centro da cidade para exigir o retorno do presidente
democraticamente eleito. Devido a essa pressão popular, muitos militares de patentes
mais baixas se rebelaram contra o Alto Comando e realizaram outra invasão do
palácio presidencial, dessa vez para derrubar Carmona e recolocar Chávez na
presidência, no dia 13 de abril.
Por suas poucas horas na horas na presidência, o líder
empresarial passou a ser conhecido no país como “Carmona, o breve”.
2013: Henrique Capriles, derrotado por Maduro
Após a vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais
de 2013 – quando ele conquistou seu primeiro mandato –, seu adversário,
Henrique Capriles, contestou o resultado das urnas e convocou seus seguidores a
realizar protestos em todo o país para forçar o Conselho Nacional Eleitoral
(CNE) a reconhecer uma suposta fraude.
O resultado final da apuração mostrou um triunfo apertado do
candidato chavista: 50,6% contra 49,2% do representante da coalizão de direita
Mesa de Unidade Nacional – precursora a atual Plataforma Unitária.
Durante dias, manifestantes opositores realizaram protestos
violentos nas principais cidades do país, como Táchira e Barquisimeto, além da
capital Caracas. Em muitos casos, os atos consistiam em realizar ações
incendiárias ou com tiros em bairros chavistas, causando dezenas de mortos e
feridos.
Essa pressão levou o CNE a realizar uma auditoria das urnas
eletrônicas usadas durante o pleito, processo que terminou confirmando o
resultado apurado no dia da eleição.
Após a auditoria, os protestos começaram a perder força, e
Capriles iniciou uma turnê por vários países, buscando convencer chefes de
Estado a reconhecê-lo como verdadeiro presidente eleito, e não Nicolás Maduro.
Apesar de Capriles ter conquistado alguns apoios
internacionais, a iniciativa não impediu o chavista de seguir governando a
Venezuela. As duas estratégias de Capriles – a de tentar desestabilizar o
governo com protestos violentos e a de buscar reconhecimento de um governo
paralelo – seriam utilizadas novamente pela oposição em anos posteriores.
Vale destacar que a campanha de Capriles para desconhecer o
resultado das eleições teve com uma das principais apoiadoras a então deputada
María Corina Machado.
2014: Leopoldo López e María Corina Machado
No ano seguinte, a oposição voltou a apostar nos protestos
para tentar desestabilizar o governo de Nicolás Maduro, com a mesma narrativa
usada após a derrota eleitoral, chamando-o de “presidente ilegítimo”.
Apesar de Capriles ainda ser um dos nomes fortes da MUD, a
liderança dos atos naquela ocasião passou a ser de outra figura: o político e
empresário Leopoldo López. María Corina Machado também foi uma das líderes dos
protestos, conquistando mais destaque do que em 2013 entre os opositores.
Oficialmente, foram registradas 43 mortes durante as
manifestações realizadas entre fevereiro e maio de 2014. A oposição assegura
que todas as vítimas eram manifestantes contrários ao governo de Maduro que
foram atacadas pelas forças policiais.
Porém, organizações comunitárias de Caracas asseguram que
muitos chavistas foram mortos em ações violentas promovidas pelos grupos
opositores, repetindo o que aconteceu após a derrota de Capriles nas eleições
de 2013.
A campanha da oposição nas ruas começou a perder força em
junho de 2014, quando Leopoldo López foi preso. Em setembro de 2015 ele foi
sentenciado a 13 anos de prisão.
2017: ‘guarimbas’ e constituinte
A estratégia da violência política voltou a ser utilizada
entre março e agosto de 2017, dessa vez liderada por Capriles e María Corina –
devido à prisão de Leopoldo López. O discurso copiou o das tentativas
anteriores, chamando Maduro de “presidente ilegítimo”.
A campanha daquele ano foi mais caracterizada pelas chamadas
“guarimbas”, que são barricadas organizadas em grandes centros urbanos, que
também estavam presentes em 2013 e 2014, mas que naquele então passaram a ser a
principal forma de atuação dos grupos opositores, em vez das marchas dos anos
anteriores.
No momento em que o governo se via mais acuado, Maduro
decidiu convocar uma Assembleia Constituinte. A oposição defendeu um boicote à
eleição dos constituintes, mas acabou fracassando, já que mais de 8 milhões de
pessoas foram às urnas.
O sucesso da eleição foi lido no país como um sinal de que a
população rechaçava as “guarimbas” da oposição, e os protestos começaram a
perder força.
A constituinte foi instalada e, como a MUD boicotou o
processo, contou com ampla maioria chavista e uma oposição pequena, entre
setores de direita menos extremistas e adeptos do diálogo com o governo.
Ademais, o episódio acabou servindo para fortalecer
politicamente Delcy Rodríguez, que se tornou figura nacional ao ser eleita
presidente da Assembleia Constituinte. Hoje ela é a vice-presidente da
Venezuela e, com Maduro, busca a reeleição.
Oficialmente, foram registradas 127 mortes nestes protestos.
A troca de acusações entre governo e oposição sobre a responsabilidade por essas
vítimas emulou o ocorrido nos outros conflitos. Nenhum líder opositor foi preso
ou condenado pelos incidentes daquele ano.
2018: um drone para matar Maduro
No dia 4 de agosto de 2018, durante uma parada militar para
celebrar o aniversário da Guarda Nacional Bolivariana, o presidente Nicolás
Maduro escapou de um atentado que utilizou um drone explosivo.
O artefato explodiu a poucos metros do palanque em que ele
estava. O presidente saiu ileso e o episódio resultou apenas em algumas pessoas
feridas.
Uma investigação realizada posteriormente resultou na prisão
de 31 pessoas, incluindo o então deputado Juan Requesens, que confessou seu
envolvimento na tentativa de magnicídio.
Outro político opositor que teria sido um dos cabeças do
plano foi o então deputado Julio Borges, que pediu asilo político na Colômbia –
atualmente, ele vive na Espanha.
2019: Juan Guaidó, o autoproclamado
Nicolás Maduro já havia sido reeleito – após vencer Henri
Falcón nas eleições de 2018 – quando o deputado Juan Guaidó, após ser eleito
presidente da Assembleia Nacional, se autoproclamou presidente interino da
Venezuela, em 23 de janeiro de 2019.
Foi a segunda vez que um líder da oposição tentou criar um
governo paralelo no país, baseado no reconhecimento internacional – o primeiro
foi Henrique Capriles, em 2013. Guaidó chegou a realizar um show na fronteira
entre Venezuela e Colômbia, ação que contou com o apoio presente dos
presidentes sul-americanos Iván Duque (Colômbia), Sebastián Piñera (Chile) e
Abdo Benítez (Paraguai).
O então mandatário brasileiro Jair Bolsonaro foi outro dos
que reconheceu Guaidó como presidente, mas não participou do ato na fronteira
com os demais líderes latinos.
Guaidó também promoveu uma tentativa de golpe com o apoio de
um pequeno setor de militares e policiais que realizaram um ataque à base aérea
de La Carlota, no dia 30 de abril de 2019. A ação não chegou a colocar em risco
o governo de Maduro, mas conseguiu ao menos um objetivo: libertar o líder
opositor Leopoldo López, que foi levado à Espanha, onde se mantém exilado até
os dias de hoje.
Apesar do apoio internacional, internamente Guaidó nunca
obteve o mesmo respaldo da população, e nem mesmo da direita venezuelana. Nas
seguintes eleições legislativas, realizadas em dezembro de 2020, ele propôs que
os setores de direita realizassem um pacto para boicotar as eleições, mas não
obteve apoio de nenhum setor.
Ainda assim, ele manteve a iniciativa até o final e acabou
desistindo de sua candidatura à reeleição como deputado, ficando sem cargo.
Continuou se apresentado como suposto “presidente interino” da Venezuela, mas
foi perdendo os apoios dos líderes mundiais que o reconheceram em um primeiro
momento. A autoproclamação de Guaidó, no entanto, abriu espaço para que ativos
venezuelanos no exterior fossem bloqueados e que as sanções dos Estados Unidos
contra o país se ampliassem, aprofundando a crise econômica do país.
2020: invasão de mercenários em meio à crise da covid-19
Entre os últimos dias e abril e os primeiros dias de maio de
2020, enquanto o mundo vivia o período de maior pânico por conta da pandemia de
covid-19, um grupo de mercenários norte-americanos e colombianos iniciava uma
operação militar na região costeira da Venezuela, mais precisamente na
localidade de Macuto.
A chamada Operação Gideon foi executada por mercenários
contratados por empresários venezuelanos radicados em Miami.
O plano consistia em invadir o país a partir de uma
localidade na costa venezuelana e iniciar uma campanha que terminaria com a
tomada de Caracas, mas acabou fracassando já naquela primeira ação e de forma
vergonhosa: alguns dos mercenários envolvidos foram capturados pela Marinha
venezuelana, mas outros foram rendidos por pescadores da localidade.
À época, foram levantados rumores sobre um possível
envolvimento do governo norte-americano na invasão dos mercenários. Tal
especulação era baseada nas relações entre o dono da empresa Silvercorp,
envolvida no episódio, o empresário canadense Jordan Groudeau, e figuras do
Partido Republicano próximas ao então presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump. Nunca foi apresentada, porém, provas suficientes para comprovar essa
teoria.
Oposição venezuelana tentou sete golpes desde chegada do chavismo ao poder https://t.co/ay5FnnuNTM
— Breno Altman (@brealt) July 29, 2024
Por: Victor Farinelli
Fonte: Opera Mundi