A explicação que os procuradores da "lava jato"
deram ao Supremo Tribunal Federal sobre o acordo com a Petrobras parece não
fazer muito sentido. Em ofício enviado ao ministro Alexandre de Moraes, os
procuradores afirmam que criaram o "fundo patrimonial" para poder
receber o dinheiro, porque o acordo da estatal com o Departamento de Justiça
dos Estados Unidos (DoJ), pelo qual ficou combinado o pagamento da multa,
estabeleceu que, se a verba não fosse entregue ao Ministério Público Federal,
ficaria com o Tesouro dos EUA.
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Procuradores da "lava jato" dizem ao
ministro
Alexandre de Moraes cumprir
cláusula inexistente de acordo da Petrobras
com o
Departamento de Justiça dos EUA
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Só que não existe essa previsão nos acordos da Petrobras nos
Estados Unidos. A estatal assinou dois acordos lá, um com o DoJ e outro, com a
SEC, a agência reguladora do mercado de capitais do país. Ambos os acordos
falam que a maior parte do dinheiro pago pela Petrobras a título de multa deve
ser enviado "às autoridades brasileiras". O acordo com o DoJ fala em
enviar 80% ao Brasil. O da SEC diz que o montante devido pela estatal
brasileira deve ser abatido do acordo assinado com os acionistas minoritários, também
nos EUA.
Nenhum dos acordos fala no Ministério Público ou impõe
condições para que o dinheiro seja enviado. Apenas estabelecem um percentual
mínimo de pagamento e instituem uma multa de 50% do valor devido, em caso de
desobedecimento.
As explicações dos procuradores foram enviadas para instruir
a ADPF ajuizada pela Procuradoria-Geral da República contra a criação do
"fundo patrimonial" no acordo da Petrobras. Na versão do MPF, o
acordo previa a criação desse fundo, a ser controlado pelo MPF no Paraná, para
receber metade do dinheiro pago pela estatal de petróleo. A outra metade
ficaria com quem instaurou processo arbitral contra a empresa.
O ministro Alexandre de Moraes suspendeu a criação do fundo,
mas manteve o acordo de pé. Segundo ele, não existe previsão legal para que o
dinheiro pago como multa num acordo de leniência vá para um fundo controlado
pelo MPF. O correto é que o dinheiro fique no Tesouro Nacional, para ressarcir
os entes lesados.
No ofício ao ministro, no entanto, os procuradores dizem ser
legítimos representantes dos interesses nacionais na negociação do acordo.
Citam três motivos. Primeiro, porque a autoproclamada força-tarefa é a
competente para processar e julgar os processos relacionados à corrupção na
Petrobras. Segundo, porque o caso trata de ofensa a direitos difusos da
sociedade, cujo representante no Brasil é o MP. E por último, porque o governo
americano, signatário original do acordo, não saberia dos malfeitos da
Odebrecht se não fossem as investigações.
Tudo isso para fugir do texto do Decreto 3.810/2001. O
decreto trata da nacionalização do acordo de cooperação penal entre Brasil e
Estados Unidos, MLat, na sigla em inglês. E o texto é claro, no artigo II, item
2, do Anexo I: “Para a República Federativa do Brasil, a Autoridade Central
será o Ministério da Justiça”.
A justificativa dos procuradores é que "o acordo, em
si, não trata de um instrumento de cooperação internacional, pois não envolveu
diretamente as autoridades norte-americanas". Na verdade, dizem os
procuradores, foi um esforço da força-tarefa da "lava jato" para
garantir o envio do dinheiro ao Brasil.
"Ao mesmo tempo em que o acordo não foi um instrumento
ou peça de cooperação internacional, mas apenas relacionado a tal cooperação,
ele tratou de matéria de atribuição cível da primeira instância, referentes aos
potenciais danos a acionistas minoritários e à sociedade brasileira",
tenta explicar o MPF.
Segundo pessoas próximas às negociações, é provável que os
procuradores do DoJ tenham entrado em negociações com o MPF por estarem em
busca de informações que só os procuradores tinham no momento. E que os
integrantes da "lava jato" tenham explicado que a autoridade
competente para a negociação, o Ministério da Justiça, é um órgão subordinado
ao presidente da República, um dos delatados pela Odebrecht.
A grande questão é que o DoJ não é exatamente um contraparte
do MP. O órgão, que integra o poder executivo dos EUA, reúne competências
equivalentes às do MP e do Ministério da Justiça brasileiros. E, mais importante,
seu comandante tem status de secretário, o equivalente a um ministro de Estado.
É, portanto, tão demissionário do presidente dos EUA quanto o ministro da
Justiça o é do presidente do Brasil.
Seria uma discussão de "suspeição institucional",
em vez de pessoal, explicou um advogado à ConJur, sob a condição de não ser
identificado. O conflito de interesse, disse ele, estaria no órgão, e não em
seus ocupantes, justamente porque ele está subordinado a uma pessoa que se
encontrava, no momento, em situação de conflito.
ADPF 568
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