A gestão da crise sanitária no Brasil está no foco da imprensa francesa desta sexta-feira (9). Os jornais destacam o aumento vertiginoso de mortes pela Covid-19 e a inércia do governo brasileiro diante da epidemia.
"O Brasil se transforma em laboratório de variantes a
céu aberto e preocupa o mundo" é manchete no jornal Ouest France.
O diário destaca que a ausência de medidas coordenadas contra a propagação do
coronavírus faz com que o país seja não somente palco de uma tragédia local,
mas também de "uma nova ameaça para a situação sanitária mundial".
Citado pelo Ouest France, o neurocientista
brasileiro Miguel Nicolelis classifica o Brasil como "uma
bomba-relógio". Segundo ele, com cerca de 100 mil novos casos de Covid-19
por dia, a inação do governo está resultando em mutações importantes do vírus.
O jornal Les Echos classifica a gestão da
epidemia pelo presidente Jair Bolsonaro como "um desastre absoluto",
denunciado por todas as organizações médicas e científicas do mundo inteiro. O
diário lembra a posição do líder da extrema direita brasileira desde o início
da crise sanitária, classificando o coronavírus como uma
"gripezinha", ostentando seu posicionamento contra o uso de máscaras
e contra as vacinas, minimizando uma tragédia que resulta hoje em mais de 345
mil mortos, em pouco mais de um ano.
Os jornais franceses afirmam que a má gestão da crise
sanitária no Brasil é uma ameaça para o mundo inteiro. AP - Andre Penner
"Se a política de Bolsonaro é um pesadelo, a
persistência da doença no Brasil preocupa o mundo", afirma o diário,
lembrando que "a luta contra a Covid-19 deve ser feita de forma conjunta,
por todos os continentes".
Le Figaro destaca que, desde janeiro, a situação
se agrava no Brasil, quando milhares de pessoas morreram no Estado do Amazonas
devido à falta de oxigênio nos hospitais. Desde então, a falta de ação do
governo vem resultando em recordes diários de mortes. Na quinta-feira (8),
foram registrados 4.249 óbitos em um período de 24 horas.
O jornal Libération destaca a média diária
de 2.800 óbitos por Covid-19 no Brasil, "um número que cresce todos os
dias de forma desesperadora", diz. A crise está longe do fim: "em seu
relatório semanal, a Fiocruz explica que a tendência é que essa situação
perdure nas próximas semanas", conclui Libé.
O presidente Jair Bolsonaro confirmou nesta terça-feira
(7) que foi infectado pelo novo coronavírus, tema classificado por ele
anteriormente como uma "gripezinha". Para especialistas, há uma
pergunta: o mandatário mudará as suas ações após pegar a doença que já infectou
mais de 1,6 milhão de brasileiros?
Após ter realizado três testes em março, depois de uma viagem oficial aos
Estados Unidos na qual vários integrantes acabaram testando positivo para a
COVID-19, Bolsonaro voltou a se sentir mal no fim de semana, e o quadro de
febre na segunda-feira (6) o fez ir ao hospital para exames e para um novo teste.
Dentre as repercussões, uma chamou a atenção: o ex-ministro
da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido por Bolsonaro por discordar
frontalmente das pressões contrárias ao distanciamento social, declarou
que o presidente deveria refletir neste momento.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o cientista político e
professor da Universidade Veiga de Almeida, Guilherme Carvalhido, avaliou que é
provável que Bolsonaro perceba que vive hoje uma contradição, considerando que
está com a COVID-19 e o seu discurso que rejeitava o isolamento social e o uso
de máscaras. Ele acha que um recuo já pode ser visto.
"Como ele foi contaminado há pouco tempo, a gente
tem que saber quais serão as consequências para a saúde do presidente [...] acredito
que isso fará com o discurso dele se torne o quê? Muito mais ameno e
contraponha aquilo que ele dizia lá no início [...] mesmo que a saúde dele não
seja tão afetada de forma significativa, ele terá que contrapor no seu discurso
inicial de que ele estava ali equivocado, que o discurso inicial dele de que a
pandemia não era grave não era correto, como nós já sabíamos", afirmou.
Contudo, nem todos acreditam que Bolsonaro voltará atrás. Em
suas declarações também nesta terça-feira (7), o presidente não indicou recuos.
Pregou que idosos e pessoas com comorbidade tomem mais cuidado. Sobre os
jovens, garantiu que "possibilidade de algo mais grave é próximo de
zero", algo que as estatísticas não dão sustentação.
Jair Bolsonaro come cachorro quente em Brasília durante
pandemia de coronavírus. Foto de 23 de maio de 2020.
O mandatário brasileiro ainda reforçou que está tomando
hidroxicloroquina, medicamento eficaz para doenças como malária, lúpus e
artrite, mas que já foi descartado pela comunidade científica dentro e
fora do Brasil como útil para tratar a COVID-19. A insistência de Bolsonaro é
uma mostra de como ele pensa, segundo o cientista político e professor da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando.
"Acredito que o presidente sempre está
ideologicamente muito convicto da sua visão de mundo e nem mesmo a doença o
fará mudar. Até porque ele deu uma entrevista não faz muito tempo e nela já deixou
claro que se tratou com a hidroxicloroquina, e disse que usando no início da
doença é 100% comprovado que não há o desenvolvimento de sintomas piores, o que
cientificamente não é correto. Se ele segue receitando um remédio que não tem a
sua eficácia comprovada, é pouco provável que ele vá mudar a sua postura em
relação à doença", ponderou.
Negacionismo em xeque
Depois de ver muitos assessores e ministros próximos
contraírem a COVID-19, muito se debateu sobre Bolsonaro ter sido ou não
infectado pela doença. Após os exames feitos em março darem negativo, o
presidente manteve o seu discurso favorável à flexibilização do distanciamento em prol da economia,
mesmo com a doença em aceleração no país.
Tal negacionismo do que vinha sendo indicado pela comunidade
médica e científica para lidar com o novo coronavírus colocou Bolsonaro em rota
de colisão com governadores e prefeitos. A dúvida é se, diante da sua infecção,
o presidente irá também recuar no negacionismo de raízes contrárias ao que
defende a ciência.
Para Guilherme Carvalhido, a perspectiva é que Bolsonaro dê
um passo atrás, sobretudo pela impressão dada à sociedade civil de que o
presidente se sentia imune à COVID-19, já que tentava não usar máscaras sempre
que possível e não fugia de aglomerações – às vezes, ele acabava provocando-as
em suas saídas do Palácio do Planalto.
"Ora bolas, ele estava ali mesmo sem saber que
estava com a COVID-19, sem a proteção necessária, então ele estava sendo o quê?
Infelizmente, foi irresponsável do ponto de vista social das suas atitudes,
visto que até mesmo ele poderia [ser infectado]. Isso não há dúvida que
reduzirá fortemente a questão negacionista", arriscou ele.
O cientista político e professor da Universidade Veiga de
Almeida ainda argumentou que o mandatário brasileiro tem hoje duas saídas
políticas: o silêncio ou a retratação. E pelo que ele chama de "lógica do
bolsonarismo", há um bom palpite do que deverá acontecer em Brasília.
"O silêncio eu acho que será o que mais ele vai adotar,
pela posição dele é mais fácil isso. Ou ele vai admitir o equívoco em relação à
sua posição inicial. Pelo meu entender, pela lógica política do que a gente
chama de bolsonarismo e pela própria figura do presidente, ele tenderá a ficar
em silêncio, mas não seria negativo ou ruim ele admitir a posição inicial como
equivocada", destacou.
Presidente Jair Bolsonaro acena para apoiadores durante
visita ao hospital de campanha em obras em Águas Lindas, em Goiás
Por sua vez, Rodrigo Prando buscou em um dos grandes
teóricos da sociologia, o alemão Max Weber, para explicar que Bolsonaro
possivelmente não está preocupado em mudar o seu discurso sobre o novo
coronavírus, mesmo diante da sua infecção. As convicções ideológicas seriam
mais importantes para o presidente, de acordo com ele.
"Tem um autor na sociologia que eu sempre uso
para os meus alunos nas aulas que é o Max Weber. Ele diz que todo aquele que
atua dentro da ética da convicção não está preocupado com o resultado das suas
ações, mas em apenas reafirmar as convicções dos seus valores e não se preocupa
com o resultado prático disso. O presidente Bolsonaro é aquele que se enquadra
exatamente dentro dessa visão weberiana de uma ética da convicção",
sentenciou.
O cientista político e professor da Universidade
Presbiteriana Mackenzie assinalou ainda que não vê o fim do negacionismo no
governo Bolsonaro, sendo uma prova disso o fato do próprio político estar
ingerindo a hidroxicloroquina, droga que pode gerar arritmia cardíaca em
pacientes portadores da COVID-19.
"Não acredito que seja o fim do negacionismo. Ele vai
dizer provavelmente que não sentiu muita coisa, que os sintomas foram brandos e
certamente fará isso associado à ideia do uso da hidroxicloroquina, até porque
já se sabe que o Exército já produziu uma quantidade enorme em seus
laboratórios", destacou.
Em um ponto os dois especialistas ouvidos pela Sputnik
Brasil concordam fielmente. "Se ele continuar a insistir [em negar], a realidade baterá à porta", finalizou Guilherme
Carvalhido.
O jornalista Leonardo Attuch comenta o diagnóstico de Jair
Bolsonaro, que mais se parece com uma operação de propaganda em defesa da
cloroquina
No Twitter
Bolsonaro diz estar tomado cloroquina contra a Covid19. Nos EUA, o presidente estaria violando as normas da FDA, que é agência governamental responsável pela regulamentação de medicamentos (link abaixo). A OMS tampouco recomenda o uso deste remédio https://t.co/uJQqXXt6t2
— Guga Chacra 🇧🇷🇺🇸🇱🇧🇮🇹🇦🇷 (@gugachacra) July 7, 2020
— Jota Camelo Lula da Silva (@ojotacamelo) July 7, 2020
Na sessão online de hoje à tarde na Câmara afirmo não ter qualquer esperança de que a doença tornará o presidente Jair Bolsonaro uma pessoa mais humana e melhor. Pelo contrário. Confira e compartilhe! pic.twitter.com/g3w9XjiqW7
"Eu ouço todos os dias depoimentos de pacientes que
tiveram uma 'gripezinha' graças a hidroxicloroquina […] Fica todo mundo achando
que a OMS é o padrão", afirma o jornalista, ex-Globo, no comentário
compartilhado por Bolsonaro
Calado desde que o Ministério da Saúde confirmou que o
Brasil ultrapassou as 50 mil mortes pelo coronavírus neste domingo (21), Jair
Bolsonaro preferiu compartilhar um comentário do jornalista Alexandre Garcia
sobre o tema nas suas redes sociais na manhã desta segunda-feira (22).
No comentário, Garcia diz que milhares de vidas poderiam ter
sido salvas se não houvesse a politização do uso da cloroquina “só porque o
Presidente da República foi o primeiro a aconselhar o uso da
hidroxicloroquina”.
“Eu ouço todos os dias depoimentos de pacientes que teve uma
‘gripezinha’ graças a hidroxicloroquina […] Fica todo mundo achando que a OMS é
o padrão”, afirmou o jornalista, ex-Globo, usando a expressão popularizada por
Bolsonaro e as críticas em relação à Organização Mundial da Saúde (OMS).
No comentário, o jornalista que atuou na ditadura militar e
é ferrenho defensor de Bolsonaro elogiou ainda o voto do ministro Marco Aurélio
Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), único que foi contra o prosseguimento
do inquérito das fake news no julgamento ocorrido em plenário.
“O único soldado de passo certo no batalhão. Foi 10 a 1. Ele
perdeu”, disse Garcia, com críticas ao inquérito ser conduzido pelo STF.
N dá p/ ouvir + de 1 minuto o piolho de ditador falar Quem és tu p/ receitar Hidroxicloroquina? Logo tu q só entende de formação de quadrilha? Acredito q a mulher dele receite veneno p/ o povo, afinal, existem MÉDICOS e MEDE CUS, com certeza ele mede CU FASCISTA ñ gosta de povo pic.twitter.com/e1yszGOhmq
Estudo da UFPel afirma que a taxa de letalidade por #Covid19 entre indígenas é de 9,6%, enquanto a média geral entre não indígenas é de 6%. Já são mais de 7 mil casos e 330 indígenas mortos pela Covid-19, segundo dados da @ApibOficial. #AsasDaEmergênciahttps://t.co/J4HZmp7ujW